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Khan al-ahmar: o discurso islamofóbico como parte de um projeto de ocupação colonial da Palestina 1

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Khan al-Ahmar: o discurso islamofóbico como parte de um projeto de ocupação colonial da Palestina1

Michelle Julianne Souza Ratto2

Leonardo Carneiro Ventura3

Resumo: Este trabalho trata da interseção entre o discurso islamofóbico produzido, em especial, no seio das nações europeias e dos Estados Unidos, e o projeto de ocupação colonial dos territórios palestinos pelo Estado de Israel. Busca analisar a presença daquele discurso como justificativa moral para a política de expulsão e/ou erradicação do árabe dos Territórios Ocupados. Parte de um rápido estudo do surgimento da islamofobia como formação discursiva do Ocidente, para em seguida apontar seus pontos de emergência nos relatos e falas coletadas em campo. Baseado no material empírico fruto de uma estadia de três meses na Cisjordânia, pôde-se observar como figuras construídas para o muçulmano – e por extensão o árabe – circulam no imaginário de judeus e colonos, provendo-os de um arsenal simbólico (em adição ao bélico) para a justificação de métodos jurídicos e militares na colonização da palestina.

Palavras-chave: Islamofobia; Ocupação Colonial; Palestina.

1Trabalho apresentado na 31ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 09 e 12 de dezembro de 2018, Brasília/DF. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001

2 Mestranda do Departamento de Antropologia (DAN) e do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

3Doutorando do Programa de Pós-Graduação em História (PPGH), da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

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Introdução

Menos de dois anos após os atentados de 11 de setembro de 2001, o Movimento Contra o Racismo e pela Amizade entre os Povos (MRAP), com sede em Paris, França, divulgou um relatório contendo a relação de vinte e seis sites antiárabes, mostrando a

aliança entre judeus e nazistas.4 Movido pela queda das torres gêmeas, mas também pela

recém-iniciada guerra do Iraque, o ódio ao mundo muçulmano, representado principalmente pelas nações árabes, disseminava-se com o impulso da internet e ganhava espaço na imprensa mundial. Sendo um conceito ainda em estado de formação, a islamofobia, desde a passagem dos séculos XX-XXI e até os anos recente, ganhou intensidade nas discussões em torno da convivência entre os povos e nos estudos étnicos e de política internacional.

De maneira especial, as práticas islamofóbicas se inserem na assim chamada “questão palestina”, sendo rastreável na fala de grupos envolvidos com um projeto de ocupação dos territórios palestinos pelo Estado de Israel. Tais grupos englobam tanto a parcela judaica ortodoxa da sociedade israelense, quanto os chamados “colonos” judeus, espécie de milícia armada, reacionária, defensora de um sionismo extremado, e patrocinada por Israel para a ocupação de lugares estratégicos dentro da Palestina. Funcionando como capital simbólico para uma política de agressão às comunidades árabes, o discurso islamofóbico integra um projeto maior de colonização dos Territórios Ocupados Palestinos.

Partindo de uma contextualização histórica da emergência do discurso islamofóbico em nações ocidentais, busca-se pensar a articulação entre o discurso oficial de segurança de Israel e o imaginário de repulsa e ódio ao Islã, este artigo propõe mapear, no interior de um sistema jurídico marcado por acordos e leis internacionais, as evidências de uma imagem da etnia árabe em sua maioria seguidora de uma religião “atrasada” e “violenta”, justificando a necessidade de uma permanente vigilância e intervenção militar para a proteção e segurança das colônias judaicas.

4Antisémitisme et arabophobie sur internet: les nouvelles aliances. Disponível em: <https://archives.mrap.fr/mediawiki/images/2/22/Diff2003_247opt.pdf>

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Para coleta de dados, foi tomado como recorte geográfico a comunidade beduína

Khan al-Ahmar, em Jerusalém Oriental, onde foi realizado um trabalho de campo5. Lá,

foi possível acompanhar o cotidiano de violações sofridas pelos membros da comunidade, tais como: demolição de habitações, violência militar, confinamento, restrição de movimento, entre outros.

