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Psicologia Jurídica no Processo Penal: análise de casos da Vara da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher na Comarca da Capital

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIENCIAS JURÍDICAS

DEPARTAMENTO DE DIREITO CURSO DE DIREITO

JOAO VITOR LINHARES CASCAES

Psicologia Jurídica no Processo Penal:

análise de casos da Vara da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher na Comarca da Capital

FLORIANÓPOLIS 2019

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JOAO VITOR LINHARES CASCAES

Psicologia Jurídica no Processo Penal:

análise de casos da Vara da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher na Comarca da Capital

Trabalho Conclusão do Curso de Graduação em Direito do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito para a obtenção do Título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Clarindo Epaminondas de Sá Neto

Florianópolis 2019

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Ficha de identificação da obra

A ficha de identificação é elaborada pelo próprio autor. Orientações em:

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João Vitor Linhares Cascaes

Psicologia Jurídica no Processo Penal:

análise de casos da Vara da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher na Comarca da Capital

Este Trabalho Conclusão de Curso foi julgado adequado para obtenção do Título de Bacharel em Direito e aprovado em sua forma final pelo Curso de Direito.

Florianópolis, 28 de novembro de 2019. ________________________ Prof. Luiz Henrique Cademartori, Dr.

Coordenador do Curso Banca Examinadora:

________________________

Prof. Clarindo Epaminondas de Sá Neto, Dr. Orientador

Universidade Federal de Santa Catarina

________________________ Prof.ª Daniela Queila dos Santos Bornin

Universidade xxxx

________________________ Prof.ª Poliana Ribeiro dos Santos Universidade Federal de Santa Catarina

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Este trabalho é dedicado às mulheres da minha vida: minha mãe Ana Maria e minhas irmãs Ana Flávia e Maria Eugênia, que, pelas adversidades da vida, foram e são meu exemplo da incrível força feminina, desde tenra idade.

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AGRADECIMENTOS

Inicialmente, devo agradecer à minha mãe, Ana Maria, por absolutamente todas as conquistas que tive na vida. Se não fosse o seu esforço sobre-humano para me proporcionar condições e oportunidades mil, jamais teria conseguido atingir tudo o que me foi possível conquistar. Às minhas irmãs, Maria Eugênia e Ana Flávia, agradeço os ensinamentos diários, não só pelas palavras coerentes que sempre proferem, mas também pelos modelos que são de postura e correção. Imperioso prestar homenagem ao meu pai Luiz Eugênio, que, apesar da imensa saudade que deixou e ainda deixa, legou-me também inúmeros exemplos. Tenho certeza de que me observa e ilumina meu caminho, sempre.

À família estendida, o carinho e cuidado sempre conferidos, com palavras de amor e de luz desde jovem, propiciando-me um ambiente saudável e rico em exemplos. Em especial, vale citar meu avô, dr. Altair, amável com aqueles que lhe são próximos e grande inspiração intelectual para mim. Cada vez mais, percebo que estava correto quando, ainda criança, o chamava de ‘fonte de sabedoria ambulante’.

Nesse momento, passo às famílias que escolhi no decorrer da vida, meus amigos. Felizmente, a vida me foi bastante generosa nesse aspecto; logo, não conseguirei apontar nominalmente todos aqueles que me são caros, apesar de ter certeza que cada um deles sabe o sentimento que por eles nutro. Para fazer uma breve

referência, trago o grupo de amigos apelidado de BBFC, meus parceiros do dia a dia que carrego há anos. Outra menção necessária são os membros de uma família que a UFSC me deu, que com amor nos denominamos Bros; composto por Ariel, Felipe, Igor, Júlia, Pedro, Tomás, Victória e Vitor.

Ao pontuar o nome da UFSC, obrigo-me a fazer um agradecimento singular para a própria Universidade Federal de Santa Catarina. O nome por si só já sugere o universo único que existe dentro dessa instituição, que me acolheu como um adolescente, mostrou-me as mais variadas realidades, histórias de vida,

experiências e conhecimentos, mudando por completo a minha visão de mundo e me devolvendo para sociedade como um homem mais maduro e mais seguro dos ideais que julgo serem corretos. Estendo parte desse agradecimento ao CCJ, que mais do que o ensino formal do Direito, possibilitou-me sugestionar um senso de justiça muito menos egoístico e muito mais social.

Mais especificamente sobre o trabalho de conclusão de curso, agradeço ao meu orientador, prof. Clarindo, por aceitar esse desafio comigo. Dentro desse desafio, devo um agradecimento mais que especial para minha tia Luciana, advogada especialista em Direito de Família e mestre em Psicologia, que com todo seu

conhecimento de causa e sensibilidade foi capaz de me nortear nesta pesquisa. Por fim, agradeço aos profissionais da Vara da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca da Capital, na pessoa da Paula, que me acolheram de maneira doce tanto na época em que lá fui estagiário, quanto no decorrer da produção deste estudo.

Por fim, agradeço a todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a minha formação; não só profissional, mas principalmente para me tornar a pessoa que hoje sou. Obrigado!

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RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso faz uma análise da importância da atuação das equipes multidisciplinares, com especial enfoque na Psicologia, na resolução de casos dentro do Direito Processual Penal, mais especificamente com um estudo de diferentes casos da Vara da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca da Capital. A problemática levantada para fazer tal análise foi a seguinte: os aplicadores do direito, na esfera penal, deveriam se utilizar mais de aspectos da psicologia jurídica no momento da decisão do processo? Partindo dessa questão, é feita uma base teórica para possível confirmação respaldada no estudo casuístico. O primeiro capítulo traz a evolução do Direito Processual Penal na história, com posterior destrinche específico da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da

Penha), desde seu caminho legislativo até sua promulgação e mudanças na

legislação e aplicação da lei penal. O segundo capítulo trata panoramas psicológicos envoltos no processo, desde os traumas envolvidos nas situações de violência (sob aspectos sociológicos), até a metodologia específica para se conseguir fazer uma escuta qualificada de vítimas consideradas juridicamente vulneráveis. Por fim, o terceiro capítulo cuida dos casos pontuais da Vara da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca da Capital, que, pelo estudo dos casos, constata

aspectos tanto do direito penal, quanto da psicologia jurídica fundamentados

teoricamente nos capítulos anteriores. A hipótese do presente trabalho é confirmada no terceiro capítulo com o estudo de caso, que foi capaz de botar à luz os diferentes aspectos psicossociológicos expostos no segundo capítulo, bem como a estrutura processual e a importante atuação da equipe multidisciplinar dentro do rigor

procedimental do processo. Dessa maneira, a proposta do trabalho é trazer de forma didática a parte processual penal para os estudiosos da psicologia, bem como a parte psicológica do processo para os aplicadores do direito. O método de

abordagem selecionado foi o indutivo. A técnica de pesquisa adotada foi bibliográfica concomitantemente com estudo de caso. Como conclusão desse projeto, a ideia é contribuir no sentido de valorização do trabalho da equipe multidisciplinar para a resolução dos casos de Direito Penal, e também de conscientização e reeducação nos aspectos sociológicos envolvidos na violência doméstica e familiar, visando a máxima proteção da vítima e a redução de danos. Além disso, é primordial que este seja um instrumento de humanização do processo penal, tanto para a vítima, quanto para o réu e sua possível aplicação de pena.

Palavras-chave: Processo Penal. Psicologia Jurídica. Lei Maria da Penha. Equipe Multidisciplinar. Violência Doméstica e Familiar.

