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Palavras-chaves: Ética; Formação Profissional; Serviço Social; Diretrizes Curriculares.

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A CENTRALIDADE DA ÉTICA NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL: UMA ABORDAGEM A PARTIR DAS DIRETRIZES

CURRICULARES DA ABEPSS

Thaisa Silva Martins1

RESUMO:

O presente artigo parte da nossa trajetória enquanto estudante de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Pretendemos socializar algumas reflexões que estamos desenvolvendo para a construção da nossa pesquisa sobre a centralidade da ética na formação profissional do assistente social. Objetivamos demonstrar a relevância da ética para esta formação, partindo do pressuposto de que as Diretrizes Curriculares para os cursos de Serviço Social (ABEPSS, 1996), explicita-a como central nesse processo. Inicialmente, abordaremos considerações acerca da concepção de ética a partir do debate da ontologia do ser social – referencial prioritário da literatura profissional do Serviço Social brasileiro na atualidade, especialmente, quando se propõe a discutir a ética com base no pensamento de raiz marxiana. Logo depois, abordaremos o histórico das Diretrizes Curriculares (ABEPSS, 19996) e problematizaremos a centralidade da ética para a afirmação de uma formação profissional consonante com o atual projeto crítico do Serviço Social brasileiro, o projeto ético-político profissional.

Palavras-chaves: Ética; Formação Profissional; Serviço Social; Diretrizes Curriculares.

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Assistente Social, com registro no CRESS-MG. A autora possui graduação em Serviço Social pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM, 2012) em Teófilo Otoni-MG. Desde 2014, é mestranda do Programa de Pós- Graduação em Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

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1. Introdução

No Serviço Social brasileiro, tem sido recorrente a preocupação com os rumos da formação profissional, principalmente, se levarmos em consideração o crescente processo de expansão e mercantilização de cursos superiores no Brasil, sobretudo, na modalidade à distancia (EAD). Tal cenário, inclusive, favorece para que possamos afirmar, com base em Braz e Rodrigues (2013), que os cursos de Serviço Social quintuplicaram de 1995 a 2010, passando de 72 para 333 cursos, uma quantidade muito significativa.

Além disso, há exatas duas décadas, tornou-se orientação para essa profissão, principalmente, através das Diretrizes Curriculares para os cursos de Serviço Social (ABEPSS, 1996), que a dimensão ética deva ser transversal aos conteúdos curriculares da formação profissional do assistente social. Portanto, a discussão da ética, em tal processo, não deve se limitar a uma única disciplina, muito menos ao ensino de normas e deveres profissionais.

Essas Diretrizes explicitam um patamar comum que deve ser direcionado para as unidades de ensino de Serviço Social, indicando a flexibilidade e descentralização, principalmente, no que tange a formulação dos currículos plenos. Estes, por sua vez, são elaborados por cada curso que se pretende formar assistentes sociais. Isso significa que tal documento deve ser o elemento norteador dos projetos pedagógicos dos cursos de Serviço Social no Brasil.

A graduação é um momento, no qual o estudante entra em contato com as diferentes formas de compreender a realidade, o que favorece a compreensão do seu lugar diante dessa. Ou seja, esse sujeito tende a refletir sobre os seus valores, princípios, sobre moral dominante na sociedade etc, logo, pode vir a refletir sobre a ética e sua relação com as profissões.

Isso revela que a graduação é um momento primordial em nossa trajetória profissional, por contribuir para a formação de um pensamento crítico que ultrapasse o senso comum, e possa ir ao encontro de reflexões sobre novos valores, bem como de uma ética articulada a valores emancipatórios, como prevê o Código de Ética profissional do assistente social (CFESS, 1993). Por isso, consideramos a necessidade da centralidade da ética em nossa formação profissional.

