O que lê quem pesquisa intervenção didática em educação matemática
Thiago Brañas de Melo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro – IFRJ Introdução
A educação é uma prática social que pode ocorrer tanto em sentido amplo, como em sentido estrito, pode ser tanto não intencional, como intencional. Em sentido amplo, a educação existe a cada instante em que ocorre uma interação social de formação. Já em sentido estrito, a educação ocorre em instituições específicas, escolares ou não, “com finalidades explícitas de instrução e ensino mediante uma ação consciente, deliberada e planificada” (LIBÂNEO, 1994, p. 17) e, de maneira intencional, quando há uma definição consciente de intenções e objetivos na prática.
Este trabalho vem tratar sobre um dos principais ramos de estudo relativos à educação escolar: a didática. “A ela cabe converter objetivos sócio-políticos e pedagógicos em objetivos de ensino, selecionar conteúdos e métodos em função desses objetivos, estabelecer os vínculos entre ensino e aprendizagem, tendo em vista o desenvolvimento das capacidades mentais dos alunos” (LIBÂNEO, 1994, p. 26).
Quando o ponto de vista clássico ou a didática tradicional não conseguiram explicar alguns fenômenos didáticos relativos ao ensino-aprendizagem da matemática, pois estes possuíam componentes matemáticos essenciais (como símbolos, figuras, conceitos, demonstrações, etc.), surge um novo paradigma chamado didática da matemática. Assim:
Ao se considerar o matemático e o didático empiricamente inseparáveis, a própria noção de fenômeno didático se generaliza para fazer referência a uma dimensão essencial de toda atividade matemática. O didático deixa de ser exclusivo do processo de ensino-aprendizagem para se referir a qualquer um dos aspectos do processo de estudo. A didática da matemática se transforma, definitivamente, na ciência do estudo e da ajuda para o estudo da matemática. (grifo dos autores, CHEVALLARD, BOSCH e GASCÓN, 2001, p. 77)
Para Chevallard, Bosch e Gascón (2001):
A situação didática compreende uma série de intervenções do professor sobre o par aluno-meio, destinadas a fazer funcionar as situações adidáticas1 e as aprendizagens que elas provocam. [...] A evolução de uma situação didática requer, portanto, a intervenção constante, a ação mantida e a vigilância do professor. (CHEVALLARD, BOSCH e GASCÓN, 2001, p. 217)
Assim, se o verbo intervir significa “ser ou estar presente, assistir, suceder inesperadamente e interpor os seus bons ofícios” (www.michaelis.uol.com.br, 2013), tem-se que intervenção didática é a ação de assistir, com bons ofícios e de maneira inesperada, o estudo de alguém.
1 As situações adidáticas não negam as situações didáticas. Aquelas são fenômenos de aprendizagem ocorridos na ausência do professor, quando o aluno (re)constrói um conhecimento de uma forma mais autônoma.
Objetivo e Metodologia
Este pesquisa tem como objetivo fazer uma análise de citações para identificar referenciais em comum em trabalhos que utilizam intervenção didática na educação matemática.
Cunha (1982) aponta entre as desvantagens de se fazer uma análise de citações a “não ajuda na identificação de trabalhos que ainda não foram reconhecidos como significativos pela comunidade científica” (p. 16). Em contrapartida, esta metodologia “possibilita facilmente a identificação de trabalhos e/ou autores relevantes para várias disciplinas” (p. 16), além de ser “um bom método para se medir os aspectos qualitativos e quantitativos dos trabalhos de determinados autores ou assuntos” (p. 16).
Optou-se por fazer essa análise em artigos publicados no ano de 2010 em seis revistas específicas de educação matemática2. As revista escolhidas, quatro nacionais e mais duas de outros países latino-americanos, são: BOLEMA – Boletim de educação matemática; ZETETIKÉ – Revista de educação matemática; Boletim GEPEM; Educação Matemática Pesquisa – EMP; RELIME – Revista latinoamericana de investigación en matemática educativa; e UNIÓN - Revista Iberoamericana de educación matemática.
Na tabela 1, encontra-se o número de edições de cada revista, bem como o número de artigos publicados em 2010.
Tabela 1 – Publicações em revistas de Educação Matemática em 2010 Revista Número de edições em 2010 Artigos publicados em 2010
BOLEMA 3 46 ZETETIKÉ 3 38 GEPEM 2 14 EMP 3 28 RELIME 3 12 UNIÓN 4 54 Total 18 192
Para classificar os artigos que entrariam no corpus da pesquisa, foram definidos os
seguintes critérios (qualitativos): a) O artigo relata uma situação didática, promovendo o
estudo do conhecimento (ou metaconhecimento) matemático? b) A proposta é original e
apresenta uma avaliação analítica sobre o processo didático?
Após a leitura dos 192 artigos, 65 deles responderam positivamente aos critérios
estabelecidos. As bibliografias destes foram copiadas para um único documento e as
obras, citadas nos artigos, foram classificadas seguindo uma ordem ascendente dos
sobrenomes dos autores.
2 A escolha de 2010 se deve a comemoração de uma década de criação da área de Ensino de Ciências e Matemática pela CAPES (MOREIRA, 2002).
Resultados
Após a organização dos dados, estes foram separados em classes de acordo com o número de artigos que os citaram. Na tabela 2, tem-se o demonstrativo do quantitativo.
