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ANAIS GESTÃO DA DEMANDA EM CADEIAS FARMACÊUTICAS BRASILEIRAS: UM ESTUDO DE CASOS MÚLTIPLOS

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ANAIS

GESTÃO DA DEMANDA EM CADEIAS FARMACÊUTICAS BRASILEIRAS: UM ESTUDO DE CASOS MÚLTIPLOS

PRISCILA LACZYNSKI DE SOUZA MIGUEL ( priscila.miguel@fgv.br )

FGV-EAESP

MANOEL DE ANDRADE E SILVA REIS ( manoel.reis@fgv.br , manoel.as.reis@gmail.com )

FGV-EAESP

ALEXANDRE PIGNANELLI ( alexandre.pignanelli@fgv.br )

FGV-EAESP

Resumo

O efeito chicote identificado na cadeia de suprimento farmacêutica brasileira em pesquisas anteriores induziu a realização dessa pesquisa, para a qual foi adotada uma abordagem de caso, e que visou compreender os principais motivos desse efeito. Entrevistas com 21 empresas indicam como principais causas do efeito chicote observado: rede desenhada para obter melhor eficiência tributária e não logística, disputa por maior poder de barganha visando capturar maior valor na rede, o que leva a baixos índices de confiança e, em terceiro, a falta de recursos e competências internas para gerir melhor os processos de demanda e de integração entre empresas.

Palavras Chave

Cadeia farmacêutica, gestão da demanda, relacionamento na cadeia, efeito chicote.

Introdução

A gestão da demanda é um dos principais processos relacionados à Gestão da Cadeia de Suprimento (Supply Chain Management – SCM), contribuindo com objetivos como diminuição de custos operacionais, diminuição de estoques e aumento a satisfação dos clientes. O processo de gestão da demanda é, também, o responsável por balancear a capacidade produtiva da empresa e a sua demanda, bem como fazer a ligação entre os elos a montante e a jusante de uma cadeia por meio da sincronização entre oferta e procura.

Desde a obra de Forrester (1961) sobre amplificação da demanda no sentido do início da cadeia, denominada efeito chicote, a pesquisa acadêmica vem buscando meios para medir essa amplificação e sobre como aprimorar o fluxo de informações da demanda ao longo da cadeia de Sprimento (TAYLOR, 2006).

Tendo em vista que estudos anteriores revelaram a existência do efeito chicote e da falta de sincronização entre oferta e demanda na cadeia farmacêutica brasileira, o presente estudo, segunda etapa de um projeto de estudos sobre Gestão da Demanda na Cadeia Farmacêutica Brasileira, visa compreender as características da cadeia farmacêutica brasileira que podem explicar o aumento da dispersão da demanda no sentido do início da cadeia (questão de pesquisa).

Visando responder a questão de pesquisa, o estudo consistiu de uma pesquisa qualitativa, que envolveu entrevistas com diversos elos da cadeia (fornecedores, laboratórios, distribuidores, redes de farmácias, prestadores de serviços e associações de classe), totalizando mais vinte entidades.

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A análise dos dados evidencia que a falta de cooperação e de parcerias decorre de uma cadeia altamente influenciada pelo ambiente institucional brasileiro, falta de capacitação de profissionais na área, pouca confiança entre os parceiros e baixa mobilidade de recursos existentes. O ambiente, altamente regulamentado, resulta em poucos participantes, com alto poder de influência sobre os outros elos. Também se verificou-se que a cadeia não é gerida de forma integrada, mas que o gerenciamento de fornecedores e de demanda ocorrem de forma independente, com pouca troca interna de informações.

O artigo está estruturado como segue. Inicialmente, a seção Revisão de Literatura faz um apanhado de referências fundamentais sobre gestão de cadeias de Sprimento e gestão de demanda, bem como apresenta alguns dados para contextualizar a indústria farmacêutica brasileira. A seguir, a Metodologia é apresentada em detalhes, incluindo discussões sobre a adequação dos estudos de casos à presente pesquisa, a unidade de análise e as atividades de coletas de dados. A análise dos dados e os principais achados são discutidos na seção Resultados, enquanto a última seção do artigo apresenta as principais Conclusões do estudo, incluindo suas limitações e oportunidades para pesquisas futuras.

Revisão da Literatura

Gestão da Cadeia de Suprimento

Embora tenha suas origens nos anos 1980, o conhecimento sobre a gestão da cadeia de suprimento ainda está em debate no mundo acadêmico. Seu desenvolvimento teórico está em um estágio inicial, resultando em pesquisas publicadas que adotam diferentes definições e mostram pouca coerência (BURGESS; SINGH; KOROGLU, 2006; CHEN; PAULRAJ, 2004; MENTZER et al., 2001; GIBSON; MENTZER; COOK, 2005; HARLAND et al., 2006). O distanciamento entre os estudos acadêmicos e a prática é ainda maior (GIBSON; MENTZER; COOK, 2005; KOUVELIS; CHAMBERS; WANG, 2006; STOREY et al., 2006). Gibson, Mentzer e Cook (2005), por exemplo, realizaram uma pesquisa com os associados do Council of Supply Chain Management Professionals (CSCMP), com o propósito de examinar a gestão da cadeia de suprimento, segundo a percepção dos gestores de empresas. Enquanto a maioria dos associados identifica o caráter estratégico da prática, o estudo ressalta a defasagem entre os modelos e suas aplicações. O estudo enfatiza ainda a distinção que os gestores fazem entre gestão de fornecimento e gestão de demanda, tratados de formas distintas (GIBSON; MENTZER; COOK, 2005) e (TAN, 2001).

