COMITÊ BRASILEIRO DE BARRAGENS
XXV SEMINÁRIO NACIONAL DE GRANDES BARRAGENS SALVADOR, 12 A 15 DE OUTUBRO DE 2003
T92 -A08
CONSIDERAÇÕES SOBRE A IMPORTANCIA DAS OBSERVAÇÕES VISUAIS NA AUSCULTAÇÃO DE BARRAGENS
Corrado Piasentin CONSULTOR
RESUMO
Este pequeno trabalho tece algumas considerações sobre as razões pelas quais as observações visuais são ainda importantes nos sistemas de auscultação de barragens mesmo com o grande progresso atingido na instrumentação de monitoramento que indica uma forte tendência para os sistemas de automatização e leituras remotas.
São feitas recomendações sobre procedimentos a serem seguidos para otimizar os resultados e a eficiência destas observações e finalmente especula-se sobre os atuais avanços da instrumentação de auscultação para fornecer um melhor e mais completo apoio a avaliação das condições da barragem e suas fundações.
ABSTRACT
This brief paper makes some considerations on the reasons why visual observations are still important in dam monitoring systems even with the great progress in monitoring instrumentation which indicates a strong trend toward automatic and remote reading systems. It gives some recommendations on procedures to be followed in order to obtain better results and efficiency from visual inspections and finally speculates on actual progress of monitoring instrumentation in order to give a better and more comprehensive support to the evaluation of the conditions of the dam and foundations.
1- INTRODUÇÃO
Nos últimos anos tem-se dado sempre mais importância ao monitoramento das grandes barragens por sistemas sofisticados dotados de capacidade de leituras remotas e automáticas. Com as possibilidades crescentes e a grande variedade de equipamentos eletrônicos disponíveis a preços sempre mais
acessíveis é grande a tentação de instalar um sistema que possa monitorar rapidamente as estruturas com o mínimo de pessoal obtendo leituras contínuas e imediatas em qualquer momento.
Não se tem duvida que com sistemas automatizados com leituras remotas o engenheiro de barragem pode desfrutar de várias vantagens:
• o recebimento dos dados é imediato;
• as leituras podem ser contínuas;
• a análise dos resultados pode ser feita no escritório central onde estão disponíveis e informatizados todos os arquivos com as informações de projeto e o histórico do desempenho da barragem.
Para algumas barragens situadas nas montanhas no rígido inverno do hemisfério norte ou em localidades remotas este tipo de aquisição de dados é o único possível durante a estação adversa.
Também a adoção destes sistemas permite reduzir o numero de pessoas necessárias para o monitoramento e leituras dos instrumentos com conseqüente redução de custos.
Entretanto deve-se ressaltar que as inspeções in situ e a observação visual das estruturas e suas fundações continuam sendo uma ferramenta importante e indispensável para manter os níveis de segurança adequados.
2- LIMITAÇÕES DA INSTRUMENTAÇÃO DE AUSCULTAÇÃO
No projeto e operação da instrumentação devem ser bem claras suas limitações :
• A instrumentação muitas vezes cobre somente um número limitado de blocos e regiões e portanto para o resto da Obra a detecção dos eventuais problemas deve contar com outros meios.
• Todo tipo de instrumentação pode ser danificada, está sujeita a falhas com maior ou menor freqüência ou pode começar a fornecer resultados imprecisos ou até errados especialmente com o envelhecimento de seus componentes. Este tipo de comportamento muitas vezes é detectado somente com inspeções e verificações no local.
• Um sistema completamente automatizado pode ser danificado ou destruído por eventos excepcionais, mas possíveis, tais como terremotos, grandes enchentes ou furacões, justamente quando medições mais freqüentes e confiáveis são necessárias.
• Algumas vezes a ocorrência de anomalias na barragem não pode ser descoberta pela instrumentação por causa de sua localização em seções
situadas a grandes distancias ou cobrindo áreas extensas, por causa de sua precisão ou sensibilidade.
• Relatos de acidente afirmam que o problema não foi detectado pela instrumentação e que o alarme foi dado pela observação visual.
• Dificilmente a instrumentação detecta fenômenos inesperados não previstos na fase de projeto.