Embora existam muitos conceitos e formas de compreender a ética, acreditamos que o caminho a partir da ontologia do ser social, possibilita ir ao encontro do referencial teórico prioritário na literatura do Serviço Social brasileiro assumido desde os anos 1990. O mesmo fundamentou as Diretrizes Curriculares para o Curso de Serviço Social (ABEPSS, 1996),

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entre outras normativas da profissão que materializam a direção social crítica do projeto ético-político profissional.

Tal referencial teórico permite estudar a ética como uma capacidade humana construída no processo de autoconstrução do ser social que tem seu fundamento no trabalho. Este é um elemento ontológico que permite a conformação do mundo dos homens, por proporcionar, a partir da relação do homem com a natureza, o surgimento de capacidades e qualidades humanas, nas quais, inclui-se a ética.

2. Ética: uma abordagem a partir da ontologia do ser social para refletir sobre a sua pertinência nas profissões

Comumente, a ética é apresentada, no campo da filosofia e das ciências sociais, como a teoria ou a ciência que estuda a moral, se traduzindo em uma disciplina que reflete o comportamento moral do ser humano, a partir do estabelecimento de determinadas regras, normas, valores e costumes.

De maneira geral, o conjunto de normas e regras que atravessam a sociabilidade, é compreendido, pela tradição filosófica, como a própria moral, estabelecendo a relação entre o individuo e a sociedade e fazendo com que a moral diga respeito ao comportamento dos indivíduos no convívio social.2 Desse modo, “[...] embora a moral seja o conjunto de normas e regras sociais, efetivamente ela só se objetiva através da ação dos indivíduos a partir das escolhas e atitudes, com base nas condições objetivas e subjetivas dos vários aspectos e esferas de sua vida” (CARDOSO, 2013, p.43). Já a ética é uma reflexão sobre isso, portanto, a moral como o objeto de estudo da ética.

Compreendemos a ética como uma capacidade humana, uma dimensão da vida social captada na ontologia do ser social elaborada na tradição marxista. A ética está organicamente associada às formas de sociabilidade que, por sua vez, são calcadas na categoria trabalho – o fundamento ontológico do ser social.

Podemos afirmar que o trabalho se situa na apropriação pelo homem da natureza externa a ele para a satisfação das suas necessidades, anseios, carências etc. “O homem ao atuar, por meio desse movimento, sobre a natureza externa a ele e ao modificá-la, ele

2 Em nossa sociedade a moral dominante é a moral burguesa, e o cotidiano nesta sociabilidade tende a nos

afastar de posturas críticas e reflexivas, o que nos aproxima de um cunho moralista e conservador. Isto facilita para que haja a redução da moral à esfera individual, responsabilizando os indivíduos pelas suas condições sociais.

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modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza” (MARX, 2004, p.29), conformando-se como ser social.

Através do trabalho, o ser social vai construindo sua capacidade de fazer escolhas, projetá-las e materializá-las na sociedade, para que as mesmas venham suprir as suas carências e necessidades, e a espécie humana possa ser reproduzida. Disso decorre o surgimento da teleologia, da comunicação, da linguagem articulada, dos conhecimentos, das alternativas etc., que acentuam a complexidade do processo de formação do ser social. A partir dessa consideração, afirmamos com base em Braz e Netto (2006), a importância de compreendermos a riqueza do ser social desenvolvido, o que nos permite mencionar a categoria práxis – elemento que abarca as outras possibilidades do ser social adquiridas através do trabalho.

O trabalho, ao permitir o desenvolvimento da capacidade de prévia-ideação do ser social, implica a necessidade de conhecimento da natureza ao seu redor, impondo o processo de valoração. Com isso, surgem as características denominadas de belo, feio, mau, bom etc., sendo todas elas produtos da práxis, o que demonstra que a gênese dos valores é parte da construção social dos homens como seres sociais.

Ao poder valorar, o ser social demarca a possibilidade de fazer escolhas entre as alternativas existentes, revelando a sua autonomia e realizando as suas capacidades. Para Barroco (2008), é aí que se concentra o núcleo gerador da ética. Afinal, é com a produção de conhecimentos e valores construídos socialmente que são criadas as formas de convívio social, sendo a moral uma dessas formas. Por isso, ratificamos a moral como objeto de estudo da ética.

