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O princípio da insignificância na jurisprudência dos tribunais superiores brasileiros: uma análise a partir da seletividade do sistema punitivo brasileiro

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(1)

GRANDE DO SUL

KASSIANO BANDEIRA CERETTA

O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS

SUPERIORES BRASILEIROS: UMA ANÁLISE A PARTIR DA SELETIVIDADE DO

SISTEMA PUNITIVO BRASILEIRO

Ijuí (RS)

2017

(2)

KASSIANO BANDEIRA CERETTA

O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS

SUPERIORES BRASILEIROS: UMA ANÁLISE A PARTIR DA SELETIVIDADE DO

SISTEMA PUNITIVO BRASILEIRO

Trabalho de Conclusão do Curso de

Graduação em Direito objetivando a

aprovação no componente curricular

Trabalho de Curso - TC.

UNIJUÍ - Universidade Regional do

Noroeste do Estado do Rio Grande do

Sul.

DEJ- Departamento de Estudos Jurídicos.

Orientador: Dr. Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth

Ijuí (RS)

2017

(3)

Dedico este trabalho acima de tudo à

minha família, pelo incentivo, apoio, amor

e confiança em mim depositados durante

toda a minha jornada. E que mesmo não

estando mais presentes em corpo sempre

estarão em espírito pois nunca serão

esquecidos.

(4)

AGRADECIMENTOS

À minha amada mãe Ilenir Ana Bandeira Ceretta por todo o tempo, dedicação,

confiança e amor em mim depositados. Seus conselhos e ensinamentos serão

eternos, assim como a saudade e meu amor por você. Continue me olhando e

espero que se orgulhando, te amo.

Ao meu amado pai Dante Von Muhlen Ceretta por toda confiança,

determinação, carinho e amor em mim depositados. Sua felicidade e carisma serão

eternos assim como meu amor por você. Espero que esteja me olhando e torcendo

por mim a cada conquista, te amo.

À minha amada noiva Dieinifer Larisa Robeck, por seu companheirismo,

confiança e amor, a quem sempre vou ser grato pela companhia, conselhos e força

no pior momento de minha vida. São esses momentos que fazem a diferença na

vida de uma pessoa, onde ela realmente revela seu caráter, te amo.

A toda minha família, Bandeira, Ceretta e Robeck pela imensurável ajuda e

amor, e a quem sempre amarei.

Ao meu orientador Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth, com quem eu tive o

privilégio de aprender e contar com sua dedicação e disponibilidade, me guiando

pelos caminhos do conhecimento.

(5)

“Teu dever é lutar pelo Direito, mas se um dia

encontrares o Direito em conflito com a Justiça,

luta pela Justiça. ”

(6)

O presente trabalho aborda a aplicação do princípio da insignificância no

Direito Penal, a partir das decisões dos Tribunais Superiores brasileiros. A pesquisa

parte do seguinte problema: Em que medida a jurisprudência dos Tribunais

Superiores brasileiros permite evidenciar, a partir da aplicação do princípio da

insignificância na esfera penal, a seletividade punitiva, considerando que o princípio

não é aplicado aos casos que envolvem pequenos delitos patrimoniais - praticados

por pessoas pauperizadas e socialmente desfavorecidas - mas é aplicado para

beneficiar pessoas que pertencem a outras classes econômicas, principalmente nos

chamados “delitos fiscais”?. Nesse sentido, o trabalho procura evidenciar que, na

falta de parâmetros precisos para aplicação do referido princípio, ratifica-se a

seletividade do sistema punitivo brasileiro, quando se compara a incidência do

princípio nos julgados que envolvem pequenos delitos patrimoniais

– praticados por

pessoas pobres

– e nos delitos fiscais – praticados por pessoas pertencentes aos

estratos privilegiados da sociedade.

Palavras-Chave: Princípio da insignificância. Direito Penal. Jurisprudência.

Seletividade.

(7)

This paper deals with the application of the principle of insignificance in

Criminal Law, based on the decisions of

the Brazilian Superior Courts

. The research

part of the following problem: to what extent the law of superior courts in Brazil

makes it plain, from the application of the principle of insignificance in Criminal, the

selectivity punitive damages, whereas the principle is not applied to cases involving

petty crimes to property - practiced by people pauperizadas and socially

disadvantaged - but is applied to benefit people who belong to other classes,

especially in the so-called "tax offenses"?. In this sense, the work seeks

to demonstrate that, in the absence of precise parameters for application of that

principle, ratifies the selectivity of the punitive system in Brazil, when comparing the

incidence of principle in the trial involving petty crimes to property - practiced by poor

people - and in Tax offenses - committed by persons belonging to strata privileged

sectors of society.

(8)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...8

1 O DIREITO PENAL COMO ULTIMA RATIO NA PROTEÇÃO DE BENS

JURÍDICOS E A CONSOLIDAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

PENAL...11

1.1 O Direito Penal como ultima ratio na proteção de bens jurídicos...12

1.2 O princípio da intervenção mínima aplicado ao Direito Penal...16

1.3 O princípio da insignificância no Direito Penal: conceito e desenvolvimento

doutrinário...19

2 A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NOS JULGAMENTOS

DOS TRIBUNAIS SUPERIORES BRASILEIROS E A CONSOLIDAÇÃO DA

SELETIVIDADE PUNITIVA...25

2.1 A verificação da seletividade punitiva a partir da aplicação do princípio da

insignificância aos crimes fiscais e patrimoniais...25

2.2 Os critérios adotados pela jurisprudência dos Tribunais Superiores

brasileiros para a aplicação do princípio da insignificância nos delitos

fiscais...32

2.3 Os critérios adotados pela jurisprudência dos Tribunais Superiores

brasileiros para a aplicação do princípio da insignificância nos delitos

patrimoniais...40

CONCLUSÃO...59

(9)

INTRODUÇÃO

O presente trabalho apresenta um estudo acerca da aplicação do princípio da

insignificância frente aos delitos fiscais/descaminho e aos pequenos delitos

patrimoniais presentes na jurisprudência dos Tribunais Superiores brasileiros,

fazendo uma análise de diversos julgados para tentar demonstrar a seletividade

presente no sistema punitivo brasileiro. Essa pesquisa se faz necessária face à

grande homogeneização dentro do sistema carcerário brasileiro, que em regra é

formado por homens jovens, negros, pobres, e que cometeram delitos patrimoniais.

Para a realização deste trabalho foram efetuadas pesquisas bibliográficas e

por meio eletrônico, analisando principalmente diversos julgados do Supremo

Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, tribunais responsáveis por

analisar e julgar os casos mais emblemáticos envolvendo a aplicação do princípio da

insignificância. Na análise desses julgados será demonstrada a diferença de critérios

empregados pelos dois Tribunais Superiores frente aos casos de aplicação do

referido princípio.

O problema orientador da pesquisa reside na seguinte indagação: Em que

medida a jurisprudência dos Tribunais Superiores brasileiros permite evidenciar, a

partir da aplicação do princípio da insignificância na esfera penal, a seletividade

punitiva, considerando que o princípio não é aplicado aos casos que envolvem

pequenos delitos patrimoniais - praticados por pessoas pauperizadas e socialmente

desfavorecidas - mas é aplicado para beneficiar pessoas que pertencem a outras

classes econômicas, principalmente nos chamados “delitos fiscais”?

