• Nenhum resultado encontrado

No segundo momento deste capítulo, será feita a análise de um crime de ameaça, art. 147 do CP. O verbo nuclear do tipo penal é bastante explicativo por si só. Ele consiste em uma realidade quase que diária para as mulheres que convivem com parentes ou companheiros que as subjugam e utilizam-se da força para submetê-las às mais degradantes situações, sejam físicas ou psicológicas.

Acerca do crime de ameaça, MORATO (2009, pg. 24) explica:

“A ameaça de causar mal injusto e grave a alguém pode consistir em palavra, escrito, gesto ou qualquer outro meio simbólico, mas, para que o autor do crime seja processado, é necessário que a vítima autorize o Ministério Público a dar início à ação penal por meio de um processo.” Desta maneira, mostra-se que trata de uma ação pública condicionada, a qual depende da representação da vítima perante o Ministério Público para que este possa, assim, instigar o Poder Judiciário por meio da denúncia.

No caso em foco, cuida-se dos autos de n˚ 0005014-91-2016.8.24.0023, no qual figuram como partes o Ministério Público, representando a vítima R.S., e o réu L.C.S., irmão da vítima.

Mais uma vez, ressalta-se aqui que, apesar de haver inúmeros casos de ameaça entre casais, é muito comum que envolvam outras relações do núcleo familiar. Neste caso, a violência foi perpetrada de um irmão para com sua irmã, que viviam em situação de coabitação.

O processo inicia-se com um auto de prisão em flagrante, em função da apreensão feita pela polícia militar. O boletim de ocorrência narra que o acusado estava na casa da vítima, quebrando suas coisas com um machado e ameaçando-a. Decidindo sobre a prisão em

flagrante do acusado, a juíza da Vara converteu-a em prisão preventiva baseando-se no perigo em deixá-lo solto, uma vez que o mesmo é usuário de drogas.

Houve laudo pericial para atestar se houve lesão corporal, tendo o mesmo atestado que não houvera nenhuma ofensa à integridade física da vítima.

Nessa mesma função investigativa, houve outro laudo pericial, desta vez para atestar o estado em que se encontrava a casa da vítima. Com intuito de complementar as imagens que

“Ao chega ao local, a equipe constatou que a porta de entrada da residência apresentava-se com sinais de arrombamento. Além disso, a porta que dava acesso ao quarto da proprietária também se encontrava danificada por arrombamento.

Na janela, próximo à porta de entrada da residência, foi observado a presença de um vidro danificado. Além disso, uma segunda janela da residência também teve alguns de seus vidros quebrados.

Adentrando a residência, foi possível constatar que uma das portas que separava áreas comuns da casa apresentava-se sem a maçaneta. Além disso, na porta dos fundos da residência, havia a ausência do vidro, cujo local estava tapado com um fragmento de compensado. O fogão da cozinha encontrava-se com pequenas amolgaduras. [...]”

Baseado nesses documentos e outros que foram acostados nos autos, o Ministério Público apresentou denúncia, atribuindo ao réu a conduta de ameaçar sua irmã por palavras e gestos, prevalecendo-se das relações familiares que mantém com ela. Em relação a denúncia, é válido trazer um trecho da mesma, relatando o ocorrido na data:

“Na data e local acima descritos, provavelmente sob efeitos de álcool, o denunciado L.C.S., utilizando-se de um machado, passou a destruir o interior da residência, ao mesmo tempo em que ameaçou por palavras a vítima R.S., inclusive de morte, afirmando, “eu vou te matar, eu vou te estraçalhar, eu vou fincar uma faca na tua barriga e vou te matar”, causando-lhe, em virtude disso, fundado temor de mal injusto e grave.”

A juíza, diante da denúncia, recebeu-a, afirmando que havia indícios de autoria e materialidade, mantendo também a prisão preventiva determinada anteriormente no desenvolvimento processual.

O acusado manifestou-se por meio de defesa prévia, fazendo o pedido da justiça gratuita e da revogação da prisão preventiva, a qual foi mantida em ato decisório posterior.