Segundo Lukács (apud Lessa 2007), a moral permite, ao ser concebida como o conjunto de normas e regras que regulam as relações entre os indivíduos e a sociedade, a articulação das necessidades advindas da esfera individual com aquelas relacionadas ao âmbito da generalidade humana.3

Já a ética, de acordo com esse pensamento, favorece a possibilidade de superação do dualismo indivíduo versus sociedade. Desse modo, reforçamos a concepção da ética como

3 Tal expressão trata-se da realização do ser social no sentido universal, ou seja, a mesma diz respeito à

ultrapassagem da dimensão singular do individuo, associando-o, portanto, ao gênero humano. Quanto ao tema sugerimos consultar: Lessa (2007a), Lessa (2007b), Lukács (2012), Lukács (1968).

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uma capacidade humana, o que a vincula a um modo de ser – ethos como afirma Barroco (2008).4

A reflexão ética, nessa perspectiva, nos possibilita desvendar de forma crítica o comportamento moral e a sua relação com as regras estabelecidas em determinado contexto histórico, no intuito de compreender ou sistematizar criticamente, as ações humanas diante da moral estabelecida. Isto posto, a ética favorece o encontro com os valores que são próprios do gênero humano, desvelando as esferas da vida cotidiana, suspendendo-a, para alçar a dimensão genérica. Com base em Lukács (1968), isso seria a realização de uma individualidade autêntica, que mantêm uma relação consciente com o gênero humano.

Portanto, por entendemos a ética como uma mediação indissociável da vida social, a compreendemos como inerente às profissões. Voltando nosso debate para o âmbito profissional, nos cabe mencionar que a ação do ser social, ao produzir os meios para sua reprodução, constitui a sociedade e os modos de sociabilidade. Cabe destacar que estes estão intimamente relacionados com o desenvolvimento das forças produtivas e com as projeções sociais, sendo estas marcadas por projetos individuais e coletivos. Essa afirmação estabelece o vínculo dessa discussão com os projetos das profissões, ou seja, com uma das formas de se projetar coletivamente.

Todo projeto profissional elege valores que explicitam as escolhas pertinentes à direção social ao qual se vincula, demonstrando, portanto, que os mesmos são vinculados a projetos societários. Estes oferecem as referências para as profissões se orientarem na sociedade, apontado uma direção para o exercício profissional e indicando a construção de uma determinada teleologia, por parte dos profissionais.

[...] Pode-se afirmar que os projetos profissionais relacionam-se tanto com a estrutura macrossocietária quanto com os aspectos particulares da profissão, ou seja, com a História, o desenvolvimento histórico da profissão e com as expressões teórico-prática e ético-política da profissão [...] (FORTI; COELHO, 2015, p. 20).

Por isso, com base em Netto (2007) e Braz (2000), podemos afirmar que os projetos profissionais são constituídos por dimensões que explicitam a sua relação com os projetos de sociedade, sendo essas denominadas de ética, política, teórico-metodológica e jurídica. As mesmas se traduzem, respectivamente, sob a forma de ética profissional, de organização política, da produção de conhecimento e do aparato jurídico/normativo das profissões. No

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Isso denota que esta concepção de ética se articula ao conceito marxiano de emancipação humana, que, segundo Marx (2000), prevê a possibilidade das objetivações de todas as potencialidades do gênero humano, dentre elas, destacamos a liberdade – o principal fundamento da ética de acordo com a tradição marxista. Dada a complexidade do tema, não temos condições de aprofundar aqui. Para melhor compreensão cf: MARX. K. A Questão Judaica. São Paulo: Centauro. Editora: 2000

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presente artigo, o destaque é a dimensão ética, pois se a mesma é inerente aos projetos profissionais, relaciona-se diretamente com a formação profissional.