Como objetivo geral da pesquisa, buscou-se estudar os diferentes critérios

utilizados para a aplicação do princípio da insignificância aos delitos fiscais e

(10)

patrimoniais, a partir da análise de julgados dos Tribunais Superiores brasileiros,

buscando evidenciar a seletividade punitiva que permeia essas decisões.

No que diz respeito aos objetivos específicos, foram apontados os seguintes:

a) analisar o princípio da insignificância no Direito Penal (conceito, origem,

desenvolvimento e apropriação pela doutrina e jurisprudências brasileiras);

b) comparar

– a partir de julgados dos Tribunais Superiores brasileiros – os

argumentos que são utilizados para a aplicação do princípio da insignificância penal

nos “delitos fiscais” com os que rejeitam a sua incidência nos casos de pequenos

crimes patrimoniais;

c) evidenciar, a partir da análise dos julgados sobre a aplicação do princípio

da insignificância, traços de um modelo de Direito Penal seletivo, apontando para a

necessidade da criação de lei especifica e/ou Súmula vinculante (STF) que

regulamente e defina um quantum específico que norteie os juízes na utilização do

princípio da insignificância penal.

Para atingir os objetivos propostos, o trabalho encontra-se estruturado em

dois capítulos. No primeiro, foi feita uma abordagem do direito penal como ultima

ratio na proteção de bens jurídicos mais relevantes e a consolidação do princípio da

insignificância penal. Também foi feita uma breve abordagem a respeito do princípio

da intervenção mínima aplicado ao direito penal. Finalizando o capitulo, foi

demonstrado o conceito e o desenvolvimento doutrinário do princípio da

insignificância no direito penal.

No segundo capítulo foi analisada mais profundamente a aplicação do

princípio da insignificância nos julgamentos dos Tribunais Superiores brasileiros a

fim de demonstrar que os critérios utilizados consolidam a seletividade punitiva,

notadamente no que se refere à diferença de tratamento dispensado aos delitos

fiscais/descaminho e aos pequenos delitos patrimoniais.

A metodologia empregada na pesquisa foi do tipo exploratória. Utilizando no

seu delineamento a coleta de dados em fontes bibliográficas disponíveis em meios

(11)

físicos e na rede de computadores. Na sua realização foi utilizado o método de

abordagem hipotético-dedutivo, observando os seguintes procedimentos:

a) seleção de bibliografia e documentos afins à temática e em meios físicos e

na Internet, interdisciplinares, capazes e suficientes para que o pesquisador

construa um referencial teórico coerente sobre o tema em estudo, responda o

problema proposto, corrobore ou refute as hipóteses levantadas e atinja os objetivos

propostos na pesquisa;

b) leitura e fichamento do material selecionado;

c) reflexão crítica sobre o material selecionado;

d) exposição dos resultados obtidos através de um texto escrito monográfico.

Diante disso, restam demonstrados todos os passos que serão dados na

busca de expor a seletividade punitiva que permeia os julgados dos Tribunais

Superiores a partir da aplicação do princípio da insignificância.

(12)

1 O DIREITO PENAL COMO ULTIMA RATIO NA PROTEÇÃO DE BENS

JURÍDICOS E A CONSOLIDAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PENAL

O direito penal deve ser visto como o último recurso a ser utilizado para a

proteção de bens jurídicos, pois seu principal intuito é proteger o cidadão e não o

punir, como nos mostra André Lozano Andrade (2014, p. 15, grifo do autor):

Tendo em vista que em um Estado Democrático de Direito o que se busca é, entre outros, garantir ao cidadão sua liberdade individual e que a pessoa possa atuar desde que não cause prejuízos a outros, deve o Estado evitar o uso de sua força, principalmente do Direito Penal, que é por demasiado violento e estigmatizante para o indivíduo. Para que a sociedade seja regulada devem antes ser utilizados outros instrumentos, como o Direito Administrativo ou o Direito Civil, a isso se dá o nome de subsidiariedade do Direito Penal. Quando baste a aplicação de normas não penais deve o Estado aplicá-las, recorrendo ao Direito Penal como ultima ratio, como último recurso, para a proteção da sociedade e do indivíduo.

Porém, isso não significa que o direito penal sirva apenas como protetor de

direitos, pois quando essa proteção não surte efeito passamos para seu efeito

punitivo, que deve ser utilizado com extrema cautela para não se tornar mais

abusiva que o próprio delito.

Como salienta Cesare Beccaria (1764, p. 10), em sua lição clássica acerca da

necessidade de humanização das penas,

as penas que excedem a necessidade de conservar o depósito da saúde pública são injustas por sua natureza; e tanto mais justas são as penas quanto mais sagrada e inviolável seja a sua segurança e maior a liberdade que o soberano conserva para os súditos.

A partir desta citação, pode-se perceber que Beccaria se baseia no princípio

da proporcionalidade, na medida em que não nega que deve haver punição, mas

quer assegurar que ela não seja abusiva (ESSADO, 2008). Associado à ideia de

proporcionalidade está o princípio da insignificância, que se aplica nos casos em que

o bem jurídico prejudicado é tão ínfimo que a aplicação de uma pena será mais

prejudicial do que o próprio ilícito praticado.

(13)

Feitas essas primeiras colocações, o presente capítulo tem por objetivo

analisar o princípio da insignificância no direito penal, ou seja, seu conceito e

desenvolvimento doutrinário, além de outros subprincípios, assim como o direito

penal visto como ultima ratio na proteção de bens jurídicos, nos subitens que

seguem.

1.1 O Direito Penal como ultima ratio na proteção de bens jurídicos

Muitos nem ao menos conhecem o significado da expressão “direito penal

como ultima ratio”, que, a grosso modo, significa

“última razão” ou “último recurso”.

Significa que o direito penal, em regra, deveria entrar em ação apenas após

exauridos todos os outros mecanismos de tutela disponíveis nos demais ramos do

direito, como salienta Santiago citado por

Andrade (2014, p. 106):

o Direito Penal deixa de ser necessário para proteger a sociedade quando isso puder ser obtido por outros meios, que serão preferíveis enquanto sejam menos lesivos aos direitos individuais. Trata-se de uma exigência de economia social coerente com a lógica do estado social, que deve buscar o maior benefício possível com o menor custo social. O princípio da ‘máxima utilidade possível’ para as eventuais vítimas deve ser combinado com o ‘mínimo sofrimento necessário’ para os criminosos. Isso conduz a uma fundamentação utilitarista do Direito penal que não tende à maior prevenção possível, mas ao mínimo de prevenção imprescindível. Entra em jogo, assim, o ‘princípio da subsidiariedade’, segundo o qual o Direito penal deve ser a ultima ratio, o último recurso a ser utilizado, à falta de outros meios menos lesivos.

No mesmo sentido temos o entendimento de Ferré Olivé e Roxin citados por

Andrade (2014, p. 107, grifo do autor):

O princípio da ultima ratio (também chamado subsidiariedade) indica-nos que a pena é o último recurso de que dispõe o Estado para resolver os conflitos sociais. Em outras palavras, que somente pode recorrer ao Direito Penal quando fracassado as outras instâncias de controle social que tenham capacidade para resolver o conflito é cada vez mais frequente a denúncia de utilização do direito penal, não como ultima ratio senão como sola ou prima ratio para solucionar os conflitos sociais.