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ABSTRACT

The present final thesis analyzes the importance of a multidisciplinary team, with a special focus on psychology helping to solve criminal procedural law, more

specifically over the study of different cases on Domestic and Family Violence against Women’s Court in the Capital’s county. The primary inquiry brought to this analyzes was the following: should the law enforcers rely more over aspects of juridical psychology when making procedural judicial decision on the criminal scope? Coming from this question, a theorical basis is made over the possibility of

confirmation of the thesis over the case study. The first chapter goes over the evolution of criminal procedural law throughout history, later in the chapter going in depth unraveling of Law 11.340/2006 (Maria da Penha’s Law), from its legislative organization, to its proclamation, changes in legislation, and criminal application. The second chapter took charge of bringing psychological panoramas involved in the process, from the trauma related in violence situations (over sociological aspects), to a specific procedure that is able to make a qualified listening of victims considered legally vulnerable. Lastly, the third chapter is responsible for bringing specific cases from Domestic and Family Violence against Women’s Court in the Capital’s county, that, over the case study, testified both criminal law and juridical psychology aspects exposed theoretically in the previous chapters. The hypotheses of this thesis was confirmed in the third chapter by the case study, that was able to highlight different psychosociological aspects displayed in the second chapter, as well as the

procedural structure and important performance of the multidisciplinary team under the procedural rigor of the criminal process. Thus, the paper’s proposal is to bring in a instructive way the criminal procedural side to the psychology professionals, in the same way as to uncover the process’ psychological part to law enforcers. The selected approach method was inductive. The research technique adopted was bibliographic concomitantly with case study. The conclusion of this paper is the idea to not only contribute to the appreciation of the multidisciplinary team’s work in

helping solving criminal law cases, but also to raise awareness and reeducation over the sociological aspects involved in domestic and family violence, aiming maximum victim protection and damage reduction. Besides that, it is primordial for this to be an instrument for humanization in criminal process, for both the victim and the

defendant, in its possible penalty’s application.

Keywords: Criminal Procedural Law. Juridical Psychology. Domestic and Familiar Violence.

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SUMÁRIO

1 Introdução ... 15

2 O Processo Penal e a Lei 11.340/2006 ... 17

2.1 Breve História do Processo Penal e da Aplicação de Penas ... 17

2.2 Processo Penal e sua base principiológica ... 19

2.3 A Lei Maria da Penha ... 21

2.3.1 Histórico ... 21

2.3.2 O legislador e a Lei 11.340/2006, Lei Maria da Penha ... 23

2.3.3 Do fato ao processo ... 29

2.3.3.1 Momento pré-processual ... 30

2.3.3.2 Momento processual ... 31

3 Psicologia Jurídica ... 33

3.1 Histórico ... 33

3.2 Atuação da Equipe Multidisciplinar ... 35

3.2.1 Relação com o fato traumático ... 36

3.2.1.1 Vítimas Secundárias ... 40

3.2.2 Escuta das vítimas ... 42

3.2.2.1 Vítimas consideradas vulneráveis ... 45

4 Estudo de Caso ... 48

4.1 Caso A e B – Lesão Corporal ... 48

4.1.1 Caso A ... 49

4.1.2 Caso B ... 50

4.2 Caso C - Ameaça ... 53

4.3 Caso D e E – Estupro de Vulnerável ... 55

4.3.1 Caso D ... 56

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5 Conclusão ... 65 REFERÊNCIAS ... 67

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1 Introdução

Não há como fazer uma dissertação sobre um tema tão delicado (e, muitas vezes, desgostoso para aquele que mantém olhar distante) sem que se tenha apreço pela matéria.

Imagine um estudante de Direito, ainda no início da graduação (e razoavelmente desiludido com sua escolha), tendo a oportunidade de participar como voluntário da Vara da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. O contato com essa realidade dura, porém mais comum do que deveria ser, fez com que uma chama se acendesse dentro desse estudante, mudando não só sua percepção do curso de graduação, mas principalmente sua percepção da vida e visão de mundo.

O cotidiano nesse ambiente o fez perceber o impacto da atuação dos aplicadores do direito na vida de diversas pessoas, e, em especial, daquelas que vivem em situações de vulnerabilidade. O olhar atento aos mais variados processos que correm dentro deste universo constata que, diferentemente de inúmeras áreas do Direito em que a análise é puramente de direito material, esses casos requerem a participação de profissionais com formação em distintas áreas, além dos aplicadores do direito, para que sejam compreendidos em sua totalidade e melhor solucionados.

Ao apaixonar-se pela leitura de estudos sociais, laudos psicológicos, laudos periciais, depoimentos especiais, entre outros, percebeu que estes documentos são extremamente necessários, se não cruciais, para a perfeita cognição de fatores estranhos ao direito, porém fundamentais para o ato decisório.

Diante desta constatação, uma dúvida inquietante urgiu na mente desse jovem estudante, que resolveu transportá-la para além de sua percepção e suscitá-la no meio acadêmico, que é se os aplicadores do Direito na esfera penal deveriam se utilizar mais do aspecto da psicologia jurídica no momento da decisão do processo?

Para buscar a resposta desta questão, utilizar-se-á o método de abordagem indutivo, buscando a comprovação por meio de estudo de casos. Da análise dos processos da Vara da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher denota-se que a utilização dos aspectos psicológicos envoltos no processo deve ir além da formalidade processual, abarcando pormenores destrinchados pelas equipes de apoio na demanda, principalmente de Psicologia. Com esse objetivo geral, busca-se, por meio de objetivos específicos, confirmar o questionamento supracitado.

Passa-se, então, a expor os objetivos específicos. Primeiramente, importa fazer uma breve explanação do Direito Processual Penal, explicando a história que fundamentou nossa base principiológica atual e aprofundar no rito abarcado pela Lei 11.340/2006, Lei Maria da Penha. Isto feito, deve-se fazer uma revisão bibliográfica dos aspectos psicológicos envolvidos em um fato traumático. Além disso, demonstrar que há grande possibilidade de a Psicologia comprovar condutas e/ou ações dentro do processo, instruindo melhor uma condenação ou absolvição, mostrando casos em que a boa instrução da equipe de apoio resulta em uma decisão melhor embasada.

Ainda, também mostrar a relevância da Psicologia na condução interdisciplinar do processo com vistas à redução de danos.

Outro meio de comprovar o questionamento é expor os resultados extraídos dos dados para mostrar a importância de considerar laudos psicológicos dentro do processo, especialmente quando se tratando de relatos de crianças, momento em que o direito costuma ignorar ferozmente.

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Assim, a partir da demonstração anterior, propor medidas de conscientização e valorização da interdisciplinaridade nos processos judiciais, com o intuito de promover decisões com

embasamento de equipes complementares a partir de uma análise casuística dos processos da Vara da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.

Com estes objetivos específicos postos é possível fazer um retrato fidedigno do que o trabalho trará em seu bojo.

O primeiro capítulo consistirá em uma exposição do processo penal, expondo todo um arcabouço histórico dos diferentes tipos de processo penal que perpassaram pela história, da aplicação de penas, para pode explicar com que fundamento histórico foi formada a base principiológica que rege o nosso processo penal atual, tomando como base a visão garantista de Aury Lopes Jr.. Isto posto, partir-se-á para uma análise pormenorizada da Lei 11.340/2006, conhecida popularmente como Lei Maria da Penha, falando desde as Convenções

Internacionais que suscitaram as discussões, passando pelo processo legislativo da mesma, o dever ser imaginado pelo legislador, chegando nos aspectos principais da lei e sua aplicação nos dias de hoje, sob um olhar crítico de Maria Berenice Dias.