A gestão da cadeia de suprimento pressupõe parcerias entre seus membros, buscando a melhoria de desempenho individual e da cadeia como um todo. A melhoria dos resultados é decorrente da integração de processos para cada elo, relacionamentos de longo prazo baseados em confiança e comprometimento, colaboração entre empresas em decisões e projetos estratégicos e compartilhamento de informações (COOPER; LAMBERT; PAGH, 1997; COOPER; ELLRAM, 1993; BECHTEL; JAYARAM; 1997; MENTZER et al., 2001). As empresas passam a adotar uma visão sistêmica e estratégica, cuja unidade de análise é a cadeia.

Um dos debates atuais sobre SCM refere-se ao enfoque que deve ser dado na sua implantação. Segundo Lambert, Cooper e Pagh (1998), a integração ocorre no nível da atividade a ser executada, sendo oito os processos gerenciais em destaque:

1) Relacionamento com o cliente – identifica as necessidades e especificações de cada cliente e mede a lucratividade associada com cada um;

2) Serviço ao cliente – tem a função de atendimento do cliente e é o canal direto de comunicação com a empresa;

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4) Atendimento a pedidos – gerencia os pedidos recebidos e acompanha datas e entregas; 5) Gerência do fluxo de manufatura – visa garantir a flexibilidade, custos e qualidade de

produtos;

6) Compras – responde pelo relacionamento com fornecedores e a entrega de insumos; 7) Desenvolvimento de produto e vendas – operacionaliza as necessidades dos clientes,

seleciona materiais e fornecedores para um novo produto e desenvolve tecnologia de produção, projetando também a estrutura de suprimento de produto;

8) Logística reversa – destina produtos retornados e identifica oportunidades de melhorias.

Segundo essa corrente, as empresas se unem para administrar e monitorar conjuntamente processos, com o envolvimento de várias áreas funcionais e alto fluxo de informação ao longo da rede. O foco não está na interação entre as diversas funções, mas na atividade a ser controlada. Assim, a atuação de cada empresa depende da cadeia em que está inserida e da importância da atividade específica que a mesma realiza nessa cadeia (LAMBERT; COOPER; PAGH, 1998).

Em contrapartida, Mentzer et al. (2001) apresentam SCM como uma visão sistêmica e estratégica, implantada por duas ou mais empresas, cujo enfoque é interfuncional e estratégico. Segundo essa perspectiva, a gestão da cadeia só é implantada quando as organizações a consideram como parte de sua estratégia e dedicam esforços gerais da empresa. A abordagem enfatiza a coordenação inter organizacional para administração conjunta das atividades, como fator de vantagem competitiva e requer que todos os processos sejam integrados (MENTZER et al., 2001).

Independente da abordagem utilizada, a gestão da cadeia de suprimento tem enfoque nos oito processos gerenciais destacados anteriormente e assume que empresas dentro da mesma cadeia desenvolvem em conjunto. Frohlich e Westbrook (2001), no entanto, enfatizam que A presente pesquisa teve como objetivo principal avaliar o processo de gestão de demanda nas cadeias farmacêuticas e, por essa razão, este é discutido em profundidade a seguir.

Processo de Gestão de Demanda

Um dos importantes processos da gestão da cadeia de suprimento é a gestão da demanda, responsável por equilibrar a demanda e a capacidade da empresa e da cadeia como um todo (LAMBERT; COOPER; PAGH, 1998). Este processo, ilustrado na Figura 1 tem por objetivo balancear as necessidades dos clientes com suas operações e inclui previsão de demanda e sincronização com as áreas de produção, compras e distribuição, permitindo à empresa ser mais proativa para as vendas previstas e reagir mais rápida e eficientemente em casos de demanda inesperada (CROXTON et al., 2002).

Figura 1 - A sincronização da cadeia

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Taylor (2006, p. 164) definiu a gestão da demanda como “estudo das estruturas e eficácias de canais de informação e procedimentos usados para tratar a demanda ao longo da cadeia de suprimento, tanto interna como externamente. Inclui a análise detalhada da natureza da informação da demanda que é passada ao longo dos canais, como previsão de demanda, ordens, aditivos e reconciliações.”

Esse tópico tem sido explorado desde o trabalho seminal de Forrester (1961) sobre a dinâmica industrial, que reconhece que as variações de taxas de produção nas empresas são normalmente maiores que as variações nas taxas de compras dos consumidores finais. Essa diferença seria decorrente da amplificação de pequenos distúrbios ao longo da cadeia e da falta de informação entre seus elos.

Trabalhar de forma eficiente e eficaz na gestão da demanda tem efeitos positivos nos resultados das empresas, uma vez que pode reduzir o chamado “efeito chicote” e, consequentemente, os custos operacionais da empresa (METTERS, 1997; LEE; PADMANANABHAM; WHANG, 1997). “Efeito chicote” é a amplificação da variação da informação da demanda, quando transmitida entre os elos, resultado de distorções que ela sofre à medida que é passada aos primeiros membros da cadeia. No caso de um produto com vendas estáveis no varejo, que para ser abastecido ao consumidor final passa por um fornecedor primário de matéria-prima, um fornecedor intermediário, uma empresa de manufatura e um distribuidor, à medida que a demanda prevista é trabalhada nestes elos, ela sofre com diferentes processos de planejamento e com as incertezas dos profissionais que lidam com a informação. Quando chega ao fornecedor primário, a demanda pode ser altamente instável. Os resultados são estoques excessivos, baixo nível de serviços a clientes, perda de receitas e de clientes, ineficiência na capacidade produtiva e no transporte e problemas de planejamento, entre outros (LEE; PADMANABHAM; WHANG, 1997).

