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A interferência do IPVA na mobilidade urbana e no direito à cidade em Fortaleza

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Academic year: 2021

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CURSO DE GRADUAÇAO EM DIREITO

FÁBIO JÚNIOR SILVA DE SOUZA

A INTERFERÊNCIA DO IPVA NA MOBILIDADE URBANA E NO DIREITO À CIDADE EM FORTALEZA

FORTALEZA 2019

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A INTERFERÊNCIA DO IPVA NA MOBILIDADE URBANA E NO DIREITO À CIDADE EM FORTALEZA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Constitucional.

Orientador: Prof. Dr. Newton de Menezes Albuquerque

FORTALEZA 2019

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca Universitária

Gerada automaticamente pelo módulo Catalog, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

___________________________________________________________________________

S238i Souza, Fábio Júnior Silva de.

A interferência do IPVA na mobilidade urbana e no direito à cidade em Fortaleza / Fábio Júnior Silva de Souza. – 2019.

58 f.

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2019.

Orientação: Prof. Dr. Newton de Menezes Albuquerque.

1. Direito Constitucional. 2. IPVA. 3. Mobilidade Urbana. 4. Direito à cidade. I. Título. CDD 340

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A INTERFERÊNCIA DO IPVA NA MOBILIDADE URBANA E NO DIREITO À CIDADE EM FORTALEZA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Constitucional.

Aprovado em: ___/___/______.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________ Prof. Dr. Newton de Menezes Albuquerque (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Prof. Dr. Felipe Braga Albuquerque

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Prof. Dr. Gustavo Raposo Pereira Feitosa

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À força infinita, Deus. À minha família.

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Agradeço a todos que contribuíram com minha formação e aos que me fizeram pensar de forma a refletir sobre o meio social em que vivo.

Ao Prof. Dr. Newton de Menezes Albuquerque pela paciência na orientação do trabalho de conclusão de curso, de forma a se mostrar, com simples palavras, um docente que busca estimular o aluno a se tornar autoconfiante e a progredir intelectualmente.

Aos professores participantes da Banca Examinadora Felipe Braga Albuquerque e Gustavo Raposo Pereira Feitosa pela gentileza em aceitar o convite para a avaliação de meu trabalho e pela colaboração de ambos para o melhoramento do mesmo.

Às pessoas que responderam aos questionários da pesquisa, as quais tiveram muita paciência e vontade de ajudar no meu objetivo.

Ao meu amigo Lucas de Araújo Gurgel, companheiro de Faculdade de Direito e nos perigos da mobilidade urbana de Fortaleza.

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“Cobra que não anda não engole sapo”. (Ditado popular)

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A mobilidade urbana das grandes cidades brasileiras é bastante deficiente. Isso é resultado de um processo histórico que relegou o crescimento ordenado dos aglomerados urbanos. Vê-se que as mazelas sociais como congestionamentos, atropelamentos, acidentes entre veículos, transportes coletivos lotados e outros inconvenientes formam o quadro permanente do cotidiano dos habitantes urbanos do Brasil. Entretanto, outros fatores também contribuem para isso, como a força da indústria automobilística e os fatores fiscais de nosso país. Nesse contexto, o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), através da receita gerada ao Erário, contribui significativamente para o aumento da frota de veículos nas cidades brasileiras. Como objetivo principal desta pesquisa, buscou-se analisar a interferência do IPVA na mobilidade urbana e no direito à cidade em Fortaleza. Como objetivos secundários, buscou-se analisar a recorrência anual do imposto em estudo, e a geração de um grande aporte de recursos ao Erário como uma das causas da manutenção da mobilidade atual em Fortaleza. Procurou-se também analisar a dependência do Poder Público em relação ao IPVA, a ponto de haver guerra fiscal e, por último, analisar as mazelas sociais causadas por nossa mobilidade urbana, principalmente para a população menos favorecida, e demonstrar que tais mazelas também ferem a dignidade da pessoa humana, fundamento maior de nosso sistema jurídico. Fez-se uma pesquisa complementar entre os diversos atores envolvidos no trânsito de Fortaleza e, conforme os resultados, houve uma insatisfação geral da população em relação à mobilidade urbana da Capital do Estado do Ceará. Utilizou-se como metodologia a pesquisa de campo, com aplicações de questionários, e a pesquisa bibliográfica. O método utilizado foi o dialético, o qual busca entender a problemática através da ponderação das contradições inerentes ao objeto. No caso em questão, buscou-se entender a dialeticidade entre os fatores influenciadores dos problemas da mobilidade urbana de Fortaleza e os empecilhos ao usufruto do direito à cidade na Capital Cearense. Viu-se, nesta pesquisa, que o IPVA é um imposto que causa guerra entre os entes administrativos pela captação de seus recursos, causando, com isso, o estímulo ao transporte motorizado individual, mesmo que a função tributária seja limitada ao estritamente necessário aos gastos públicos.

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Urban mobility in large Brazilian cities is very poor. This is the result of a historical process that has relegated the orderly growth of urban areas. It is seen that social ills such as traffic jams, roadkill, accidents between vehicles, crowded public transport and other inconveniences form the permanent picture of the daily life of urban inhabitants of Brazil. However, other factors also contribute to this, such as the strength of the auto industry and the fiscal factors of our country. In this context, the Motor Vehicle Property Tax (IPVA), through the revenue generated from the Treasury, contributes significantly to the increase of the vehicle fleet in Brazilian cities. The main objective of this research was to analyze the interference of IPVA on urban mobility and the right to the city in Fortaleza. As secondary objectives, we sought to analyze the annual recurrence of the tax under study, as it is the large contribution of funds to the Treasury, as one of the causes of maintaining current mobility, also analyze the dependence of the Government on the IPVA, the Finally, there is a fiscal war and, lastly, to analyze the social ills caused by our urban mobility, especially for the less well-off population, and to demonstrate that such ills also hurt the dignity of the human person, the greater foundation of our legal system. Complementary research was carried out among the various actors involved in the traffic of Fortaleza and, according to the results, there was a general dissatisfaction of the population regarding the urban mobility of the capital of the state of Ceará. The methodology used was field research, with questionnaires applications, and bibliographic research. The method used was the dialectic, which seeks to understand the problem by weighing the contradictions inherent in the object. In this case, we sought to understand the dialectic between the factors that influence the problems of urban mobility in Fortaleza and the obstacles to the enjoyment of the right to the city in the capital of Ceará. It was found in this research that the IPVA is a tax that causes war among the administrative entities for the raising of their resources, thus causing the stimulation of individual motorized transport, even if the tax function is limited to what is strictly necessary to spend public.

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1 INTRODUÇÃO ... 9

2 AS CIDADES E O FENÔMENO DA URBANIZAÇÃO... 12

3 UM RELATO SOBRE A ORIGEM E A MOBILIDADE URBANA DE FORTALEZA ... 18

4 A INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA NO BRASIL ... 26

5 UM BREVE HISTÓRICO SOBRE O IPVA E SUA ANÁLISE SOB O ASPECTO CONSTITUCIONAL ... 29

6 OS RECURSOS GERADOS PELO IPVA COMO FATOR MANTENEDOR DA MOBILIDADE URBANA ATUAL EM FORTALEZA ... 34

7 O DIREITO À CIDADE E SEU ASPECTO SÓCIO-JURÍDICO ... 42

8 OS AGENTES DO PROCESSO DE MOBILIDADE URBANA EM FORTALEZA .. 46

9 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 49

10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 52

APÊNDICE A – RESULTADO DA PESQUISA RELATIVA A PEDESTRES ... 55

APÊNDICE B – RESULTADO DA PESQUISA RELATIVA A CICLISTAS... 56

APÊNDICE C – RESULTADO DA PESQUISA RELATIVA A MOTOCICLISTAS ... 57

APÊNDICE D – RESULTADO DA PESQUISA RELATIVA A CONDUTORES DE AUTOMÓVEIS ... 58

APÊNDICE E – RESULTADO DA PESQUISA RELATIVA A USUÁRIOS DE TRANSPORTE PÚBLICO COLETIVO ... 59

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1 INTRODUÇÃO

A mobilidade urbana brasileira tem sido bastante problemática. Isso remonta a colonização brasileira pelo português, a qual não teve nenhum projeto de ordenação de cidades. As aglomerações urbanas foram crescendo de forma espontânea e, ao mesmo tempo, problemas foram surgindo. Hoje, vê-se nas grandes cidades brasileiras congestionamentos frequentes, acidentes veiculares, transportes públicos lotados e muitas outras mazelas sociais cotidianas. Nesse contexto, Fortaleza está inserida e, consequentemente, sua população sofre com uma mobilidade deficiente que atinge todas as classes sociais. Então, necessário é que existam estudos que tentem entender os reais fatores que colaboram com a mobilidade caótica existente nos grandes centros urbanos do Brasil.

