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No centro e à margem: a trajetória histórica dos trabalhadores arrumadores de Rio Grande-RS, entre as décadas de 1950/60

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS-UFPel

Instituto de Ciências Humanas-ICH

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM

HISTÓRIA

Dissertação

No centro e à margem:

a trajetória histórica dos trabalhadores

arrumadores de Rio Grande-RS, entre as

décadas de 1950/60.

Elvis Silveira Simões

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS- UFPel

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS-ICH PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

Dissertação

No centro e à margem:

a trajetória histórica dos trabalhadores

arrumadores de Rio Grande-RS, entre as

décadas de 1950/60.

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PELOTAS, 2017

Elvis Silveira Simões

No centro e à margem:

a trajetória histórica dos trabalhadores

arrumadores de Rio Grande-RS, entre as

décadas e 1950/60.

Dissertação

apresentada

ao

Programa de Pós-Graduação em

História da Universidade Federal

de

Pelotas,

como

requisito

parcial à obtenção do título de

Mestre em História.

ORIENTADOR: Prof. Dr. Edgar Ávila Gandra

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S593n Simões, Elvis Silveira

No centro e à margem : a trajetória histórica dos

trabalhadores arrumadores de Rio Grande-RS, entre as décadas de 1950/60 / Elvis Silveira Simões ; Edgar Ávila Gandra,

orientador. — Pelotas, 2017. 160 f. : il.

Dissertação (Mestrado) — Programa de Pós-Graduação em História, Instituto de Ciências Humanas, Universidade Federal de Pelotas, 2017.

1. História. 2. Memória. 3. Porto. 4. Arrumadores. 5. Trabalho avulso. I. Gandra, Edgar Ávila, orient. II. Título.

CDD : 981.658 Universidade Federal de Pelotas / Sistema de Bibliotecas

Catalogação na Publicação

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Elvis Silveira Simões

No centro e à margem:

a trajetória histórica dos trabalhadores arrumadores de Rio Grande-RS, entre as décadas de 1950/60.

Dissertação aprovada, como requisito parcial, para obtenção do grau de Mestre em História, Programa de Pós-Graduação em História, Instituto de Ciências Humanas, Universidade Federal de Pelotas.

Data da Defesa: 24/11/2017

Banca Examinadora:

________________________________________ Prof. Dr. Edgar Ávila Gandra (orientador)

Universidade Federal de Pelotas (UFPel)

_______________________________________ Prof. Dr. Altemar da Costa Muniz

Universidade Estadual do Ceará (UECE)

________________________________________ Prof. Dr. Marcos César Borges da Silveira

Universidade Federal de Pelotas (UFPel)

________________________________________ Prof. Dr. Júlio César de Oliveira

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Agradecimentos

A jornada em busca do conhecimento histórico é por vezes solitária, árdua e desgastante, mas sem dúvidas é amparada por diversas pessoas e instituições que possibilitam sua concretização. Portanto, com prazer dedico votos de agradecimento a todos aqueles que de alguma forma fizeram parte e possibilitaram a existência deste trabalho, realizado ao longo de dois anos de pesquisa junto ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pelotas (PPGH-UFPel).

Agradeço primeiramente a Deus, e a minha família por todo apoio, compreensão e amor dedicados. Sem dúvida questões tão importantes que motivaram e deram suporte para trilhar este caminho.

Meus votos de agradecimento ao Sindicato dos Arrumadores, Trabalhadores Portuários Avulsos em Capatazia do Rio Grande & São José do Norte (Sindatacap), pelo acolhimento inicial, enquanto ainda apenas havia uma singela proposta de pesquisa. Muito obrigado à Amarante Greque Couto, diretor do Sindatacap, o qual nos atendeu prontamente e demonstrou a importância do Sindicato e da preservação de sua memória. Agradecemos especialmente à Luis Carlos Silva Amaral, vice-diretor do Sindatacap, por todo auxilio prestado, realizando contato com os entrevistados, e nos levando até suas residências, mostrando-se sempre prestativo quando necessário. Tanto a ambos, quando à Diógenes Sampaio Souza, Ivanor Lopes, Duarte Nunes Botelho, Hélio Amaro Soares, Antônio Nailem Espíndola e Manoel Adalberto, somos imensamente grados por possibilitarem a realização desse trabalho, pois foi através de suas memórias, experiências e vivências cotidianas que pudemos concretiza-lo.