Croxton et al. (2002) reforçam que o processo de gestão de demanda tem tanto elementos estratégicos quanto operacionais, conforme apresentado na Figura 2. Estrategicamente, a empresa define a estrutura para gerenciar o processo, enquanto, operacionalmente, atualiza as informações de demanda e executa as atividades diárias. A definição estratégica necessariamente ocorre antes da fase operacional.

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Figura 2 - Subprocessos estratégicos e operacionais da gestão da demanda

Fonte: Adaptado de Croxton et al. (2002, p. 53) – tradução dos autores Os elementos estratégicos consistem de seis etapas:

1) Determinar os objetivos e a estratégia de gestão de demanda de acordo com a estratégia da empresa e com a estrutura da cadeia, identificando potenciais gargalos; 2) Determinar os procedimentos de previsão de demanda de acordo com o produto e com

as fontes de evidências – Croxton et al. (2002) ressaltam que o método de previsão de demanda varia de acordo com o volume e com a variabilidade da mesma, sendo necessário adotar múltiplos procedimentos, conforme o tipo de demanda (ver Figura 3);

3) Planejar o fluxo de informação, isto é, determinar as fontes de dados, como a informação é transmitida internamente à organização e dentro da cadeia e quais são as pessoas e canais envolvidos de acordo com o tipo de informação;

4) Determinar procedimentos de sincronização necessários para ajustar a demanda às capacidades de manufatura, logística e compras;

5) Desenvolver um sistema de gerenciamento de contingências, responsável por responder rapidamente às interrupções internas e externas que ocorrem entre demanda e fornecimento;

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Figura 3 - Procedimentos de previsão de demanda de acordo com produto e tipo de demanda

Fonte: Adaptado de Croxton et al. (2002, p. 56) – tradução dos autores

Uma vez estabelecidos os procedimentos estratégicos, as empresas devem executar os procedimentos de previsão de demanda e sincronização com a produção e o fornecimento, através da coleta de dados, do forecasting apropriado dos produtos, da sincronização com outras partes da empresa e da cadeia, da redução da variabilidade e aumento da flexibilidade da cadeia e medindo seu desempenho. O resultado é um plano executável de demanda que inclui planos de produção e de inventário, comunicados a diferentes áreas da organização e da cadeia (CROXTON et al., 2002).

As maiores dificuldades encontradas para uma gestão eficiente da demanda estão relacionadas aos relacionamentos entre os elos. Para que a informação transmitida ao longo da cadeia seja precisa, é necessário que exista confiança e cooperação entre seus membros. Caso contrário, cada elo buscará se proteger, aumentando seus estoques de segurança, mas trabalhando apenas com futurologia. Segundo Lee, Padmanabham e Whang (1997), as principais causas desse efeito são a atualização de forecast não padronizada e sem consenso ao longo da cadeia, lotes de pedidos acima dos necessários, negociações de preços pontuais e falta de confiança entre os elos, resultando em problemas de escassez de estoques.

Embora vários autores argumentam que o efeito chicote não pode ser evitado (CROXTON et al., 2002; DEJONCKHERE et al.; 2003; CHATFIELD et al., 2004), há diversas maneiras de atenuá-lo. Geary et al. (2006) listam, baseados em extensa revisão de literatura, dez princípios que ajudam a mitigar o problema: sistemas de controle adequados para as metas da cadeia, redução de lead-times, compartilhamento de informação, redução de elos da cadeia, sincronização, alinhamento com fornecedores de equipamentos, previsão e atualização de demanda precisa, redução dos efeitos de produção e compras em batelada, eliminação de variações de preços, através da implementação da política de “preço baixo todo dia” ao contrário de políticas de descontos e transparência de informação para evitar o uso de estoque como uma forma de alavancagem. Croxton et al. (2002) concordam, ressaltando que a maior parte da variabilidade da demanda é inevitável, mas que a gestão da demanda tem como objetivo eliminar práticas gerenciais que aumentem essa variabilidade, de forma a introduzir políticas que a amenizam, desenvolvendo planos de contingência, que resultem em atendimento ao cliente mais efetivo e eficiente. Algumas causas de variabilidade de demanda têm suas possíveis soluções conhecidas, conforme pode ser visto no Quadro 1.

Apesar de aparentemente simples, a resolução das causas de demanda instável pode esbarrar no tipo de relacionamento entre os membros de determinada cadeia. Segundo Holweg et al. (2005), existem quatro tipos de configurações de cadeias, baseadas no nível de colaboração de empresas em termos de planejamento e de controles de inventário

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Causas de demanda instável Possíveis soluções na cadeia

Promoções para clientes Planejar de forma colaborativa as promoções.

Metas de vendas Desenhar metas consistentes que evitam concentração de vendas em

determinados períodos.

Termos de pagamentos Revisar prazos e termos com clientes que garantam que as vendas não

afetem os padrões de compras.