Alguns tipos de instrumento são mais sensíveis para verificar comportamentos anômalos pois refletem o desempenho integral da barragem como por exemplo as medidas de percolação, as deformações da fundação e os deslocamentos da crista. No entanto estes instrumentos também não estão instalados em todos os blocos e não cobrem completamente a área e o corpo da barragem. Por exemplo os medidores de vazão, registrando as percolações, são muito sensíveis em assinalar o comportamento geral da barragem no que se refere a sua estanqueidade, percolações pelas juntas e eventuais fissuras e a qualquer mudança de suas condições (aberturas e fechamentos, aumento em numero ou extensão); por outro lado não é possível saber se um aumento for causado pela abertura excessiva e perigosa de uma única fissura ou junta ou por uma pequena abertura de todas as existentes devido a efeitos de retração térmica. Neste momento unicamente uma observação do local pode esclarecer a duvida e verificar se trata-se de um fenômeno normal ou de uma ocorrência perigosa. Um aumento da percolação causado pela abertura uniforme de todas as fissuras é inofensivo enquanto a abertura excessiva de uma fissura ou junta pode indicar um problema estrutural afetando a segurança da barragem.
Um exemplo análogo pode ser feito para um extensômetro instalado em um talude onde um aumento uniforme devido a efeito térmico não representa nenhum perigo enquanto que uma deformação em um curto trecho pode revelar a formação de uma trinca e o inicio de um deslizamento.
Em alguns casos a instalação de circuitos de televisão pode resolver a duvida e certamente eles se mostraram úteis em vários casos, entretanto não podem cobrir completamente a obra com a resolução e detalhe suficiente.
A instalação de instrumentação é imprescindível para avaliar a segurança das barragens. Por outro lado só a instrumentação não é suficiente para uma boa interpretação dos resultados para verificação da segurança: é preciso que ela obedeça a certas regras e que seja complementada pela observação cuidadosa das estruturas durante as inspeções in situ.
3- RECOMENDAÇÕES PARA OTIMIZAR AS INSPEÇÕES
A auscultação das barragens deve ser contemplada em um plano completo de monitoração no qual devem ser previstas todas as fases da vida da barragem e todas as atividades a serem realizadas :
• projeto da instrumentação a ser instalada que inclui desde a concepção do arranjo até os detalhes e as especificações da instalação e montagem.
• definição dos valores de alerta e controle para todos os instrumentos instalados e para as diversas fases de sua vida.
• plano de operação da instrumentação incluindo as freqüências das leituras nas diversas fases de vida da obra e durante possíveis eventos excepcionais
• plano de observações visuais e inspeções in situ
• plano de análise e interpretação do comportamento da Obra com base nos resultados da instrumentação e das inspeções visuais.
Este sistema não é estático e imutável, mas deve sofrer adaptações e interações com base no desempenho da Obra.
As inspeções são de vários tipos e freqüência:
• inspeções rotineiras, efetuadas pela equipe de leitura da instrumentação, que além de realizar as leituras deve relatar qualquer anomalia observada
• inspeção periódica (trimestral ou semestral) efetuada por engenheiro experiente
• inspeção de supervisão, realizadas por um painel de consultores, cada 3 a 5 anos ou quando eventos especiais requeiram uma análise cuidadosa da Obra
• inspeções extraordinárias quando da ocorrência de um fato excepcional como uma enchente, um terremoto ou um comportamento anormal da Obra.
Para aprimorar a eficiência das inspeções é preciso que sejam efetuadas por pessoal técnico experiente, bem treinado, conhecedor dos fenômenos e do comportamento da barragem, familiarizado com as singularidades e os detalhes importantes da Obra.
As inspeções devem ser orientadas para verificar os tópicos críticos e vitais da Obra e neste sentido é importante a utilização de lista de itens de verificação. Entretanto as observações não devem ser restritas a lista de verificação mas indicar eventuais outras anormalidades.
As inspeções não devem limitar-se somente a área da barragem mas observar também seus arredores.
É fundamental que exista uma boa comunicação entre as equipes encarregadas das inspeções e os engenheiros responsáveis pela análise e interpretação do comportamento da Obra. É recomendável efetuar uma inspeção conjunta destas duas equipes pelo menos uma vez por ano.
Os resultados das inspeções devem ser registrados em relatórios periódicos documentados com fotos, desenhos e gráficos de maneira que possam ser efetuadas comparações a distâncias de anos permitindo verificar lentas modificações da barragem.
