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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

Processo: 03B2788 Nº Convencional: JSTJ000

Relator: FERREIRA DE ALMEIDA Descritores: DIREITO INTERNACIONAL

LIVRANÇA TAXA DE JURO

CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS CONSTITUCIONALIDADE

LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ Nº do Documento: SJ200310160027882 Data do Acordão: 16-10-2003

Votação: UNANIMIDADE Meio Processual: REVISTA

Sumário:

I. Às livranças emitidas em território nacional, e neste pagáveis, pode deixar de observar-se o preceituado nos arts. 48° e 49º da LULL (v.g a taxa de juro de 6%), por não se haver de considerar o Estado Português vinculado à observância das regras convencionais de direito internacional quando elas, por invocadas e atendíveis razões supervenientes à respectiva aceitação/subscrição, forem excluídas da ordem jurídica interna.

II. Para tal será, porém, necessária a invocação das razões constantes do preâmbulo do DL 262/83, de 16/6 - «cláusulas rebus sic stantibus» - o que tornará lícita e legítima a desvinculação das citadas normas convencionais e a sua substituição pelas constantes de subsequentes diplomas de direito interno que estabeleçam uma taxa de juro moratório diferente da fixada nos nºs 2 dos artºs 48º e 49º, ambos da Lei Uniforme.

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III. Assim aos juros moratórios das livranças emitidas e pagáveis em Portugal é aplicável, em cada momento, a taxa que decorre do disposto no artº 4º do DL 262/83 de 16/6 e não a prevista nos nºs 2 dos artºs 48º e 49º da LULL.

IV. Se o recorrente, subscritor da livrança, negar falsamente haver aposto a sua assinatura no título a que se reportam os autos - tendo ficou provada uma tal aposição de assinatura - deduziu esse subscritor oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar (por se tratar de um facto pessoal), sendo assim de concluir pela existência de dolo na respectiva actuação processual - integrando, manifestamente uma tal conduta a previsão típica da litigância de má-fé contemplada no artº 456º, nº 2, do CPC.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. BANCO A propôs contra B, C e D acção ordinária, a correr termos na 12ª Vara Cível de Lisboa, pedindo a condenação dos RR. a pagar-lhe a quantia de 12.556.274$00, acrescida de juros vencidos e vincendos, à taxa de 15%, correspondente ao capital consubstanciado em livrança de que a A. é portadora, alegadamente subscrita pela 1ª R. e avalizada pelos 2° e 3°RR.

2. Contestou apenas o R. D, negando ter aposto a sua assinatura na livrança em causa, quer na qualidade de avalista, quer na de gerente da sociedade subscritora e, bem assim, sustentando a ilegalidade da taxa dos juros peticionados, concluindo pela improcedência da acção.

3. Em resposta, pronunciou-se a A. pela autenticidade da assinatura em causa, pedindo a condenação do R. contestante em multa e indemnização como litigante de má fé.

4. Por sentença de 13-3-02, o Mmo Juiz da 12ª Vara Cível da Comarca de Lisboa julgou a acção procedente condenando, em consequência, os RR. a pagar à A. a quantia peticionada, acrescida de juros, bem como, o R. contestante, como litigante de má fé, na multa de 30 UC e em indemnização à A., incluindo nesta as despesas com os honorários forenses.

5. Inconformado, veio o Ré D apelar, centrando a sua discordância relativamente à decisão recorrida nas seguintes questões:

- sobre a quantia titulada pelos títulos cambiários em causa apenas poderiam incidir juros moratórios à taxa legal de 6% nos termos do artº 48º, II, da LULL, pelo que a sentença recorrida, ao condenar o recorrente no pagamento de juros moratórios à taxa supletiva legal das operações civis, violou o disposto nos artºs 48º e 77º da LULL;

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- é manifestamente ilegal a sua condenação como litigante de má fé, pois que não deduziu qualquer pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar (artº 456° do C PC), sendo que a decisão recorrida não demonstra, por qualquer forma, de que modo o recorrente litiga de má fé condenando-o, não com base em factos alegados e provados, mas em meros juízos conclusivos e em ilações manifestamente abusivas da conduta processual dos recorrentes.