(14)

Podemos perceber que o Direito penal deve perder esse caráter quase que

estritamente punitivo, deixando outros ramos do direito competentes lidarem com o

caso concreto. Na opinião de Essado (2008, p. 29) “o direito penal não tem como

função regulamentar todas as condutas humanas. Muito pelo contrário, somente

deve intervir quando estritamente necessário”.

Nesse contexto, um sistema penal que visa principalmente à penalização do

indivíduo é decorrente de um Estado igualmente punitivo, que na maioria das vezes

deixa-se levar pelo clamor de uma sociedade induzida pelos meios de comunicação,

indução que reflete diretamente em nossa legislação, demonstrando a parcialidade

do legislador assim como o anseio por punição travestido de justiça, como nos

mostra o professor Aury Lopes Junior (2005, p. 206, grifo do autor):

Também a ordem pública, ao ser confundida com o tal “clamor público”, corre o risco da manipulação pelos meios de comunicação de massas, fazendo com que a dita opinião pública não passe de mera opinião publicada, com evidentes prejuízos para todos.

Nesse sentido, também temos o entendimento de Adalberto Narciso

Hommerding e José Francisco Dias da Costa Lyra (2014, p. 3-4, grifo dos autores):

Dito de outro modo, a produção da lei (em especial, a produção da lei penal) em terrae brasilis caracteriza-se por ser o “mais do mesmo”: uma produção legislativa que, praticamente, não atende a níveis adequados de racionalidade legislativa, sendo direcionada tão-somente à elaboração de leis com forte cunho populista, com forte apelo midiático, que tendem a colonização do Direito pelos imperativos sistêmicos da economia de mercado. Ainda, noutras palavras: elaborar leis penais no Brasil é sinônimo de produzir legislação simbólica, sem resultados quanto a concretização normativa dos textos legais.

A opinião de Guilherme De Souza Nucci (2014, p. 70-71, grifo do autor)

também ratifica essa perspectiva:

O Estado deve respeitar a esfera íntima do cidadão. Se o fizer, haveria respeito à intervenção mínima e, como consequência, ao princípio da ofensividade. Em outras palavras, não é todo bem jurídico protegido que merece proteção do Direito Penal. Há outros

(15)

ramos do direito para isso. Portanto, podemos encontrar situações

ofensivas a determinados bens, mas inofensivas em matéria penal.

Nesta mesma linha de raciocínio argumenta Mercedes García Arán, citada

por Nucci (2014, p. 66), ao referir que “o direito penal deve conseguir a tutela da paz

social obtendo o respeito à lei e aos direitos dos demais, mas sem prejudicar a

dignidade, o livre desenvolvimento da personalidade ou a igualdade e restringindo

ao mínimo a liberdade”.

Por esse motivo o direito penal deve ser a ultima ratio na proteção de bens

jurídicos, pois atualmente seu elevado índice de punição se revela como uma

afronta aos princípios fundamentais, e a Constituição Federal em seu Art. 5º, caput,

dispõe: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade

do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. (BRASIL,

2016).

A respeito disso temos a ideia de Luís Paulo Sirvinskas (2003, p. 72, grifo

nosso):

O juiz criminal – ao interpretar a norma penal – deverá observar os valores constitucionais protetores do garantismo, geralmente não expressos na norma fundamental, mas encontráveis nos direitos e garantias individuais.

São os princípios norteadores do estado democrático de direito e, em especial, o princípio da dignidade da pessoa humana, que deverão servir de supedâneo para o juiz criminal interpretar a norma incriminadora com o objetivo de realizar um ato de justiça social.

E é em respeito aos direitos e garantias individuais que devemos utilizar o

direito penal como ultima ratio na resolução de conflitos, ainda mais enquanto

houver outros ramos do direito disponíveis para resolverem a lide.

Outro problema que decorre da utilização do direito penal como prima ratio,

além da afronta aos direitos e garantias individuais, é a banalização da norma penal,

fazendo com que ela perca seu caráter preventivo em decorrência do descrédito

(16)

dado pela população, resultado de pedidos impossíveis que são negados

diariamente por serem mais lesivos que o próprio ilícito praticado.

Neste sentido temos o entendimento de Nucci (2014, p.66):

Caso o bem jurídico possa ser protegido de outro modo, deve-se abrir mão da opção legislativa penal, justamente para não banalizar a punição, tornando-a, por vezes, ineficaz, porque não cumprida pelos destinatários da norma e não aplicada pelos órgãos estatais encarregados da segurança pública. Podemos anotar que a vulgarização do direito penal, como norma solucionadora de qualquer conflito, pode levar ao seu descrédito e, consequentemente, à ineficiência de seus dispositivos.

Ainda nas palavras de Nucci (2014, p. 66):

Há outros ramos do Direito preparados a solucionar as desavenças e lides surgidas na comunidade, compondo-as sem maiores traumas. O direito penal é considerado a ultima ratio, isto é, a última cartada do sistema legislativo, quando se entende que outra solução não pode haver senão a criação de lei penal incriminadora, impondo sanção penal ao infrator.

Porém, de nada adianta a criação de uma lei penal incriminadora se essa não

respeitar sua função como ultima ratio e ser utilizada como primeira opção para

resolver os conflitos mais ínfimos. Neste sentido, temos o entendimento de

Hommerding e Lyra (2014, p. 18):

Sem uma Dogmática Jurídica atenta aos problemas da racionalidade da produção da lei e das políticas legislativas, e as possíveis dificuldades de aplicação da lei, e, portanto, sem uma Teoria do Direito que incorpore preocupações com a Teoria da Legislação e com a problemática do Direito como moral institucionalizada, a Ciência do Direito corre o risco de continuar “capenga” no que diz respeito à adequada aplicação do Direito.

Uma ótima analogia sobre a intervenção penal como ultima ratio é construída

por Luiz Flávio Gomes (s.d, p. 16):

Toda preocupação prevencionista, fundada na mera infração da norma imperativa, deve ser disciplinada em outros ramos do Direito

(17)

(administrativo, civil, tributário, comercial, trabalhista etc.). O Direito penal deve sempre ser enfocado como soldado de reserva. Se os outros sistemas normativos extrapenais falharem, então entra em ação o Direito penal, como ultima ratio.

Com isso, ficam demonstrados os problemas decorrentes da utilização do

direito penal como prima ratio, o que na maioria das vezes é reflexo de um Estado

punitivo que, no caso brasileiro, atualmente possui a quarta maior população

carcerária do mundo, conforme dados do Ministério da Justiça e Cidadania (2016).

Nesse sentido, resta demonstrado que deve ser utilizado o direito penal apenas nos

últimos casos, quando outras medidas já não servem mais (NUCCI, 2014, p.66).

Desse modo, revela-se a importância da utilização do direito penal como

ultima ratio na resolução de conflitos, permitindo, na sequência, a análise do

princípio da intervenção mínima: seu conceito e características, assim como sua

aplicação na esfera penal.