Preços e incentivos Trabalhar com vendas e marketing para oferecer descontos que realmente

representem aumento de vendas no longo prazo.

Quantidades mínimas de pedidos Garantir que todos os custos sejam inclusos no cálculo do lote mínimo de compras.

Canais de distribuição Incorporar a volatilidade de demanda nas decisões relacionadas ao design

da rede.

Quadro 1 - Fontes internas de variabilidade de demanda e possíveis soluções

Fonte: Croxton et al. (2002, p. 63) – Tradução nossa

0) tradicional, em que as organizações trabalham de forma independente e sem interação nenhuma em termos de ordens de produção e reposição de estoques; 1) com troca de informação, onde os processos de planejamento são independentes, mas há comunicação sobre demanda e planos de ação; 2) com reposição de estoques controlada pelo fornecedor, que assume a responsabilidade de manter o inventário do distribuidor e, consequentemente, seus níveis de serviço e 3) cadeias sincronizadas, o que elimina um ponto de decisão e onde o fornecedor incorpora a informação de demanda em seus processos de produção e gestão de estoques; 4) cadeias com nível máximo de colaboração.

Tendo estes fatores em mente, o presente estudo procurou avaliar as características de relacionamento na cadeia farmacêutica brasileira que forneçam explicações para a existência do efeito chicote e a falta de colaboração entre os diversos membros desta rede. Na próxima seção, a indústria é apresentada brevemente, antes de descrever a metodologia utilizada. Indústria Farmacêutica no Brasil

A indústria farmacêutica é um dos setores mais rentáveis da economia global, principalmente em função de seu alto grau de inovação, que resulta em barreiras para novos entrantes, seja pela obtenção de patentes ou pela necessidade de altos investimentos em pesquisa e desenvolvimento, alta regulamentação do setor, necessidade de altos índices de qualidade e confiabilidade de produtos (CAPANEMA, 2006). Segundo Capanema, (2006), as diversas barreiras impostas para novos entrantes e também as altas margens justificam a pouca prioridade que se dá à redução de custos e ganhos de economias de escalas no setor.

No Brasil, a indústria farmacêutica também possui forte atuação sobre a economia, com faturamento em 2009 de U$ 15,9 bilhões, segundo dados da Abiquim (2010), configurando uma queda de 7,4% em relação ao ano anterior, depois de uma recuperação do setor no período de 2003 a 2008.

É uma indústria altamente fragmentada, mas com concentração de vendas em poucas firmas, que, em sua maioria, são subsidiárias de multinacionais. Suas operações normalmente consistem na produção e distribuição de medicamentos, sendo dependente de importações de matérias-primas, com atividades de inovação normalmente realizadas no exterior (BASTOS, 2005). Apesar dos altos retornos, é uma indústria altamente regulamentada e com preços controlados pelo governo desde 2001 (ROMANO; PELAJO; SILVA, 2007). O setor também é altamente tributado – aproximadamente 25% da receita de vendas são impostos (AMARAL, 2006).

Em 2000, a indústria farmacêutica no Brasil sofreu novo impacto com a entrada dos produtos genéricos, derrubando uma de suas principais barreiras de entrada (CAPANEMA, 2006).

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Como alternativa à concorrência, várias empresas dominantes desenvolveram suas próprias linhas de genéricos.

A cadeia produtiva farmacêutica brasileira é apresentada na Figura 4. Os laboratórios, representados no esquema como indústria farmacêutica, são abastecidos por indústrias químicas, farmoquímicas, empresas de embalagens e pelos próprios laboratórios, sendo esses próprios da organização, como sua matriz ou outras subsidiárias e eventualmente por outros laboratórios. As compras são realizadas nacionalmente e através de importações.

Os laboratórios são responsáveis pela produção efetiva dos medicamentos e abastecem, por sua vez, distribuidores e grandes redes de farmácias, além de centrais de compras e órgãos públicos, estes atuando para fornecer o produto para o varejo, que entrega o produto ao paciente final. O mercado farmacêutico ainda atua fortemente sobre médicos e especialistas como canal de influência no poder de compra do consumidor final.

Figura 4 – Mapeamento da Cadeia Farmacêutica no Brasil Fonte: Desenvolvido pelos Autores

Metodologia

O presente trabalho adotou o estudo de caso como estratégia de pesquisa, visto que seu objetivo era entender o processo de demanda e o nível de sincronização entre demanda e suprimento das cadeias farmacêuticas brasileiras (YIN, 1984; MEREDITH, 1998). Para Yin (1984), o estudo de caso pode ser definido como uma estratégia de pesquisa empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e esse contexto não são claramente evidentes. Já Stake (2000) define que um estudo de caso é tanto o processo de aprendizagem sobre determinado caso quanto o produto do que se aprende. Deve ser um exame extensivo de um único exemplo de um interesse (COLLIS; HUSSEY, 2005). Em comum, essas definições especificam que o estudo de caso propõe-se a estudar um fenômeno em profundidade dentro do contexto em que ele ocorre, sendo um evento contemporâneo, sobre o qual não há controle. O enfoque da pesquisa está no detalhamento da análise do evento ou caso, e busca entender a dinâmica presente em condições simples de sua ocorrência (EISENHARDT, 1989).

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Foram realizadas entrevistas com diversas empresas e entidades atuantes no setor. Durante o período de abril de 2010 a fevereiro de 2011, foram realizadas mais de 20 entrevistas, com duração média de 90 minutos. As entrevistas foram analisadas individualmente e os resultados comparados de forma a obter um panorama geral do setor. O quadro 2 apresenta um resumo das empresas entrevistas. O perfil dos respondentes principais é apresentado no quadro 3.