Porém, o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 27-2-03, negou provimento ao recurso.

6. De novo irresignado, desta feita com tal aresto, dele veio o recorrente recorrer de revista para este Supremo Tribunal, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:

1ª- O portador da livrança só pode exigir dos demais obrigados cambiários juros de mora à taxa de 6% desde a data do vencimento, nos termos do disposto no ano 48° da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças (LULL) aplicável às livranças, «ex-vi» do artº 77º do mesmo diploma;

2ª- No caso «sub judice» sobre a quantia titulada pelo referido título cambiário apenas poderiam incidir juros moratórios à taxa legal de 6%, nos termos previstos no artº 48º da LULL;

3ª- O douto acórdão recorrido, ao manter a condenação do recorrente no pagamento de juros moratórios à taxa supletiva legal para as operações civis, violou o disposto nos artºs 48º e 77º da LULL;

4ª- Nos termos do artº 456º, nº 2 do C PC, a condenação como litigante de má fé implica a demonstração de que o recorrente deduziu pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, pressupondo necessariamente a existência de dolo;

5ª- A decisão recorrida não demonstra, por qualquer forma, de que modo o recorrente litiga de má fé, condenado-o com base em factos alegados e provados, mas em meros juízos conclusivos e ilações manifestamente abusivas da conduta processual do recorrente;

6ª- A condenação do recorrente como litigante de má-fé é manifestamente ilegal, pois este não deduziu qualquer pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar (v. art. 466° do CPC);

7ª- No caso «sub judice» não resulta que o recorrente tivesse praticado qualquer acto susceptível de integrar a conduta prevista no artº 456º, nº 2, do CPC e muito menos que tenha agido com dolo, sendo certo que se limitou a alegar os factos pelos quais se pretendia demonstrar a falsidade das assinaturas apostas na livrança.

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8. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

9. Em matéria de facto relevante deu a Relação como assentes os seguintes pontos, com remissão para o assentamento feito em 1ª instância:

1º- A A. é portadora da livrança junta a fls. 3, que aqui se dá por integralmente reproduzida, no valor de 12.556.274$00, com data de vencimento de 25-10-95;

2º- Tal livrança encontra-se avalizada por C, ora 2° R.

3º- Por escritura pública de 18-5-95, o 3° R., D, cedeu a E as quotas de que era titular na 1ª Ré - F - nos termos e condições constantes do doc. junto a fls. 24 e ss., aqui dado por integralmente reproduzido;

4º- O R. D apôs a sua assinatura na livrança referida sob o nº 1º, na qualidade de gerente da subscritora, a ora 1ª R.;

5º- Bem como no verso de tal livrança, no lugar destinado ao aval;

6º- Em Agosto de 1992, foi creditado na conta da 1ª Ré o montante de 10.000.000$00, titulado pela livrança referida sob o nº 1, acrescido de juros e comissões, em conformidade com o teor do documento de fls. 71, aqui dado por reproduzido.

Passemos agora ao direito aplicável.

10. 1ª- Questão: Taxa de juro aplicável às operações cambiárias. Vem, de há muito, constituindo jurisprudência firmada, quer do TC quer dos tribunais ordinários, a aplicabilidade às letras e livranças pagáveis no território português de uma taxa superior à constante da respectiva Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças (LULL).

No artº 13° do Anexo II da Convenção de Genebra de 7 de Junho de 1930 contemplava-se a possibilidade/faculdade de que qualquer das Partes Contratantes tinha a faculdade de determinar, no respeitante às letras passadas e pagáveis nos seus territórios, que a taxa de juro referida nos artºs 48º e 49º, nº 2, da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças - no montante de 6 % - poderia ser alterada e substituída pela taxa legal em vigor nos seus territórios, sendo, todavia, que Estado Português só fez reserva de não se aplicar nos seus territórios coloniais.

É certo que o direito internacional convencional prevalece, em princípio, sobre o direito interno (artº 8º, nº 2, da CRP), e tais normas convencionais continuam - pacificamente e em princípio - a aplicar-se em relação aos títulos transnacionais ou pagáveis no estrangeiro.