A dimensão ética do projeto de uma profissão indica um modo de ser (ethos) profissional e, consequentemente, envolve a reflexão sobre as finalidades, as necessidades, as metas etc. que compõem a particularidade dessa profissão, e realiza orientações para o exercício dos profissionais. Essas orientações, tradicionalmente, são expressas no Código de ética a partir de valores e princípios vinculados a um modo de conceber a vida social, que por sua vez, imprime fundamentos teórico-filosóficos os quais a profissão se vincula. Isto revela a necessidade de não reduzirmos a ética profissional à sua esfera normativa, ou seja, ao Código de ética profissional. Portanto, com base em Barroco (2008) consideramos as esferas constitutivas da ética profissional, tais sejam: a dimensão filosófica, a dimensão do modo de ser (ethos) e a dimensão normativa.

Por isso, reforçamos que a concepção de ética, aqui explicitada, vincula-se a valores emancipatórios, justamente por favorecer a suspensão da esfera aparente, imediata, superficial etc. que permeia a vida cotidiana do modo de produção capitalista. Tal processo favorece a constituição de um ethos profissional que seja articulado a esses valores, o que reverbera na impressão de uma direção crítica, combativa, questionadora etc. ao exercício profissional do assistente social, desse modo, é necessário que a ética seja central na nossa formação profissional.

3. As Diretrizes Curriculares para os cursos de Serviço Social: A centralidade da ética

Tendo em vista as transformações que aconteceram no Serviço Social devido ao Movimento de Renovação da profissão, a década de 80 do século XX é referida, por inúmeras publicações da literatura do Serviço Social, como o período que marcou a travessia para um significativo amadurecimento intelectual e profissional dos assistentes sociais, com a inserção da categoria profissional nas lutas mais amplas no horizonte da socialização da política e da economia. Todavia, Barroco (2008) esclarece que o avanço e o amadurecimento teórico em torno da ética ocorreram somente nos anos 1990, em decorrência do que se tinha de acúmulo teórico anterior sobre o tema.

Nessa década, observamos profundas transformações nos processos de produção e reprodução da vida social, advindos da reestruturação produtiva, que são adensadas com a contrarreforma do Estado, com o aprofundamento do neoliberalismo e com as novas

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configurações da “questão social”. Isto reverberou diretamente no trabalho do Assistente Social, exigindo que a profissão aprofundasse no debate da ética (ABESS/CEDEPSS, 1996).

Além disso, Barroco (2008) afirma que os anos 1990 são marcados pela sensibilização da questão ética na vida pública, expressas em mobilizações, como as que levaram ao impeachment do presidente Fernando Collor de Melo em 1992. E ainda, nesse mesmo ano, pela primeira vez na história dos congressos brasileiros das profissões, a referida autora menciona que a questão ética passa a compor a temática central no VII Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS). Neste, ocorreu a ampliação e a diversificação do debate de fundamentação teórica, a problematização da prática profissional, denúncias éticas em torno do exercício profissional e propostas de enfrentamento da “questão social”. Nesse período, as publicações da revista Serviço Social e Sociedade passaram a contar com inúmeros ensaios sobre a questão ética numa abordagem densa, plural e ampla.

Nos anos 1990, as conquistas em torno da ética só foram possíveis pela aquisição de maior conhecimento filosófico, por parte do Serviço Social, especialmente no campo marxista. Ou seja, devido aos estudos e às consequentes produções da profissão voltadas para a reflexão sobre o método materialista histórico-dialético de Marx, que favoreceram a ampliação do conhecimento dos fundamentos filosóficos que sustentam a ética, bem como a apropriação da reflexão ética orientada pela ontologia do ser social na tradição marxista.

Ao partir desta perspectiva, Barroco (2008) afirma que a reflexão ética no Serviço Social deve ser construída, historicamente, no âmbito da filosofia, tendo como objeto a moral – uma forma de regulação da convivência social, conforme afirmamos no item anterior.

Isto posto, observamos que os avanços obtidos em torno da ética possibilitaram o Serviço Social compreendê-la como componente indissociável e até central para a formação profissional.