As políticas públicas e fiscais no Brasil também contribuem com o cenário de deficiência da mobilidade urbana, baseada no transporte motorizado individual, pois, apesar de haver políticas de melhoria de conexão entre os diversos modais de transportes, essas políticas andam a passos lentos quando se comparam com as necessidades reais da população brasileira, principalmente, os mais carentes. Tem-se em Fortaleza um projeto de metrô que se arrasta por mais de duas décadas, consumindo vultosos recursos financeiros, funcionando atualmente de forma parcial e, deve-se dizer, com acidentes esporádicos.

Neste trabalho, será estudada a interferência do Imposto Sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) na mobilidade urbana e direito à cidade em Fortaleza. Far-se-á uma tentativa de compreensão do problema da mobilidade urbana tendo como recorte espacial a Cidade de Fortaleza e como recorte temporal os últimos dez anos, 2010 a 2019. Utilizou-se como metodologia a pesquisa de campo, com aplicações de questionários, e a pesquisa bibliográfica. O método utilizado foi o dialético, o qual busca entender a problemática através da ponderação das contradições inerentes ao objeto. No caso em questão, buscou-se entender a dialeticidade entre os fatores influenciadores dos problemas da mobilidade urbana de Fortaleza, como a arrecadação do IPVA, e os empecilhos ao usufruto do direito à cidade na Capital Cearense.

Como objetivo principal deste estudo, buscou-se analisar a interferência do IPVA na mobilidade urbana e no direito à cidade em Fortaleza. Como objetivos secundários, buscou-se analisar a recorrência anual do imposto em estudo, e a geração de um grande aporte de recursos ao Erário como uma das causas da manutenção da mobilidade atual em Fortaleza. Procurou-se também analisar a dependência do Poder Público em relação ao IPVA, a ponto de haver guerra fiscal e, por último, analisar as mazelas sociais causadas por nossa mobilidade

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urbana, principalmente para a população menos favorecida, e demonstrar que tais mazelas também ferem a dignidade da pessoa humana, fundamento maior de nosso sistema jurídico.

Assim, a questão tributária do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) contribui para a manutenção e consolidação do status quo da mobilidade urbana das cidades brasileiras. A quantidade de recursos, a cada ano, carreados aos cofres públicos dos Estados e Municípios faz com que haja a manutenção da mobilidade baseada no transporte individual. O total de dinheiro que foi transferido pelo Estado do Ceará, para a Prefeitura de Fortaleza, cresceu ininterruptamente nos últimos dez anos, de 2010 a 2019. A situação é cômoda para os municípios no que se refere às suas receitas e, dessa forma, a mudança do padrão da mobilidade urbana atual é algo improvável, pelo menos, a curto prazo. Ressalte que metade do IPVA dos carros licenciados nos territórios dos municípios pertencem a eles, conforme artigo 158, inciso III, da Constituição Federal de 1988. Acrescente-se o fato de um carro gerar, no Estado do Ceará, uma receita por um período de 15 anos consecutivos. Isso é um fator importante de manutenção da mobilidade urbana atual, pois um carro é um produto diferenciado em matéria tributária, e se difere de um fogão, por exemplo, que não gera receita tributária anualmente.

Inicialmente, fez-se no segundo capítulo um estudo sobre a origem das cidades e da urbanização até aos dias atuais, buscando partir do geral para o particular. Em seguida, no terceiro capítulo, falou-se da origem e da mobilidade urbana da Cidade de Fortaleza, desde a Fundação do Forte de São Tiago, na Barra do Ceará, até os dias atuais e fez-se um comparativo com o que manda o ordenamento jurídico nacional e a realidade reinante na Capital Cearense.

Estudou-se, no quarto capítulo, a indústria automobilística, pois é notório o poder que este empreendimento tem nos países em que atua. No final dos anos 40 do século passado, o Brasil optou por modernizar sua indústria, e deu prioridade a indústria automotiva, pois, além de haver a tentativa de diminuir a evasão de divisas, ela tinha o potencial de alavancar outros setores da economia do país.

No quinto e sexto capítulos, fez-se uma análise sobre a origem do IPVA, sua inscrição no Texto Constitucional de 1988, e falou-se sobre os recursos carreados ao Erário por essa exação tributária.

Em seguida, no sétimo capítulo, fez-se uma explanação sobre a origem do direito à cidade e da luta que houve no Brasil para positivar na Constituição Federal um capítulo sobre a Política Urbana, a qual preza pela função social da cidade. Desta forma, o Brasil foi o primeiro país a positivar no ordenamento jurídico o direito à cidade.

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Adiante, no oitavo capítulo, foi exposto como se deu a pesquisa sobre a mobilidade urbana de Fortaleza, fazendo-se referência aos anexos, com os respectivos resultados. A pesquisa foi feita através de questionários, que foram aplicados aos diversos atores do trânsito de Fortaleza: pedestres, ciclistas, motociclistas, condutores de automóveis e usuários de ônibus. Tal pesquisa foi executada de forma a complementar e legitimar o enredo deste trabalho no que se refere às críticas à mobilidade urbana caótica de Fortaleza.

Finalmente, no nono capítulo, têm-se as considerações finais, depois as referências bibliográficas e, em seguida, os anexos.

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2 AS CIDADES E O FENÔMENO DA URBANIZAÇÃO

As cidades e o processo de urbanização das populações estão intimamente ligados por uma relação dialética, interdependente. A vida urbana tem o poder de atração das massas, e pode-se dizer que as cidades são como um ímã (ROLNIK, 1995). Elas existem desde a antiguidade, pois a partir do desenvolvimento agrícola e a consequente produção de excedentes alimentares, os homens puderam habitar espaços além dos rurais e tiveram a possibilidade de se ocuparem com outras atividades diversas da agrícola. Conforme Raquel Rolnik:

O excedente é, ao mesmo tempo, a possibilidade de existência da cidade – na medida em que seus moradores são consumidores e não produtores agrícolas – e seu resultado – na medida em que é a partir da cidade que a produção agrícola é impulsionada. Ali são concebidas e administradas as grandes obras de drenagem e irrigação que incrementam a produtividade da terra; ali se produzem as novas tecnologias do trabalho e da guerra (ROLNIK, 1995, pag. 17).

Jericó, cidade bíblica, pode ser citado como um dos exemplos de cidade antiga, pois sua origem data de aproximadamente 8.000 anos antes de Cristo (SOUZA, 2008). As Cidades-Estados gregas ou Pólis eram aglomerações urbanas da Grécia Antiga e constituíam-se pela acrópole, que era onde existia o templo religioso e geralmente constituíam-se localizava em locais elevados, e pela cidade baixa que ficava ao redor da Ágora, grande local de reunião. Saliente-se que, inicialmente, a função econômica da cidade ficava em Saliente-segundo plano frente à função política (ROLNIK, 1995). Vê-se, com o exposto, que o fenômeno da urbanização tem sua origem em época bastante remota.