Contudo, relativamente às letras e livranças emitidas em território nacional, e neste pagáveis, pode deixar de observar-se o preceituado nos arts. 48° e 49º da referida Lei, por não se haver de considerar o Estado Português vinculado à

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observância das regras convencionais de direito internacional quando elas, por invocadas e atendíveis razões supervenientes à respectiva aceitação/subscrição, forem excluídas da ordem jurídica interna.

Para tal será, porém, necessária a invocação das razões constantes do preâmbulo do DL 262/83, de 16/6 - «cláusulas rebus sic stantibus» - o que tornará lícita e legítima a desvinculação das citadas normas convencionais e a sua substituição pelas constantes de subsequentes diplomas de direito interno, na circunstância aquele DL (conf. Ac do STJ, de 6-1-88, in Bases de Dados da DGSI - -JSTJ 00011300). Temos pois que, não obstante o que consta do artº 48°, nº 2º, da LULL, podem ser pedidos e exigidos juros à taxa estabelecida pelo DL 262/83, de 16/6 superior, pois, à prevista naquele inciso normativo.

A jurisprudência dominante dos nossos tribunais anteriores considera não estar ferida de inconstitucionalidade a norma do artº 4° do DL 262/83, de 16/6, que estabelece uma taxa de juro moratório diferente da fixada nos nºs 2 dos artºs 48º e 49º, ambos da Lei Uniforme.

O direito internacional positivo atribui o efeito de caducidade dos compromissos convencionais à alteração das circunstâncias que rompam o equilíbrio global das obrigações deles constantes, ao ponto de se tomar manifestamente irrazoável, injusto ou contrário à boa fé a exigência do seu cumprimento (conf. o Ac do STJ, de 7-11-90 -JSTJ 0000 5486).

A este propósito, extracta-se do Ac do TC de 12-10-88, in BMJ nº 380º pág 183, o significativo segmento que se segue:

- Em princípio, a cláusula rebus sic stantibus" só opera em processo através do qual seja possível determinar a modificação do quadro circunstancial, estabelecer a sua dimensão e intensidade, e, quando for caso disso, fixar a respectiva caducidade, mas o Estado interessado pode deixar de cumprir o tratado a partir do momento em que expressamente invoque a modificação das circunstâncias, de harmonia com o princípio segundo o qual os sujeitos de direito internacional estão autorizados em cada momento a agir conforme o que julgam ser o seu direito. A grave fractura aberta em Portugal desde 1980 entre a taxa legal de juros de mora das diversas obrigações pecuniárias civis e comerciais e a taxa convencional aplicável aos juros moratórios das dívidas tituladas por letras e livranças, representa uma alteração das circunstâncias tal que conduz à extinção do compromisso de respeitar a taxa dos artºs 48º e 49º da Lei Uniforme, significando o texto preambular do DL 262/83 de 16/6 a inequívoca invocação pelo Estado Português dessa alteração, traduzindo uma declaração de vontade no sentido de fazer cessar a vigência daqueles preceitos uniformes na parte em que estabelecem a taxa de juros de mora de 6% - (sic).

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Assim, - ainda na esteira desse Ac do TC, - a alteração da taxa de juros de mora das letras emitidas e pagáveis em território português promovida pelas disposições conjugadas do DL 262/83 e da Port 581/83 de 18/5 não viola qualquer norma internacional convencional, nem o princípio constitucional da primazia do direito internacional convencional sobre o direito ordinário interno" (igualmente sic).

-"The last but not the least", o Assento do STJ de 13-7-92, in BMJ nº 419º, pág 75, decidiu que - nas letras e livranças emitidas e pagáveis em Portugal, é aplicável, em cada momento, aos juros moratórios à taxa que decorre do disposto no artº 4º do DL 262/83 de 16/6 e não a prevista nos nºs 2 dos artºs 48º e 49º da LULL.

Doutrina que é de continuar a seguir, tendo em atenção o postulado no nº 3 do artº 8º do C. Civil, nos termos do qual - nas decisões que proferir o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito -.