1.2 O princípio da intervenção mínima aplicado ao Direito Penal

O princípio da intervenção mínima nada mais é que a aplicação da esfera

penal apenas nos últimos casos (mais graves, contundentes), servindo como ultima

ratio e limitando, com isso, os poderes do jus puniendi do Estado, assim como nos

ensina Cezar Roberto Bitencourt (1997, p. 37), ao asseverar que

“o princípio da

intervenção mínima, também conhecido como ultima ratio, orienta e limita o poder

incriminador do Estado”.

A ideia de intervenção mínima já se encontra presente na Declaração dos

Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, a qual prevê em seu art. 8º, que “a lei

apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias e ninguém

pode ser punido senão por força de uma lei estabelecida e promulgada antes do

delito e legalmente aplicada”. (FRANÇA, 2016).

(18)

A intervenção mínima demanda a instituição de lei penal incriminadora somente em ultima ratio, quando nada mais resta ao Estado senão criminalizar determinada conduta. Por isso, leis intermitentes não se coadunam com o texto constitucional de 1988, reputando-se não recepcionado o art. 3.º do Código Penal.

Sobre o tema, Maurício Antônio Ribeiro Lopes (1997, p. 75) salienta que

só se legitima a criminalização de um fato se a mesma constitui meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. Se outras formas de sanção ou outros meios de controle social se revelem suficientes para a tutela desse bem, a criminalização é incorreta. Somente se a sanção penal for instrumento indispensável de proteção jurídica é que a mesma se legitima.

Com isso, fica claro o conceito do princípio da intervenção mínima, que nada

mais é que a utilização de todos os recursos e meios necessários para a resolução

de conflitos, recorrendo para a esfera penal e criminalizando determinada conduta

apenas em casos extremos, quando nenhum outro meio deu resultados e não há

outra opção. Desse modo, o Estado não apenas não deve, como nem pode interferir

nos conflitos como prima ratio.

Logo, também o legislador não pode considerar qualquer comportamento

como criminoso. Isso evidencia a posição que deve tomar o legislador no momento

de criminalizar uma conduta, devendo observar acima de tudo os princípios

fundamentais, de modo a não ser autoritário nem parcial em suas decisões.

Dessa forma, o legislador, baseando-se nos princípios fundamentais e

tutelando apenas os bens jurídicos mais relevantes, permite a consolidação do

princípio da intervenção mínima, que nada mais é que a missão do direito penal,

assim como nos mostra Masson, citado por Gustavo Henrique Comparim Gomes

(2011) a respeito de uma decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça:

A missão do Direito Penal moderno consiste em tutelar os bens jurídicos mais relevantes. Em decorrência disso, a intervenção penal deve ter o caráter fragmentário, protegendo apenas os bens mais importantes e em casos de lesões de maior gravidade.

(19)

Caso não seja observada essa regra, como já demonstrado no subtítulo

anterior, teremos o problema da banalização da lei penal pelo seu mal-uso, pois

muitas vezes um conflito que poderia ser resolvido na esfera civil ou administrativa é

levado diretamente para a seara penal, sem atentar para o fato de que, muitas

vezes, o indivíduo tem mais receio das penalizações que sofreria nas outras searas

do que na penal.

Para exemplificar o dito anteriormente temos o exemplo citado por Nucci

(2014, p. 67):

Atualmente, somente para exemplificar, determinadas infrações administrativas de trânsito possuem punições mais temidas pelos motoristas, diante das elevadas multas e do ganho de pontos no prontuário, que podem levar à perda da carteira de habilitação – tudo isso, sem o devido processo legal – do que a aplicação de uma multa penal, sensivelmente menor. Enfim, o direito penal deve ser visto como subsidiário aos demais ramos do Direito. Fracassando outras formas de punição e de composição de conflitos, lança-se mão da lei penal para coibir comportamentos desregrados, que possam lesionar bens jurídicos tutelados.

Ainda, nas palavras de Nucci (2014, p. 51, grifo nosso) temos a explicação do

porque não se deve utilizar a seara penal como prima ratio:

Quando o ordenamento jurídico opta pela tutela de um determinado bem, não necessariamente a proteção deve dar-se no âmbito penal. A este, segundo o princípio da intervenção mínima, são reservados os mais relevantes bens jurídicos, focando-se as mais arriscadas condutas, que possam, efetivamente, gerar dano ou perda ao bem tutelado.

Dito isso, concluímos que o Estado deve intervir o mínimo possível no dia a

dia do indivíduo, e caso ocorra algum conflito deve deixar os outros ramos do direito

agirem, como nos mostra Claus Roxin (1998, p. 28): “onde bastem os meios do

direito civil ou do direito administrativo, o Direito Penal deve retirar-se”. Em síntese: o

direito penal deve ser utilizado apenas como ultima ratio.

(20)

Uma vez analisado o princípio da intervenção mínima, passa-se na sequência

a observar o princípio da insignificância no campo do direito penal, buscando

delinear o seu conceito e o seu desenvolvimento doutrinário.

1.3 O princípio da insignificância no Direito Penal: conceito e desenvolvimento

doutrinário

Para a grande maioria dos estudiosos, o princípio da insignificância – também

conhecido como princípio da bagatela

– surgiu no direito romano, onde era

representado pelo brocardo minimis non curat praetor, ou seja, o pretor não deve se

preocupar com coisas insignificantes (CAPEZ, 2011, p. 29).

Como leciona José Henrique Guaracy Rebêlo (2000, p. 31):

A mencionada máxima jurídica, anônima, da Idade Média, eventualmente usada na forma mínimis non curat praetor, significa que um magistrado (sentido de praetor em latim medieval) deve desprezar os casos insignificantes para cuidar das questões realmente inadiáveis.

Esse entendimento a respeito do princípio da insignificância é resultado das

pesquisas de Claus Roxin no ano de 1964, conforme diz Odone Sanguiné (1990, p.

39, grifo do autor):

O recente aspecto histórico do Princípio da Insignificância é inafastavelmente, devido a Claus Roxin, que, no ano de 1964, o formulou como base de validez geral para a determinação do injusto, a partir de considerações sobre a máxima latina mínima non curat

praetor.

Nesse sentido também leciona Paulo Queiroz (2008, p. 51):

Por meio do princípio da insignificância, cuja sistematização coube a Claus Roxin, o juiz, à vista da desproporção entre a ação (crime) e a reação (castigo), fará um juízo (inevitavelmente valorativo) sobre a tipicidade material da conduta, recusando curso a comportamentos que, embora formalmente típicos, não o sejam materialmente, dada a sua irrelevância.

(21)

Dito isso, vamos ao conceito do princípio da insignificância. Para que serve?

Qual o seu objetivo? Há um entendimento consolidado a seu respeito?

Nas palavras de Shecaira e Corrêa Junior, citados por Nucci (2014, p. 180)

entende-se que “o princípio da insignificância, por seu turno, equivale à

desconsideração típica pela não materialização de um prejuízo efetivo, pela

existência de danos de pouquíssima importância”.

Ainda temos o conceito definido por Paulo Queiroz (2008, p. 51):

Da mesma forma, em razão do princípio da proporcionalidade, não se justifica que o direito penal possa incidir sobre comportamentos insignificantes. Ocorre que, ainda quando o legislador pretenda reprimir apenas condutas graves, isso não impede que a norma penal, em face de seu caráter geral e abstrato, alcance fatos concretamente irrelevantes.