Na antiguidade, grande parte do mundo, incluindo territórios do ocidente e oriente, foi subjugada pelo Império Romano, o qual mantinha nas cidades conquistadas sua máquina administrativa. No espaço territorial sob a dominação de Roma o comércio circulava livremente, e as cidades estavam ligadas por uma rede de estradas, os portos proliferavam (ROLNIK, 1995). Com o esfacelamento do Império Romano do Ocidente, o mundo europeu passou por uma fase chamada de Feudalismo, sistema rígido no que se refere ao intercâmbio entre as aglomerações humanas. Nesse sistema, existiam os vassalos e suseranos, em que os primeiros serviam aos segundos, os quais eram donos das terras do feudo, que eram pequenos territórios autossuficientes. Entretanto, com o advento do Capitalismo, o processo histórico foi dando novos aspectos às cidades e sua base fundante, que foi o comércio intensificado.

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Continuando de forma sócio- histórica, pode-se dizer que as cidades antigas e os feudos não tinham a pujança econômica e social das cidades surgidas posteriormente. Conforme afirma Leo Huberman:

Sem dúvida, havia certo tipo de cidades antes desse aumento no comércio, os centros militares e judiciais do país, onde se realizavam os julgamentos e onde havia bastante movimento. Eram realmente cidades rurais, sem privilégios especiais ou governo que as diferenciassem. Mas as novas cidades que se desenvolveram com a intensificação do comércio, ou as antigas cidades que adotaram uma vida nova sob tal estímulo, adquiriram um aspecto diferente (HUBERMAN, 1986, pag. 26).

Os conflitos que surgiram com o advento do Capitalismo impuseram a quebra do regime servil do feudalismo, pois os feudos não propiciavam conexões entre si e isso era impedimento para os interesses da nascente burguesia. A quebra das barreiras comerciais, monetárias, e impedimentos na área de transportes era o objetivo dos grandes comerciantes que habitavam os chamados burgos, que podem ser considerados os embriões das cidades modernas. Nesse contexto de enfraquecimento da estrutura feudal, explicita Leo Huberman:

As leis e a justiça feudais se achavam fixadas pelo costume e eram difíceis de alterar. Mas o comércio, por sua própria natureza, é dinâmico, mutável e resistente às barreiras. Não se podia ajustar à estrutura feudal. A vida na cidade era diferente da vida no feudo e novos padrões tinham que ser criados (HUBERMAN, 1986, pag. 28).

Com a vitória burguesa, no decorrer do tempo, as moedas foram tornadas comuns no espaço, medidas de peso foram uniformizadas, estradas foram abertas e, coroou-se o Rei, a peça que faltava para colocar ordem no território formado pela queda de muitos feudos na Europa. Assim, o capitalismo tinha portas abertas para colocar em prática os desejos da incipiente burguesia e ela não tardou em expandir-se mundo afora. Nesse sentido, afirma Raquel Rolnik:

Da necessidade de organização da vida pública na cidade, emerge um poder urbano, autoridade político-administrativa encarregada de sua gestão. Sua primeira forma, na história da cidade, é a de um poder altamente centralizado e despótico: a realeza (ROLNIK, 1995, pag. 21).

Na Europa, a burguesia tornou as cidades um polo atrativo para as pessoas, pois diversas espécies de trabalhadores passaram a ter seu lugar de morada no meio urbano. As pessoas passaram a viver do comércio e da venda de mão-de-obra especializada. Artesãos, ferreiros, mercadores tinham no meio urbano o local de suas atividades e, nesse mesmo espaço, a possibilidade de acumular riquezas. Conforme Huberman (1986, pag. 27), “[...] o povo começou a deixar suas velhas cidades feudais para iniciar vida nova nessas ativas cidades em progresso. A expansão do comércio significava trabalho para maior número de pessoas e estas afluíam à cidade, a fim de obtê-lo”.

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Chegando ao século XV, com as grandes navegações, os países da Europa passaram a explorar outros lugares e povos, além de Europa e Ásia. A África e a América serviram para que o Sistema Capitalista fosse implantado além do mundo europeu. Na América, ao longo dos séculos, os costumes capitalistas foram implantados, o processo de urbanização teve seu início e, nesse contexto, o Brasil estava inserido.

Ao desembarcarem no Brasil, os portugueses encontraram milhões de silvícolas, que viviam em aldeias formadas por um certo número de ocas, espécie de abrigo feitos de palha, que serviam para a habitação de tais aborígenes. Estes indivíduos, aqui encontrados, desconheciam o modo de vida europeu. Para que fosse realmente efetivada a colonização no país, os portugueses dividiram o território em capitanias hereditárias, que eram grandes extensões de terras que eram administradas pelos donatários. Tais administradores eram particulares que tinham a função de desenvolver economicamente a região sob seu domínio e solidificar a colonização do Brasil, garantindo a posse das terras brasileiras aos portugueses.

A vida em cidades, de forma generalizada, era algo distante na época da colonização do Brasil. Entretanto, houve a fundação das primeiras cidades e vilas no Brasil, entre as quais, destaca-se a Cidade de Salvador. Tais aglomerados urbanos tinham a razão de ser pelas funções militares e administrativas que desempenhavam. Sobre o processo de urbanização do Brasil, afirma Milton Santos:

Durante séculos o Brasil como um todo é um país agrário, um país ‘essencialmente agrícola’, para retomar a celebre expressão do Conde Afonso Celso. O Recôncavo da Bahia e a Zona da Mata do Nordeste ensaiaram, antes do restante do território, um processo então notável de urbanização e, de Salvador pode-se, mesmo, dizer que comandou a primeira rede urbana das Américas, formada, junto com a capital baiana, por Cachoeira, Santo Amaro e Nazaré, centros de culturas comerciais promissoras no estuário dos rios do Recôncavo (SANTOS, 1993, pag. 17).

Sobre o processo de surgimento das cidades brasileiras, Darcy Ribeiro faz uma explicação baseada na escala histórica de formação do Brasil urbano:

Nossa primeira cidade, de fato, foi a Bahia, já no primeiro século, quando surgiram, também o Rio de Janeiro e João Pessoa. No segundo século, surgem mais quatro: São Luís, Cabo Frio, Belém e Olinda. No terceiro século, interioriza-se a vida urbana, com São Paulo; Mariana, em Minas; e Oeiras, no Piauí. No quinto século, a rede explode, cobrindo todo o território brasileiro (RIBEIRO, 2015, pag. 146).

Inicialmente, a vida brasileira se desenvolveu no meio rural com a cultura canavieira. A escravidão do negro africano, complementando e substituindo a subjugação indígena, tratou de resolver o problema de mão-de-obra nos engenhos produtores de açúcar.

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Desta forma, tínhamos no engenho o centro da vida econômica e política do Brasil incipiente. A pecuária foi responsável pela interiorização da população no território brasileiro, pois a zona da mata canavieira deveria ficar livres dos incômodos causados pelo gado. Nesse contexto, surgiram muitas cidades originárias da lida com o gado. No Ceará, a Cidade de Icó pode ser citada como exemplo.

Com a descoberta do ouro das Minas Gerais, houve uma reviravolta em termos de atividade econômica. Na mineração, a atividade era diversa daquela praticada na agricultura e pecuária e suas consequências também, pois a atividade mineradora era mais propícia a aglomeração urbana. Grande número de portugueses se dirigiu para as minas e grande parte dos escravos das regiões decadentes da cultura canavieira foram redirecionados aos garimpos. Núcleos urbanos se desenvolveram com o novo ciclo econômico do Brasil. Mas, os aglomerados urbanos foram se formando por pessoas que queriam apenas tirar proveito da mineração e não tinham o desejo de fundarem cidades organizadas do ponto de vista estrutural. Nesse sentido, citando Caio Prado Júnior, afirma Anísio Brasileiro:

A mentalidade destes homens que chegaram ao país era de obter enriquecimento rápido, não se preocupavam em se fixar no local, nem tinham ideais de organizar condições de sobrevivência no mesmo. Esta corrida ao ouro formava, pois, um aglutinamento de pequenas ilhas urbanas, separadas por uma área montanhosa e uma mata fechada. Um território desabitado foi sendo invadido por um contingente populacional desorganizado, ‘com núcleos densos mas separados pelas imensas áreas desérticas que se interpunham entre uns e outros’ (Caio Prado Júnior, 1974). O grande problema econômico desta região era, segundo Caio Prado Júnior, ‘a dificuldade que representa estabelecer-se um sistema de transporte eficiente e econômico em região tão irregularmente ocupada’ (Brasileiro et al,2001, pag. 76).