Assim, explicita-se a necessidade de entendermos o histórico que atravessa as Diretrizes Curriculares (ABEPSS, 1996) e os seus rebatimentos na afirmação do projeto de formação profissional do Serviço Social brasileiro.

As mesmas foram fruto de uma discussão nacional amplamente debatida no meio profissional do Serviço Social brasileiro, na primeira metade dos anos 1990. O ponto de partida se dá na XXVIII Convenção Nacional da ABESS que ocorreu em Londrina-PR, em outubro de 1993, evento que encaminhou a revisão do currículo mínimo de 1982. A partir daí, de 1994 a 1996 foram realizadas cerca de 200 (duzentas) oficinas locais nas 67 unidades de formação acadêmica filiadas à ABESS, 25 (vinte e cinco) regionais e duas nacionais.

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Salientamos, como elemento desse central desse contexto, a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional- lei 9394 (BRASIL, 1996), aprovada pelo MEC em 1996, a qual contribuiu para a formulação de diretrizes gerais para os cursos superiores. Tal lei permitiu que houvesse uma ampliação em relação às propostas de estrutura curricular, não mais no formato enxuto de currículo mínimo. Essa nova proposta tornou-se relevante para o processo de normatização e definição da revisão curricular que vinha sendo proposta pelo Serviço Social brasileiro.

Como já sinalizamos, e é possível comprovar através Diretrizes Curriculares (ABEPSS, 1996), a ética é compreendida como um princípio formativo que deve ser transversal à lógica curricular. Sendo assim, central para a formação profissional do assistente social.

Tal documento expressa os Núcleos de fundamentação da formação profissional (Núcleo dos fundamentos teórico-metodológicos da vida social, Núcleo de fundamentos da formação sócio-histórica da realidade brasileira e Núcleo de fundamentos do trabalho profissional), o que permite compreender os conteúdos curriculares como indissociáveis.

No primeiro, que diz respeito aos fundamentos teórico-metodológicos da vida social, e, inclusive, oferece os elementos basilares para os outros dois Núcleos – é possível identificar a centralidade da ética.

Tal Núcleo prioriza o entendimento da formação da vida social a partir do trabalho: categoria fundante do ser social, que, como já expomos, é indissociável da ética, dada a sua relação com a ontologia do ser social.

Por meio do trabalho configuram-se as relações sociais, os modos de vida, as concepções de mundo, os valores etc. que permitem com que apareçam as capacidades e qualidades humanas. Isto, consequentemente, contribui para que a ética surja como uma mediação indissociável da vida social – uma capacidade humana advinda através do trabalho. Isso se relaciona diretamente com o que já afirmamos, pois a ética, articulada à discussão da ontologia do ser social, visa à superação do dualismo indivíduo versus sociedade, conforme explicitamos, atuando na contradição que existe entre o âmbito particular e genérico.

Segundo as Diretrizes Curriculares (ABEPSS, 1996), tais fundamentos da vida social que aparecem no primeiro Núcleo de fundamentação da formação profissional oferecem as bases para os dois próximos Núcleos. Como se tratam de fundamentos que legitimam o processo de autoconstrução do ser social, é possível identificar a ética nesse processo, sendo, portanto, parte dos outros Núcleos também. Afinal, quando entendemos que a ética é uma

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capacidade humana, a compreendemos como inerente à vida social, sendo, portanto, uma mediação desta, advinda do trabalho.

Desse modo, isso significa que a ética atravessa o segundo Núcleo de fundamentos da formação sócio-histórica da sociedade brasileira, pois a constituição econômica, política e cultural da formação do país, se relacionam diretamente aos diferentes ethos (modos de ser) que atravessam essa formação, a partir do entendimento das classes sociais fundamentais que estão em disputa. Estas, por sua vez, explicitam diferentes projetos societários que revelam a particularidade do Brasil no mundo capitalista.