Na sequência, segue-se para o segundo capítulo do trabalho. Nesse momento, adentra-se na questão da Psicologia Jurídica e como ela se relaciona com o processo penal. Inicialmente, coloca-se a maneira com qual a Psicologia começou a adentrar os espaços institucionais (no caso, o Poder Judiciário). Posteriormente, inicia-se a explicação de como atua a equipe multidisciplinar dentro do processo, como na elaboração de estudos, laudos e depoimentos que os aplicadores do direito não têm o pleno conhecimento para executar. Ainda, são postas à luz questões de ordem sociológica que permeiam os casos da violência doméstica e familiar contra a mulher, como traumas (não só da vítima, mas também de todos que fazem parte do núcleo violento), entre outros fatores da sociedade que implicam, direta ou indiretamente, nesses casos. Nesta fase do trabalho é necessário fazer uma observação pelo prisma dos psicólogos, psiquiatras e aplicadores do direito com vasta experiência prática nesse universo. Por fim, no terceiro capítulo, é feito um estudo com casos da Vara da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher em processos da Comarca da Capital. Referido estudo baseia-se na análise de cinco ocorrências diferentes, sendo, entre elas, duas de lesão corporal, uma de ameaça, e duas de estupro de vulnerável. Com o estudo dos casos, visa-se demonstrar a rigidez procedimental exigida pelo processo penal em função do devido processo legal (exposta no primeiro capítulo), e, principalmente, a imprescindibilidade de uma equipe multidisciplinar nos casos dessa natureza (exposta no segundo capítulo). Ainda, com estes mesmos casos, é possível apresentar também os diferentes aspectos sociológicos suscitados no capítulo dois.

Dessa maneira, expostos todos os objetivos do trabalho e a estruturação lógica para alcançar tais objetivos, chega o momento de dar início ao estudo e a análise dos parâmetros

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2 O Processo Penal e a Lei 11.340/2006

Tendo como ponto de partida o desgastante e degradante Processo Penal no nosso país

atualmente e em toda a história mundial, é um dos objetivos deste trabalho a indicação de uma alternativa que permita a humanização dos procedimentos e a ideia de tornar mais digna a posição e a voz da vítima no decorrer do processo. Para isso, faz-se necessária uma breve análise histórica do Processo Penal, das aplicações da pena e do encaminhamento da vítima nessas questões para, então, entendermos como chegamos ao processo atual e, principalmente, ao rito abarcado pelos crimes descritos na Lei Maria da Penha.

2.1 Breve História do Processo Penal e da Aplicação de Penas

Olhando para trás, podemos perceber que milhares de anos se passaram com os mais diversos tipos de sistemas de Processo Penal (alguns ausentes, outros complexos). Esse percalço foi da maior importância para demonstrar a necessidade de se ter as premissas e princípios

determinados hoje em nossa sociedade.

À época da antiguidade, as punições se davam com penas corporais das mais grotescas, até mesmo a morte. Uma das mais famosas, talvez a lei escrita originária de toda a história do Direito Penal, é a Lei de Talião, que se resume na frase “Olho por olho, dente por dente”. Essa máxima expunha que a vítima teria o direito de repetir o mal injusto causado, na exata proporção, ao seu agressor, demonstrando claramente a natureza vingativa de tal ato. Posteriormente, na Idade Média, as penas bárbaras de âmbito corporal, como amputações e mutilações, continuaram a ser utilizadas. Importa pontuar que nessa altura, tal punição era aplicada unicamente com intuito de penalizar o dano causado, não havendo aspecto de ‘ressarcimento’ ou cuidado com a vítima.

Pouco antes da entrada na idade Moderna, começa a difusão de penas com caráter ‘medicinal’, propagadas pela igreja, como explica LOPES JR. (2010, pg. 2), tinham “o objetivo de levar o pecador ao arrependimento e à ideia de que a pena não deve servir para destruição do condenado, senão para seu melhoramento”.

No início da idade Moderna, volta-se para uma ideia de punição mais vingativa, na qual se difundiu de forma geral a pena de morte, sendo majoritariamente executada pela forca, porém sem deixar de lado os açoites e os atos que causavam constrangimento público.

Nesse sentido, FOUCAULT (1975, pg. 30) explica um pouco de como funcionava esse sistema:

“A pena de morte natural compreende todos os tipos de morte: uns podem ser condenados à forca, outros ter a mão ou língua cortada ou furada e ser enforcados em seguida; outros, por crimes mais graves, a ser arrebentados vivos e expirar na roda depois de ter os membros arrebentados; outros a ser arrebentados até a morte natural; [...]”

Todas essas questões visavam ao suplício como ritual de punição, de maneira a satisfazer o desejo vingativo da vítima muito mais do que buscar uma justiça social. Ainda sobre isso, FOUCAULT (1975, pg. 31-32) fala de um duplo sentido na aplicação desse suplício, que versa:

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“em relação à vítima, ele deve ser marcante: destina-se, ou pela cicatriz que deixa no corpo, ou pela ostentação de que se acompanha, a tornar infame aquele que é sua vítima; o suplício, mesmo se tem como função “purgar” o crime, não reconciliar.

[...]

E pelo lado da justiça que o impõe, o suplício deve ser ostentoso, deve ser constatado por todos, um pouco como seu triunfo. O próprio excesso das violências cometidas é uma das peças de sua glória: o fato de o culpado gemer ou gritar com os golpes não constitui algo de acessório ou vergonhoso, mas é o próprio cerimonial da justiça que se manifesta em sua força.”

Apenas a título de curiosidade, havia penas mais leves (embora menos aplicadas) que não estavam no ordenamento, citando a satisfação à pessoa ofendida, admoestação, prisão temporária, abstenção de um lugar e penas pecuniárias.

Tendo todas elas se mostrado ineficazes no escopo de diminuir a criminalidade, no final da idade Moderna se inicia um movimento para o uso da pena privativa de liberdade, na qual a maneira de corrigir os apenados seria com disciplina e trabalho. Dá-se um adendo que um dos maiores motivos não foi o antropológico, mas sim por questões financeiras, uma vez que houve a percepção de que a morte ou mutilação de um homem significava na perda de mão-de-obra.

Nesta mesma época, começou-se a tentar distanciar a ideia de pena como vingança, mas justamente como uma metodologia para evitar que a vítima buscasse uma vingança. Essa transição é bem elucidada por LOPES JR. (2010, pg. 3), quando fala:

“Com a evolução da estrutura e da organização da coletividade, surge o sistema de composição, sucedâneo à vingança, e consiste no pagamento de um determinado valor à comunidade. No princípio, eram os parentes da vítima que tinham o direito de aplicar essas sanções e aceitar os pagamentos. Depois, o Estado assume essa tarefa.

A partir desse momento começa a interessar para o processo penal, pois ao assumir o Estado, sai fortalecido seu poder, desligando progressivamente a vítima do manejo da pena, para transferir essa atividade ao juiz imparcial. [...]”.

A Idade Contemporânea nos trouxe mudanças extremamente dinâmicas, tendo em vista que, inicialmente, era para haver um juiz imparcial; entretanto, tinha-se um sistema de processo inquisitório, em que a figura do acusador e do julgador misturavam-se em uma única pessoa, fazendo não só com que o acusado ficasse hipossuficiente no processo, mas também, que tivesse um julgamento inequivocamente contaminado de parcialidade.

Nos idos desse sistema inquisitório, era possível perceber a perversidade que pautava todo o decorrer do processo. Ele admitia um conceito de ‘verdade real’ ou ‘verdade absoluta’, cuja busca permitia os mais variados tipos de transgressões: prisões cautelares por tempo

indeterminado, torturas objetivando confissões, entre outras. Inclusive, a prática de tortura era comum, nada surpreendente que num sistema de hierarquia de provas no qual a confissão era considerada a rainha de todas. Desta maneira, a tortura era um meio eficaz para a obtenção da confissão para a condenação do suspeito.