Empresa Número de participantes

Fornecedores 4 Laboratórios ou indústria 4 Distribuidores 4 Redes de Farmácias 4 Associações de classe 3 Prestadores de serviços 2 Total 21

Quadro 2 – Empresas Participantes

Perfil dos respondentes principais Número de participantes

Gestão estratégica/Administrativo 4 Compras 5 Vendas/Comercial 3 SCM ou Logística 5 Operações 1 Financeiro 1

Consultor ou Prestador de Serviço 2

Total 21

Quadro 3 – Perfil dos Respondentes

Para a coleta de dados, os pesquisadores usaram um roteiro semiestruturado, com perguntas divididas em dois grupos: perguntas sobre os relacionamentos na cadeia e perguntas sobre os processos internos da empresa. O uso de um roteiro semiestruturado permite que os pesquisadores explorem determinados temas objeto de pesquisa, ao mesmo tempo que permite que os entrevistados forneçam informações adicionais quando necessário (procurar referências).

A unidade de análise do presente estudo foi a cadeia de suprimento farmacêutica, visto que o interesse era entender as relações existentes que explicam a gestão de demanda nesta cadeia.

Análise dos Dados

A análise das entrevistas foi dividida em três sub-grupos que fornecem um panorama geral da cadeia farmacêutica: evolução histórica da cadeia farmacêutica, relacionamentos entre os elos e processos internos das empresas.

Evolução Histórica da Cadeia Farmacêutica

Como visto na Figura 4, a cadeia farmacêutica está estruturada numa matriz de fornecimento de matérias primas basicamente importadas e materiais de embalagens nacionais, produção nos laboratórios, distribuição feita por grandes distribuidores e redes de farmácia e varejo altamente pulverizado, com estimativas que variam de 50a 70 mil pontos de venda.

A cadeia farmacêutica, embora com atuação nacional, apresenta características regionais distintas, com concentração de atuação dos laboratórios na região sudeste, grandes distribuidores localizados principalmente nas regiões Sudeste, Centro Oeste e Norte. A região Norte é basicamente atendida por distribuidores locais, em função da dificuldade de acesso a diversos pontos de consumo. Com crescimento em participação em vendas, as grandes redes

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de varejo estão situadas em grandes polos ou cidades, principalmente em SP e no RJ, enquanto os distribuidores desempenham a sua função logística de atender os pontos de vendas independentes que tem atuação em pequenas cidades e na periferia dos grandes centros. Paralelamente, existe um novo elo na cadeia, representado por distribuidores menores e regionais, que realizam a distribuição de medicamentos a partir de centros como capitais dos estados do nordeste e norte, onde o acesso é dificultado.

O fornecimento de matérias primas nacionais é limitado, principalmente em função da falta de incentivo governamental à indústria farmoquímica e a concorrência de produtores internacionais. Atualmente, as empresas fornecedoras da indústria farmacêutica são certificadas pela ANVISA, o que dificulta a entrada de novos players nacionais. Por outro lado, a competição com produtos importados é alta, pois apesar dos longos leadtimes, há benefícios na importação de matéria prima, segundo empresários do setor.

Em contrapartida, o fornecimento de material de embalagem é em sua maioria realizado localmente por empresas que atendem não só a indústria farmacêutica, mas também os ramos de alimentos e cosméticos. O volume para a área farmacêutica não é muito grande comparado aos outros setores, mas apresenta alta lucratividade. Os fornecedores de embalagem se sentem pressionados por um lado pelos laboratórios e do outro pelo fornecedor de papel, que desenvolveu e certificou papel específico para o setor. Por outro lado, estão protegidos em relação à concorrência de novos entrantes, devido à barreira de exigência de certificação. A produção da indústria farmacêutica pode ser dividida em três grupos: indústria produtora de medicamentos de referência (patentes), laboratórios de genéricos e produtores de similares. Com a liberação pelo governo da produção de genéricos e similares em 2000, a indústria de produtos de referência passou a enfrentar nova concorrência e perdeu poder de negociação com distribuidores e redes varejistas. Hoje a participação dos genéricos no setor está próxima de 25%.

Apesar da indústria farmacêutica estar presente no Brasil há várias décadas, a estrutura da cadeia está em constante evolução. As entrevistas enfatizaram a existência de períodos de desenvolvimento de diferentes elos e de alternância de poder.

Segundo relatos de entrevistados, até a década de 80, os laboratórios eram responsáveis por atender o varejo diretamente, mas, em função do aumento dos pontos de vendas e da necessidade da indústria se voltar para pesquisa e desenvolvimento, o papel do distribuidor passou a ser relevante. Neste momento, houve uma migração de colaboradores das empresas para o ramo da distribuição, como prestadores de serviço para cada laboratório.