O discurso islamofóbico, uma pequena arqueologia

Quando Edward Said escreve O orientalismo, em 1977, identifica o discurso intelectualizante dos especialistas europeus como um dos motores que move a fábrica de imagens sobre os povos orientais. Said demonstra como, para os europeus, o Oriente surge como experiência do Ocidente, como uma maneira de pensa-lo, dizê-lo, acima de tudo, de lidar com sua alteridade. O discurso orientalista seria, portanto, um espaço aberto no pensamento ocidental para produção desse Outro oriental. Entretanto, Said percebe a miríade de povos, nações e culturas que ocupam esse espaço imaginário e discursivo. Os povos árabes seriam um dentre eles. Mas que se torna central para o nosso século desde, pelo menos, os anos 1970.

A partir deste momento, temas como Oriente Médio, “cultura árabe” e Islã entram na agenda política não só da Europa, mas da grande potência pós-Segunda Guerra, os Estados Unidos. Ao menos dois acontecimentos de repercussão global, e diretamente relacionados, contribuíram para a virada dos olhos internacionais ao mundo árabe: a guerra árabe-israelense de 1973; e a consequente primeira crise mundial do petróleo.

Em 6 de outubro de 1973, Dia do Perdão segundo o calendário judaico – Yom Kippur – o Egito e a Síria atacam Israel. Apesar do clima de animosidade entre essas nações, desde o desfecho da Guerra dos Seis Dias, em 1967, o ataque das tropas árabes em um dia santo para os judeus surpreende a imprensa mundial. Só no Brasil, para citar um exemplo distante, são vários os jornais a noticiar o ressurgimento da “guerra entre

árabes e israelenses”.6 Aqui, como em outros países, a forte presença judaica fez tender o

discurso oficial para o lado israelense. O apoio dado pela URSS e pelos EUA, respectivamente, aos países árabes e a Israel, somou ao conflito as cores da guerra fria.

5 A metodologia de pesquisa deste ensaio foi realizada através de um trabalho de campo na comunidade beduína Khan al-Ahmar, entre julho e outubro de 2015, pela autora Michelle Ratto.

6 A título de exemplo, ver manchetes em Jornal do Brasil (RJ), Correio Braziliense (DF), Jornal do Commercio (RJ) e Diário de Pernambuco (PE), na data de 07 de outubro de 1973. Fonte: site da Biblioteca Nacional, Hemeroteca Digital.

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Por outro lado, vinte e quatro horas após os primeiros ataques, os principais países exportadores de petróleo anunciaram planos para reduzir a produção. Dez dias mais tarde, esses mesmos países anunciaram um embargo de petróleo contra os EUA, como retaliação ao apoio oferecido a Israel, aumentando o preço do petróleo em 70%. Mesmo dois meses após o cessar-fogo acordado entre egípcios e israelenses, em dezembro daquele ano, as nações produtoras de petróleo combinaram outro aumento de preço. Ao final de 1973, o preço do barril havia mais que duplicado. A crise econômica ocasionada no mercado consumidor do produto foi devastadora. Assim, em poucos meses, a imagem do árabe emergia nas notícias de jornais e revistas, mas também da tv, acompanhada dos

discursos de guerra, violência e miséria.7

Eis quando reaparece, no discurso político ocidental, o termo “islamofobia”, com o sentido que perdura até hoje: medo ou repulsa ao mundo islâmico. É preciso notar que a expressão “islamophobie” teria surgido na França na década de 1920, estando ligada naquele primeiro momento a disputas e diferenças dentro do próprio Islã. Considerada a sua acepção contemporânea, a islamofobia pode ser pensada como uma herdeira da empresa de domesticação do Outro que foi (e ainda é) o orientalismo, cuja formação discursiva engloba tanto uma dinâmica de aproximação do Outro, quanto integra um projeto de hegemonia e superioridade ocidentais. Dentro do quadro desejante desenhado pelo pensamento orientalista, a islamofobia nasceria do realce de uma de suas linhas: a do medo.