4- AS OBSERVAÇÕES VISUAIS COMO COMPLEMENTO DA
INSTRUMENTAÇÃO
A instrumentação por sua natureza e limitações de custo pode cobrir somente um numero limitado de pontos e áreas e as regiões, que na opinião do engenheiro projetista são mais criticas de acordo com sua experiência e critérios de projeto, recebem um tratamento mais completo. Isto naturalmente deixa em aberto outras áreas que podem estar afetadas por fenômenos pouco conhecidos ou raros ou regiões fracas inesperadas. A inspeção visual, por se estender a toda a barragem, cobre bem estas áreas pouco instrumentadas podendo verificar pequenos detalhes, defeitos ou fenômenos imprevistos. A experiência de muitas barragens é de que fissuras, pequenos vazamentos localizados e deteriorações dos materiais são revelados somente pela observação visual durante as inspeções. Ainda mais importante é o relato que na grande maioria dos acidentes e ruínas o alarme do desastre incipiente foi dado por sinais externos observados.
Nas barragens antigas, onde a substituição dos instrumentos com falhas é muitas vezes dificultosa e cara, as inspeções tornam-se sempre mais importantes.
5- AVANÇOS RECENTES
As recentes explorações espaciais não tripuladas nas quais são utilizados robot que conseguem efetuar análises dos materiais e tirar fotos da mais alta definição indicam que em futuro próximo será possível aprimorar excepcionalmente a qualidade das inspeções e verificar as condições de locais que anteriormente era impossível de atingir.
Recentemente também foram desenvolvidos sistemas de inspeção subaquáticos que permitem observar com boa precisão a face de montante da barragem substituindo a utilização dos mergulhadores.
Sistemas de monitoração, já desenvolvidos e em vias de aprimoramento atualmente, são dos seguintes tipos:
• métodos geofísicos, como ultra-sons, resposta dinâmica, etc., que sejam capazes de detectar zonas com propriedades diferentes ou discontinuidades;
• sistemas de fotografia e escaneamento que possam identificar áreas úmidas, fissuras ou regiões com temperaturas diferenciadas;
• sistemas robotizados para atingir áreas de difícil acesso.
Com a utilização de equipamentos e aparelhos dos tipos 2 e 3 será realizado um passo importante para complementar e afinar as observações visuais tornando-as mais eficientes e completas.
6- CONCLUSÕES
As inspeções in situ com a observação cuidadosa da barragem são de extrema importância para a avaliação de suas condições e um meio necessário para complementar e entender os resultados da instrumentação. Uma barragem totalmente monitorada por um sistema exclusivamente automatizado não é recomendável, o contato direto dos responsáveis pela segurança com suas estruturas é indispensável.
O plano de auscultação deve contemplar um justo equilíbrio entre inspeções in situ com registro documentado das observações, instrumentação clássica ou tradicional, sistemas automatizados e métodos avançados de monitoramento e investigação.
Uma vez que os equipamentos e instrumentos de ultima geração citados acima estejam bem testados, confiáveis e economicamente acessíveis, será possível adota-los junto com os instrumentos tradicionais para realizar verificações a intervalos de 3 a 5 anos ou em correspondência a alguma comportamento anormal. Desta forma o sistema de monitoramento recomendado será constituído por:
• um conjunto de instrumentos tradicionais
• um grupo de instrumentos automatizados com leitura remota e instantânea
• sistemas de televisão de alta resolução ou de escaneamento nas áreas de maior importância
• aplicação de métodos geofísicos, ultra-som e escaneamento específico para detecção de zonas com características mecânicas, temperatura, umidade ou coloração diferenciada
Com o advento de instrumentação do tipo descrito acima será possível reduzir e complementar as inspeções in situ mas nunca elimina-las completamente. É ilusório e perigoso contar exclusivamente em um sistema de monitoramento completamente automatizado que possa cobrir com eficiência toda uma barragem e, mesmo que possa vir a existir no futuro, ele precisará ser calibrado e verificado com observações no local.
As observações efetuadas por técnicos experientes e familiarizados com a barragem são inestimáveis para apreciar corretamente seu desempenho e sua segurança, pois cada barragem é um caso especial e único.
7- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Lausanne 1985-ams and foundation monitoring-General report; Q56 XV ICOLD
2. Inspection and performance evaluation of dams
3. Morrison-Knudsen Engineers Inc. EPRI Electric Power Research Institute 1986
4. CBDB 1995 - scultação e instrumentação de barragens no Brasil 5. JANSEN, Robert B.; Dams and Public Safety; U.S. Dpt. of the Interior 1980 6. Inspeções visuais em obras de concreto – Uma abordagem metodológica