Temos o entendimento consolidado nos Tribunais Superiores a respeito do

reconhecimento do princípio da insignificância e de seu caráter de exclusão da

tipicidade da conduta, conforme se evidencia no julgamento do REsp 234.271, Rel.

Min. Edson Vidigal:

O Superior Tribunal de Justiça, por intermédio de sua 5ª Turma, tem reconhecido a tese da exclusão da tipicidade nos chamados delitos de bagatela, aos quais se aplica o princípio da insignificância, dado que à lei não cabe preocupar-se com infrações de pouca monta, insuscetíveis de causar o mais ínfimo dano à coletividade.

Segundo entendimento jurisprudencial, o princípio da insignificância, para ser

utilizado, requer que sejam reunidas quatro condições essenciais, que são: a mínima

ofensividade da conduta, a inexistência de periculosidade social do ato, o reduzido

grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão

provocada.

(22)

É de notar, por fim, que há diversos precedentes do Supremo Tribunal Federal condicionando a adoção do princípio aos seguintes requisitos: a) mínima ofensividade da conduta; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade; d) inexpressividade da lesão jurídica. Parece-nos, porém, que tais requisitos são tautológicos. Sim, porque se mínima é a ofensa, então a ação não é socialmente perigosa; se a ofensa é mínima e a ação não perigosa, em consequência, mínima ou nenhuma é a reprovação; e, pois, inexpressiva a lesão jurídica. Enfim, os supostos requisitos apenas repetem a mesma idéia por meio de palavras diferentes, argumentando em círculo.

Esses requisitos devem ser concomitantes, perdendo sua aplicabilidade nos

casos em que se mostra ausente qualquer um deles, como nos mostra o teor da

decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Habeas

Corpus 122167, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski:

PENAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. REPROVABILIDADE DA CONDUTA DA AGENTE. ORDEM DENEGADA.I - A ré foi condenada pela prática do crime descrito no art. 155, §§ 1º e 4º, inciso II, do CP, pela subtração de um aparelho de som avaliado em R$ 70,00. O STJ apenas afastou a causa de aumento relativa ao repouso noturno. Como se sabe, a configuração do delito de bagatela, conforme têm entendido as duas Turmas deste Tribunal, exige a satisfação, de forma concomitante, de certos requisitos, quais sejam, a conduta minimamente ofensiva, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a lesão jurídica inexpressiva. II – Ocorre, contudo, que os autos dão conta da reiteração criminosa. A paciente tem em curso ações penais pelo mesmo fato, consoante certidão às págs. 58-60 do documento eletrônico 7. III – Revelada a periculosidade da paciente, não há falar na aplicação do princípio da insignificância, em razão do alto grau de

reprovabilidade do seu comportamento. IV – Ordem denegada.

(BRASIL, 2016).

Com isso, fica claro que a aplicabilidade do princípio da insignificância

depende de vários fatores específicos encontrados apenas no caso concreto,

servindo estes para nortear o rumo que o magistrado dará ao processo, e baseado

neste, a sua decisão.

Estes requisitos auxiliam o magistrado e também garantem um julgamento

mais igualitário e uniformizado para o cidadão, pois, pelo menos, impõem alguns

critérios que deverão ser observados para a aplicação do referido princípio, fazendo

(23)

com que os magistrados não apenas possam, mas também sejam compelidos a

utilizá-los.

Outros critérios observados para a aplicação do princípio da insignificância

são: a consideração do valor do bem jurídico em termos concretos, a consideração

da lesão ao bem jurídico em visão global, e a consideração particular aos bens

jurídicos imateriais de expressivo valor social (NUCCI, 2014, p. 181-182).

Em alguns casos temos prejuízos tão ínfimos a bens jurídicos tutelados que a

aplicação de uma pena seria infinitamente mais prejudicial ao sistema punitivo,

carcerário e principalmente ao princípio da dignidade da pessoa humana, do que o

próprio delito praticado, pois estaríamos abrindo mão de um direito sagrado que é a

liberdade para “proteger” um bem material insignificante.

Um exemplo disso é o citado por Nucci (2014, p. 181):

Com relação à insignificância (crime de bagatela), sustenta-se que o direito penal, diante de seu caráter subsidiário, funcionando como ultima ratio, no sistema punitivo, não se deve ocupar de bagatelas. Há várias decisões de tribunais pátrios, absolvendo réus por considerar que ínfimos prejuízos a bens jurídicos não devem ser objeto de tutela penal, como ocorre nos casos de “importação de mercadoria proibida” (contrabando), tendo por objeto material coisas de insignificante valor, trazidas por sacoleiros do Paraguai. Outro exemplo é o furto de coisas insignificantes, tal como o de uma azeitona, exposta à venda em uma mercearia. (...)

Porém devemos tomar cuidado para não confundir delito insignificante com

crimes de menor potencial ofensivo, como nos mostra Capez (2011, p. 31):

Não se pode, porém, confundir delito insignificante ou de bagatela com crimes de menor potencial ofensivo. Estes últimos são definidos pelo art. 61 da Lei n. 9.099/95 e submetem-se aos Juizados Especiais Criminais, sendo que neles a ofensa não pode ser acoimada de insignificante, pois possui gravidade ao menos perceptível socialmente, não podendo falar-se em aplicação desse princípio.

(24)

Até porque não é possível, muito menos correto, simplesmente punir qualquer

ato, até porque a lei é genérica, e por isso deve-se observar cada peculiaridade do

caso concreto.

Ainda temos as palavras de Nucci (2014, p. 51, grifo do autor):

Portanto, para a correta análise dos elementos do crime e, também, para inspirar a aplicação da pena, é fundamental o conhecimento do bem jurídico em questão, no caso concreto, avaliando se houve efetiva lesão ou se, na essência, encontra-se ele preservado, sem necessidade de se movimentar a máquina estatal punitiva para tanto. Exemplo disso é o emprego do princípio da insignificância (crime de bagatela), quando se percebe que, em face do bem jurídico

patrimônio, a conduta do agente, ainda que se configure em

subtração de coisa alheia móvel, é inócua para ferir, na substância, o bem jurídico protegido.

Porém um fator muito prejudicial, assim como no subtítulo anterior, é o anseio

social, fator esse que interfere muito no princípio da insignificância, pois na sua

grande maioria esse anseio é por imposições penais ao indivíduo que cometeu um

delito, muitas vezes insignificante ao bem jurídico tutelado.

E a respeito desse anseio social por punição temos os dizeres de Luiz Luisi,

citado por Nucci (2014, p. 67) sustentando que:

O Estado deve evitar a criação de infrações penais insignificantes, impondo penas ofensivas à dignidade humana. Tal postulado encontra-se implícito na Constituição Federal, que assegura direitos invioláveis, como a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade, bem como colocando como fundamento do Estado democrático de direito a dignidade da pessoa humana. Daí ser natural que a restrição ou privação desses direitos invioláveis somente se torne possível, caso seja estritamente necessária a imposição da sanção penal, para garantir bens essenciais ao homem.

Diante do exposto, fica claro que o princípio da insignificância, acima de tudo,

tem como objetivo não apenas diminuir a pena, mas afastar a tipicidade do crime,

eliminando qualquer possibilidade de punição.