Tabela 2 – Número de citações de cada obra EM QUANTOS ARTIGOS
A OBRA FOI CITADA NÚMERO DE OBRAS NA SITUAÇÃO
1 1014 2 71 3 11 4 2 5 4 6 0 7 1 Total 1103
Devido ao grande número de obras que apareceram em 1 ou 2 bibliografias, esta pesquisa não se ateve a elas. As demais obras, com 3 ou mais citações, foram agrupadas nas seguintes categorias: obras tradicionais da Educação ou da Educação Matemática (quadro 1); subsídios (históricos) como fonte de informação (quadro 2); tendências em Educação Matemática (quadro 3); e documentos oficiais (quadro 4).
As obras tradicionais da Educação e da Educação Matemática são livros de pesquisadores reconhecidos pela academia e amplamente discutidos na formação de professores de Matemática.
Quadro 1 – Obras tradicionais da Educação ou da Educação Matemática
Obra Autor(es) Número de artigos que a citaram
Psicogênese e História das Ciências Jean Piaget e Rolando García 3 Pedagogia da autonomia: saberes necessários à
prática educativa Paulo Freire 3
Educação Matemática: da teoria à prática Ubiratan D’Ambrosio 3 Investigação qualitativa em educação Robert Bogdan e Sari Biklen 4
A formação social da mente Lev Semenovich Vygotsky 7
Os subsídios (históricos) são livros sobre a História da Matemática. Eles são usados principalmente para resgatar fatos relativos a uma um conteúdo específico a fim de realizar uma contextualização ou como um elemento epistemológico.
Quadro 2 – Subsídios (históricos) como fonte de informação
Obra Autor(es) Número de artigos que a citaram
História da Matemática Carl Boyer 3
Na categoria Tendências em Educação Matemática, aparecem obras relativas as linhas de pesquisas e de trabalho em voga no meio acadêmico.
Quadro 3 – Tendências em Educação Matemática
Obra Autor(es) Número de artigos
que a citaram A atividade de ensino como ação formadora Manuel de Moura 3 Combinatorial Reasoning and its Assessment Carmen Batanero, Juan D. Godino e Virginia Navarro-Pelayo 3 Explicating the Role of Mathematical Tasks in
Conceptual Learning: An Elaboration of the Hypothetical Learning Trajectory
Martin Simon e Ron Tzur 3
Humans-with-media and reorganization of mathematical thinking: information and communication technologies, modeling, experimentation and visualization
Marcelo Borba e Mónica
Villlarreal 3
Investigações Matemáticas na Sala de Aula João Pedro da Ponte, Joana Brocardo e Hélia Oliveira 3 Sémiósis et pensée humaine: registres
sémiotiques et apprentissages intellectuels Raymond Duval 3 Registres de représentation sémiotique et
fonctionnement cognitif de la pensée Raymond Duval 4
Ensino-aprendizagem com Modelagem
Matemática Rodney Carlos Bassanezi 5
Os documentos oficiais são publicações de órgãos públicos. Eles representam uma base para educação de um país e podem impactar até mesmo outros países se tomados como referência.
Quadro 4 – Documentos Oficiais
Obra Autor(es) Número de artigos que a citaram
Parâmetros Curriculares Nacionais: primeiro e
segundo ciclos do Ensino Fundamental Ministério da Educação – Brasil 4 Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e
quarto ciclos do Ensino Fundamental Ministério da Educação – Brasil 5 Principles and Standards for School Mathematics National Council of Teachers of Mathematics 5
Considerações Finais
Esta pesquisa buscou fazem um levantamento bibliográfico por meio de uma análise de citações a fim de identificar qual o referencial usado por pesquisadores que utilizam a intervenção didática como parte metodológica. Os números revelam pelo menos duas características dessas obras:
A intervenção didática tem por característica ser de ordem prática, mas o número elevado de obras citadas nessas pesquisas mostra uma ligação da prática com a teoria. E mais, esse número deixa transparecer as diversas vozes do discurso. A saber, esse conceito: Significa, resumindo em poucas palavras, que um enunciado, ou discurso é permeado por discursos ou enunciados que o antecedem, e como consequência em alguma instância
o reproduz, e que esses discursos ou enunciados antecedentes não pertenciam exatamente a uma pessoa, mas sim ao meio social que esse indivíduo pertencia, pois quem se pronuncia, pronuncia a voz de uma sociedade, que às vezes longínqua está no tempo e no espaço. (LEITE, 2011, p. 55)
A diversidade de obras e autores citados marca a intervenção didática como um artifício que atinge uma pluralidade de linhas e pensamentos dentro da educação matemática. Referências bibliográficas
CHEVALLARD, Y.; BOSCH, M.; GASCÓN, J. Estudar Matemáticas: o elo perdido entre o ensino e a aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 2001.
CUNHA, M. B. Metodologias para estudo dos usuários de informação científica e tecnológica. Revista de Biblioteconomia de Brasília, v. 10, n. 2, p. 5-19, 1982.
LEITE, F. B. Mikhail Mikhailovich Bakhtin: breve biografia e alguns conceitos. Revista Magistro, v. 1, n. 1, p. 43-63, 2011.
LIBÂNEO, J. C. Didática. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 1994.
Significado de “intervir” no Dicionário Português Online. Michaelis - UOL. Disponível em: <
http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=intervir>. Acesso em: 27 de julho de 2013.
MOREIRA, M. A. A área de ensino de ciências e matemática na Capes: panorama 2001/2002 e critérios de qualidade. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, Porto Alegre, v. 2, n. 1, p. 36-59, 2002.