Foram procedidas as audiências dos envolvidos, vítima, acusado e os policiais que fizeram a apreensão. Nesse momento processual, foi aventada a possibilidade do acusado ser portador de transtorno psiquiátrico. Em seguida, foi determinada a realização de exames para atestar tal afirmação.

Acostado o laudo de sanidade mental, este traz resoluções extremamente interessantes e cruciais para o desenvolvimento processual. Com o intuito de facilitar a compreensão, é retirada uma passagem do texto:

“[...] Antecedentes mórbidos pessoais: Periciando refere que costumava beber esporadicamente, “vez ou outra uma cervejinha”, mas nega uso de bebidas destiladas. Negou uso de outras substâncias psicoativas. [...] Refere histórico de internações psiquiátricas – diz já ter sido internado inúmeras vezes, no IPQ-SC. Refere que quando necessita de médico, busca tratamento no posto de saúde. Negou outros acidentes, cirurgias ou outras morbidades. Nega uso atual de medicamentos. Negou ter sido preso anteriormente. Antecedentes mórbidos familiares: Pais falecidos. [...] Uma irmã e uma sobrinha (com as quais reside) portadores de transtorno mental (segundo seu relato e, também, da equipe da unidade de saúde de seu bairro).

[...] Refere que construiu a casa onde moram e considera-se o “chefe da casa”. Refere fazer as compras da casa e prover mantimentos, diz se preocupar com a irmã e sobrinha e alega que a irmã já teve atitudes como colocar fogo numa casa e quebrar a janela de sua casa com um machado. “Ela deixa um machado no quarto dela, não sei porque”, diz.

Segundo contato realizado pela assistente social com equipe da unidade de saúde do bairro onde residem, L.C. teria sido internado diversas vezes no IPQ-SC e teria diagnóstico de esquizofrenia. Sua irmã e sobrinha também seriam portadoras de doença mental.

Conclusão: [...] No âmbito dos recursos psíquicos, o avaliando apresentou vulnerabilidade, com resposta a partir de comportamento impulsivo, frente as pressões que possa vivenciar. Seu discurso na atualidade, parece voltado para o desejo, alimentado ao longo do tempo em ser professor – “queria ensinar”. Tomou para si, o pensamento de cuidar da sobrinha e irmã, “tenho que cuidar delas”. Vê “nelas”, uma fragilidade que é dele também, o qual necessita de tratamento no âmbito da Saúde Mental, onde possa estar inserido.”

Por fim, o laudo de sanidade mental, ao responder os quesitos formulados pelo juízo, atesta que o acusado tem sim um distúrbio psiquiátrico; e que, apesar de não causar incapacidade para todos os atos, ao tempo da infração ele era inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso do fato.

Tendo isto em vista, o Ministério Público manifestou-se no sentido de revogar a prisão

preventiva do acusado, condicionando-a à existência de vaga no HCTP (hospital psiquiátrico), para, assim, dar continuidade ao tratamento do acusado. O juízo acolheu o pedido.

Diante dos fatos narrados, o Ministério Público e a defesa do acusado apresentaram alegações finais sucessivas. O Ministério Público fez o pedido de absolvição imprópria, em decorrência da inimputabilidade do acusado. A defesa, por sua vez, buscou a absolvição do mesmo. Seguindo o entendimento ministerial, o juízo julgou improcedente a denúncia apresentada pelo Ministério Público, absolvendo de forma imprópria o acusado em função de sua

inimputabilidade decorrente do transtorno mental. Válido frisar que, na decisão, é imposta ao acusado a medida de segurança consistente em tratamento ambulatorial pelo prazo mínimo de 1 (um) ano, em razão da falta de discernimento sobre a realidade, sobre sua doença e sobre a necessidade de tratamento.

Em relação às situações ocorridas no processo em sua face psicossocial, interessa ressaltar a relevância da atuação da perícia psicológica na resolução do caso, uma vez que sua atuação foi preponderante no ato decisório do processo. Além disso, evidenciar a preocupação do próprio magistrado com a condição psicológica do réu, atentando-se à sua condição psicológica na hora de determinar a parte normativa da sentença com os devidos encaminhamentos.

Documentos relacionados