Ainda sob a ótica do sistema inquisitório, era comum que não houvesse coisa julgada, ou seja, o inquisidor jamais declarava a inocência do acusado em sentença; somente afirmava que nada havia sido legitimamente comprovado contra o suspeito. Assim, o caso poderia ser revisitado para criar uma punição sem os obstáculos do trânsito em julgado.

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Com o passar do tempo, as prisões deixaram de ter o caráter de vingança e punição para ter um caráter de afastamento do meio social. Nesse foco, LOPES JR. explica (2010, pg. 6) que “no processo penal, a parte acusadora [...] invoca por meio da [...] ação penal que o juiz exerça jurisdição e, [...] se comprovada a tese acusatória, exerça o poder de punir do Estado. No momento em que o Estado substitui as partes e impede a autotutela, nasce também um dever correlato, de atuar quando a intervenção seja solicitada.”. Essa tal ‘solicitação’ anteriormente citada pelo autor é demonstrada justamente pelo Processo Penal.

Afastar-se desse sistema é benéfico para todos, uma vez que garante um juiz imparcial no momento do ato decisório. Sobre esse ponto de vista, LOPES JR. (2010, pg. 61) discorre neste caminho:

“[...] Conduz a uma maior tranquilidade social, pois se evita eventuais abusos da prepotência estatal que se pode manifestar na figura do juiz “apaixonado” pelo resultado que de seu labor investigador e que, ao sentenciar, olvida-se dos princípios básicos de justiça, pois tratou o suspeito como condenado desde o início da investigação.”.

Hoje em dia, chegamos ao que, aparentemente, é o sistema mais razoável, um sistema acusatório, em que as garantias processuais, bem como as garantias individuais do acusado estão (ou pelo menos deveriam estar) balizando todo o processo legal, no qual há uma autoridade competente e imparcial fazendo o julgamento e prolatando um ato decisório. Acerca disso, é interessante a análise feita por LOPES JR. (2010, pg. 7) que diz que, com “uma Constituição democrática, como a nossa, necessariamente deve corresponder um processo penal democrático, visto como instrumento a serviço da máxima eficácia do sistema de garantias constitucionais do indivíduo.”.

Todo esse caminho histórico percorrido foi duro, porém necessário para que ficasse evidenciada a importância de manter balizadores objetivos para garantir um processo imparcial e menos degradante para todos nele envolvidos, balizadores estes que terão destaque no decorrer do trabalho.

2.2 Processo Penal e sua base principiológica

Já é de conhecimento amplo que passar por um processo penal é uma situação muito desgastante para qualquer uma das partes envolvidas, seja pela vítima, que supostamente sofreu uma violência ou teve seu direito violado, seja pelo acusado, que vê sua vida ser decidida na mão de terceiros, muitas vezes correndo o risco de perder sua liberdade.

Para minimizar esses danos, a nossa Constituição instrumentaliza princípios e garantias que devem não só nortear, mas também delinear o andamento deste processo. Esclarecendo essa questão, LOPES JR. (2010, pg. 28) resume que “nossa noção de instrumentalidade tem por conteúdo a máxima eficácia dos direitos e garantias fundamentais da Constituição, pautando-se pelo valor da dignidade da pessoa humana submetida à violência do ritual judiciário”. Ressalta-se, mais uma vez, a maneira como é visto o processo penal, no qual o próprio autor supracitado refere que um ator no ritual judiciário é submetido à uma violência.

Por início, para explicar o mais claro, traz-se o princípio da necessidade, que segundo LOPES JR. (2010, pg. 1), “considera que o caminho necessário para alcançar-se a pena e,

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punitivo) à estrita observância de uma série de regras que compõe o devido processo legal”. Este princípio evidencia-se justamente ao olharmos o panorama histórico, pois a quantidade de atrocidades e injustiças cometidas devido à falta de um processo penal, mostra, como o próprio nome sugere, a necessidade de que haja um processo.

Na sequência, importa apresentar o princípio acusatório, que, primeiramente, era visto como sistema, mas sua adoção se fez tão essencial que se tornou princípio. Neste se mostra uma forma de manter imparcialidade e equidistância das partes em relação ao juiz, ficando a carga probatória inteira e completamente por parte do acusador, estando o juiz afastado de qualquer ativismo probatório.

Faz-se agora necessária uma menção mais aprofundada a um dos mais importantes princípios do Direito Processual Penal, que é o princípio da presunção de inocência, também conhecido como um dever de tratamento. Este princípio aponta que o acusado deve ser considerado inocente até que haja uma decisão que o determine culpado. Durante muitos anos, a suspeita de que o fato fosse verdadeiro já era suficiente para que o acusado fosse tido como culpado, tendo ele que provar sua inocência durante o processado. Tal visão já foi ultrapassada, sendo hoje completamente difundida a ideia de que o acusado é inocente até que seja comprovado, por sentença condenatória transitada em julgado, que ele não o é.

O princípio supracitado é base de inúmeras discussões sociológicas sobre o tema.

Primeiramente, há a discussão entre o fato de que essa premissa possibilite que uma pessoa que cometeu algum fato criminoso, mas não teve comprovações contundentes, seja

inocentada. Entretanto, a lógica garantista demonstra que é muito mais razoável haver um culpado solto, ante um inocente preso. Exprimindo esse raciocínio, LOPES JR. (2010, pg. 192) versa que “ao corpo social, lhe basta que os culpados sejam geralmente punidos, pois o maior interesse é que todos os inocentes, sem exceção, estejam protegidos”.

Ainda sobre tal princípio, é importante trazer outro excerto da obra de LOPES JR. (2010, pg. 192), que fala:

“Se é verdade que os cidadãos estão ameaçados pelos delitos, também o estão pelas penas arbitrárias, fazendo com que a presunção de inocência não seja apenas uma garantia de liberdade e de verdade, senão também uma garantia de segurança [...], enquanto segurança oferecida pelo Estado de Direito e que se expressa na confiança dos cidadãos na Justiça. É uma defesa que se oferece ao arbítrio punitivo.”

Importa salientar que no momento atual a sociedade tem demonstrado uma certa ojeriza em relação às garantias individuais e processuais dos acusados, tendo-as como impeditivos para o poder de punir, como se fossem contraproducentes ao Processo Penal. LOPES JR. (2010, pg. 9) afasta este pensamento simplório ao dizer que “há de se compreender que o respeito às garantias fundamentais não se confunde com impunidade, e jamais se defendeu isso. O processo penal é um caminho necessário para chegar-se, legitimamente, à pena”. Cada vez mais devemos respeitar tais garantias, pois são elas que asseguram que ninguém seja punido de forma errônea e/ou desproporcional.

Ainda, acerca do tema, LOPES JR. (2010, pg. 10) versa que “o espaço comum democrático é construído pela afirmação do respeito à dignidade humana e pela primazia do Direito como instrumento das políticas sociais, inclusive a Política Criminal”.

A aplicação de pena, se necessária, será feita com base em preceitos objetivos e discriminados pelo juiz, sendo que a pena aplicada deve sempre visar a ressocialização daquele indivíduo, não somente o viés retributivo da exclusão do apenado do meio social.

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Relativamente ao processo penal que vemos atualmente no nosso país, sabe-se que há uma disputa entre Ministério Público contra o réu, como um jogo de xadrez em busca da sentença favorável ante o juízo competente para tal ato decisório. Nesta disputa, o objetivo do

Ministério Público é, majoritariamente, a condenação do acusado, ficando a busca pela justiça como objetivo secundário. O réu, que na maioria das vezes é o polo hipossuficiente quando comparado ao Ministério Público, insere-se na queda de braço processual, também visando a equilibrar a balança e buscar uma decisão que considere seus posicionamentos. Entretanto, neste decorrer processual, deixa-se de lado uma figura que é extremamente importante: a vítima, primeira lesada, pois já sofreu os primeiros danos no momento da efetivação do fato por parte do acusado.