Após os atentados de “11 de setembro” de 2001 nos EUA, os atentados ao metrô de Londres em 2005, aqueles de 2015 em Paris, e ainda o recente ao metrô de Barcelona, em 2017, vimos uma proliferação de enunciados políticos e notícias pela mídia que alimentaram visões homogeneizantes sobre tais temas, relacionando-os às ideias de “terrorismo”, “fundamentalismo religioso” e “submissão feminina”. Por vezes, tais imagens foram utilizadas como justificativa para intervenções militares das grandes

potências em países, a exemplo do que se deu com o Iraque e o Afeganistão.8

Tomando marcos temporais tão próximos, deve-se atentar para o fato de que o termo islamofobia apresenta uma espessura histórica ainda frágil, se comparada por exemplo ao antissemitismo, com séculos de enunciação e práticas. Daí que pensar a

7 Ver JUDT, Tony. Pós-guerra: uma história da Europa desde 1945. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008, pp. 457 e segs.

8HAMID, Sônia Cristina. (Des)Integrando Refugiados: Os Processos do Reassentamento de Palestinos

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islamofobia, e sua relação com um projeto de ocupação territorial do Estado de Israel sobre os territórios palestinos, implica estar atento às mudanças de sentido dado a um

termo em constante atualização.9

A filósofa Judith Butler contribui com a discussão atentando para o fato de que “quando uma população parece constituir uma ameaça direta à minha vida, seus integrantes não aparecem como ‘vidas’”. As comunidades muçulmanas perdem, assim, aos olhos do Ocidente, e em prol da segurança das nações ditas democráticas, a condição humana. Seu combate se torna parte de uma política de segurança, e em certa medida, de assepsia: trata-se de eliminar os riscos ao mundo civilizado. Vê-se como o Islã é associado a uma idade bárbara da humanidade, em que as práticas ligadas à religião seriam um atentado às noções modernas de liberdade do indivíduo. É assim que mesmo as correntes e grupos ditos de esquerda engrossam as fileiras do discurso anti-islâmico, alegando suas supostas opressões e silenciamento de mulheres e LGBTs como justificativa para o

“combate ao mal”.10

Na arqueologia que faz das figuras do árabe dentro do imaginário ocidental, especialmente aquele surgido na sociedade estadunidense pós-Segunda Guerra, Said destaca a emergência do muçulmano como ameaça logo após a citada guerra do Yom Kippur, em 1973. A partir de então, o árabe se torna o espectro que persegue o judeu sobrevivente do holocausto nazista, uma sombra de perigo, rastejante e constante, em uma palavra - o antissionista, isto é, o obstáculo final à construção de um Estado judeu, e, por extensão, à sobrevivência do mundo dito desenvolvido, livre e democrático. É esta elaboração imagética do árabe enquanto risco ao projeto sionista que uma parte considerável da sociedade israelense irá adotar como justificativa moral para o sistema de apartheid em sua coabitação com as comunidades palestinas dos territórios ocupados; e é a voz dos palestinos expulsos, agredidos, quando não assassinados, que ela irá buscar calar.

9 Ver SANTOS, Priscila Silva dos. O Estudo da Islamofobia através dos meios de comunicação. Revista Habitus: revista eletrônica dos alunos de graduação em Ciências Sociais - IFCS/UFRJ, Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 79-90,10 de nov. 2016. Semestral. Disponível em: <www.habitus.ifcs.ufrj.br>. Acesso em: 02 de nov. 2018.

10 BUTLER, Judith. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015, p. 69.

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Khan al-Ahmar, uma comunidade à beira do abismo

“Quem é o criminoso aqui?”, perguntou um líder beduíno. “Quem é o verdadeiro criminoso e por que eles não são punidos por seus crimes?”, continuou como a primeira pergunta não bastasse, ou como se o que desejasse realmente dizer por vir: “Por que somos humilhados diariamente sem qualquer justiça? Querem-nos totalmente vazios [...]

sem casa, sem água, sem alimento, sem energia, sem Estado, sem vida [...]”.11 O senhor

Jahalin levantava essas questões em 2015, logo após sua casa e sua escola primária serem destruídas em sua comunidade, chamada Khan al-Ahmar, pela Força de Defesa Israelense (IDF). Enquanto este artigo é escrito, com exatos três anos, a comunidade vive novamente sob ameaça de destruição.