Agradeço ao CNPQ pelo incentivo através da bolsa de estudos, a qual foi muito importante para a realização deste trabalho. Conjuntamente agradeço ao PPGH-UFPel e a todos os professores que através de suas aulas possibilitaram expandir meus horizontes de análises. Em especial, agradeço ao meu orientador, professor doutor Edgar Ávila Gandra, o qual esteve presente em cada etapa desta pesquisa. Sem seu auxilio e dedicação, acreditando nos momentos difíceis e atuando verdadeiramente como parceiro na pesquisa, este trabalho não teria sido realizado.

Sou grato também ao Thiago Cedrez da Silva, por toda atenção e parceria desde a montagem do projeto, até a conclusão desta dissertação. A Letícia Milan, pelas horas de discussões, ideias e estudos em conjunto. Também agradeço a Letícia Penno pela leitura, correções, assim como observações realizadas como leitora. Agradeço também a

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Joscelaine Simões, por todo apoio prestado desde a montagem do projeto até a conclusão deste trabalho, realizando correções gramaticais, assim como deixando sua consideração como leitora.

Agradeço, por fim, aos professores Marcos Cesar Borges da Silveira, Júlio César de Oliveira e Altemar da Costa Muniz, pelas considerações e contribuições realizadas, tão importantes para a efetiva concretização desta dissertação.

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Um Homem no Cais

[...] Contemplo a mim mesmo caminhando ao longo do pavimento sujo do cais! a vadiar entre vagonetes de madeira, caixotes empilhados e fardos de mercadorias! e depois, cansado e com os pés doídos sentar-me na calçada dos armazéns para ver os estivadores e os guindastes em movimento e os pesados lotes de carga que são engolidos pelas bocas dos porões. Ah, convívio com os que ficaram à beira de todas as rotas! e com os que vivem para partir ao largo e ao distante! ah, criaturas das margens e criaturas dos horizontes! gente com quem falei e com tantas profissões entrelaçadas! gente de terra que entra e sai das docas, vigias, conferentes, administradores do porto, despachantes, funcionários das capitanias, homens dos rebocadores, dragas, barcaças, dos pesqueiros e das pequenas embarcações costeiras oficiais de bordo, embarcadiços, tripulantes de muitas nacionalidades que sobem e descem pelas escadas dos navios Ah, essa vida misteriosa dos homens do mar! ah, marinheiros debruçados nas amuradas a olhar com impaciência a lida dos trabalhadores do cais! a que distância estás da tua pátria?! há quanto tempo não beijas tua amada?! Contemplo a mim mesmo no alto do tombadilho dos cargueiros atracados! olhando os navios que chegam e os navios que saem; os que ancoram além da barra e os que são vistos ao largo das baías; os que vêm chegando com as manhãs de sol e aqueles que começam a manobrar à tardinha e logo depois, partem iluminados [...]

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Resumo

A presente pesquisa tem como objetivo analisar as memórias e as experiências dos trabalhadores arrumadores de Rio Grande-RS, entre as décadas de 1950/60. Neste sentido, as análises buscaram destacar as tomadas de decisões e disputas dos trabalhadores, os quais visaram realizar a transição de Sindicato do Comércio Armazenador, para Sindicato dos Arrumadores de Rio Grande, a luz da Lei 2.196, de 1º de abril de 1954, abrangendo assim seu campo de atuação para o comércio, indústria e o Porto. Conjuntamente, analisaremos como se inseriram nestes distintos ambientes e estabeleceram suas relações de trabalho e estratégias, assim como buscaram lidar com as inseguranças diante a condição de um trabalhado sazonal e avulso. Para tanto, será a partir das memórias reavivadas dos trabalhadores arrumadores, portuários e consertadores, bem como no diálogo com as demais fontes que buscou-se compreender a trajetória histórica desta categoria.

Palavras Chaves: História. Memória. Porto. Arrumadores. Trabalho Avulso.