A ética também é inerente ao Núcleo de fundamentos do trabalho profissional porque o mesmo, obviamente, resgata a historicidade da profissão, o que inclui seu ethos profissional, seus códigos de ética, as dimensões constitutivas da profissão, como a ético-política etc.

Isso denota que o referido Núcleo leva em consideração a dimensão intelectiva e ontológica do trabalho, ou seja, explicita o estudo de tal categoria, articulando-a com o trabalho do assistente social. Por isso, é tomada como relevante a compreensão da profissão inserida em processos de trabalho, o que, consequentemente, proporciona a constituição dos elementos simples que são inerentes aos mesmos, como: o objeto ou a matéria-prima, os meios de trabalho, a atividade (o próprio trabalho) e o seu produto, conforme esclarece Marx (2004).

Ao delimitar os Núcleos que fundamentam a formação profissional do assistente social, as Diretrizes expressam as matérias básicas para a formulação das disciplinas que compõem os currículos plenos dos cursos de Serviço Social.

Cabe destaque que essas matérias são compreendidas como áreas do conhecimento e não como disciplinas fechadas e acabadas. Assim, tal documento sinaliza que as matérias não devem se restringir somente em disciplinas, mas em seminários temáticos, oficinas e atividades complementares. O estágio supervisionado e o Trabalho de Conclusão de curso também são vistos como atividades indispensáveis integradoras do currículo. Desse modo, torna-se possível identificar o principio da flexibilidade de organização dos currículos plenos, o que privilegia a dinamicidade do currículo. Isso, consequentemente, prioriza a necessidade do entendimento da dinâmica da realidade social, além de possibilitar a ampliação do conceito de estrutura curricular.

As Diretrizes Curriculares (ABEPSS, 1996), colocam a ética profissional dentre as matérias básicas (áreas do conhecimento), que, por conseguinte, deve desdobrar-se em outras atividades, como as mencionadas acima.

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Em tal documento, por meio dessa matéria básica – dada a relação da ética com a categoria trabalho – a ética profissional é articulada aos fundamentos ontológico-sociais da vida social. É a partir de tais fundamentos que as Diretrizes colocam a possibilidade de construção de um ethos profissional. Isso permite entender o significado de seus valores e as implicações ético-políticas do trabalho profissional, o que ratifica a discussão da ontologia do ser social como ponto de partida para o estudo da ética, conforme já afirmamos. Nessa parte também, é previsto o estudo dos Códigos de Ética profissional do assistente social existentes na trajetória da profissão, bem como a discussão teórico-filosófica sobre as questões éticas atuais.

Tais considerações sobre a forma como a ética aparece nas Diretrizes Curriculares (ABEPSS, 1996) revelam que a mesma não deve fazer parte somente de uma única disciplina ao se apresentar nos currículos plenos dos cursos de Serviço Social no Brasil.

Embora a ética seja reforçada nas Diretrizes, podemos observar que esta tende a ficar restrita a uma única disciplina ao se apresentar nas grades curriculares dos cursos de Serviço Social no Brasil.

Com base em Cardoso (2006), mencionamos que a existência das Diretrizes Curriculares para os Cursos de Serviço Social (ABEPSS, 1996) não significa necessariamente uma incorporação homogênea da sua proposta em todas as instituições que possuem o referido curso. Da norma geral imersa nos pareceres e resoluções até a sala de aula existe um longo caminho mediado pelos projetos pedagógicos de cada curso nas escolas, pela característica de cada instituição, pela forma como é conduzida o ensino etc.

Além do mais, há de se levar em consideração as divergências existentes entre a proposta para as Diretrizes Curriculares (ABEPSS, 1996) e a que de fato foi aprovada e levada a vigor pelo Ministério da Educação (MEC) em 2002. Isso demonstra a dificuldade de se fazer valer a centralidade da ética na formação profissional – em acordo com os fundamentos da proposta elaborada pela ABEPSS –, tendo em vista que até mesmo o princípio que colocava a ética como transversal foi alterado na versão original do MEC.