Khan al-Ahmar é uma comunidade cujos moradores pertencem originalmente à família al-Jahalin, povos tradicionais beduínos expulsos à força do Deserto de Negev,

pelo Estado de Israel, na primeira Guerra árabe-israelense (1948)12. Desde então, todas

as comunidades desta tribo se estabeleceram próximas a Jerusalém Oriental, sendo alvo constante de violência física e psicológica, demolições de estruturas habitacionais, transferência forçada, confinamento e restrição de movimento.

Khan al-Ahmar fica situada em uma zona conhecida como “Corredor E1” (ou corredor Leste 1, em português), a poucos quilômetros de Jerusalém. Trata-se de um corredor de 12km dentro do limite jurisdicional do “assentamento” israelense, chamado

Ma’ale Adumim,13 fazendo fronteira com Jerusalém Oriental. Dessa forma, Khan

al-Ahmar é alvo do chamado E1 Plane, ou Plano E1, projeto do Estado de Israel para seguir

anexando ilegalmente terras palestinas.14 Por meio de demolição em massa e expulsão, o

11 A entrevista com o líder beduíno foi concedida à autora na ocasião de um trabalho de campo em comunidades de refugiados beduínos em torno de Jerusalém Oriental, Cisjordânia.

12 Em 1948, quando Israel foi fundado sob territórios palestinos, a campanha militar israelense conhecida como Al-Nakbah (desastre) terminou em mais da metade da população palestina desalojada (cerca de 800 mil pessoas), 531 de vilarejos foram destruídos, 11 bairros urbanos foram esvaziando, centenas de pessoas mortas e milhares delas exiladas campos de refugiados espalhados em países árabes.

13 A construção ilegal dos colonatos judeus, mais conhecido como “assentamentos”, iniciou por volta de 1970 e sua população atual totaliza aproximadamente 600 mil habitantes, somente na colônia de Ma’ale Adumim existe em torno de 40 mil habitantes.

14 O processo de anexação de facto pelo Estado de Israel sobre as terras palestinas iniciaram em 1967, com a Guerra dos Seis Dias. Tal processo ainda está em curso em toda a Cisjordânia através de novas construções de colonatos e expulsão de árabes locais. Entretanto, essas anexações foram formalizadas em 1980, quando o Knesset (parlamento israelense) ratificou através das Leis Básicas a “reunificação” de Jerusalém, declarando-a como capital de Israel, algo não reconhecido internacionalmente e considerado ilegal pelo direito internacional. Além de Jerusalém Oriental, Israel também anexou Vale do Jordão e as Colinas do

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primeiro ministro Benjamin Natanyahu pretende deslocar as comunidades beduínas desta região para dar lugar a uma série de novas construções de residências exclusivamente judaicas, (as quais chamarei nas próximas páginas de “colônias judaicas”, por ser o termo mais próximo das reais intenções do Estado israelense). Se o plano for concluído, cortará a Cisjordânia em duas partes, isolando o acesso dos palestinos à Jerusalém Oriental, atingindo os direitos humanos e inviabilizando a autodeterminação do povo palestino.

Figura 1: mapa da localização da comunidade Khan al-Ahmar dentro da Jerusalém Oriental,

Cisjordânia. Fonte: site da Al Jazeera. Disponível em:

https://www.aljazeera.com/indepth/interactive/2018/09/palestine-demolishing-khan-al-ahmar-180925144703508.html Acesso em 04 nov. 2018.

Golã. A desocupação de colonatos israelenses na Faixa de Gaza aconteceu em 2005, no governo Ariel Sharon.