Para que os distribuidores pudessem se tornar independentes das indústrias, estas empresas passaram a fornecer serviços para a os concorrentes, comprando estoques dos laboratórios e fazendo com que o produto chegasse aos diferentes pontos de vendas. Nesta época, o Brasil apresentava altos índices inflacionários e os distribuidores lucravam com a compra de grandes quantidades de estoque dos laboratórios e a revenda para os pontos de venda. Ademais, a guerra fiscal brasileira, que favorece a instalação de centros de operações em estados diferentes de forma a obter benefícios tributários, promoveu a ênfase em engenharia tributária em detrimento do planejamento logístico. Atualmente, por esse motivo, as rotas dos medicamentos no Brasil são mais extensas do que necessário do ponto de vista logístico, afetando os estoques na cadeia. O papel dos distribuidores na cadeia farmacêutica até recentemente estava associado à três operações: logística, vendas e crédito. Enquanto as duas primeiras operações são naturalmente associadas a este elo, o crédito é uma particularidade do ambiente brasileiro.

Até o início da década de 90, o varejo farmacêutico brasileiro era constituído por pequenos pontos de venda, de caráter familiar, com pouca gestão profissional, chamados de farmácias

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independentes. Embora o número de pontos de venda independentes ainda seja muito alto (50 a 70 mil), atualmente o mercado varejista está em transformação, com a formação de redes associadas e também com a presença de grandes redes. A presença de muitos pontos de vendas independentes e com pouca gestão, além da falta de fiscalização incentivou um comércio paralelo de medicamentos, que dificultou o controle de estoques na cadeia. Recentemente, porém, a introdução da nota fiscal eletrônica e a substituição tributaria do setor, exigiram a readequação dos papéis dentro da cadeia e suprimento. Muitos players do setor que tinham suas operações baseadas na chamada “heterodoxia fiscal” perderam poder e tamanho e estão sendo obrigados a redesenhar suas estratégias.

O setor de distribuição ainda apresenta outra particularidade: a alta concorrência entre as diversas empresas deste elo e a falta de gestão profissional criou um sistema de pronto-atendimento no varejo. Segundo representantes do setor, os distribuidores realizam entregas diárias nas farmácias, ficando com o encargo dos estoques. Com as margens sendo pressionadas, muitos distribuidores quebraram nos últimos anos.

A lucratividade da indústria farmacêutica, embora ainda bastante alta, foi ameaçada pela liberação dos genéricos. O aumento da concorrência e as alternativas de fornecimento para a distribuição e para o varejo fizeram com que os laboratórios perdessem boa parte do seu poder de barganha frente aos outros elos. Essa situação, no entanto, está sendo driblada pelos seus representantes de duas formas: 1. Os laboratórios passaram a aumentar o volume de vendas diretamente para as grandes redes, sem a intermediação dos distribuidores. 2. Paralelamente, os laboratórios grandes introduziram a chamada “Operação Logística”, queconsiste em uma força de vendas própria dos laboratórios, concentrada em atender diretamente os pontos de venda de maior volume. Usando pessoal próprio, a indústria vende aos varejistas e a entrega é feita pelo distribuidor que, nesses casos, retorna a seu papel meramente logístico. Os distribuidores reclamam que esta operação não é saudável, pois parte de suas operações não é recompensada, mas para a indústria, esta é uma forma de se aproximar novamente do varejo. Para as pequenas redes de varejo, a operação logística apresenta um trade off entre maior transparência e organização logística e sua capacidade de negociação no processo de compras. Segundo um respondente, a operação logística melhora o processo, mas resulta em menor lucratividade.

Relacionamentos Internos e Externos

Uma das importantes conclusões é que a cadeia farmacêutica brasileira não foi planejada para ter eficiência logística e promover melhores níveis de satisfação do cliente, tendo em vista que a evolução do setor foi influenciada por aspectos institucionais que proporcionaram maior poder de barganha a diferentes elos da cadeia em diferentes setores.

A pesquisa revelou que a cadeia é caracterizada por falta de confiança entre os diversos elos e também pouca sincronização interna nas empresas. Em todas as entrevistas realizadas, verificou-se que não existe intenção de parceria com outras empresas, embora, esta seja reconhecida como uma melhor prática. A guerra de poder de barganha entre os diversos elos e a competição entre as empresas de um mesmo elo refletem-se na falta de transparência e de compartilhamento de informações entre as partes.

As entrevistas revelaram a influência do governo sobre a cadeia, visto que, medidas regulatórias e fiscais adotadas no Brasil resultaram em necessidade de adequação dos representantes da empresa. Como exemplos já citados anteriormente, a lei dos genéricos aumentou a concorrência e diminuiu o poder dos laboratórios de referência e o aumento da fiscalização fiscal que reduziu o tamanho do setor de distribuição na cadeia farmacêutica. Como as entrevistas foram realizadas em ano de eleição para presidência do país, muitos respondentes manifestaram a incerteza em relação às medidas que afetariam o setor, como,

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por exemplo, a medida que exige a manutenção de medicamentos atrás do balcão nas farmácias. Os respondentes também questionaram a continuidade do programa Farmácia Popular, anunciado pelo governo Lula. Segundo vários entrevistados, embora o programa tenha sido apresentado como uma alternativa para a população de baixa renda, a operacionalização do programa apresenta várias limitações. Entre as restrições informadas, está o problema de credenciamento dos pontos de venda. As redes questionam a dificuldade que têm para credenciar todos os seus pontos de venda, pois o cadastro ocorre por loja e não pela rede. Na visão dos distribuidores, o governo procura comercializar o produto, favorecendo a aproximação entre a indústria e o varejo, desconsiderando a presença dos distribuidores e incentivando a indústria a operar de forma direta com este canal.