11. Litigância de má-fé.

Finalmente, não assiste, de igual modo, qualquer razão ao recorrente, no tocante à questionada condenação por litigância de má-fé. Estatui o artº 456°, nº 2 do CPC considerar-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:

a)- deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b)- alterar a verdade dos factos ou omitir factos relevantes para a decisão da causa;

c)- praticar omissão grave do dever de coação;

d)- tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

Ora, demonstrado ter o recorrente negado falsamente haver aposto a sua assinatura da livrança a que se reportam os autos - quando ficou provada uma tal aposição de assinatura - dúvidas não restam de que deduziu oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar (por se tratar de um facto pessoal) pelo que não poderia deixar de se concluir - tal como decidido pelas instâncias -, pela existência de dolo na sua actuação processual - integrando, manifestamente, uma tal conduta a previsão típica contida no citado preceito.

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12. Decisão:

Em face do exposto, decidem: - negar a revista;

- confirmar, em consequência, o acórdão recorrido. Custas pelo recorrente.

Lisboa, 16 de Outubro de 2003 Ferreira de Almeida

Abílio Vasconcelos (com a declaração de que entendo não ser de conhecer, in casu, do recurso na falta referente à condenação do recorrente como litigante de má-fé, por sobre essa decisão tal já havido recurso em um grau (art. 456º n. 3 do C.P.C.) e não ter havido alteração da factualidade em que a condenação assentou.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

Processo: 0434725 Nº Convencional: JTRP00037242

Relator: FERNANDO BAPTISTA Descritores: JUROS DE MORA

LETRA

Nº do Documento: RP200410150434725 Data do Acordão: 15-10-2004

Votação: UNANIMIDADE Meio Processual: AGRAVO. Decisão: PROVIDO.

SUMÁRIO:

I - Com o artigo 4 do Decreto Lei n. 263/86, de 16 de Junho, o legislador teve em conta razões de mais elementar justiça, atendendo às profundas alterações económicas vigentes em Portugal, maxime à (muito) elevada taxa de inflação, atento o índice de preços no consumidor, em comparação com a dos demais Estados Contratantes da Convenção de Genebra de 1930.

II - Tendo deixado de existir as circunstâncias excepcionais que levaram a rejeitar a aplicação da taxa de juros da LULL, não se vê razão para que o Estado Português não continue obrigado a permitir a aplicação da taxa de juro (de 6%) -- por não contrária à boa fé a exigência do seu cumprimento-- fixada naquela Convenção Internacional, como sempre ocorreu, até porque tal Convenção não foi objecto de qualquer reserva ou denúncia.

III - Isto não obstante o teor do Assento do STJ n. 4/92 - aliás, surgido apenas por razões de conjuntura económica, já ultrapassadas ou desaparecidas, como parece claramente resultar dos seus elementos histórico e teleológico-- , pois que hoje os assentos já não são vinculativos do julgador, antes têm um simples papel pedagógico,

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programático ou unificador da jurisprudência, já que o Decreto Lei n. 329-A/95, de 12 de Dezembro revogou o artigo 2 do Código Civil que lhes dava força de lei e, pelo artigo 17, n. 2, mandou-os sujeitar à disciplina do artigo 732-A, do Código de Processo Civil.

IV - Como tal, o portador de letras e livranças, emitidas e pagáveis em Portugal, quando o respectivo pagamento estiver em mora, pode, ao reclamar os juros de mora daquele contra quem exerce o seu direito de acção, optar pela taxa fixada na Convenção ou pela taxa dos juros legais.

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO:

No processo executivo que no Tribunal da Comarca de S. João da Madeira correu termos sob o nº .../...TBSJM, em que é exequente a A..., S.A., e executados B... & ..., Lda e outro, veio a exequente dar à execução as quatro letras de câmbio identificadas a fls. 9-12, por as haver descontado à sacadora, letras essas que não foram pagas, não obstante várias vezes apresentadas a pagamento.

A exequente pretendia, assim, obter o pagamento do montante titulado em cada uma das referidas letras de câmbio, bem como os juros, à taxa de 6% (previstos na LULL), desde as datas dos vencimentos das letras.