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A anexação de grande parte dos territórios palestinos através da “Lei Básica de Jerusalém” (1980), o confisco de terras privadas palestinas e a construção de colônias judaicas passaram a ser justificadas com base nas exceções previstas pela IV Convenção

de Genebra (1949) de “necessidade militar ou de segurança”.15 Entretanto, para dar

continuidade aos confiscos de terras, tais exceções eram insuficientes. Com isso, Israel assinou diversos acordos que colocou em xeque a vida de milhares de refugiados palestinos. Os acordos de Oslo, por exemplo, firmados entre Israel e a Organização para Libertação da Palestina (1993), são um tratado que fragmentou a Cisjordânia, dividindo- a em zonas distintas: A, B e C, sob diferentes jurisdições e níveis de controles entre elas. A área A está sob total controle da Autoridade Palestina e consiste em áreas urbanas. Área B está sob controle civil palestino, e quanto à segurança, está “compartilhada” com Israel, constituindo, em grande parte, áreas rurais. A área C está sob total controle do

poder militar e da Administração Civil Israelense.16

Grande parte das comunidades beduínas – como Khan al-Ahmar - estão

localizadas na Área C, compondo mais de 60% do território palestino ocupado.17 Isto

significa que o Estado de Israel tem total controle das terras, exigindo licenças para qualquer tipo de construção, o que de acordo com o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários UNOCHA, são arbitrariamente negadas em

98% dos casos, e menos de 1% dessas áreas são destinados para construções palestinas,18

fazendo com que todas as construções – casas, tendas beduínas, escolas, comércios - sejam construídas “ilegalmente” de acordo com a lei militar israelense. Além de tais proibições, as autoridades militares também dificultam o comércio de pastoreio dos beduínos nessas áreas, declarando-as como zona militar e áreas de reservas naturais, um claro esforço em reduzir a presença massiva dos beduínos no território e facilitar a política colonial.

Além das políticas e das leis discriminatórias acima citadas, Israel se apropria do discurso islamofóbico propagado pelo Ocidente. Valendo-se do fato de que seria a

15 Ver IV Convenção de Genebra (1949) relativa à proteção dos civis em tempo de guerra da qual Israel é signatária.

16 A proposta do acordo era o de transferir para a Autoridade Palestina os poderes e responsabilidades sobre estas áreas quando o Estado palestino alcançasse “maturidade política”. Como os Acordos de Oslo foram uma manobra ardilosa para seguir anexando terras, nenhum poder foi transferido para o Estado Palestino. 17Frequently Asked Questions About Area C Of The West Bank. Disponível em: <http://www.nrc.no/arch/_img/9207732.pdf.> Acesso em: 05 Ago. 2018.

18 UN - Area C Of The West Bank: Key Humanitarian Concerns. Disponível em: < https://www.ochaopt.org/documents/ocha_opt_area_c_factsheet_january_2013_english.pdf>. Acesso em: 05 Ago. 2018.

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“única democracia do Oriente Médio”, o Estado de Israel apresenta-se às demais nações do globo como espécie de última frente civilizada contra o terror, contendo a barbárie islâmica, lutando contra uma horda fundamentalista, que o mundo aprendeu a identificar em – e resumir a – organizações terroristas como o Estado Islâmico.

O discurso racista de que haveria uma cultura árabe “inferior”, “atrasada” e “incivilizada” é sempre acionada no momento em que o Estado de Israel precisa justificar suas ações contra minorias palestinas. A presença massiva de militares em torno das comunidades beduínas, por exemplo, além de ser a principal estratégia de colonização, é também justificada por uma suposta necessidade em proteger os colonos judeus do

“grande perigo palestino”19. Já a “Barreira de Segurança” (ou muro do apartheid), que

muito embora tenha sido justificada para a comunidade internacional como um aparato de segurança temporário para combater os “terroristas árabes”, continua em construção por mais de 16 anos, anexando propriedades palestinas, isolando cerca de 2 milhões de

habitantes e restringindo sua liberdade de movimento.20

Ainda, o discurso islamofôbico de que os beduínos seriam “perigosos”, “criminosos” e “potenciais terroristas” justificaria, portanto, a necessidade de uma vigilância permanente e uma contínua intervenção militar: incursão armada, proibições de manifestações políticas, censura, demolições de moradias, postos militares de controle, restrição de movimento, prisão infantil e detenção administrativa. E, por outro lado, tais discursos justificariam também a violência armada de colonos civis: ameaça de morte, espancamentos de árabes, massacres de animais, invasão domiciliar, ataques letais, entre outros.