(25)

Assim, temos as palavras de Bitencourt (2012, p. 441), para o qual “a

insignificância da ofensa afasta a tipicidade. Mas essa insignificância só pode ser

valorada através da consideração global da ordem jurídica”.

Concluímos, portanto, que diferentemente do princípio da intervenção mínima

que, basicamente, visa ao afastamento do Estado punitivo das relações que podem

ser resolvidas nas outras searas do direito, o princípio da insignificância busca

afastar a tipicidade da conduta do agente, eliminando qualquer possível repressão,

tanto no direito penal como em todas suas outras áreas.

(26)

2 A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NOS JULGAMENTOS

DOS TRIBUNAIS SUPERIORES BRASILEIROS E A CONSOLIDAÇÃO DA

SELETIVIDADE PUNITIVA

O princípio da insignificância pode ser considerado um princípio relativamente

novo, isso por si só, pode ser considerado um fator importante quando falamos em

seletividade punitiva, pois dele pode decorrer a falta de critérios objetivos explícitos.

Confirmando o que foi dito temos Rebêlo (2000, p. 47) onde afirma que

“o

primeiro caso em que o princípio se viu reconhecido pela Suprema Corte é o contido

no RHC 66.869/PR, relatado pelo Ministro Aldir Passarinho, em 6.12.1988”.

Feitas essas primeiras colocações, o presente capítulo tem por objetivo

analisar a aplicação do princípio da insignificância nos julgamentos dos Tribunais

Superiores brasileiros, ou seja, analisar diversos julgados, tanto do STF quanto do

STJ, com o intuito de demonstrar a seletividade punitiva presente no nosso sistema

penal, assim como os critérios utilizados por esses tribunais para a utilização do

referido princípio, nos subitens que seguem.

2.1 A verificação da seletividade punitiva a partir da aplicação do princípio da

insignificância aos crimes fiscais e patrimoniais

A aplicação do princípio da insignificância nos Tribunais Superiores brasileiros

vem sendo uma incógnita, pois seu conteúdo não está presente em nenhuma

legislação explícita, e isso dá margem a variadas interpretações, tanto a respeito dos

requisitos da sua aplicabilidade como a respeito do próprio resultado de sua

aplicação.

Contudo, seu caráter implícito não pode ser usado como argumento para sua

não aplicação, pois como nos mostra Sarmento citado por Ivan Luiz da Silva (2011,

p. 48):

A ordem jurídica constitucional não é composta apenas pelas normas expressas em seu texto legal, mas também por princípios que subsistem em estado de latência em seu interior, denominados de

(27)

princípios implícitos. Isso se dá em razão de o texto normativo não exaurir a norma, sendo possível, portanto, extrair-se norma mesmo onde não haja texto.

Porém todos os princípios precisam ser concretizados no direito para

poderem ser elencados e localizados (SILVA, 2011, p. 138). Neste sentido também é

o entendimento de Mauricio Antônio Ribeiro Lopes (2000, p. 409), ao afirmar que

“tanto implícito como expresso, todo princípio necessita, sem exceção, ser

concretizado para ter validade em determinada ordem jurídica”.

Além da necessidade da concretização do princípio, como dito anteriormente,

temos os requisitos que devem ser observados para a sua aplicabilidade, que no

caso do princípio da insignificância são: a) mínima ofensividade da conduta; b)

nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade; d)

inexpressividade da lesão jurídica.

Neste sentido temos o entendimento do Ministro do STF, Celso de Mello no

Habeas Corpus nº 84.412, DJ. 19.11.2004:

O princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada. (BRASIL, 2017).

Em consonância com estes requisitos o princípio da insignificância deverá ser

aplicado quando reunidos esses requisitos. Entende-se que, nesses casos, a não

aplicação do referido princípio acarretará uma sanção penal, e esta será

infinitamente mais abusiva aos direitos fundamentais que tentamos proteger, do que

o próprio ato delituoso. Logo, da aplicação do princípio da insignificância não resulta

apenas a diminuição ou substituição da pena, mas sim a absolvição do réu, tornando

aquele ato atípico e excluindo totalmente sua ilicitude.

(28)

Diante do exposto, fica demonstrado que o resultado decorrente da não

aplicação do princípio da insignificância, assim como de qualquer outro princípio,

fere mais a norma penal que a pratica de um crime que se enquadre nesse princípio.

Assim também entende Rebêlo (2000, p. 11-12):

princípio é, por definição, o mandamento nuclear de um sistema, seu verdadeiro alicerce, sua causa primaria, seu germe. Por isso mesmo, violar um princípio é muito mais gravoso do que agredir uma norma ou comando determinado, porquanto implica repudio a todo um sistema.

Portanto, o princípio da insignificância, além de ser um princípio disponível ao

direito penal, é um princípio que garante a aplicabilidade dos direitos fundamentais,

tais como os princípios da liberdade, igualdade e fraternidade, como nos mostra

Silva (2011, p. 126) ao referir que,

“por seu turno, o Princípio da Insignificância

fundamenta-se nesses princípios, uma vez que, ao interpretar restritivamente o tipo

penal, visa concretizar esses princípios fundamentais do Estado de direito

democrático na seara penal”.

Assim, fica evidente que o ato mais gravoso para o indivíduo e para a

sociedade como um todo, não é aquele pequeno delito praticado, mas sim a não

observância de um direito fundamental. Decorrente disso, vemos muitas vezes a

aplicação de penas absurdas e desproporcionais,

“caracterizadoras de um

retribucionismo exagerado que mais lesam a coletividade do que a protegem”, como

salienta Rebêlo (2000, p. 7).

Como resultado disso, o cidadão é deixado a mercê de uma sociedade

induzida que clama por punição, e de um direito penal que claramente foi criado

para perseguir o indivíduo desfavorecido. É nesse momento que a justiça deixa de

ser cega para poder selecionar quem “mereça” ser punido.

Diante disso devemos lembrar que a Constituição Federal de 1988 (CF/88)

estabelece, em seu artigo 5º, que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de

qualquer natureza”.

(29)

Porém não podemos ser ingênuos a ponto de acreditar que as nossas leis

são o reflexo da realidade, pois não são. A realidade é que o indivíduo pobre

representa a grande maioria do nosso sistema carcerário, e que desses, grande

parte é composta por indivíduos que cometeram um pequeno delito patrimonial, caso

no qual poderia ser aplicado o princípio da insignificância.

Contudo, a prática representa um sistema penal repleto de seletividade,

principalmente sobre indivíduos vulneráveis. Nesse sentido é o entendimento de

Cirino dos Santos citado por Nilo Batista (2007, p. 25-26), quando salienta que o

sistema penal é:

constituído pelos aparelhos judicial, policial e prisional, e operacionalizado nos 10 limites das matrizes legais, pretende afirmar-se como “sistema garantidor de uma ordem social justa”, mas seu desempenho real contradiz essa aparência. Assim, o sistema penal é apresentado como igualitário, atingindo igualmente as pessoas em função de suas condutas, quando na verdade seu funcionamento é seletivo, atingindo apenas determinadas pessoas, integrantes de determinados grupos sociais, a pretexto de suas condutas (As exceções, além de confirmarem a regra, são aparatosamente usadas para a reafirmação do caráter igualitário).