Por entender ser aplicável em sede de juros de mora, desde a data da entrada em vigor da Portaria nº 291/2003, de 8 de Abril - isto é, desde 2 de Maio de 2003--, a taxa nesta prevista (de 4%), o tribunal a quo indeferiu parcial e liminarmente o requerimento executivo “na parte em que, a partir de 2 de Maio de 2003, se refere a juros de vencidos e vincendos que excedam a taxa de 4%” (cfr. fls. 18).

Inconformada com o assim decidido, veio a exequente interpor recurso de agravo, apresentando as pertinentes alegações que remata com as seguintes

“CONCLUSÕES:

1- O artigo 4 do Dec. Lei 262/83 dispõe que o credor, portador da letra, livrança ou cheque, pode exigir os juros legais em vez dos juros estipulados na Convenção (nº 2 dos artigos 48 e 49 da L. U.)

2- O verbo utilizado pelo legislador (“pode”) não se traduz numa imposição ou imperatividade, tão só teve-se em vista acabar com o prémio conferido aos devedores de pagarem juros moratórias à taxa de 6% quando na altura a inflação era

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3- Como as razões de conjuntura económica do País desapareceram não há razão para continuar "suspensa" a aplicação da taxa de juro da L. U. por alteração das circunstâncias.

4- É, Pois, legitimo o pedido pela recorrente da taxa de juros de 6% da L. U. por falta de imperatividade do artigo 4º do Dec. -Lei 262/83, sendo certo, também, que não se mostram revogados os artigos 48º e 49º da L. U., nem a Convenção foi objecto de reserva pelo Estado Português.

5 - De facto, desde 1983, o credor sempre pode optar entre peticionar juros à taxa prevista na Convenção ou à taxa legal.

6 - O Assento 4/92, tirado em conjuntura diferente, vem no seguimento desse entendimento da necessidade, em Portugal, de os credores poderem cobrar juros moratórias condizentes com a situação económica da altura.

7 - De resto, o Assento mesmo que interpretado deforma diferente não teria natureza vinculativa e devia ser entendido, visto histórica e teleologicamente, como não actual e até passível de alteração de posição, corno já aconteceu a outros Assentos.

8 - A doura decisão recorrida, com todo o respeito, viola o disposto no artigo 48º da L.U.L.L. e o artigo 4º do DL 262/83, de 16/6.

Nestes termos e nos que doutamente V Exas. suprirão, deve considerar-se aplicável a taxa de juro de 6% peticionado pela recorrente, dando-se assim provimento ao recurso de agravo pois

SERÁ DE JUSTIÇA”

Não houve contra-alegações.

Foram colhidos os vistos. Cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II. 1. AS QUESTÕES:

Tendo presente que:

- O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil);

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- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, a única questão suscitada pelo agravante consiste em saber se desde a entrada em vigor da Portaria nº 291/2003, de 8 de Abril - em 2.5.2003-- podia a exequente das letras de câmbio peticionar juros à taxa de 6%, por aplicação do disposto no artº 48º da LULL, ou apenas os juros à taxa de 4% prevista na dita Portaria.

Vejamos.

II. 2. FACTOS PROVADOS:

Os supra relatados.

III. O DIREITO:

Instaurou a agravante execução para pagamento de quantia certa com base em letras de câmbio de que era portadora, por as haver descontado à sacadora, tendo calculado juros moratórios à taxa de 6% ao ano, desde as datas do vencimento das letras (cfr. fls. 8).

Dispõe o artº 48º, da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças:

“O portador pode reclamar daquele contra quem exerce o direito de acção: 1º O pagamento da letra [...];

2º Os juros à taxa de 6% desde a data do vencimento; [...]”.

Foi precisamente com base neste normativo da LULL que a exequente reclamou os peticionados juros moratórios.

A questão da taxa de juros a incidir sobre letras, livranças e cheques sofreu forte alteração com o Dec.-Lei nº 263/83, de 16 de Junho, cujo artº 4º dispôs: “O portador das letras, livranças e cheques, quando o respectivo pagamento estiver em mora, pode exigir que a indemnização correspondente a esta consista nos juros legais” - o negrito é nosso.