Isso enseja uma reflexão importante a ser feita sobre o papel da vítima durante o processo. Como pudemos analisar no breve apanhado histórico, antes a vítima era legitimada para buscar justiça com as próprias mãos (autotutela). Com o passar dos anos, o Estado assume esse papel justamente para afastar o aspecto de vingança desse ato, enquanto a vítima aguarda o resultado do processo. O que deve ser pensado, para uma ótica futura, é a vítima tendo um diálogo próximo com as equipes de apoio, para que ela consiga sobrepor os traumas advindos da experiência de violência vivida e tente fazer com que a situação fática que sujeitou o processo não tenha um reflexo secundário em sua vida.

2.3 A Lei Maria da Penha

Uma vez expostos os princípios basilares do processo penal no nosso país, é possível afunilar o estudo para uma parte mais específica desse mesmo fenômeno, que é o rito dissertado pela Lei 11.340/2006, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha.

Primeiramente, discorre-se sobre os aspectos históricos da Lei 11.340/2006, pontuando os amparos constitucionais e as convenções internacionais de proteção à mulher dos quais o Brasil é signatário.

Na sequência, exploram-se os aspectos intrínsecos a esta Lei, explicitando um pouco sobre as ocorrências da violência doméstica e as questões processuais com sua ampla abrangência.

2.3.1 Histórico

Para iniciar o panorama histórico dessa lei, é essencial perceber que já havia um movimento global apontando para este caminho, com diversas conferências e convenções nesse sentido, iniciativa ideal para que os mais variados países do mundo alcancem objetivos comuns no aspecto de melhoria na qualidade de vida das mulheres.

Uma das convenções que iniciou esse norteamento foi a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, elaborada em 1979, resultado de uma conferência mundial sobre a mulher que ocorreu em 1975, no México.

Nessa Convenção, fundamentou-se que a discriminação feria de forma veemente o respeito à isonomia e a dignidade humana, mantendo a mulher em posição secundária na sociedade, restringindo suas possibilidades de representatividade e atuação ativa.

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Para combater tal discriminação, acordou-se em adotar medidas políticas e legais, inserindo e criando dispositivos legais que protegessem as mulheres, criando mecanismos para garantir sua aplicação, tanto quanto coibir seu descumprimento. Além disso, propunha iniciativas que visavam a modificar velhos paradigmas culturais que ainda sustentavam (e sustentam) essa desigualdade entre os gêneros, alcançando as mais diferentes frentes sociais.

Para muitos estudiosos do tema, essa Convenção foi um divisor de águas, criando um primeiro instrumento internacional que versava de forma abrangente e eficaz sobre direitos humanos da mulher. Vale ressaltar que essa convenção somente foi promulgada no Brasil no ano 2002 através do Decreto n˚ 4.377.

Na sequência, houve outra convenção de grande importância, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Doméstica contra a Mulher. Essa, já com um viés mais objetivo sobre a preocupação da violência doméstica, ocorreu em 1994.

Popularmente conhecida como Convenção de Belém do Pará, foi ratificada pelo Brasil em 1995 e promulgada pelo Decreto n˚ 1973/1996. Esse decreto é um marco para a questão da violência doméstica, sendo um dos pontos mais relevantes o fato de que trouxe uma nova conceituação de violência doméstica no art. 2˚, artigo este que merece transcrição na íntegra:

“Art. 2˚:

Entende-se que a violência contra a mulher abrange a violência física, sexual e psicológica.

a) ocorrida no âmbito da família ou unidade doméstica ou em qualquer relação interpessoal, quer o agressor compartilhe, tenha compartilhado ou não a sua residência, incluindo-se, entre outras turmas, o estupro, maus-tratos e abuso sexual;

b) ocorrida na comunidade e comedida por qualquer pessoa, incluindo, entre outras formas, o estupro, abuso sexual, tortura, tráfico de mulheres, prostituição forçada, sequestro e assédio sexual no local de trabalho, bem como em instituições educacionais, serviços de saúde ou qualquer outro local; e

c) perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra.”

Ainda, nos artigos seguintes da Convenção, descrevem-se situações que hoje se apresentam (ou pelo menos deveriam se apresentar) óbvias para a nossa sociedade, mas foram descritas em um período no qual ainda não pareciam difundidas. Para exemplificar esses artigos, traz-se o art. 3˚, o qual preceitua que toda mulher tem direito a uma vida livre de violência, tanto na esfera pública como na esfera privada.

Enquanto isso, no art. 4˚ da mesma Convenção, foi elaborado um rol exemplificativo de todos os direitos que já eram inerentes aos direitos humanos, mas que pela pobreza cultural no aspecto da igualdade de gênero perpetrada na época, ainda não eram gozados amplamente pelas mulheres. Dentro desse rol, vale ressaltar alguns deles como o direito ao respeito à integridade física, mental e moral; o direito à liberdade e à segurança pessoal; o direito à livre associação; e o direito à liberdade religiosa e liberdade de crença, dentre tantos outros direitos civis que estão e não estão elencados nesse artigo.

Com referência à importância e à aplicabilidade dessas convenções internacionais no Brasil, vale pontuar que, de acordo com art. 5˚, § 3˚ da Constituição Federal, os tratados e

convenções internacionais que versem sobre direitos humanos e forem aprovados pelo Congresso Nacional terão força hierárquica no ordenamento jurídico tal e qual a de emendas constitucionais. Para elucidar, transcreve-se o artigo com seu parágrafo:

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“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.”

Isso exposto, fica evidenciada a importância de atender, participar e envolver-se nessas

convenções internacionais, uma vez que suas resoluções podem ter um impacto extremamente eficaz no nosso ordenamento.

Essas convenções foram essenciais para que chegássemos a um ponto crucial da discussão no país: a urgente necessidade de uma lei que abraçasse a mulher ante os casos de violência doméstica estrutural que aconteciam e ainda acontecem no Brasil. Acerca da relevância da atuação de membros da sociedade civil para quebrar antigos paradigmas, GUIMARAES e MOREIRA (2011, pg. 64) dissertam:

“No que se refere exclusivamente à proteção dos interesses da mulher, observa-se que as diversas transformações ocorridas nas sociedades ocidentais, com integração da mulher no mercado de trabalho e no mundo político, rivalizaram com a tradicional concepção machista e patriarcal da família, permitindo que os Estados planificassem uma positivação dos direitos humanos específicos para ela.”

Saindo do panorama internacional e adentrando ao panorama nacional, o primeiro grande passo foi dado com a promulgação da Constituição Federal de 1988, popularmente conhecida como Constituição Cidadã.

Além de todos os direitos individuais elencados no art. 5˚, ela traz também, em seu art. 226, §8˚, um texto que visa a coibir a violência em seu ambiente familiar. Este artigo vale sua reprodução:

“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...]

§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.”

Assim, depois de todas as convenções promulgadas pelo país, em consonância também com os valores postos e estimulados pela nossa Constituição Federal, mostrou-se inadiável a promulgação de uma lei específica para o tema.

2.3.2 O legislador e a Lei 11.340/2006, Lei Maria da Penha

Todo esse panorama histórico demonstrou a necessidade de ser criada uma lei específica para o tema, observando a recorrência de fatos dessa natureza e a gravidade dos direitos violados nessas situações. Sob esta ótica, a legislação em foco surgiu no Brasil objetivando muito mais

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a proteção das mulheres que sofriam como vítimas da violência doméstica do que com o intuito de punir os supostos agressores.