Chegando ao século XVIII, houve a revolução industrial na Europa, especificamente, na Inglaterra. Este fato foi decisivo para o crescimento massivo das cidades europeias e, mais tarde, também foi responsável pelo desenvolvimento do processo de urbanização do Brasil. A máquina a vapor e a locomotiva ferroviária foram alguns dos meios que acentuaram o êxodo de populações dos meios rurais aos urbanos. As fábricas oriundas da referida revolução industrial foi a força condutora de crescimento das cidades e, consequentemente, propiciadora do crescimento do modo de vida urbano. Viver próximo às fontes de emprego foi a maneira encontrada pelas populações para conseguirem uma vida melhor.

O Brasil conheceu a locomotiva ferroviária no século XIX, as quais serviam para o escoamento da produção cafeeira no período do ciclo econômico do café. Ao longo das vias férreas brasileiras iam se aglomerando pessoas em busca de ocupação nas novas atividades propiciadas pelo café e o modo de vida urbano crescia na mesma velocidade.

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O trem de carga foi formador de muitas cidades no Brasil, inclusive Fortaleza, que teve seu crescimento quando foi construída a ferrovia que escoava a produção algodoeira para o antigo porto exportador, que se localizava na atual Comunidade do Poço da Draga (Costa; Dantas; Silva, 2009).

Mais tarde, por volta de 1940, houve o início do processo de industrialização brasileira, e as cidades brasileiras tiveram enorme crescimento, pois as populações rurais passaram a migrar fortemente para os lugares que possuíam indústrias, principalmente para o eixo Rio-São Paulo. Assim, houve um grande crescimento demográfico das cidades brasileiras, o qual era também causado pelas modificações das relações de trabalho no campo. Transformações do campo que foram originadas, entre outros fatores, pela mecanização da agricultura.

Já na década de 1960, com o período ditatorial no Brasil, houve o impulsionamento do país para uma industrialização ainda mais moderna, e consequentemente, o aumento explosivo da população urbana. A modernização da comunicação, a construção de estradas, a povoação de novos territórios como o amazônico e a integração dos transportes eram condições essenciais para a inserção do Brasil na nova ordem econômica mundial, com as grandes empresas ganhando protagonismo frente às Administrações Públicas (SANTOS, 1993).

O Governo Ditatorial do Brasil, trabalhou para a manutenção do esquema de favorecimento às empresas transnacionais, como forma de captação de investimentos. Entretanto, houve a pauperização dos cofres públicos com tal prática e, consequentemente, o não atendimento dos anseios sociais. Nesse sentido, afirma Milton Santos:

Esse raciocínio também conduziu a dar prioridade aos investimentos em capital geral do interesse de umas poucas empresas, em lugar de canalizar os dinheiros obtidos para dar respostas aos reclamos sociais. O regime autoritário, mediante rígido controle das manifestações de uma opinião pública já por si deformada, contribuiu, fortemente, para a manutenção desse esquema (SANTOS, 1993, pag. 103).

Do processo de urbanização do Brasil resultaram muitos problemas para os indivíduos recém-saídos do meio rural. Passaram a viver amontoados em favelas, em condições insalubres, e a margem das políticas públicas, pois o Poder público foi incapaz de interferir de forma significativa naquele contexto de favelização das cidades brasileiras. Os conflitos sociais cresceram, ao longo do tempo, no que se refere aos anseios deste contingente populacional. Moradia, emprego, transporte, saúde, saneamento básico eram algumas das necessidades urbanas que precisavam ser supridas no âmbito da dignidade humana daquele

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segmento paupérrimo da população brasileira. Cidades foram crescendo sem nenhum plano estrutural, foram crescendo a base de “puxadinhos”, ou seja, foram sendo incrementadas sob a batuta contingencial, circunstancial. Conforme Milton Santos:

Ao longo do século, mas sobretudo nos períodos mais recentes, o processo brasileiro de urbanização revela uma crescente associação com o da pobreza, cujo locus passa a ser, cada vez mais, a cidade, sobretudo a grande cidade. O campo brasileiro moderno repele os pobres, e os trabalhadores da agricultura capitalizada vivem cada vez mais nos espaços urbanos. A indústria se desenvolve com a criação de pequeno número de empregos e o terciário associa formas modernas a formas primitivas que remuneram mal e não garantem a ocupação (SANTOS, 1993, pag. 10).

A urbanização brasileira passou a ser generalizada a partir do período ditatorial de 1964, concomitante ao período de macrourbanização e metropolização das cidades brasileiras (SANTOS, 1993). Atualmente, o Brasil tem a maioria de sua população vivendo sob o modo de vida urbano e com o crescimento das novas tecnologias isso tende a englobar todo o território brasileiro. Nesse contexto, afirma Raquel Rolnik:

O espaço urbano deixou assim de se restringir a um conjunto denso e definido de edificações para significar, de maneira mais ampla, a predominância da cidade sobre o campo. Periferias, subúrbios, distritos industriais, estradas e vias expressas recobrem e absorvem zonas agrícolas num movimento incessante de urbanização. No limite, este movimento tende a devorar todo o espaço, transformando em urbana a sociedade como um todo (ROLNIK, 1995, pag. 12).

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2015, a maioria da população brasileira, 84,72%, vive em áreas urbanas. Já 15,28% dos brasileiros vivem no meio rural. A Região com maior percentual de habitantes urbanos é o Sudeste, com 93,14% das pessoas vivendo em espaços urbanos. Com esse quadro, muita interação é exigida entre o Poder Público e a sociedade civil visando ao aprimoramento de nossas cidades altamente populosas, objetivando o atendimento das necessidades coletivas e não das necessidades do grande capital, interessado em auferir renda no ambiente urbano de negócios.

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3 UM RELATO SOBRE A ORIGEM E A MOBILIDADE URBANA DE FORTALEZA

Fortaleza é uma cidade litorânea brasileira, localizada na Região Nordeste do Brasil, e tem sua origem em 1603, um século após os portugueses desembarcarem na Ilha de Vera Cruz. Inicialmente, o Forte de São Tiago foi construído às margens do Rio Ceará para que pudesse haver o processo de ocupação do atual Estado do Ceará (Costa; Dantas; Silva, 2009).

Com o abandono do antigo forte, Martins Soares Moreno ergueu, em 1612, o Forte de São Sebastião no local das ruínas do Forte de São Tiago (Costa; Dantas; Silva, 2009). Em consonância com os objetivos deste trabalho, com esses eventos, pode-se dizer que houve as primeiras ações de mobilidade e transporte no futuro território fortalezense, o transporte de bens e pessoas.

Em 1649, em uma invasão holandesa, Matias Beck ergueu o Forte Schonenboorch, atual prédio da 10ª Região Militar, fundando o povoado que daria origem à Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção (Costa; Dantas; Silva, 2009). Ressalte-se que, no Período Colonial, o Brasil era alvo de constantes tentativas de invasão e, nesse contexto, os franceses também tiveram seu protagonismo.

Com a independência do Ceará em 1799, em relação à Capitania de Pernambuco, e com o destaque da cultura algodoeira, houve a consolidação de Fortaleza como Capital do Ceará (Costa; Dantas; Silva, 2009). Com o aumento de importância de Fortaleza e a mesma possuindo um porto para exportação do algodão, o comércio agigantou-se, assim como sua população aumentou consideravelmente. Cidades como Aracati e Icó, que predominavam economicamente no Ceará, através da cultura do gado, perderam espaço devido à localização privilegiada de Fortaleza, a qual propiciava a exportação do algodão através de seu porto marítimo.