Trata-se de um dispositivo que surgiu numa altura em que a taxa dos juros legais ascendia a 23% ! Pelo que o legislador teve em conta razões de mais elementar justiça - acabando com o prémio que vinha sendo concedido aos devedores de quantias tituladas por letras, livranças e cheques, em relação aos demais devedores, já que aqueles apenas pagavam juros à aludida taxa de 6%, o que era injusto e até imoral. E,

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como escreveu um saudoso Professor de Coimbra, o direito é tão moral que deixa de ser jurídico se atentar abertamente contra a moral.

Esteve, assim, o legislador atento às alterações económicas vigentes em Portugal, maxime à taxa de inflação, à data muito elevada, atento o índice de preços no consumidor, em comparação com a dos demais Estados Contratantes da Convenção - taxa essa que em muito excedia a aludida taxa de juros estipulada na LULL.

Com a entrada em vigor do citado artº 4º do DL nº 263/86, gerou-se, assim, uma “guerra” jurídica sobre qual, afinal, a taxa de juros a aplicar às letras e livranças emitidas e pagáveis em Portugal, entendo uns ser a de 6% prevista na LULL e outros a dos juros legais previstos no artº 559º do CC e Portarias ali referidas - não importando aqui explicitar as razões, por de todos sobejamente conhecidas, que levaram a optar por um ou outro entendimento, tanta a jurisprudência e doutrina que discorreu sobre a matéria.

Para pôr termo a essa “guerra”, surgiu o Assento do STJ nº 4/92, de 13.07, publicado no DR nº 290, I Série-A, de 1992.12.17, pág. 5819, que dispôs:

“Nas letras e livranças emitidas e pagáveis em Portugal é aplicável, em cada momento, aos juros moratórios a taxa que decorre do disposto no artº 4º do Decreto-Lei nº 263/83, de 16 de Junho, e não a prevista nos nºs 2 dos artsº 48º e 49º da Decreto-Lei Uniforme sobre Letras e Livranças” - negrito da nossa autoria.

E assim, passou a entender-se serem aplicáveis às aludidas letras e livranças as taxas de “juros legais” previstos no referido artº. 4º do DL 263/83 e artº 559º do CC, em conjugação com as Portarias que concretamente os previam, designadamente, as Portarias nºs 581/83 de 18.05, 339/87 de 24.04, 1171/95 de 25.09 e 262/99 de 12.04, que instituíram as taxas, respectivamente, de 23%, 15%, 10% e 7%.

Entende a agravante que devem poder ser exigidos, agora, os juros de 6% previsto naquele LU.

Quid juris?

Cremos que a razão está do lado da agravante.

Não nos parece que a razão da agravante esteja no simples facto de o citado DL nº 263/83 falar em que “o portador da letras, ...pode exigir....juros legais”.

É certo que das palavras deste diploma acabadas de citar parece resultar ter sido intenção do legislador desse DL 263/83 - pelas razões de justiça já afloradas, emergentes de excepcionais circunstâncias económicas-- permitir ao credor fazer a opção pela taxa de juro que melhor lhe conviesse (a da Lei Uniforme ou a dos juros legais). É isto, aliás, também, o que resulta do texto do acórdão que levou ao próprio assento, onde se escreveu:

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“Na verdade, é princípio de direito internacional que a alteração das circunstâncias que rompam o equilíbrio global das obrigações constante dos compromissos convencionais, ao ponto de se tornar injusta ou contrária à boa fé a exigência do seu cumprimento, pode conduzir à caducidade de tais compromissos. Trata-se da aplicação prática da cláusula rebus sic stantibus, hoje codificada no artº 6º da Convenção de Viena.

Esta cláusula vem estipular que qualquer estado possa deixar de cumprir a Convenção a partir do momento em que «invoque a modificação das circunstâncias, conforme o princípio de que os sujeitos de direito internacional estão autorizados, em cada momento, a agir de harmonia com o que julguem ser o seu direito.

Público e notório que, desde há alguns anos, profundas alterações ocorrem no domínio dos quadros económico, financeiro e cambiário. Como consequência a taxa de juros moratórios saltou de 5% para 23%, terminando com o então existente equilíbrio da taxa de juro de 6% do credor cambiário com a taxa aplicável às obrigações cambiárias.