A conjunção de esforços de membros da sociedade civil, como a formação de um consórcio entre entidades feministas e juristas para estudo e elaboração de um projeto que abarcasse todas as esferas da violência doméstica e familiar contra a mulher como prevenção, punição e a erradicação, foi a força legislativa inicial para que essas ideias virassem o Projeto de Lei n˚ 4.559/2004.

Durante o processo legislativo houve outro movimento, o de conscientização e preparação da sociedade para esse novo momento histórico, em que se quebra a cultura antiga de silêncio e opressão e inicia-se um ambiente propício à proteção e amplificação da voz da vítima. Depois de um razoavelmente lento processo legislativo (cerca de 2 anos), na data de 7 de agosto de 2006 foi promulgada a Lei n˚ 11.340/2006, criando um marco no combate à violência doméstica contra a mulher e um passo importantíssimo na proteção dos direitos humanos.

Por mais que tenha havido uma demora nesse processo legislativo, o resultado dessa lei foi extremamente favorável, uma vez que o legislador preocupou-se em não deixar lacunas e abranger o máximo de situações possíveis de violência doméstica e familiar contra a mulher, buscando assegurar tutelas efetivas, passíveis de se perceber em uma leitura da lei, que mostrou-se bastante didática.

Preliminarmente, importa colocar em luz a conceituação de violência doméstica e familiar definida pelo legislador em seu art. 5˚, a qual se transcreve:

“Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.”

A análise deste dispositivo legal faz-se imprescindível para a compreensão de todo o decorrer desta lei, uma vez que cada trecho do artigo supracitado exprime a ideia na qual se baseou o legislador para proteger a mulher.

Inicialmente, salientam-se os verbos nucleares que caracterizam a violência que a lei pretende impedir, que tratam de ação e omissão, essas, resultando em morte, lesão, sofrimento de todas as esferas e possíveis danos. A ação é mais facilmente visualizada por todos, entretanto, uma omissão também pode ser igualmente danosa, possibilitando graves sofrimentos psicológicos, danos morais e patrimoniais, entre outras situações.

Seguindo a análise, os incisos I e II são bem claros ao explicitarem sua importância

normativa. No entanto, faz-se necessária uma breve explanação sobre o inciso III do art. 5˚ da referida Lei. O inciso III trata da relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. A parte grifada na frase anterior demonstra perspicácia por parte do legislador, uma vez que são inúmeros os casos em que a

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violência ocorre com pessoas que já não mais vivem a relação afetuosa, como casos de ex-namorados e ex-companheiros, que muitas vezes por não aceitarem o término da relação passam a praticar a violência.

Dessa maneira o legislador propiciou que a proteção da lei se estendesse a uma gama muito maior de mulheres, abarcando casos mais próximos à complexa e dinâmica realidade cultural do nosso país, em que nem todos que participam de uma relação íntima de afeto estão em situação de coabitação com o companheiro.

Outro ponto que merece ser salientado neste artigo é o seu parágrafo único, que fala que as relações enunciadas no artigo independem de orientação sexual. Este parágrafo único é extremamente sagaz, uma vez que a violência é passível de acontecer em qualquer tipo de relacionamento, não apenas em um relacionamento entre homem e mulher. Logo, o legislador afastou-se da heteronormatividade e fez com que as mulheres que vivem em um

relacionamento homoafetivo também estivessem protegidas pela lei.

Como citado anteriormente, o legislador foi bastante cuidadoso para prevenir-se de lacunas na lei, logo, chegou a ser exaustivo na garantia da tutela legal para as mulheres vítimas de

violência. Nesse sentido, elencou de maneira detalhada, no art. 7˚ da Lei 11.340/2006, as formas pelas quais podem se apresentar a violência doméstica e familiar, com intuito de nortear o julgador de cada caso. Para melhor expor, faz-se a transcrição do artigo referenciado:

“Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.”

Mesmo que tais incisos sejam vistos como meramente exemplificativos, vale o esforço do legislador em, mais uma vez, tentar expor ao máximo as possibilidades de manifestações de violência, fazendo com que a partir destes exemplos, o julgador consiga fazer uma análise

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com estes fatos e também o fazer analogicamente a estes. Assim posto, passa-se para uma breve análise dos incisos descritos anteriormente.

Em primeiro lugar, citamos o inciso I, que fala da violência física, que, infelizmente, é

extremamente comum de acontecer. É interessante que, na prática, ela já não é completamente dependente de um exame de corpo de delito, uma vez que o agressor contumaz burla esse sistema, fazendo agressões em locais dificilmente localizáveis nos exames, como couro cabeludo e embaixo dos pés. Além disso, a violência física envolve não necessariamente a agressão física, mas a demonstração da força física como forma de intimidação.

Partindo para o inciso II, que fala sobre a violência psicológica, o legislador discorreu inúmeras maneiras nas quais esse tipo de violência é perpetrado. No entanto, é sabido que nossa cultura ainda não tem a perfeita compreensão desse tipo de violência, de forma que ela é muito comum em relacionamentos abusivos, sendo a vítima psicologicamente colocada em uma posição de inferioridade por seu companheiro, criando uma situação de dependência da vítima para com o seu agressor. É, ainda, altamente nociva, pois essa construção feita por parte do agressor vai de forma muito sutil destruindo a vítima internamente, minando sua autoestima e cada vez mais subjugando-a e fazendo com que ela mesma se submeta. A respeito da violência psicológica, DIAS (2010, pg. 65) disserta:

“A proteção legal é à autoestima e da saúde psicológica. [...]

A violência psicológica consiste na agressão emocional (tão ou mais grave que a física). O comportamento típico se dá quando o agente ameaça, rejeita, humilha ou discrimina a vítima, demonstrando prazer que vê o outro se sentir amedrontado, inferiorizado e diminuído [...].

[...]

A vítima, muitas vezes, nem se dá conta de que agressões verbais, silêncios prolongados, tensões, manipulações de atos e desejos são violência e devem ser denunciados.”

O inciso III fala da violência sexual. Essa tem um aspecto muito singular e difícil de ser enfrentado pela parte mais conservadora da nossa sociedade, especialmente quando se trata da sua ocorrência com um casal que tem relações amorosas. Esse enfrentamento se dá pelo contexto histórico de anos e anos em que as mulheres tinham uma função de servidão aos maridos, na qual as relações sexuais estavam incluídas. Entretanto, urge a necessidade de ultrapassarmos esse conceito arcaico para entender que, mesmo dentro de uma relação afetiva, não existe nenhum tipo de obrigatoriedade sexual e que existe sim, estupro dentro de um relacionamento. Ainda, DIAS (2010, pg. 67) discorre sobre esse tema:

“A tendência sempre foi identificar o exercício da sexualidade como um dos deveres do casamento, a legitimar a insistência do homem, como se estivesse ele a exercer um direito. Aliás, a horrível expressão “débito conjugal” parece chancelar tal proceder, como se a mulher tivesse o dever de submeter-se ao desejo sexual do par.

Felizmente a doutrina penal já evoluiu no que se refere ao tema “débito conjugal”. Houve época, no entanto, em que por decorrência desse dever inerente ao casamento, sequer se reconhecia a prática do estupro pelo marido com relação à mulher, sob o absurdo argumento de que se tratava de um direito inerente à condição de marido, que o poderia exigir inclusive sob violência.”