Abstract:

The present research has the objective of analyzing the memories and the experiences of the laborers of Rio Grande-RS, between the decades of 1950/60. In this sense, the analyzes sought to highlight the decision-making and disputes of the workers, which aimed to carry out the transition from Trade Union of Storage Trade, to Union of Arrumadores of Rio Grande, in light of Law 2.196, of April 1, 1954, covering so its field of action for commerce, industry and Porto. Together, we will analyze how they were inserted in these different environments and established their working relationships and strategies, as well as trying to deal with the insecurities faced with the condition of a seasonal and isolated worker. To do so, it will be from the revived memories of the ushers, port workers and repairers, as well as in the dialogue with the other sources that sought to understand the historical trajectory of this category.

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Lista de Imagens:

Imagem 1 – Imagem aérea do Porto Novo de Rio Grande-RS, em 1950...42

Imagem 2 – Fotografia do Porto velho de Rio Grande-RS...43

Imagem 3 – Mapa da região do Porto Novo de Rio Grande-RS...47

Imagem 4 – Molhes da Barra de Rio Grande-RS...49

Imagem 5 – Dossiê do Projeto de Lei 4.055, de 1954...62

Imagem 6 – Dossiê do Projeto de Lei 4.055, de 1954...63

Imagem 7 – Trabalhadores no Armazém...136

Lista de Tabelas:

Anuário Estatístico do Brasil. IBGE (1967)...78

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Lista de abreviatura e siglas:

BGV- Bairro Getúlio Vargas

CLT- Consolidação das Leis Trabalhistas

DEPREC- Departamento Estadual de Portos, Rios e Canais DOU- Diário Oficial da União

DTM- Delegacia de Trabalho Marítimo

MTIC- Ministério do Trabalho Indústria e Comércio PCB- Partido Comunista Brasileiro

PTB- Partido Trabalhista Brasileiro

Sindatacap- Sindicato dos Arrumadores, Trabalhadores Portuários Avulsos em

Capatazia do Rio Grande & São José do Norte

SUO- Sociedade União Operária

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 13

I CAPÍTULO - NASCER E VIVER: RIO GRANDE-RS, UMA CIDADE PORTUÁRIA. 31 1.1 Porto e cidade: um intento nacional de desenvolvimento. ... 31

1.1.1 Portos em perspectivas ... 36

1.2 O Porto de Rio Grande-RS: a construção de seu cais ... 42

1.3 O trabalho avulso: uma breve introdução à discussão. ... 51

II CAPÍTULO - ENTRE O PORTO E O COMÉRCIO: A CONSTRUÇÃO DE UMA CATEGORIA CHAMADA ARRUMADORES ... 56

2.1 A legislação em perspectiva: o debate sobre a formação de uma nova categoria. ... 57

2.1.1 Os trabalhadores do Comércio Armazenador: atuação e mudança sindical. ... 66

2.2. Sindicato dos Arrumadores de Rio Grande-RS: a construção de um ofício, pós 1954. ... 71

III CAPÍTULO - OFÍCIO E CULTURA DE TRABALHO: A EDIFICAÇÃO DE UMA CATEGORIA NO AMBIENTE DE TRABALHO. ... 95

3.1 O Sindicato dos Arrumadores de Rio Grande: organização e atuação no ambiente de trabalho. ... 96

3.1.1 A organização do trabalho: o sistema de contratação. ... 105

3.1.2 A organização do Trabalho: precariedade de trabalho ... 117

3.2 Ofício de trabalho: um trabalho físico, perigoso e pesado. ... 131

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 147

FONTES CONSULTADAS ... 152

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INTRODUÇÃO

A cidade de Rio Grande-RS é uma das mais antigas do Rio Grande do Sul. Localizada no extremo sul do Brasil, teve sua formação enquanto Vila do Rio Grande de São Pedro, no século XVIII, até seu reconhecimento como cidade em 1935. Segundo a historiografia local, o viver e florescer desta urbe estão ligados de forma indissociável de seu Porto desde sua origem1. Isto ocorre, em certa medida, por conta de sua característica geográfica, uma vez que possui uma ligação direta com o Oceano possibilitou o desenvolvimento desta cidade portuária. Conforme Edgar Ávila Gandra, Rio Grande-RS possuía e possui o único Porto Oceânico do estado, e isto produziu um impacto significativo junto à sociedade e em sua economia, uma vez que este balizou a implementação de um ritmo comercial, e logo após, fabril no município (GANDRA, 1999). Portanto, assinalamos que Rio Grande-RS já nasce enquanto uma cidade portuária, e a conjuntura socioeconômica de finais do século XIX e ao longo do XX vieram a estreitar estes laços, principalmente com a reforma e construção de seu Porto, e a encampação do mesmo pelo estado sulino no século passado. E este desenvolvimento que condicionou/interagiu tessitura do espaço urbano. Além disso, é pelo Porto que ocorreu a chegada de um conjunto de imigrantes que buscou oportunidades de trabalho, no decorrer século XX, criando o palco para disputas reivindicativas por melhorias nas condições de vida do emergente operariado riograndino. Frente a isso emerge nosso objeto de análise: os arrumadores, categoria de trabalhadores avulsos que vivenciaram essa cidade e suas contradições ao longo da segunda metade do século XX.