No século XIX, em termos de mobilidade e transporte, Fortaleza ligava-se com o Rio de Janeiro e Europa através de linhas de navio a vapor e possuía um sistema ferroviário fazendo a conexão com o interior (Costa; Dantas; Silva, 2009). A Capital do Ceará cresceu bastante com a integração gerada pela estrada de ferro e o navio a vapor, o seu comércio ficou mais forte e sua população cresceu bastante com a conexão do interior com o litoral (DANTAS, 2002).

Fortaleza conheceu o sistema de bondes elétricos em 1913, mas esse sistema foi suplantado pelo sistema coletivo de ônibus, devido às novas necessidades da cidade, a qual foi

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crescendo de forma espraiada e desordenada. Em relação aos bondes elétricos, Jorge Henrique Maia Sampaio diz que:

O sistema de bondes elétricos iniciou-se em 1913, sendo administrado pela empresa inglesa The Ceará Tramway Light and Power Company Ltda., em substituição ao de tração animal, que trafegava desde o final do século XIX. A Companhia Ferro Carril, que administrava os serviços dos bondes, foi vendida para a Light em 1912. Neste período, a capital cearense contava com uma população de aproximadamente 70 mil habitantes. À medida que a população crescia, novas áreas da cidade foram ocupadas, exigindo-se, assim, um sistema de transporte coletivo que atendesse ao anseio dessa população (SAMPAIO, 2010, pag. 13).

O mesmo autor continua:

A inserção dos bondes na capital cearense modificou a forma dos citadinos percorrerem a urbe, até mesmo de habitá-la. No início, seu serviço era classificado como essencial para uma cidade que pretendia ingressar na era moderna. Sua existência foi quase exclusiva até o final dos anos 1920, quando o ônibus foi introduzido na nossa capital. Os automóveis existentes ainda eram restritos a uma parcela mínima da população. A imensa maioria tinha o bonde como principal meio de locomoção, fazendo desse transporte uma necessidade diária, função à qual se destina todo transporte público. Havia também aqueles que, por não poderem pagar pelo transporte ou por uma questão habitual, transitavam a pé ou em lombo de animais, uma prática recorrente nesse período. Romper essas práticas rurais, ou diminuí-las a uma escala mínima, daria certo semblante de modernidade para a capital cearense, tão aguardado pelos seus administradores (SAMPAIO, 2010, pag. 78).

Com o processo de urbanização contínua do Brasil, no século XX, surge o automóvel e as rodovias, Fortaleza continua com sua hegemonia no estado e no aspecto regional, influenciando os Estados do Piauí, Maranhão e Rio Grande do Norte (Costa; Dantas; Silva, 2009).

Com tamanha importância, Fortaleza passa a atrair um enorme contingente de pessoas oriundas do interior do Ceará, expulsa do campo em virtude das secas e pelas mudanças nas relações rurais de trabalho (Costa; Dantas; Silva, 2009). Assim, milhares de pessoas vieram formar as grandes favelas existentes em Fortaleza, em busca de melhores condições de vida.

Nesse contexto, referindo-se ao século XX, afirma Milton Santos:

Ao longo do século, mas sobretudo nos períodos mais recentes, o processo brasileiro de urbanização revela uma crescente associação com o da pobreza, cujo locus passa a ser, cada vez mais, a cidade, sobretudo a grande cidade. O campo brasileiro moderno repele os pobres, e os trabalhadores da agricultura capitalizada vivem cada vez mais nos espaços urbanos. A indústria se desenvolve com a criação de pequeno número de empregos e o terciário associa formas modernas a formas primitivas que remuneram mal e não garantem a ocupação (SANTOS, 1993, pag. 10).

Assim, de uma cidade que se limitava aos arredores da Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, Fortaleza passou a crescer em direção à zona Oeste, Barra do Ceará, e zona leste, Aldeota. Ampliando, assim, sua malha urbana (Costa; Dantas; Silva, 2009).

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A Zona Oeste, composta de favelas como a do Pirambu, teve seu crescimento impulsionado pelos migrantes, devido à necessidade de estarem próximos aos locais de trabalho, que era o complexo de indústria existente na Avenida Francisco Sá. Tal crescimento também teve como fator propiciador o fato de os terrenos serem mais acessíveis para as populações de baixa renda nesta zona da cidade, que muitas vezes invadiam e tomavam posse da terra para a formação de seus lares.

Porém, as indústrias migraram para o Distrito Industrial de Maracanaú e aquela população da Zona Oeste, agora, tem de se deslocar para outros locais de trabalho, muitas vezes distante de suas casas e encarando todos os dias os problemas de nossa mobilidade urbana.

A Zona Leste tem uma população com maior poder aquisitivo e condições de se locomover através de automóveis, o que não a dispensa de experimentar também as mazelas de nosso trânsito caótico. Ou seja, os transtornos da mobilidade urbana também são sentidos na área nobre da Cidade de Fortaleza. O fato da mobilidade urbana ser feita, predominantemente, através de carros, acaba acarretando enormes transtornos, apesar dos esforços municipais para a fluidez veicular nessa área da cidade.

A ocupação desordenada de Fortaleza, a deficiência das políticas públicas, além de outros fatores como a especulação imobiliária, deixou como herança as dificuldades de se locomover no espaço territorial da cidade. Aliás, todas as cidades brasileiras tiveram um processo de urbanização desordenado e, com isso, aumentou-se a complexidade do atendimento das necessidades de deslocamento da população (PORTUGAL et al, 2017).

Isso não é espantoso, em termos de Brasil, pois sua origem justifica a grande maioria dos problemas existentes na atualidade. Foi um país que serviu por séculos como colônia de exploração portuguesa e que foi se desenvolvendo sempre atado aos ditames metropolitanos. A contrapartida portuguesa, praticamente, inexistiu nos séculos de colonização, ou seja, houve unicamente exploração sem investimentos.

A américa espanhola teve um melhor início em termos de ordenamento das cidades, pois tiveram um certo grau de planejamento. As cidades eram entendidas como um meio de dominação dos povos. Apesar do interesse exploratório igual ao do português no Brasil, o espanhol teve um certo zelo na criação de suas vilas e povoados. Até a localização das vilas em relação às margens dos rios era pensada, pois, conforme os espanhóis, os sítios poderiam ficar mais quentes dependendo da margem do rio em que estivessem localizados. Primeiro o sol devia iluminar o povoado, depois as águas do rio. Um zelo detalhado e previdente guiou o espanhol na construção de suas cidades (Holanda, 2014).

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Nesse sentido, afirma Raquel Rolnik:

Uma das principais aplicações concretas dos planos de cidade ideal foram as cidades coloniais hispano-americanas. Implantadas pelo poder centralizado e despótico da Monarquia Espanhola como parte importante de um empreendimento mercantil capitalista, foram as cidades desse território conquistado traçadas previamente na Espanha e edificadas conforme ditavam seus planos. Assim foi o desenho de Lima, fundada por Pizarro em 1555, um tabuleiro de damas (as cuadras) em torno de uma grande praça central (a Plaza Mayor), traçada conforme a planta e o desenho que se no papel. Assim foi também a Cidade do México construída sobre as ruínas da antiga Tenochtitlan, capital do império asteca, arrasada pelos espanhóis em 1529. Estes são os primeiros exemplos da cidade barroca, modelo urbano baseado no projeto racional prévio que expressa o presente e prevê o futuro (Rolnik, 1995, pag. 64-65).

Mas, Fortaleza foi crescendo como resultado do domínio português no Brasil, e neste não havia certa preocupação com a estrutura urbana. Pode-se dizer que Fortaleza sofre com esses fatores históricos. O Brasil, como já foi dito, foi sendo construído pelo português condicionado pelo lucro sem contrapartida, pois essa era a política adotada por eles na Colônia.