O relacionamento conflituoso entre indústria e distribuidores ficou evidenciado nas entrevistas. Enquanto a indústria busca melhorar seus índices de desempenho logístico através da procura pela informação no varejo e de alternativas de fornecimento, em nenhum momento, a alternativa de trabalhar de forma mais próxima com algum distribuidor é cogitada. Um exemplo é referente aos dias de estoque de produtos acabados na cadeia. Os laboratórios possuem metas de estoques tanto na indústria quanto no distribuidor, mas esta meta não é informada ao outro membro da cadeia. Em contrapartida, quando o laboratório considera que o estoque está alto, as vendas são suspensas, sem negociação ou resolução de possíveis conflitos que possam evitar rupturas ou problemas de excesso de estoque. O relacionamento passado impede a aproximação entre esses elos, embora a literatura enfatize os ganhos que as empresas podem obter pela gestão conjunta e pelo compartilhamento de conhecimento. Com as redes, embora o relacionamento seja mais recente, a busca de parceria também não é aparente. As empresas ainda estão mais voltadas para atingimento de metas internas.

Segundo prestadores de serviços do setor, a cadeia farmacêutica ainda é caracterizada por um sistema de empurrar estoques para os próximos elos e pela falta de competência logística e de liderança. Apenas recentemente nota-se uma movimentação no elo de distribuição para incorporar as melhores práticas de gestão de cadeia.

Do lado do fornecimento, a falta de colaboração também é manifestada, mas por motivos diversos. Segundo alguns fornecedores, o valor das matérias primas adquiridas localmente é muito baixo para que a indústria tenha interesse em manter relacionamentos mais próximos. Os relacionamentos, no entanto, são menos conflituosos, talvez em função da menor dependência que os fabricantes locais de embalagem tenham em relação à indústria farmacêutica e do pouco volume que este setor representa para as empresas de um modo geral. Os fornecedores, por seu lado, estão protegidos pela dificuldade que os laboratórios têm para certificar novos fornecedores, representando uma situação de “lock-in”.

As entrevistas também evidenciaram que não existe um grande alinhamento interno entre as diferentes funções dentro da empresa, ressaltando a existência de “silos”. Embora as empresas estejam buscando melhorar o compartilhamento de metas internas, ainda existem conflitos entre as diversas áreas, que impedem que as áreas de vendas e compras trabalhem com os mesmos números de demanda. Percebeu-se que, nos laboratórios visitados, a gestão de fornecimento e a gestão de demanda, são trabalhadas como processos independentes.

Pode-se concluir que a existência de vários participantes na cadeia farmacêutica, competindo entre si resultou em uma rede do tipo associativa ou assimétrica, onde existe alta redundância nas contribuições, isto é, existem organizações fornecendo ao mesmo tempo o mesmo tipo de resultado, com baixo custo de troca entre fornecedores /clientes (CROOK; COMBS, 2007; MCCARTER; NORTHSCRAFT, 2007). Neste tipo de cadeia, cada parte exerce sua atividade

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independente do outro e o poder de barganha é normalmente concentrado em um único elo mais forte, que se apropria da maior parte dos ganhos.

A lógica que norteia este princípio é proposta por Crook e Combs (2007). A criação de valor em um relacionamento Inter organizacional é resultante de dois componentes: uma parcela individual gerada pelos recursos internos da empresa e uma parcela resultante da interação entre empresas. A apropriação deste valor criado é disputada pelos integrantes da relação de acordo com o poder de barganha de cada um dos envolvidos (BRANDENBURGER; STUART, 1996, COFF, 1999; BOWMAN; AMBROSINI, 2003, PETERAF; BARNEY, 2003; LEPAK; SMITH; TAYLOR, 2007). Este poder de barganha depende de quatro fatores (COFF, 1999): a) Capacidade de atuação de forma coesa frente ao outro membro da cadeia; b) Acesso a informações chave; c) Alto custo de substituição para a empresa; d) Facilidade de migração para outra empresa em função de baixos custos. Uma visão diferente é proposta por Crook e Combs (2007), para quem o poder advém dos recursos disponíveis na cadeia, do seu controle e concentração e também da estrutura entre os diversos membros. O acesso a informações na cadeia permite que as empresas estimem as dependências de outros membros e capturem maior porcentagem de ganhos nas negociações (CROOK; COMBS, 2007).

De acordo com as entrevistas, a maior parte da lucratividade desta cadeia está na indústria, responsável pelo produto. As altas margens existentes no setor podem ser configuradas como a parcela individual gerada pelos laboratórios. A fatia que cabe aos fornecedores de matéria prima e material de embalagem, embora representativa para estas empresas quando comparadas com outros setores, é pouco significativa no valor criado na cadeia como um todo. A margem do varejo e da distribuição também é pequena e suas parcelas individuais são decorrentes de eficiência logística e tributária.

Como por muito tempo, os distribuidores eram a única alternativa dos laboratórios para atender o varejo, este elo atingiu um alto poder de barganha frente aos laboratórios. Por outro lado, a alta lucratividade dos laboratórios começou a ser impactada com a liberação da produção de genéricos no Brasil e estes foram obrigados a buscar novas opções de ganhos e passaram a disputar o varejo com distribuidores. Ao mesmo tempo, a distribuição farmacêutica perdeu força com o fim da inflação, o aumento da fiscalização e a concorrência com as grandes redes.