Compreender seu desenvolvimento não foi uma tarefa fácil, tanto pela precariedade na disponibilidade de fontes de pesquisa, como na ausência de trabalhos acadêmicos. Diferentemente das categorias como portuários e estivadores, a historiografia riograndina não lançou luz sobre a condição desse grupo de trabalhadores. Talvez pela incompreensão de sua importância no contexto reivindicativo ou pela sua “invisibilidade” no setor portuário riograndino até a década de 80/90. Soma-se a esse o fato da escassez de trabalhos sobre o Porto de Rio Grande nas décadas correspondentes, período no qual os arrumadores estabeleceram-se de forma mais substancial.

A historiografia riograndina conta com os trabalhos de Gandra (1999), o qual analisou, em seu livro, o “fazer-se” na trajetória do Sindicato dos Trabalhadores nos

1 Para mais informações ler: Alves, Francisco. Porto e barra do rio grande: história, memória e cultura

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Serviços Portuários de Rio Grande, nos anos de 1959 a 1969. Diego Luiz Vivian (2008), o qual congrega em sua dissertação de mestrado a formação dos vigias portuários, tanto em Rio Grande como em Porto Alegre, discorre sobre suas atividades dentro do Porto, nos anos de 1956-1964. Carlos Alberto de Oliveira (2000), tratando sobre a categoria dos estivadores de Rio Grande-RS, nos anos de 1945 a 1993, busca compreender sua identidade a partir das relações de trabalho e do cotidiano. A construção histórica dos estivadores riograndinos também conta com o trabalho desenvolvido por Thiago Cedrez da Silva (2016), o qual versou sobre a memória e a experiência da categoria nos anos de 1960 a 1969. No livro de Francisco das Neves Alves (2008), o autor traça em seus dois volumes a formação histórica de Rio Grande e a construção de seu Porto, ao longo dos séculos XIX e XX. Diante deste panorama, trabalhos como de Ticiano Pedroso (2012), tornam-se significativos, uma vez que versa sobre a formação do bairro Cidade Nova, ao mesmo tempo em que tangencia a questão portuária, nos anos de 1950.

Cabe nota também demais autores que discutem sobre o tema do trabalho portuário nacionalmente, como Fernando Teixeira da Silva, Ingrid Sarti, Maria Lucia Caira Gitahy, discorrendo sobre o Porto de Santos; Marlene Monteiro André, versando sobre o cotidiano de vida e trabalho dos trabalhadores avulsos do Porto do Vitória; assim como a de Maria Cecília Velasco e Maria Dalva Casimiro da Silva, que escreveram sobre o Porto de Rio de Janeiro, entre outros.

Por fim, referenciamos alguns trabalhos que encontramos referentes à categoria dos arrumadores, os quais estão vinculados às teses de doutorado, a saber: de Marcus Vinicius Spolle (2010), o qual versou sobre a mobilidade social do trabalhador negro no pós abolição até a década de 70, e na década de 90 sobre o Sindicato dos Arrumadores de Pelotas; Jairo Fleck Falcão (2009), discute sobre a trajetória histórica e condição dos arrumadores do Porto de Porto Alegre, nos anos de 1961 a 1989; e Maria Dalva Casimiro da Silva, a qual discute a organização, perfil e relações de trabalho dos trabalhadores avulsos no Porto do Rio de Janeiro, no contexto da virada do século XX para o XXI, diante da Reestruturação Produtiva e da Globalização.