Como exposto, é triste que essa ideia de prestação de relações sexuais inerente a um direito adquirido do relacionamento afetivo ainda seja admitida por alguém que compõe nossa sociedade. Entretanto, fica nosso dever de desconstruí-la e combater ferozmente essa

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percepção há tantos anos posta. Em relação à necessidade deste combate e o risco de admitir ideias perpetuadas por uma tradição irracional, GUIMARAES e MOREIRA (2011, pg. 72) fazem uma breve explanação:

“Em comunidades que baseiam sua organização num rigoroso código moral, onde prevalece uma validação tradicional das normas (transmitidas pelos costumes), é pouco provável que sua revogação se dê por um golpe ex abrupto. E se confluírem certos fatores, como o da predominância dos homens nos postos principais da comunidade, o fator desigualdade de gênero poderá ser considerado como fundamental.”

Na sequência, faz-se a análise do inciso IV, que aborda a violência patrimonial. Essa parte trata de um tipo de violência não tão incomum, vez que o agressor não só subtrai valores e objetos da vítima, mas também os destrói, numa tentativa infantil de demovê-la de uma separação, bem como numa forma de intimidá-la. Ainda, vale citar que, muitas vezes, esse conceito dialoga intimamente com a violência psicológica, tendo em vista o fato de que algumas das vítimas não tem renda própria; sendo assim, a dependência financeira delas para com o agressor faz com que esse use o patrimônio como moeda para chantagens nas mais variadas esferas.

Por fim, no que tange à violência moral, abarcada pelo inciso V do artigo 7˚ da Lei Maria da Penha, esta é a mesma prevista pelo Código Penal em seus artigos 138 (Calúnia), 139

(Difamação) e 140 (Injúria). Partindo-se para uma análise mais específica à ocorrência destes no âmbito da violência doméstica, traz-se excerto da obra de DIAS (2015, pg. 841), que versa:

“A violência moral é sempre uma afronta à autoestima e ao reconhecimento social, apresentando-se na forma de desqualificação, inferiorização e ridicularização. Diante das novas tecnologias de informação, internet e redes sociais, a violência contra a mulher tem adquirido novas dimensões. São ofensas divulgadas em espaços virtuais e em redes sociais.”

Sobre o trecho supracitado, vale ressaltar uma modalidade razoavelmente nova de consumar a violência moral devido ao uso das tecnologias e das redes sociais, que consiste no agressor expor fotos íntimas da vítima justamente na intenção de constrangê-la em seu meio social. Importa salientar que, apesar de aparente semelhança, não há que misturar esse crime com o abarcado pela Lei Carolina Dieckmann. Na Lei Carolina Dieckmann, o crime está na invasão do dispositivo para obtenção de uma informação, para posterior exposição ou destruição de dados para buscar vantagem ilícita, enquanto a violência doméstica, em sua modalidade moral, é a exposição de uma intimidade compartilhada no bojo do relacionamento amoroso com intuito de criar um constrangimento no meio social da vítima.

Ultrapassando essas importantes definições estabelecidas no corpo da Lei Maria da Penha, faz-se necessária uma reflexão sobre o norte finalístico trazido pelo legislador ao elaborar esta valiosa Lei.

O primeiro e mais relevante motivador foi, com certeza, uma mudança nesse tenebroso ciclo de violência doméstica estrutural no nosso país. Somente com uma junção entre Legislativo e Judiciário poderíamos alcançar um resultado realmente eficaz nesse combate.

Em segundo momento, igualmente significativo, fica a proteção das mulheres que sofrem diariamente com os mais variados tipos de violência no ambiente doméstico e familiar, também visava coibir a ação dos agressores. Importa salientar, por acontecer no interior dos lares, torna-se muito difícil de fazer com que a vítima sobreponha o medo e o temor para que

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tome a atitude de denunciar e buscar proteção. Por isso a necessidade de criar um ambiente favorável para que se possa encorajar essa atitude e poder receber, de forma responsável e efetiva, essa demanda.

Em relação a esta proteção, é imperioso citar a grande inovação trazida pela Lei Maria da Penha que é a possibilidade de adoção de medidas protetivas, criando assim um mecanismo para que a vítima se sinta legalmente amparada no momento de prestar queixa contra seu agressor, mas, ainda mais, no decorrer do processado, criando diferentes possibilidades de medidas protetivas. São de tamanha importância, que constituem a integralidade do capítulo II da Lei em foco, perpassando desde o art. 18 até o art. 24-A, com normativas bastante

didáticas.

As mais comumente exaradas pelos Juizados responsáveis são as medidas protetivas que criam obrigação para o agressor, compreendida no art. 22 da Lei. Entre essas possíveis proibições, ressalta-se o inciso II, que traz o afastamento do lar, domicílio ou local de

convivência com a ofendida, bem como as condutas trazidas no inciso III, alínea a, que proíbe a aproximação da ofendida, familiares e testemunhas, com fixação de distância mínima entre estes e o agressor; e alínea b, que proíbe o contato com essas mesmas pessoas por qualquer meio de comunicação.

Sobre as medidas protetivas, é interessante trazer a visão de GUIMARAES e MOREIRA (2011, pg. 123):

“Algumas destas medidas são salutares, seja do ponto de vista de proteção da mulher, seja sob o aspecto “descarceirizador” que elas encerram. Em outras palavras: é muito melhor que se aplique uma medida cautelar não privativa de liberdade do que se decrete uma prisão preventiva ou temporária [...].” Antes desse mecanismo, para obter uma medida que impedisse o agressor de aproximar-se da vítima, era necessário recorrer aos meios do Processo Civil, no qual a vítima, na maioria de suas ocorrências, tinha o pedido denegado. Além disso, muitas vezes a ofendida era a própria portadora da notificação ao agressor de que ele teria que comparecer em juízo, momento em que descobria a denúncia e ensejava mais uma situação de agressão. A Lei trouxe correção nesse aspecto, em seu parágrafo único do art. 21. Em relação a esta questão, DIAS (2010, pg. 182) discorre:

“[...] cabe lembrar que não pode a vítima ser a portadora da notificação ao agressor (art. 21, parágrafo único), lamentável prática que constituía verdadeira revitimização. A mulher se via obrigada a informar ao agressor que havia comparecido à polícia e o denunciado, pois precisava entregar-lhe a notificação para que comparecesse à delegacia ou ao fórum.”

No que tange a lei em relação aos agressores, há muitos críticos no sentido de que a Lei Maria da Penha é uma lei que recrudesce os parâmetros penais para o acusado, tendo um processo com menos ‘benefícios’ que no Processo Penal comum. Essa perspectiva se entende de forma divergente, uma vez que a lei Maria da Penha impediu que os crimes de lesão corporal fossem tratados no âmbito do juizado especial, observando que sua pena máxima foi aumentada nos casos de violência doméstica. Entretanto, a visão do legislador era justamente impedir que estes casos se encerrassem com a mera transação penal em casos de lesão corporal leve, como era comum ocorrer no juizado especial, que também permitia a substituição por penas

pecuniárias, instituto vedado pela Lei Maria da Penha. Da mesma forma, a própria evolução jurisprudencial, que passou a proibir a retratação em casos de lesão corporal.

Acerca desta inovação de não permitir que se resolva o processo apenas com transações ou multas, a Lei trouxe o art. 17, que é explícito ao dizer que é vedada a aplicação, nos casos de

(25)

violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de

prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.

Inclusive, o legislador não só distanciou os casos de violência doméstica e familiar dos

Juizados Especiais Criminais, como instigou a criação de um juizado próprio para esses casos, o Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, com equipe de apoio

especializada e profissionais já familiarizados com as nuances especiais que imperam nos processos desse Juizado. Neste tema, a questão que ficou em aberto foi a não determinação de um prazo para efetivar tais juizados. Assim sendo, nem todas as comarcas têm esse tratamento especializado para com suas partes.