Esta disputa por poder de barganha nesta rede resultou em uma cadeia pautada por relacionamentos conflituosos e sem colaboração. A falta de confiança entre os diversos elos impede o compartilhamento de informações, considerado um recurso de negociação e aumenta a distorção das informações de demanda no setor. O foco na lucratividade interna na empresa impede que as empresas visualizem o benefício que podem obter em conjunto com outras empresas, atuando mais como competidoras do que como parceiras.

Processos Internos

Como mencionado na seção anterior, existe nas empresas visitadas uma segregação entre os processos de gestão de demanda e fornecimento, embora, em muitas situações, eles façam parte da mesma estrutura organizacional. Foi observado que as empresas ainda possuem forte visão interna, procurando atender aos objetivos da empresa e sem foco na cadeia como um todo.

Para um respondente, embora a indústria esteja em um processo de amadurecimento em termos logísticos e de gestão de suprimentos, existem ainda grandes conflitos entre os diversos setores da empresa, com disputas de poder e falta de uma visão mais abrangente. As entrevistas realizadas com os laboratórios evidenciaram que existe pouco interesse em conhecer os processos de outros departamentos, resultando em falta de eficiência. Outro respondente entende que existe na cadeia farmacêutica uma cultura de resistência de

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integração a outros elos e de busca por poder e menores preços, que impossibilita a visão de rede. Em suas palavras, “as pessoas (deste setor) não estão preparadas para uma mudança de paradigma”. A indústria procurou introduzir iniciativas de gestão de integração, mas sem estar preparada internamente. Os principais motivos citados seriam a falta de um alinhamento com o departamento de recursos humanos, falta de vontade política e a necessidade de apresentar resultados imediatos.

Um ponto que foi constantemente citado nas entrevistas é a pouca capacitação dos profissionais que atuam no setor, principalmente em termos logísticos e de planejamento. Vários respondentes mencionaram a alta rotatividade de pessoal entre as empresas, impulsionada pela concorrência das empresas de genéricos. Neste sentido, reforça-se que vários dos entrevistados estavam a pouco tempo nas empresas. Principalmente nos distribuidores, notou-se um movimento de reorganização interna, para busca de competitividade e aumento de poder frente à indústria. O setor de distribuição e de varejo tem buscado novos talentos em setores fora da indústria farmacêutica que possam ajudar a estruturar a rede logística.

A indústria tem procurado reduzir o efeito chicote, obtendo informações sobre dados do varejo diretamente, mas ainda não é capaz de visualizar o que acontece nos distribuidores. Neste caso, um dos grandes prestadores de serviços do setor é a empresa IMS, que fornece informações integradas para os diversos setores.

As entrevistas sugerem que o setor farmacêutico é carente de mão de obra especializada em processos logísticos e práticas de gestão da cadeia de Sprimento na maioria dos elos. Embora as empresas estejam trabalhando para implementar várias ferramentas internamente, há necessidade de melhor alinhamento interno e liderança para promover o avanço do conhecimento da importância estratégica de gestão de demanda e de fornecimento internamente. Apenas com o desenvolvimento de competências internas, o setor poderá atingir um bom nível de acurácia de previsões de demanda e minimizar o efeito chicote na cadeia. Processos como S&OP, que já estão sendo implantados nas empresas, permitirão que as empresas caminhem para o alinhamento interno. Para permitir integração com outras empresas, no entanto, haverá necessidade de forte apoio da alta administração para vencer barreiras culturais entre empresas.

Há um movimento ocorrendo nos distribuidores que sugere que estes já perceberam a necessidade de nova forma de atuação. Impulsionados pelas dificuldades enfrentadas atualmente, estas empresas estão em busca de novas estruturas organizacionais e estão revendo processos para fornecer um novo tipo de serviço.

As entrevistas evidenciaram também a importância do controle de estoques nos diversos laboratórios, principalmente ditada pela matriz. Existe hoje maior preocupação com o estoque em trânsito e também com os estoques gerais dos distribuidores. No entanto, o estoque ainda é importante como forma de negociação com os distribuidores e com as redes.

Outro ponto mencionado, principalmente pelas redes, é a existência de alto índice de ruptura de fornecimento de determinados medicamentos. Segundo este elo, a indústria ainda não é capaz de manter um bom nível de serviço por ciclo, principalmente em função de falta de matéria prima importada.

Conclusões

Com o objetivo de entender as causas do efeito chicote na cadeia farmacêutica, este estudo realizou uma série de entrevistas com diversas empresas do ramo. Os resultados sugerem que as causas de uma gestão de demanda caracterizada pelo efeito chicote são: rede desenhada para obter melhor eficiência tributária e não logística, disputa por maior poder de barganha de forma a capturar maior valor na rede, resultando em baixos índices de confiança e falta de

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recursos e competências internas para gerir melhor os processos de demanda e de integração entre empresas.

A pesquisa possui algumas limitações. Em primeiro lugar, o enfoque dado foi para laboratórios multinacionais de produtos de referências, não tendo sido tratado neste caso, laboratórios de genéricos ou similares. A pesquisa foi limitada a empresas com atuação regional principalmente no Sudeste e Sul do país. Não foi feita nenhuma entrevista com empresas com maior atuação no Norte ou Nordeste. Como o mercado farmacêutico é altamente regionalizado, características adicionais devem ser encontradas nestas regiões. Ademais, por se tratar de estudo de caso, os resultados desta pesquisa são limitados às empresas que participaram das entrevistas, não devendo ser feita nenhuma generalização dos seus resultados.

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