Quando entramos em contato com o Sindicato dos Arrumadores, Trabalhadores Portuários Avulsos em Capatazia do Rio Grande & São José do Norte (Sindatacap), o atual diretor Amarante Greque Couto, nos possibilitou compreender o momento atual do Sindicato. Este, no entendimento de seu presidente, é a principal categoria que controla a demanda de serviços de capatazia no Porto. No entanto, esta posição anteriormente estava sob a responsabilidade do Sindicato dos Trabalhadores nos

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Serviços Portuários de Rio Grande.

Nossa primeira indagação ocorreu já neste contato com o Sindicato, a saber: como os arrumadores passaram a assumir os trabalhos de capatazia, visto que anteriormente eram sob-responsabilidade dos portuários? Embora essa pergunta tenha sido parcialmente respondida, possibilitou desdobramentos que ultrapassaram nossa perspectiva inicial, no qual concentramos nosso esforço de pesquisa. Nossa abordagem mudou quando percebemos que não havia estudos sobre a forma precária de como passaram a ingressar nos serviços portuários, ainda na década de 60, e principalmente porque grande parte de sua documentação se perdeu pelas péssimas condições de acondicionamento, somado-se ao fato de que restavam poucos ex-trabalhadores, deste período de fundação, que pudessem contar esta trajetória de edificação. Desta forma, caso não houvesse a realização de uma pesquisa a partir da memória destes indivíduos, grande parte da história do Sindicato, e das experiências dos trabalhadores poderiam se perder.

Contar sua condição de vida, ao longo de nossas entrevistas, se mostrou ainda mais importante, não só pelo caráter de contribuir com um novo espectro da discussão sobre a condição de trabalho portuário, mas também para a valorização da luta pela sobrevivência cotidiana dos nossos entrevistados; a valorização de seus esforços e dos laços de amizades que formaram a partir destas lutas. Luis Carlos Amaral, atual vice-diretor do Sindicato, nos conta que ele possui grande contato com estes ex-trabalhadores, o qual percebe que:

[...] eles eram muito amigos. Tanto é que o Sindicato é uma grande família. Quando eu encontro esse pessoal da antiga, eu vejo que a amizade deles foi acima do trabalho, pessoas de se cumprimentar, de até se beijarem no rosto, pessoas que criaram as famílias juntos, começaram juntos, gente nova pelas fichas que eu vejo, pessoas que saíram jogadas e que vieram para cá com dezenove, vinte anos, se tornaram famílias, quase irmãos, porque pelo que eu converso com o pessoal por aí, com os antigos, eles são muito amigos mesmo, poucas diferenças que se ouve falar. Eu estou sempre entrosado, os aposentados em época de eleições, eu procuro eles, então eu tenho muita convivência com eles, eu vejo que existe uma amizade com eles, são pessoas sérias, sinceras. Até tem um fato interessante, se eu chegar na casa deles e eu não entrar, pelo menos eu tenho que dar uma entradinha no portão ou na

escada [...]2

Vemos através deste relato, que parte dos ex-trabalhadores ainda mantém

2 Entrevista realizada por Elvis Silveira Simões e Edgar Ávila Gandra, com o vice-diretor do Sindatacap,

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contato com o Sindicato3, e valorizam esta relação de proximidade, apesar das possíveis divergências políticas. Isto ocorre por conta do reconhecimento que eles têm quanto às melhorias que sua luta, no interior do Sindicato, proporcionou para suas vidas, no decorrer dos anos, e sua importância enquanto trabalhador. Na visão de Luis Amaral isso ocorre:

Porque se parar para pensar, o produto interno bruto passa nas mãos do trabalhador, seja aquele menos qualificado, ou mais qualificado e aqui dentro do porto é um dos... o porto de Rio Grande é considerado...umas das potencias do Brasil, então passa pela mão do trabalhador tudo isso, e gera uma certa importância, um certo orgulho para o trabalhador né, ele está vendo na televisão lá, geralmente ta vindo uma carga, ele diz para alguém, ah aquilo eu faço, aquilo eu fiz, é um orgulho, por que todo profissional que

faz aquilo que gosta só tende a crescer né.4

A partir destas citações, as quais Luis Carlos Amaral enfoca a importância dos trabalhadores e de suas lutas, também vemos que elas possibilitam a formação de uma “família” que não se restringe apenas ao ambiente de trabalho, ao mesmo tempo não se afixa de forma estática no tempo. Desta maneira, compreendemos que se faz necessário uma abordagem mais ampla a respeito da compressão sobre o processo de trabalho e da condição de vida destes sujeitos.