As leis são feitas conforme sua reprovabilidade social, porém, com a ideia de

que os menos favorecidos cometem mais crimes, o que nos mostra um sistema

penal falho, pois desde a sua criação até a sua aplicação demonstra ser seletivo.

Um exemplo disso, no caso do presente trabalho, é a diferença das penas na prática

do furto e do descaminho, ambos abordados nesta pesquisa.

Os artigos 155 e 334, ambos do Código Penal, na teoria nos trazem a mesma

pena:

Art. 155 - subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa

Art. 334 - Iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria: Pena – reclusão, de um a quatro anos”. (BRASIL, 2017).

(30)

Porém, na prática a realidade é totalmente diferente. Isso porque

normalmente quem sonega é de classe média alta, e a grande maioria dos

indivíduos presos por furto pertencem à classe baixa. Diante disso, a realidade nos

mostra indivíduos presos por furtarem um xampu de supermercado no valor de R$

25,00, por exemplo, e, de outro lado, indivíduos que sonegam até R$ 20.000,00 e

que permanecem em liberdade, mesmo sabendo que a pena estipulada em lei é a

mesma para ambos.

A única diferença entre esses artigos é que um (art. 334) deve ser aplicado

em consonância com a Lei 10.522/2002 e as Portarias 75 e 130/2012 do Ministério

da Fazenda, e o outro (art. 155) não possui nada expresso para definir quando sua

aplicabilidade deve ser ignorada para não ferir direitos fundamentais.

A respeito do Art. 334, CP, temos o entendimento de Rebêlo (2000, p. 31),

que diz:

O descaminho do art. 334/CP, não será certamente a posse de pequena quantidade de produto estrangeiro de valor reduzido, mas sim a de mercadoria cuja quantidade ou cujo valor indique lesão tributaria de certa expressão para o físico.

Diante disso fica claro o pensamento da sociedade em respeito a este crime.

Porém, não podemos esquecer que tanto para o furto, quanto para o descaminho a

lei estipula a mesma pena, que é de um a quatro anos de reclusão, mas que na

prática não é aplicado para um, mas é para o outro.

Ainda, além de todos os requisitos para a aplicação do princípio da

insignificância, essa seletividade no sistema punitivo brasileiro é um problema que a

sociedade enfrenta diariamente, pois o patamar elevado para a utilização do

princípio da insignificância nos delitos fiscais e a falta de um quantum que norteie as

decisões nos pequenos delitos patrimoniais é um dos principais motivos que leva ao

enorme número de julgados diferentes, com pesos e penas distintas.

(31)

A falta de orientação aos magistrados muitas vezes faz com que sejam

julgados improcedentes casos que nem poderiam ser considerados ilícitos, pois, se

utilizado o princípio da insignificância tornaria o fato atípico.

Além disso, não podemos desejar a prisão de um indivíduo por ter praticado

um fato jurídico de mínima relevância, onde, se feita esta prisão, tal fato acarrete

maior injustiça do que o próprio ato, até ali ilícito, conforme nos mostra o Habeas

Corpus (HC) 84.412, impetrado no Supremo Tribunal Federal (STF), no qual o

ministro Celso de Mello concedeu a liminar em favor do paciente, que havia sido

condenado pela Justiça paulista pelo crime de furto de uma fita de vídeo game, no

valor de R$ 25,00 (vinte e cinco reais). (BRASIL, 2017).

Percebemos que em casos de furto, o objeto pode ter valor abaixo de R$

50,00 e não se encaixar no princípio da insignificância dependendo de suas

peculiaridades, enquanto em um delito fiscal pode chegar até o valor de R$

20.000,00, conforme o art. 20 da Lei 10.522/2002 e das Portarias 75 e 130/2012 do

Ministério da Fazenda:

Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais). (BRASIL, 2017).

Portanto, os casos de delitos fiscais em que os valores estejam abaixo de R$

20.000,00 e que se encaixem no princípio da insignificância serão absolvidos,

conforme relatoria da Ministra Rosa Weber no Habeas Corpus 120.617 (Paraná):

Trata-se de habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública da União em favor de Charlie Cavaglieri contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça, que rejeitou os embargos de declaração no agravo regimental no REsp 1.404.750/PR. O paciente foi denunciado pela suposta prática do crime de contrabando ou descaminho, tipificado no art. 334, § 1º, d, do Código Penal, por transportar

mercadorias de origem estrangeira desacompanhadas de

documentação legal, tendo elidido tributos federais no valor de R$ 11.789,90 (onze mil, setecentos e oitenta e nove reais e noventa centavos). O Juízo de Direito da 2ª Vara Federal da Subseção

(32)

Judiciária de Foz de Iguaçu/PR absolveu sumariamente o paciente, por atipicidade da conduta, forte na aplicação do princípio da insignificância. (BRASIL, 2016).

Por outro lado, temos os casos em que a utilização do princípio da

insignificância foi negada, conforme Habeas Corpus 122167 de relatoria do Ministro

Ricardo Lewandowski:

PENAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. REPROVABILIDADE DA CONDUTA DA AGENTE. ORDEM DENEGADA.I - A ré foi condenada pela prática do crime descrito no art. 155, §§ 1º e 4º, inciso II, do CP, pela subtração de um aparelho de som avaliado em R$ 70,00. O STJ apenas afastou a causa de aumento relativa ao repouso noturno. Como se sabe, a configuração do delito de bagatela, conforme têm entendido as duas Turmas deste Tribunal, exige a satisfação, de forma concomitante, de certos requisitos, quais sejam, a conduta minimamente ofensiva, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a lesão jurídica inexpressiva. II – Ocorre, contudo, que os autos dão conta da reiteração criminosa. A paciente tem em curso ações penais pelo mesmo fato, consoante certidão às págs. 58-60 do documento eletrônico 7. III – Revelada a periculosidade da paciente, não há falar na aplicação do princípio da insignificância, em razão do alto grau de

reprovabilidade do seu comportamento. IV – Ordem denegada.

(BRASIL, 2017).

Ainda temos o acordão do Habeas Corpus 124.748 MS, de relatoria da

Ministra Carmen Lúcia, que também nega a utilização do princípio da insignificância,

dessa vez em um caso de furto de R$ 240,00, alegando que essa quantia era

imprescindível para sua subsistência da vítima, e manteve este argumento mesmo

após o dinheiro ser devolvido, conforme segue:

HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL. INAPLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. FURTO DE R$ 240,00 (DUZENTOS E QUARENTA REAIS) DA APOSENTADORIA DA VÍTIMA IMPRESCINDÍVEL PARA SUA SUBSISTÊNCIA. AUSÊNCIA DE PLAUSIBILIDADE JURÍDICA. MEDIDA LIMINAR INDEFERIDA. VISTA AO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA. Relatório 1. Habeas corpus, com requerimento de medida liminar, impetrado pela DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO, em benefício de JORGE DOURADO, contra julgado da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que, em 4.9.2014, negou provimento ao Agravo Regimental no Recurso Especial n. 1.448.852, Relator o Ministro Rogerio Schietti Cruz. (BRASIL, 2017)

(33)

Com isso podemos ver os diferentes pesos que o judiciário tem dado a cada

caso: um caso refere-se ao crime de furto, delito normalmente praticado por pessoas

socialmente desfavorecidas, e que mereciam um cuidado especial por parte do

Estado, mas não o tem, e o outro caso refere-se a um delito fiscal, no qual a margem

para aplicação do princípio da insignificância pode chegar até o valor de R$

20.000,00, conforme legislação expressa, normalmente favorecendo pessoas que

ocupam espaços privilegiados na sociedade brasileira.