Este facto, como referimos já, conduz forçosamente à extinção do compromisso assumido pelo Estado português quanto à manutenção desta taxa de 6%,...”.

Portanto, se parece que foi intenção do legislador do DL nº 262/83 permitir ao credor fazer a opção pela taxa de juro que melhor lhe conviesse (a da Lei Uniforme ou a dos juros legais), o certo é, também, que tal opção não parece resultar da redacção do próprio Assento, pois do mesmo o que resulta é que a taxa a aplicar é (e só) a dos juros legais: “é aplicável, em cada momento, aos juros moratórios, a taxa que decorre do disposto no artº 4º do Decreto-Lei nº 262/83, de 16 de Junho, e não a prevista nos nºs 2 dos arts. 48º e 49º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças”.-.sublinhado e negritos nossos.

Com o Assento pôs-se, portanto, ponto final na contenda: a taxa a aplicar às letras e livranças, emitidas e pagáveis em Portugal, passaria a ser a que, em cada momento vigorasse para os juros legais, decorrente do referido DL nº 262/83, e não a taxa de 6% prevista na LU.

As coisas, porém, alteraram-se substancialmente.

De facto, com o decurso dos anos, surgiram, entre outras, duas modificações significativas, resultantes:

- Do desaparecimento-- fruto de igualmente profundas alterações no domínio dos quadros económico e financeiro-- do (excepcional) desequilíbrio da taxa de juro de 6% prevista na LU para o credor cambiário com a taxa de juros legais prevista no artº 559º do CC

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Se até à entrada em vigor da Portaria nº 262/99, a taxa dos juros legais era superior à de 6% prevista na LU, o certo é que com a revogação de tal Portaria pela Portaria nº 291/03, de 08.04 - que entrou em vigor em 2 de Maio desse ano de 2003--, os juros legais de mora passaram a ser à taxa anual de 4%-- ou seja, inferiores aos 6% que a própria LULL prevê.

Qual, então, a taxa de juros a aplicar às letras e livranças, emitidas e pagáveis em Portugal, a partir da entrada em vigor da Portaria nº 291/03, de 08.04?

Como dissemos, cremos assistir razão à agravante.

Em primeiro lugar, tendo deixado de existir as circunstâncias excepcionais que levaram a rejeitar a aplicação da taxa de juros da LU - no dizer do referido assento, as “profundas alterações... no domínio dos quadros económico, financeiro e cambiário”--, por ter deixado de existir o desequilíbrio entre a taxa da LU e a dos juros legaiscambiário”--, antes se tendo aproximado as duas taxas, não vemos razão para não voltar a aceitar a exigência da taxa de 6% da LU, já que não vai “ao ponto de se tornar injusta ou contrária à boa fé a exigência do seu cumprimento” (texto do acórdão que levou ao assento).

Poder-se-á observar que se quando os juros legais eram superiores aos 6% da LU a imposição desta última taxa consubstanciava um prémio aos devedores de letras e livranças comparativamente aos demais, também a aceitação da faculdade do credor das letras e livranças poder exigir agora juros de 6% quando os legais são já inferiores pode traduzir um prémio para tais credores e consequente penalização aos obrigados nas letras e livranças.

Não cremos que assim deva ser entendido.

Em primeiro lugar, a diferença da taxa de juros da LU (6%) e da aludida Portaria nº 291/93 (4%) não é significativa - nada tendo a ver com a diferença (de 17%!) existente à data da entrada em vigor do DL 262/83, pelo que logo por isto não nos repugna aceitar que o credor das letras ou livranças possa exigir os 6%.

Em segundo lugar, há que ter em conta que se é certo que do assento nº 4/92 resultava que a taxa de juros aplicável às letras e livranças emitidas e pagáveis em Portugal passava a ser, não a de 6% da LU, mas, sim, a dos juros legais resultantes das aludidas Portarias, o certo é, também, que com o DL nº 329-A/95, de 12.12, o valor dos assentos foi radicalmente alterado.