Neste intuito, conceituar “o que é o Porto”, é uma necessidade àqueles que trabalham com tal temática. O mesmo pode ser compreendido como parte de um processo de desenvolvimento socioeconômico e político, sendo assim um espaço estratégico de fortalecimento da economia nacional e local. Se tomarmos como referência o Manual do Trabalhador Portuário, desenvolvido pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), podemos compreender o porto como sendo uma “[...] pequena baía ou parte de grande extensão de água, protegida natural ou artificialmente das ondas grandes e correntes fortes, que serve de abrigo e ancoradouro a navios, e está provida de facilidades de embarque e desembarque de passageiros e carga.” (MTE, 2001, p.14).

Contudo, tal definição não possibilita compreender o movimento intrínseco à dinâmica cotidiana que caracteriza o porto, visto que compreendê-lo, no que tange sua relevância social, é discorrer sobre os diversos interesses que perpassam as relações que

3 Sendo alguns ativos aconselhando a gestão atual, como Diógenes Sampaio Souza e Duarte Nunes

Botelho.

4 Entrevista realizada por Elvis Silveira Simões e Edgar Ávila Gandra, com o vice-diretor do Sindatacap,

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ele estabelece com a sociedade. Sob esta perspectiva, este deve ser percebido como um espaço tanto físico, como simbólico, que abarca um mosaico multifacetário de possibilidades de questionamentos, a saber: um espaço predominantemente masculino; de meretrizes; fronteiras físicas e simbólicas; zona de contrabando; de lutas operárias; repressão; e sociabilidade. Desta forma, o espaço portuário deve ser refletido enfatizando seus aspectos em níveis econômicos – locais, regionais, nacionais e internacionais –, assim como respectivamente, nas diversas relações de trabalho existentes em tal sistema5, de forma indissociável.

Se tomarmos esta questão, a partir das relações de trabalho que se estabelecem dentro do porto, podemos perceber que a própria forma de organização portuária implica um ambiente complexo, repleto de diferentes categorias de trabalho interdependentes, as quais determinam o seu desenvolvimento. Tais perspectivas são corroboradas por Hobsbawm (2015), na medida em que entende o porto como “[...] uma indústria com fronteiras fluidas e nenhuma forma exata [...]” (HOBSBAWM, 2015, p.278).

Esta perspectiva emerge diante da compreensão dos novos estudos sobre a história do trabalho/trabalhador, os quais têm passado por constantes debates durante as últimas décadas, possibilitando sua abrangência em temáticas, perspectivas analíticas e revisões conceituais/teóricas. Isto, pela complexidade do diálogo que estabeleceu com outros campos do conhecimento. E este processo implicou sua ampliação, a partir da década de 60, sobretudo no campo conceitual da história do trabalho. Segundo Lima (2011), na apresentação da Revista Brasileira de História & Ciências Sociais, os estudos sobre a história do trabalho se expandiram possibilitando o viés que:

[...] descobriu e redescobriu outros atores que por muito tempo ficaram à margem da narrativa mestra da história social: não apenas as mulheres (descobrindo, por exemplo, que a “classe operária tem dois sexos”), mas também os escravos e trabalhadores livres pobres na cidade e no campo, os marginalizados, o mundo do trabalho “informal” e precário, o mundo colonial e pós-colonial, em suas dimensões sociais e culturais. (LIMA, 2011. p.14)

Concomitantemente possibilitou à abrangência do leque dos estudos referente às categorias de trabalhadores, muitas das quais eram desprezadas pela historiografia, por

5 Cabe ressaltar que a vida do trabalhador portuário não se restringe as atividades exercidas dentro do

Porto, uma vez que tal atividade impacta no estilo de vida que os mesmos levam em sua vida cotidiana, fora do ambiente de trabalho portuário.