A situação financeira do indivíduo é um fator determinando quando falamos

em seletividade punitiva. Nesse sentido é o entendimento de Raquel Alves Rosa da

Silva (2014, p. 22):

O vetor da seletividade é flagrante, uma vez que os poucos – já que a seleção criminalizante enseja uma massa carcerária quase homogênea quanto a condições econômicas – presos que têm uma situação financeira melhor se valem de recursos não rotineiros no sistema carcerário, como o acompanhamento por advogado próprio, qualidade na alimentação, objetos pessoais e até regalias proporcionadas pela corrupção que geralmente acompanha o sistema carcerário.

Portanto, é evidente que não apenas a norma, mas todo o sistema penal está

contaminado pela injustiça, pois a máquina estatal responsável por proteger o

cidadão é a responsável por toda seletividade entranhada no sistema punitivo, como

se evidenciará na sequência, a partir de uma seleção de julgados dos Tribunais

Superiores brasileiros acerca da aplicação do princípio da insignificância nos delitos

fiscais e patrimoniais.

2.2 Os critérios adotados pela jurisprudência dos Tribunais Superiores

brasileiros para a aplicação do princípio da insignificância nos delitos fiscais

Os critérios adotados pelos Tribunais Superiores para a aplicação do princípio

da insignificância têm algumas divergências. Porém, em sua maioria, seguem uma

mesma linha de raciocínio entre os dois principais tribunais brasileiros no caso do

delito fiscal de descaminho. São eles: a) a mínima ofensividade da conduta do

agente; b) a ausência de periculosidade social da ação; c) o reduzido grau de

(34)

reprovabilidade do comportamento; d) a inexpressividade da lesão jurídica causada.

(BRASIL, 2017).

Nesse sentido é o acordão do Supremo Tribunal Federal no Agravo

Regimental no Habeas Corpus 129.813 MS, de relatoria do Ministro Luiz Fux,

julgado em 31/05/2016:

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE DESCAMINHO. ARTIGO 334 DO CÓDIGO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL. INADMISSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA JULGAR HABEAS CORPUS: CRFB/88, ART. 102, I, D E I. HIPÓTESE QUE NÃO SE AMOLDA AO ROL TAXATIVO DE COMPETÊNCIA DESTA SUPREMA CORTE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. CARACTERIZAÇÃO DA

HABITUALIDADE DELITIVA. AGRAVO REGIMENTAL

DESPROVIDO. 1. O princípio da insignificância incide quando presentes, cumulativamente, as seguintes condições objetivas: (a)

mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma

periculosidade social da ação, (c) grau reduzido de reprovabilidade

do comportamento, e (d) inexpressividade da lesão jurídica

provocada. 2. A aplicação do princípio deve, contudo, ser precedida de criteriosa análise de cada caso, a fim de evitar que sua adoção indiscriminada constitua verdadeiro incentivo à prática de pequenos delitos. 3. O princípio da bagatela é afastado quando comprovada a contumácia na prática delitiva. (BRASIL, 2017).

Assim também é o entendimento do Superior Tribunal de justiça no Agravo

Regimental no Recurso Especial 1589303 MT, de relatoria do Ministro Jorge Mussi

em 25/04/2017:

REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. DESCAMINHO. PRINCÍPIO

DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.

REITERAÇÃO DELITIVA. REGISTRO DE AUTOS DE INFRAÇÃO FISCAL. RECURSO IMPROVIDO.

1. A aplicação do princípio da insignificância reflete o entendimento de que o Direito Penal deve intervir somente nos casos em que a conduta ocasionar lesão jurídica de certa gravidade, devendo ser reconhecida a atipicidade material de perturbações jurídicas mínimas ou leves, essas consideradas não só no seu sentido econômico, mas também em função do grau de afetação da ordem social que ocasionem.

2. Este Superior Tribunal de Justiça posiciona-se no sentido de que, para além dos requisitos objetivos, o aspecto subjetivo, consubstanciado, sobretudo, na verificação da reiteração criminosa do agente, caso reconhecida, impede a incidência do princípio da

(35)

insignificância, porquanto demonstra maior reprovabilidade de seu comportamento, circunstância suficiente e necessária a embasar a incidência do Direito Penal como forma de coibir a reiteração delitiva. 3. A habitualidade no delito de descaminho, tendo em vista a

existência de vários procedimentos administrativos fiscais

instaurados, afasta o requisito referente ao reduzido grau de reprovabilidade do comportamento das agentes, impossibilitando a aplicação do princípio da insignificância

4. Agravo regimental improvido. (BRASIL, 2017).

Outro fator primordial para o princípio da insignificância, porém desta vez para

a sua não aplicação, é a reincidência, ou seja, quando o indivíduo reiteradas vezes

pratica o mesmo fato delituoso. É incontestável que ambos os tribunais, STF e STJ,

tem o entendimento consolidado a respeito da inaplicabilidade do princípio da

insignificância quando se trata de indivíduo reincidente.

Neste sentido explica o Ministro Rogerio Schietti Cruz, do Superior Tribunal

de Justiça (STJ), no julgamento do Recurso Ordinário em Habeas Corpus número

31612 / Pb em 20/05/2014:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. DESCAMINHO. REITERAÇÃO NA OMISSÃO DO PAGAMENTO DE TRIBUTOS. EXISTÊNCIA DE

INÚMEROS PROCEDIMENTOS FISCAIS. PRINCÍPIO DA

INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE.

1. A insignificância, enquanto princípio, revela-se, na visão de Roxin, importante instrumento que objetiva restringir a aplicação literal do tipo formal, exigindo-se, além da contrariedade normativa, a ocorrência efetiva de ofensa relevante ao bem jurídico tutelado. 2. No terreno jurisprudencial, dispensam-lhe os tribunais, cada vez com maior frequência, destacado papel na tentativa de redução da intervenção penal, cujos resultados não traduzem, necessariamente, reforço na construção de um direito penal mínimo, principalmente diante do crescimento vertiginoso da utilização desse ramo do direito como prima ratio para solução de conflitos, quando deveria ser a ultima ratio.

3. Se, de um lado, a omissão no pagamento do tributo relativo à importação de mercadorias é suportado como irrisório pelo Estado, nas hipóteses em que uma conduta omissiva do agente (um deslize) não ultrapasse o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) - entendimento em relação ao qual registro minha ressalva pessoal - de outro lado, não se pode considerar despida de lesividade a conduta de quem, reiteradamente, omite o pagamento de tributos sempre em valor abaixo da tolerância estatal, amparando-se na expectativa de inserir-se nessa hipótese de exclusão da tipicidade. 4. O alto desvalor da conduta rompe o equilíbrio necessário para a perfeita adequação do princípio bagatelar, principalmente se considerada a possibilidade de que a aplicação desse instituto, em

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