No que se refere aos fatores de mobilidade na Colônia, o africano, juntamente com as mulas e bestas de carga, foi utilizado para quase tudo na América Portuguesa. Ele foi o transporte para a condução de carga nas estradas esburacadas e foi o meio de tração para a ida do senhor de engenho à cidade. Nhônhô ou Nhozinho, como era chamado pelos escravos o patriarca do engenho, era conduzido dentro de redes até à cidade, servindo o africano como o meio de transporte, em estradas péssimas, para o português no Brasil (FREYRE, 2006). Vê-se que o cativo africano, sucedendo aos aborígenes americanos, foi utilizado, em larga medida, como o agente operacional do transporte de cargas e pessoas no Brasil incipiente. Disso, pode-se perceber a total falta de planejamento estrutural das vilas e cidades no que se refere ao objetivo de formar uma rede de transporte eficiente no Brasil.

Apesar de todos os fatores negligentes do Brasil, nas épocas da Colônia e do Império, as cidades foram crescendo e absorvendo as novas tecnologias, em termos de mobilidade, de acordo com as circunstâncias estruturais e econômicas. No início do século XX, o Brasil contava com veículos automotores terrestres, os quais eram importados de outros países. Em 1948, o empresário Cearense José Dias de Macêdo, fundador do Grupo Empresarial J. Macêdo, conseguiu a exclusividade para representar, no Estado do Ceará, a marca Jeep da Empresa norte-americana Willys-Overland. Com o tempo, o pioneiro empresário passou a representar marcas como Mercedes Benz, Ford e Toyota em estados nordestinos (MORAIS, 2012).

Já na década de 1950, por impulso governamental, foi implantada no Brasil a indústria automobilística e ela foi recepcionada como uma mola propulsora do

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desenvolvimento nacional. Entretanto, com o progresso gerado no país através da indústria automobilística, vieram também outros inconvenientes no que se refere à mobilidade urbana nas cidades. A expansão de tal indústria, nos países em desenvolvimento, gerou o aumento de veículos privados em circulação nas cidades (PORTUGAL et al, 2017). Na atualidade, vemos congestionamentos, acidentes, desrespeito aos usuários de transportes públicos e muitos outros problemas relacionados ao tema da mobilidade nas grandes cidades brasileiras.

Neste trabalho, será dado enfoque a mobilidade urbana da Cidade de Fortaleza, principalmente, no que se refere ao aspecto da mobilidade urbana motorizada, pois apesar de haver em Fortaleza deslocamentos não-motorizados, vê-se que a maior parte das viagens no Município é feita em veículos motorizados. Conforme Paulino (2019), de acordo com o Secretário-executivo da Secretaria Municipal de Conservação e Serviços Públicos (SCSP), um em cada três viagens em Fortaleza é feito a pé ou de bicicleta, ou seja, um terço dos deslocamentos na Capital do Ceará é feito através da chamada mobilidade ativa. As informações são preliminares, pois fazem parte da Pesquisa Origem-Destino, que está sendo desenvolvida pela Prefeitura de Fortaleza desde fevereiro deste ano, com prazo para conclusão no primeiro semestre de 2020 e, até o momento, cerca de 70% dos 23 mil domicílios, que serão pesquisados, já foram visitados, principalmente nas Regionais III, IV e V (PAULINO, 2019).

Com o incentivo dado ao meio de transporte motorizado individual e com o uso e ocupação do solo feitos de forma irregular e sem estudos efetivos por parte do poder público, os problemas relativos à mobilidade urbana em Fortaleza foram potencializados e aumentados, causando graves prejuízos a maioria de nossa população no que se refere ao direito à cidade, em suas dimensões de ir e vir, permanecer e usufruir da cidade em sua plenitude.

O uso e ocupação do solo em Fortaleza foi feito também sem um plano, pois viu-se a cidade crescer de forma espraiada, preenchendo todo o espaço de forma horizontal. Assim, as atividades econômicas e de serviços, na atualidade, não estão próximas da mão-de-obra, exigindo deslocamentos diários da população no que se refere ao exercício do trabalho e usufruto dos serviços.

Nesse contexto, há transtornos para a população, principalmente, para as pessoas mais carentes, as quais encaram longos trajetos, com tempo de deslocamento alto, preço caro das tarifas, e com transportes coletivos lotados. O estudo, o lazer, o trabalho e outras atividades são prejudicadas em Fortaleza devido a mobilidade deficiente, com base no veículo

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motorizado e com conectividade irrisória entre os modais existentes hoje na cidade: ônibus, metrôs, sistema ciclístico etc.

Tais problemas obrigam a população a buscar alternativas danosas ao bem-estar humano para seus deslocamentos. Muitos compram o próprio automóvel ou a motocicleta como forma de superação dos problemas diários relativos à mobilidade urbana em Fortaleza. Tal prática acarreta a ampliação dos problemas existentes, pois, com a aquisição dos veículos motorizados, os congestionamentos são aumentados e os problemas de acidentes, poluição, tempo desperdiçado também crescem na mesma proporção.

Acrescente-se que as políticas públicas também contribuem para o aumento de veículos nas grandes cidades e no Brasil como um todo. As fábricas de automóveis exercem grande poder sobre a esfera governamental e isso acontece em todos os países da América Latina em que elas mantêm seus negócios. Inclusive, exercem grande pressão até mesmo em governos envolvidos com as causas sociais da população. Sobre o Brasil, Gérson Guilherme Lima Linhares afirma:

O governo federal, liderado pelo presidente Lula, adotou em 12 de dezembro de 2008 a política de redução da alíquota do IPI (Imposto sobre produtos industrializados) sobre carros novos através da medida provisória (MP) nº 451/08. Essa redução, apesar de ter como limite o mês de março de 2009, segundo o decreto nº 6691/2008,foi prorrogada até junho de 2009 devido ao decreto nº 6809/09, depois prorrogada até o final setembro de 2009 por causa do decreto nº 6890/09 e finalmente prorrogada até o final de março de 2010 (apenas para o caso dos veículos flex) devido ao decreto nº 7017/09. A partir de abril de 2010 as alíquotas voltaram aos patamares do ano de 2008. O Imposto sobre operações financeiras (IOF) para o crédito para pessoas físicas também sofreu redução passando de 3% ao ano para 1,5% ao ano, o que acabou aumentando as concessões de crédito para a aquisição de veículos (LINHARES, 2015, pag. 23).

Em agosto de 2019, O Ceará possuía 3.264.945 veículos motorizados, incluindo todos os tipos, como caminhões, reboque, motocicletas, ônibus e outros. Já Fortaleza possuía um total de 1.143.044 veículos motorizados, incluindo todos os tipos de veículos. Vê -se que há uma frota de veículos muito elevada e com pontos de concentração no território cearense. Fortaleza é um exemplo de cidade com enorme frota de veículos. Do total de automóveis, carros, do Estado do Ceará, que é 1.193.892 veículos, 53,84% desse montante estão no Município de Fortaleza, o que corresponde a 615.433 automóveis (Ceará, 2019).

Pode-se ver, pelo número de automóveis concentrados em Fortaleza, que a mobilidade urbana tem uma solução tomada por parte do particular e de forma individualista. Exceto algumas ações isoladas e irrisórias, não há uma preocupação do poder público para uma solução coletiva, uma solução que busque a qualidade de vida da população e efetive uma mobilidade que fortaleça o direito à cidade, sem os problemas inerentes à uma cidade

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grande congestionada, e em última análise, em Fortaleza, não existem decisões por parte do Poder público que respeite efetivamente a dignidade da pessoa humana. Apenas projetos de mobilidade urbana que resolvem os problemas de forma paliativa e, ainda assim, não têm, de fato, o desejo de mudança do status quo. Exemplo disso, é o metrô de Fortaleza, em que o projeto está sendo executado a décadas, funcionando parcialmente e com constantes acidentes nos últimos meses.

Conforme o artigo 6º da Constituição Federal de 1988, além de outros direitos, são direitos sociais a educação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer. No Brasil e, especificamente, em Fortaleza, a mobilidade urbana colide frontalmente com tais direitos inscritos na Constituição, os quais estão entrelaçados entre si e mantêm relação com a circulação de bens e pessoas, com o usufruto e participação na vida da cidade, ou seja, estão relacionados com o direito à cidade em suas várias dimensões.