Em relação à criação de juizados especializados para a violência doméstica, DIAS (2010, pg. 87) traz uma análise muito interessante que merece reprodução:

“Certamente o maior avanço promovido pela Lei Maria da Penha foi a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher – JVDFM, retirando assim a violência doméstica do âmbito dos Juizados Especiais Criminais – JECRIMs. Porém, de modo injustificado, não foi imposta implantação nem definido prazo para instalação das varas especializadas. Limitou-se, o legislador, a facultar sua criação, [...] a evidenciar que, apesar de determinada sua criação, não é obrigatório o seu funcionamento.”

Destaca-se aqui que, felizmente, na comarca da capital, em Florianópolis, já foi criada a Vara da Violência Doméstica contra a Mulher, vara esta que ajudará na elaboração deste trabalho na medida em que permitiu a análise da estrutura processual e do conteúdo de processos pontuais.

Por fim, é inegável a mudança de paradigma ocasionada pela lei. É sabido que não acabou com a violência doméstica contra a mulher no país; contudo, houve um aumento efetivo na quantidade de mulheres que se sentiu mais confiante para fazer uma denúncia contra seu agressor, bem como proporcionou a possibilidade de proteger e confortar essa mulher com atributos da lei promulgada.

2.3.3 Do fato ao processo

Neste momento do trabalho, é importante fazer uma caminhada desde o momento da ação delitiva, ocorrida no interior dos lares, até o momento da resolução do processo por parte do juiz competente.

Primeiramente, cabe determinar aqui os sujeitos de direito passíveis de participar em cada polo dessa relação, seja o sujeito ativo, seja o sujeito passivo da violência doméstica. O sujeito ativo da violência doméstica e familiaré denominado ‘agressor’. A Lei Maria da Penha não se pode olvidar que a violência doméstica contra a mulher pode ser perpetrada tanto por um homem quanto por uma mulher, tendo em vista a relação de afetividade, com ou sem vínculo familiar. Ainda, vale salientar que os laços familiares também estão abarcados, podendo haver violência entre irmãs, sogra e nora, etc.

Desta maneira, o sujeito ativo da agressão é justamente aquele que figurará no polo passivo da demanda judicial, no caso de violência doméstica contra a mulher resultar em um processo judicial.

(26)

Agora, quando falamos do sujeito passivo da violência, estamos falando necessariamente de uma mulher, que a Lei Maria da Penha conceitua como ‘ofendida’, sendo, desta forma, restritiva a pessoas do sexo feminino, sejam adultas ou crianças. Importa, ainda, fazer um adendo de que a criança do sexo masculino que sofre a violência não se encontra abarcada pela tutela da referida Lei.

Vale ressaltar que não há unicamente a exigência de a vítima ser do sexo feminino para estar enquadrada por essa lei, mas é imperioso que seja uma situação de violência no âmbito doméstico ou familiar; caso contrário, a legislação comum é a aplicável. Como adendo, é importante frisar que as homossexuais femininas também se encontram abrigadas pela Lei Maria da Penha, bem como lésbicas, travestis, transexuais e transgêneros que tenham sua identidade social feminina.

No momento processual, o sujeito passivo da violência torna-se polo ativo da demanda, representada pelo Ministério Público. Também há a possibilidade de a vítima constituir advogado, este atuando como assistente de acusação.

Isto posto, passa-se para a análise dos passos que são percorridos desde o instante da violência até o momento do desentrave processual.

2.3.3.1 Momento pré-processual

Toda a questão processual penal necessita da ocorrência de um fato real, ilícito, dando origem ao processo penal. Nesse momento pré-processual é que há o fato ilícito, suas providências e seus encaminhamentos para que assim se dê o início das etapas processuais.

O fato originador de toda essa questão é a violência doméstica contra a mulher, crime que, como já foi explicado anteriormente, tem diferentes formas de manifestação e inúmeras facetas que dificultam a capacidade de resistência e combate.

Uma vez percebida a iminência ou a violência doméstica, é necessário que ou a vítima, ou alguma testemunha faça o chamado para a Polícia Militar no telefone 190. Sendo acionados, os policiais têm o dever de se deslocar até o local e apurar tal chamado, com a função inicial de encerrar a ação delitiva. Chegando no local, os policiais devem observar uma série de medidas com o propósito de proteger a vítima, estando essas descritas nos artigos 10 e 11 da Lei Maria da Penha.

Estes artigos supracitados têm como função a condução da vítima nos momentos posteriores à violência, mantendo como objetivo principal a sua proteção e a redução de danos secundários advindos do trauma decorrente da violência. Como exemplo, citam-se alguns incisos trazidos no art. 10-A, como o §1˚, inciso II, com a garantia de que a vítima, bem como sua família e testemunhas, não terão contato direto com os investigados/suspeitos nem pessoas relacionadas a estes. Da mesma maneira, o inciso III busca evitar a revitimização, não inquirindo a vítima inúmeras vezes sobre o mesmo fato e sobre sua vida pessoal.

Para melhor elucidação dessas questões, é vital a transcrição do art. 11 da Lei Maria da Penha:

“Art. 11. No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências:

I - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário;

II - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal;

(27)

III - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida;

IV - se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar;

V - informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis.”

Estas providências são tomadas quando há a ligação para a Polícia Militar e os policiais vão até o local fazer os procedimentos decorrentes de sua ação. Entretanto, há diversas situações em que a vítima não aciona a Polícia Militar no momento da ação delitiva, mas vai

diretamente à autoridade policial. Sendo assim, inicia-se o atendimento diretamente do art. 12 da Lei em comento, que é um procedimento para todos os casos de violência doméstica. Este artigo traz, basicamente, os mecanismos necessários para que se produza documentos suficientemente qualificados para que, a partir disto, inicie-se a produção de um inquérito policial.

É justamente neste momento do procedimento que se dá um dos pontos cruciais da fase pré-processual, que é a escolha, por parte da vítima, se deseja representar judicialmente o agressor. Essa escolha é denominada de representação da vítima, e é desprovida de muita formalidade, é realmente uma manifestação de vontade por parte da ofendida em ver seu agressor responsabilizado pela violência perpetrada. Caso a vítima tenha tal intenção, a manifestação é registrada pela autoridade policial e é reduzida a termo.

Acerca do tema, há uma breve explicação de Pacelli (2008, pg. 117):

“A esta autorização, quando ausente qualquer outra ordem de interesses que não o da vítima, a lei processual penal dá o nome de representação, que dispensa formalidades e cujo objetivo, como visto, é apenas permitir, pelo consentimento do ofendido quanto à divulgação do fato, a ação estatal voltada para a persecução penal. Bem por isso, o requerimento de instauração de inquérito é o bastante para caracterizar a representação do ofendido apta a satisfazer a condição de procedibilidade da modalidade de ação penal pública condicionada.”

Tendo a representação da vítima sido positiva, o inquérito policial é finalmente elaborado com todos os documentos produzidos, como boletim de ocorrência, as oitivas das vítimas, agressor e testemunhas, possíveis provas, dados periciais, entre outros. Pronto o inquérito policial, este é remetido para o Ministério Público que, oferecendo a denúncia, dá início ao processo judicial.

Além disso, existe a possibilidade de a vítima pedir uma medida protetiva por meio da equipe policial. Por conseguinte, o pedido de medida protetiva pode ser feito antes mesmo da

apresentação da denúncia, também ensejando o início do processo judicial.

2.3.3.2 Momento processual

O processo tem seu início no oferecimento da denúncia, apresentado conjuntamente com o inquérito policial, ou do pedido de medida protetiva por parte da ofendida junto a autoridade policial. No caso de ter sido recebido o pedido de medida protetiva, considerado de urgência

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