Na versão do MEC, o item Princípios da Formação Profissional é renomeado para o item Organização do Curso e o quesito que afirmava a ética como princípio formativo que deve atravessar toda a formação profissional, passa a ser denominado “respeito à ética profissional”. Isto demonstra uma concepção que reduz à ética ao aspecto normativo, e ainda, aparece esvaziada de crítica, o que, consequentemente, reverbera na forma como a mesma será transmitida nos cursos Serviço Social no Brasil.

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4. Considerações Finais

Finalizando a nossa discussão, cabe considerarmos que as Diretrizes Curriculares (ABEPSS, 1996) foram um marco para a consolidação do projeto de formação profissional do Serviço Social brasileiro, calcado na tradição marxista. Consequentemente, as mesmas, que, inclusive, completam 20 anos neste ano de 2016, provocaram e ainda provocam muitas discussões na categoria profissional, sobretudo, se levarmos em consideração os embates ocorridos perante a necessidade de sua oficialização junto ao Ministério da Educação (MEC) em 2002.5

Também é necessário levarmos em consideração que a afirmação do espaço central que a ética deve ocupar na formação profissional dos assistentes sociais vai de encontro com a crescente mercantilização do ensino superior brasileiro.

Braz e Rodrigues (2013) também trazem os dados relativos à área de Serviço Social presentes nos Censos de Ensino Superior do MEC de 1995 a 2010. Ao fazerem isto, os autores afirmam que a quantidade dos cursos de Serviço Social no Brasil tornou-se praticamente cinco vezes maior ao longo desse período, passando de 72 unidades de ensino, em 1995, para 333, em 2010.

Ao acrescentar os cursos da EAD em suas análises, Braz e Rodrigues (2013) indicam que estes e os presenciais abrangiam, em 2010, o total de 143.198 matrículas. Deste universo, apenas uma parcela muito pequena, isto é 22%, estava alocada em cursos de instituições universitárias, que devem estabelecer o acesso dos graduandos à pesquisa e a extensão, além da vivência do debate acadêmico universitário.

Cabe explicitar que os primeiros cursos de Serviço Social na modalidade à distância surgiram no Brasil a partir de 2006. Com base nas informações do MEC (2013) e do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP/MEC, 2013), Ortiz (2013) afirma que em 2013 existiam 19 instituições que ofereciam a graduação à distancia em Serviço Social e sinaliza cerca de 80 mil matrículas nessa modalidade, em contraposição a 72 mil presentes nos cursos presenciais.

Isso denota a predominância atual dessa modalidade de ensino na formação profissional em Serviço Social no Brasil, comprovando as previsões de Pereira (2012) ao tomar por base o ano de 2009 – quando surgiram nas estatísticas educacionais os primeiros concluintes do curso de Serviço Social através da EAD. Tal fato indica significativas

5 Maiores detalhes poderão ser encontrados em: ORTIZ, F.S. G. Notas sobre as diretrizes curriculares: avanços,

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mudanças no perfil dos Assistentes Sociais, impactando o processo de implantação e acompanhamentos das Diretrizes Curriculares da ABEPSS (1996), bem como a afirmação necessária da centralidade da ética na formação profissional do assistente social.

Tendo em vista esses desafios, podemos finalizar afirmando, com base em Ortiz (2013) que os valores que estão presentes no atual projeto crítico do Serviço Social brasileiro, denominado de projeto ético-político profissional, com destaque para o Código de Ética profissional (CFESS, 1993) – um dos documentos que o materializa – marcam significativamente a nossa formação em Serviço Social.

Esses valores se sustentam numa concepção de homem, de sociedade e de mundo, que se choca com as práticas hegemônicas do capitalismo, permeadas pela moralização da questão social, pelo preconceito, pela intolerância etc. Assim, afirmamos que a formação profissional, tendo a ética como central, é fundamental para a afirmação de novas práticas profissionais que questionem o contexto hegemônico.

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Referências

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