Na ocasião em que parte da estrutura da comunidade Khan al-Ahmar estava sendo destruída por tratores israelenses, há três anos, alguns colonos judeus estavam presentes para assistir às demolições. Carregando metralhadoras em seus ombros, os colonos estavam acompanhados por cinco carros da Força de Segurança Israelense. Para destruir tendas e uma escola infantil, foram necessários pelo menos vinte militares, produzindo uma espetacularização da dor do Outro. Ao ser questionado pela razão de tamanha violência, um dos colonos me respondeu: “Eles são muito perigosos!”.

19 BACKMANN, René. Um muro na Palestina. Rio de Janeiro: Editora Record, 2012, p. 146.

20 O muro na Palestina possui mais de 700km de extensão e 12 metros de altura. Com torres de vigilância cilíndricas, postos de controle, vidros blindados, cercas elétricas, trincheiras, câmeras e sensores. O muro também ultrapassa os limites definidos pela Linha Verde, anexando grande parte dos territórios palestinos a Israel. Separation Barrier - Disponível em: <http://www.btselem.org/separation_barrier>. Acesso em: 02 ago. 2018.

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Em um diálogo curto, tentou explicar a situação afirmando ser a presença dos palestinos um perigo iminente. Logo em seguida, contradizia-se, afirmando que a transferência seria para o “bem” dos beduínos, sendo aquela uma zona militar. À medida que as demolições foram se intensificando, o colono judeu foi alterando seu tom de voz, como que extasiado pelas cenas de violência, assegurando que a intenção da transferência era proporcionar um local mais “apropriado” para o suporto estilo de vida “atrasado” dos beduínos. Ele completava dizendo: “Eles [os palestinos] também são irresponsáveis com a higiene e com a limpeza da região, certamente não haverá problema em morar em Abu

Dis” [um conhecido bairro periférico para despejo de lixo oriundo dos colonatos].21

Além de afirmações como estas, outros discursos racistas são reproduzidos como tentativa de legitimar as violências contra a comunidade. Sentenças como “os islâmicos são terroristas”, “os árabes são antissemitas e querem a destruição do Estado de Israel”, servem como álibi para o ódio dos judeus contra o povo palestino, além de mascarar à

comunidade internacional os crimes de guerra do Estado de Israel.22

Assim, temos, por um lado, a identidade palestina, agindo a todo momento como um marcador de identificação; e por outro, o esforço constante dos israelenses em negar a existência (até mesmo jurídica) de uma identidade palestina. O dito de “uma terra sem povo para um povo sem terra”, slogan Sionista utilizado por líderes judeus no final do século XIX, sugerindo a inexistência do povo palestino antes da criação do Estado de Israel, segue hoje atualizado pelo discurso de que os palestinos seriam um povo “inventado”, deslegitimando o direito palestino de se estabelecerem como um Estado livre e independente. A punição por existir parece ser ele o de viver em um eterno exílio, dispersos, e em um constante estado de negação. Said complementa:

Existe aqui um consenso quase unânime de que politicamente ele [o palestino] não existe e, quando é admitido que ele existe, é como um incômodo ou como um oriental. A teia do racismo, dos estereótipos culturais, do imperialismo político e da ideologia desumanizante que contém o árabe ou o muçulmano é realmente muito forte, e é esta teia que cada

21 Depoimento dado à autora em setembro/2015.

22Israel viola Convenção de Genebra, diz relator da ONU - Disponível em: <https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Pelo-Mundo/Israel-viola-Convencao-de-Genebra-diz-relator-da-ONU/6/14546>. Acesso em: 23 ago. 2018.