Conforme o artigo 182 da Constituição de 1988, compete ao município a execução da política de desenvolvimento urbano e tal política tem como função ordenar as funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. Conforme o parágrafo primeiro do artigo supracitado, o plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

O Estatuto da Cidade, Lei 10. 257/2001, em seu artigo 41, parágrafo segundo, dispõe que as cidades com mais de quinhentos mil habitantes deverão elaborar um plano de transporte urbano integrado, compatível com o plano diretor ou nele inserido. Percebe-se que, com isso, há a preocupação para que os transportes urbanos das cidades mantenham uma integração, o que é muito difícil devido ao jogo de interesses entre os diversos atores no poder. Fortaleza, nesse contexto, ainda não conseguiu efetivar tal mandamento inserido no Estatuto da Cidade.

Em 2012, foi sancionada a Lei 12.587, denominada Lei da Mobilidade Urbana, e a mesma , em seu artigo primeiro, diz que a Política Nacional de Mobilidade Urbana é instrumento da política de desenvolvimento urbano de que trata a Constituição Federal de 1988, e objetiva a integração entre os diferentes modos de transporte e a melhoria da acessibilidade e mobilidade das pessoas e cargas no território do Município. A Lei 12.587/2012 define a mobilidade urbana como a condição em que se realizam os deslocamentos de pessoas e cargas no espaço urbano.

Com base no exposto e comparando a realidade fortalezense com o que diz o ordenamento jurídico que rege a condução das cidades brasileiras, percebe-se que Fortaleza

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precisa evoluir bastante para que as condições formadoras de sua mobilidade urbana favoreçam o pleno desenvolvimento do seu espaço urbano e garantam o bem-estar dos seus habitantes.

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4 A INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA NO BRASIL

A força econômica da indústria automobilística é um dos fatores que interferem em nossa mobilidade urbana. Ela é um empreendimento que opera em âmbito global, ou seja, é um ramo de indústrias transnacionais que têm suas ações espalhadas pelo Mundo. Seu poder de coação frente aos Estados Nacionais é bastante forte no sentido de interferir na organização do trabalho, nas legislações e no rumo das políticas públicas (Cardoso; Covarrubias, 2006). O Brasil, um país periférico desde sua origem e que ainda não superou suas dificuldades de alcançar melhor protagonismo no cenário mundial, sofre bastante com sua política de transporte deficiente. Nesse contexto, sua mobilidade urbana sofre as interferências do capital internacional, particularmente dos ditames da indústria de automóveis.

A indústria automobilística surge, no Brasil, através da necessidade do país de captar uma indústria moderna que pudesse propiciar as condições para a criação de um parque industrial nacional moderno e evitar a evasão de divisas originada pelas importações de veículos automotores e de importações de peças para a indústria incipiente, processo de substituição de importações. Deve-se dizer que a crise da bolsa de valores norte-americana, em 1929, gerou um colapso no sistema econômico-liberal e obrigou o Brasil a buscar alternativas de superação da crise gerada pela queda das exportações de produtos agrícolas (LATINI, 2007).

O processo de substituições de importações não pretendia acabar com as importações do Brasil, um país periférico ainda nos dias de hoje. Assim, Mário André Machado Cabral define tal processo:

Nesse sentido, o desenvolvimento pela via de “substituições de importações”, em sentido lato, nada mais é do que o processo de desenvolvimento interno que se manifesta por meio do incremento e da diversificação da capacidade produtiva industrial, com vistas a diminuir a tendência ao déficit da balança comercial da periferia (CABRAL, 2018, pag. 10).

A industrialização brasileira era um objetivo governamental devido à crise do sistema econômico-liberal, iniciada com a Grande Depressão de 1929. Naquela época, os países já participavam de uma divisão internacional do trabalho, mas já com grandes desvantagens para os países periféricos. Nesse contexto, os países pobres eram fornecedores de matérias-primas para os países desenvolvidos, acarretando grandes desigualdades na distribuição das riquezas e isso impulsionou o Brasil a criar uma indústria moderna com o objetivo de se inserir melhor na divisão internacional do trabalho (ROEHE, 2017).

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A política de melhor inserção na divisão internacional do trabalho era comum entre os países pobres após a Segunda Guerra Mundial, e isso passou a ser institucionalizado em organizações transnacionais. A Organização das Nações Unidas (ONU) criou a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), em 1948. O economista brasileiro Celso Furtado foi o principal idealizador dessa política, oficializada na CEPAL, de combate à desigualdade na distribuição das riquezas entre os países . Ressalve-se que tal política favorecia à burguesia brasileira que estava sedenta por uma fatia maior das riquezas geradas pelo sistema econômico-liberal e a doutrina Cepalina afirmava que a industrialização era a melhor forma de superar as desigualdades econômicas entre os países (ROEHE, 2017).

O empreendimento de implantar a indústria de automóveis no Brasil foi pensado ainda sob o governo do Presidente Getúlio Vargas e colocado efetivamente em prática no mandato do Presidente Juscelino Kubistchek. Este criou, em 1956, o Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA) e, com a criação do GEIA, houve uma política de incentivos e desestímulos para a implantação da indústria automobilística. Uma política de nacionalização crescente de peças foi implantada com o objetivo de, ao longo dos anos, existir no Brasil uma indústria automobilística madura e totalmente nacional (ROEHE, 2017).

O GEIA favoreceu a ampliação da indústria de veículos e autopeças no Brasil, já que esta existia desde o início do século XX, como forma de manutenção da frota brasileira de veículos importados, e ele também deu condições para a criação de outras indústrias. O GEIA cumpriu, efetivamente, o seu papel de propiciar a crescente nacionalização dos veículos, pois , em 1960, essa nacionalização já era superior a 90% e, em alguns casos, atingia 97 a 99% (LATINI, 2007).

Pode-se afirmar que a indústria automobilística teve de ser criada a partir de incentivos estatais, pois a iniciativa privada era tida com incapaz de impulsionar um empreendimento de tal magnitude. Em 1920, já existia em São Paulo empresas conhecidas como a Ford e a General Motors, operando na montagem de carros com peças produzidas em suas matrizes internacionais. Com o incentivo estatal, elas passaram a produzir peças e veículos no Brasil, a partir da década de 1950 (ROEHE, 2017).

Com a chegada das empresas de automóveis ao Brasil, a produção e vendas crescentes de veículos motorizados passaram a transformar o panorama da mobilidade urbana brasileira. O país passou a adotar o modelo rodoviário como padrão para o deslocamento de bens e pessoas no território nacional, a partir da década de 1960. O antigo modal ferroviário, adotado no período da expansão cafeeira brasileira, foi abandonado e deu lugar a uma mobilidade executada através de automóveis.

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A indústria automobilística também foi favorecida pelos aspectos jurídicos brasileiros, pois o simples fato de haver uma geração recorrente de receita para o Estado, através de tributos, fez surgir uma enorme vantagem frente aos outros ramos da indústria nacional. A receita falada está institucionalizada na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 155, e é denominada Imposto Sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA).

Um veículo automotor gera, em média, mais de uma década de impostos e isso faz com que haja uma dependência e manutenção, por parte do Estado, da mobilidade existente atualmente. Conforme o inciso VIII do artigo 4º da Lei 12.023/92, que regula o IPVA no Ceará, os veículos de uso rodoviário com mais de 15 anos de fabricação são isentos do pagamento de tal imposto. Além disso, metade do valor do IPVA pertence aos Municípios que têm carros licenciados em sua base territorial, o que é mais um fator positivo para os objetivos da indústria automobilística, que consegue gerar receitas no território nacional como um todo. De acordo com o artigo 19 da Lei 12.023/92, do produto da arrecadação do imposto, inclusive os acréscimos moratórios correspondentes, 50% (cinquenta por cento) constituirão receita do Estado e 50% (cinquenta por cento) do município onde estiver licenciado, inscrito ou matriculado o veículo. Esta situação é cômoda para o Erário, pois quanto mais carros nas vias das cidades brasileiras, maior será o montante financeiro aportado aos cofres públicos. Isso será analisado no decorrer deste trabalho.