Efectivamente, os assentos têm hoje um simples papel programático ou unificador, não vinculando o julgador. É que o citado DL nº 329-A/95 revogou o artº 2º do Código Civil que lhes dava força de lei e, pelo artº 17º, nº2, mandou-os sujeitar à disciplina do artº 732º-A, do C.P.Civil.

Portanto, hoje os assentos já não são vinculativos, mas meramente pedagógicos ou uniformizadores da jurisprudência.

(15)

Posto isto, cremos que atentas as demais razões supra explanadas - inexistência das excepcionais circunstâncias que motivaram a não aplicação da taxa da LU e inexistência de desequilíbrio sensível entre a taxa da LU e a dos juros legais--, a melhor solução é a de permitir à agravante exigir juros de mora à taxa de 6% da LU - assim dando, aliás, satisfação ao critério opcional que já resultava da letra do citado artº 4º do DL nº 262/83: “O credor das letras..., pode exigir que a indemnização correspondente consista nos juros legais” - sublinhado nosso.

Percute-se: “pode exigir” - ou seja, pode optar por uma das duas aludidas taxas(4% ou 6%).

Tendo optado pela de 6% prevista na LU, cremos que mal andou a decisão recorrida.

Aliás, atenta a referida modificação das circunstâncias económicas em Portugal-- que levaram à recusa da aplicação da taxa de 6% da LU - e considerando, até, que os índices de inflação em Portugal são semelhantes aos dos demais Estados Contratantes, não vemos razão para que o Estado Português não continue obrigado a permitir a aplicação da taxa de juro (de 6%) fixada naquela Convenção Internacional, como sempre ocorreu, até porque tal Convenção não foi objecto de qualquer reserva ou denúncia.

O referido Assento 4/92 surgiu apenas por razões de conjuntura económica, já ultrapassadas ou desaparecidas, como parece claramente resultar dos seus elementos histórico e teleológico, nada obstando a que se aplique a taxa de juros moratórios prevista na LULL.

De todo o explanado resulta que é nosso entendimento que a exequente/agravante podia peticionar, in casu, juros calculados à taxa anual de 6% mesmo a partir da entrada em vigor da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (2 de Maio de 2003)-- tal resulta, além do mais supra explanado, do princípio do dispositivo.

CONCLUINDO:

Com o artº 4º do DL nº 263/86, de 16 de Junho, o legislador teve em conta razões de mais elementar justiça, atendendo às profundas alterações económicas vigentes em Portugal, maxime à (muito) elevada taxa de inflação, atento o índice de preços no consumidor, em comparação com a dos demais Estados Contratantes da Convenção de Genebra de 1930.

Tendo deixado de existir as circunstâncias excepcionais que levaram a rejeitar a aplicação da taxa de juros da LULL, não se vê razão para que o Estado Português

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contrária à boa fé a exigência do seu cumprimento-- fixada naquela Convenção Internacional, como sempre ocorreu, até porque tal Convenção não foi objecto de qualquer reserva ou denúncia.

Isto não obstante o teor do Assento do STJ nº 4/92 - aliás, surgido apenas por razões de conjuntura económica, já ultrapassadas ou desaparecidas, como parece claramente resultar dos seus elementos histórico e teleológico-- , pois que hoje os assentos já não são vinculativos do julgador, antes têm um simples papel pedagógico, programático ou unificador da jurisprudência, já que o DL nº 329-A/95, de 12.12 revogou o artº 2º do Código Civil que lhes dava força de lei e, pelo artº 17º, nº2, mandou-os sujeitar à disciplina do artº 732º-A, do C.P.Civil.

Como tal, o portador de letras e livranças, emitidas e pagáveis em Portugal, quando o respectivo pagamento estiver em mora, pode, ao reclamar os juros de mora daquele contra quem exerce o seu direito de acção, optar pela taxa fixada na Convenção ou pela taxa dos juros legais.

IV. DECISÃO:

Termos em que acordam os Juizes da Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao agravo, considerando-se aplicável a taxa de juros de 6% peticionada pela exequente.

Sem custas.

Porto, 15 de Outubro de 2004

Fernando Baptista Oliveira José Manuel Carvalho Ferraz

Referências

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