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palestino veio a sentir como seu destino singularmente

punitivo.23

A islamofobia, pensada como esta teia discursiva, não apresenta sempre a mesma face, ou agencia sempre as mesmas imagens. Se ela funciona como mecanismo hábil para capturar as subjetividades do mundo ocidental, é porque ela consegue se conectar com o medo particular de cada um, com o sentimento de repulsa que habita o imaginário, principalmente europeu, mas também americano, contra esta figura assustadora do outro, do imigrante, do invasor. Esse rosto do Outro é hoje o rosto do refugiado árabe, invadindo as telas dos telejornais, dos sites de notícias, ocupando as revistas e jornais impressos, mas também os filmes, as séries de TV, os ditos preconceituosos, racistas, as publicações satíricas, as falas de políticos conservadores e extremistas; esse rosto funcionando como tela branca para a inscrição do mal, do grotesco, do horrendo, de barba espessa, a guardar todas as crueldades de que é capaz, de rugas cravadas na profundidade da pele, como o índice de um outro tempo, uma pré-modernidade, um arcaísmo congênito, e seus olhos, fundos como dois buracos negros, a tragar toda a perversão do mundo, a anunciar o fim de nossa era civilizacional.

Ao compor um projeto de ocupação colonial da Palestina, Israel não cria um discurso islamofóbico. Mas articula como parte de seu dispositivo ideológico um sentimento de repulsa pelo universo muçulmano que já existia, de uma forma geral, em boa parte dos grupos judeus. Ao permitir a presença e mesmo incentivar a multiplicação dos colonatos ilegais em pontos estratégicos dos Territórios Ocupados, o Estado israelense utiliza, como instrumento para dominação o espaço palestino, o discurso ortodoxo e ultradireitista destes grupos. Mobilizados pela promessa de um Estado exclusivamente judaico, mas também por um ódio extremo ao mundo muçulmano e, por extensão, árabe, esses núcleos radicais promovem ações violentas contra as comunidades palestinas, agindo com uma força paramilitar, amedrontando, violentando e, não raro, assassinando árabes locais. Para essas células de sionismo, não basta a tomada de terras – é preciso o extermínio de toda existência árabe em seu derredor. E sua proteção por Israel é o símbolo e a evidência de uma política de Estado cujo combustível é o ódio.

23 SAID, Edward W. Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 38.

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Referências bibliográficas

BACKMANN, René. Um muro na Palestina. Rio de Janeiro: Editora Record, 2012. BUTLER, Judith. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.

HAMID, Sônia Cristina. Capítulo 3: Pressupostos da “integração”: “Separar para integrar” e a “diferença cultural” como “problema”. In: (Des)Integrando

Refugiados: Os Processos do Reassentamento de Palestinos no Brasil. Tese de

Doutorado. Brasília: UnB. 2012.

JUDT, Tony. Pós-guerra: uma história da Europa desde 1945. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008.

SANTOS, Priscila Silva dos. O Estudo da Islamofobia através dos meios de comunicação. Revista Habitus: revista eletrônica dos alunos de graduação em Ciências Sociais - IFCS/UFRJ, Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 79-90,10 de nov. 2016. Semestral. Disponível em: <www.habitus.ifcs.ufrj.br>. Acesso em: 02 de nov. 2018. SAID, Edward W. Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

Sites de apoio

Frequently Asked Questions About Area C Of The West Bank. Disponível em: <http://www.nrc.no/arch/_img/9207732.pdf.>

Israel viola Convenção de Genebra, diz relator da ONU - Disponível em: <https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Pelo-Mundo/Israel-viola-Convencao-de-Genebra-diz-relator-da-ONU/6/14546>

Separation Barrier - Disponível em: <http://www.btselem.org/separation_barrier> Site da Biblioteca Nacional. Disponível em: < https://www.bn.gov.br/>

Site da Aljazeera. – Disponível em: < https://www.aljazeera.com>

UN - Area C Of The West Bank: Key Humanitarian Concerns. Disponível em: < https://www.ochaopt.org/documents/ocha_opt_area_c_factsheet_january_2013_english. pdf>

Referências

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