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5 UM BREVE HISTÓRICO SOBRE O IPVA E SUA ANÁLISE SOB O ASPECTO CONSTITUCIONAL

O Estado, desde a antiguidade, sempre necessitou de recursos materiais e financeiros para custear sua manutenção, suas atividades, e os serviços prestados à coletividade. Nesse contexto, o Estado se assemelha a qualquer outra organização social, pois sempre há a necessidade de recursos para a sobrevivência, sejam eles recursos naturais ou financeiros.

Conforme Hugo de Brito Machado:

Qualquer que seja a concepção de Estado que se venha a adotar, é inegável que ele desenvolve atividade financeira. Para alcançar seus objetivos precisa de recursos financeiros e desenvolve atividade para obter, gerir e aplicar tais recursos. Isto não significa que não possa atuar no campo econômico. E atua, com maior ou menor intensidade, ora explorando patrimônio seu, com o fim de lucrar, ora intervindo no setor privado da economia, na defesa da coletividade. De qualquer forma, pelo menos em princípio, o Estado não prescinde de recursos financeiros que arrecada do setor privado, no exercício de sua soberania (MACHADO, 2005, pag. 47-48).

Fazendo-se uma abordagem histórica, na América pré-colombiana, viviam povos autóctones que se organizavam para a obtenção de recursos com o objetivo de manutenção da sobrevivência do grupo. Homens e mulheres se revezavam para manter o abastecimento de víveres e condições de habitação. Homens se encarregavam da pesca, caça e também da guerra, enquanto as mulheres se encarregavam do trabalho doméstico e da lavoura. Ou seja, cada um deveria ter obrigações organizacionais no grupo que favorecesse a perpetuação e proteção dos indivíduos ao longo do tempo. Para Comunidades de povos primitivos, Estados e Impérios, esta necessidade de organização e obtenção de recursos é uma face em comum.

No Brasil Colonial, a Coroa Portuguesa necessitou de recursos materiais e financeiros para a povoação do território recém-descoberto. Para isso, contou com a ajuda de particulares, que foram os donatários, os quais trataram de explorar com recursos próprios as imensas terras colocadas em seu poder pela Metrópole. Mais tarde, Portugal passou a angariar recursos por intermédio da tributação de produtos comercializados nos portos brasileiros.

Atualmente, o Estado brasileiro não foge à regra da tributação para sua manutenção. Conforme Machado (2005, pag. 49) “ no exercício de sua soberania o Estado exige que os indivíduos lhe forneçam os recursos de que necessita. Institui o tributo. O poder de tributar nada mais é que um aspecto da soberania estatal, ou uma parcela desta”. Entretanto, em um Estado Democrático de Direito, as exações devem ser criadas por intermédio da lei. No Brasil, o Código Tributário Nacional (CTN), criado na vigência da Constituição de 1946, regulamenta a cobrança de tributos e afirma, em seu artigo terceiro, que

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tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. No artigo quinto, do mesmo Código, diz que os tributos são impostos, taxas e contribuições de melhoria.

No que se refere ao conceito de tributo imposto pelo CTN, afirma Hugo de Brito Machado:

Sabe-se que, em princípio, não é função da lei conceituar. A lei deve conter uma regra de comportamento. Entretanto, em face de controvérsias, às vezes deve a lei estabelecer conceitos. Isto aconteceu com o conceito de tributo, que é atualmente, no Brasil, legalmente determinado. O legislador, afastando as divergências da doutrina, disse que “ tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada (MACHADO, 2005, pag. 70)

No que se refere às competências, a Constituição de 1988 tratou de estabelecê-las para que a União, Estados, Distrito Federal e Municípios pudessem ter seus poderes para tributar. Porém, tais poderes tiveram limitações pela ordenação de competências estabelecida pelo próprio texto constitucional. Alguns tributos não têm sua delimitação detalhada pela Constituição, ficando a cargo da lei a sua especificação (SILVA, 2011). Esse é o caso do tributo que será abordado, especificamente, neste trabalho.

No âmbito deste trabalho, será estudado o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). Primeiramente, devemos dizer que imposto, sob o aspecto jurídico, é uma espécie do gênero tributo. O imposto se diferencia das taxas e contribuições de melhoria, as quais estão vinculadas a uma atividade estatal específica, pelo fato de não precisar estar vinculado a uma contraprestação do Estado para ser exigido (MACHADO, 2005) . Conforme o artigo 16 do Código Tributário Nacional, “imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”. Então, o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), como se vê, não precisa de uma contrapartida anterior do Estado para obrigar os contribuintes a satisfação do débito com o Erário.

Importante salientar que esse imposto passou por uma evolução até chegar aos moldes de hoje. Inicialmente, sob a vigência da Constituição Federal de 1967, foi instituída por decreto a Taxa Rodoviária Federal, que era aplicada sobre a propriedade de todo veículo automotor que circulasse no Brasil. (CARNEIRO, 2016).

O Departamento Nacional de Estradas e Rodagens (DNER) era o órgão competente para atualizar, anualmente, a alíquota de 0,5% sobre o valor do veículo. Isso era publicado em tabela do mesmo órgão. O valor arrecadado era empregado totalmente em

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projetos e obras de conservação e também na restauração de estradas federais (CARNEIRO, 2016).

Entretanto, do ponto de vista jurídico, existia um problema pelo fato da exação estar sendo cobrada através de taxas. O serviço financiado pela Taxa Rodoviária Federal era indivisível, o que contrariava o conceito de taxa insculpido na Constituição de 1967, que afirmava que os serviços cobrados por taxas deveriam ser específicos e divisíveis (CARNEIRO, 2016).

Apesar disso, vários Estados e Municípios instituíram suas taxas relacionadas à propriedade de veículos automotores. Com a proliferação de tais taxas, houve múltiplas tributações para um mesmo fato imponível, o que gerou uma situação indesejável e culminou com a publicação do Decreto-lei n

° 999/69, que instituiu a Taxa Rodoviária Única

(TRU).

Com a TRU, houve a evolução da exação para um molde semelhante ao que é hoje o IPVA. A arrecadação ficou sob responsabilidade dos Estados, Distrito Federal e Territórios. Do volume de recursos arrecadado, 40% seriam repassados ao DNER e os 60% seriam repassados aos Estados e Municípios, proporcionalmente aos veículos licenciados em seus territórios. Entretanto, as mesmas críticas que pairavam sobre a Taxa Rodoviária Federal eram feitas também à TRU, principalmente, quanto ao aspecto da indivisibilidade do serviço (CARNEIRO, 2016).

O IPVA foi criado ainda na vigência da Constituição de 1967, no ano de 1985, através da Emenda Constitucional n° 27. A competência para a instituição do Imposto Sobre a Propriedade de Veículos Automotores foi conferida aos Estados e Distrito Federal desde o início de sua criação e era vedada a criação de impostos ou taxas incidentes sobre a utilização de veículos (CARNEIRO, 2016).

Portanto, o imposto em estudo foi criado após o surgimento do Código Tributário Nacional e antes da entrada em vigor da Constituição de 1988. Com o advento da Constituição Federal de 1988, o disciplinamento do IPVA permaneceu quase inalterado. Conforme o artigo 155 da Constituição Brasileira de 1988, compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre a propriedade de veículos automotores. No parágrafo sexto do mesmo artigo da Constituição de 1988, diz que o IPVA terá alíquotas mínimas fixadas pelo Senado Federal e poderá ter alíquotas diferenciadas em função do tipo e utilização. No artigo 158, inciso III, da Constituição Federal de 1988 diz que pertencem aos Municípios cinquenta por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre a propriedade de veículos automotores licenciados em seus territórios.

Referências

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