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não serem entendidas como as “clássicas”. Sobre as categorias clássicas de trabalho, podemos citar os portuários de capatazia – doqueiros –, estivadores, ferroviários e entre outros, sobre os quais a historiografia elaborou a maioria de seus trabalhos. No entanto, categorias importantes ficaram por muito tempo à margem, tais como pescadores, catadores de coco, seringueiros, cabungueiros, e os trabalhadores avulsos, como em nosso caso de pesquisa, os arrumadores. Gandra e Silveira (2011), no excerto abaixo, corroboram com nossa reflexão:

A partir da década de 1980, os estudos históricos sobre o mundo do trabalho experimentaram relevantes releituras em que eram incorporados vários aspectos do “modo de vida” dos trabalhadores - relações domésticas, cotidiano, gênero, processos de trabalho, formas de dominação e resistência, percepções e valorações – originando uma literatura de inspiração etnográfica. Todavia, manteve-se o privilégio daquelas categorias ditas “clássicas”, como, por exemplo, portuários, ferroviários e operários fabris em detrimento de grupos de trabalhadores considerados marginais e/ou atrasados do ponto de vista do desenvolvimento do capitalismo. Nesse cenário, cabe destacar, alguns coletivos de trabalhadores, pescadores, lavradores e coletores, que por suas peculiaridades históricas e culturais, onde o trabalho, apesar de importante, não define de modo isolado sua identidade, ficaram à margem da historiografia que, até bem pouco tempo atrás, priorizava o operário identificado claramente com a economia moderna. Tal situação, grosso modo, correspondia a uma divisão social do trabalho no âmbito da pesquisa acadêmica, ficando os historiadores com as categorias “clássicas” de trabalhadores e os sociólogos e, principalmente, os antropólogos com os trabalhadores tradicionais, com relações complexas com o “mundo urbano”, o “capitalismo”, a “sociedade englobante”, “sociedade nacional”, etc. (GANDRA; SILVEIRA, 2011, p.243-244).

Frente ao exposto, ao estudarmos os arrumadores, e sua singularidade no mundo do trabalho, também estaremos problematizando as relações de trabalho que se estabeleciam junto ao porto e nos demais setores empregatícios da sociedade. É digno de nota que os mesmos dividiram espaço com estivadores e doqueiros, todavia, a historiografia pouco se deteve sobre estas relações: entre os clássicos e aqueles que estavam à margem da visibilidade enquanto categoria, após década de 60, no Porto de Rio Grande-RS.

Neste sentido, nosso trabalho surge como uma proposta de estudo que visa aprofundar a discussão historiográfica, situando-se na esteira das dinâmicas das atividades portuárias, principalmente no contexto da cidade de Rio Grande-RS. E isto se mostra relevante, na medida em que podemos perceber, a partir de um levantamento

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bibliográfico, que a inclusão destes sujeitos frente a esta dinâmica, não foi feita de forma profunda, apesar de sua importância. Assim sendo, observamos que quando raramente são referenciados, apenas tangenciam a discussão de outras categorias, principalmente no contexto riograndino.

O nosso desafio ao longo deste trabalho, se dará na articulação de duas questões intrínsecas ao trabalho do arrumador: a primeira, na busca de compreender como esta categoria se inseria dentro de um ambiente combativo e reivindicativo portuário, ao longo dos anos de 1950 a 1960, visto que apesar de sua edificação como categoria, a partir da criação do Sindicato, constituíam-se enquanto força supletiva avulsa, o que diminuía seu poder de reivindicação. Como segunda questão, buscou-se aprofundar a complexidade nas relações de trabalho, as quais se mostram evidente na medida em que, se por um lado a condição supletiva os colocava em alguns momentos dependentes das posições de outras categorias, por outro a própria Lei que lhes deu origem, 2.196 de 1954, não restringia sua prestação de serviços ao porto, sendo possível atuarem também junto ao comércio e em empresas privadas.

Conforme veremos, os arrumadores se inserem diante de uma cultura portuária presente, a qual é constituída de práticas, valores e costumes, vivenciada por outras categorias da orla no decorrer da história. As atividades e a própria condição de trabalhador avulso não surge com os arrumadores. Neste sentido, utilizamos a noção de cultura portuária, na medida em que entendemos tratar de:

[...] experiência de grupos sociais identificados com o lugar que ocupavam no campo da produção. Trata-se de ir ao encontro dos valores em torno dos quais legitimavam as condições de seu pertencimento social, as representações que os levavam a criar uma identidade particular, as formas com que designavam os “outros” – fossem trabalhadores das demais profissões ou seus adversários no amplo espectro do conflito de classes. (SILVA, 2003, p.26).

Dessa forma, ao tratarmos do termo cultura portuária, nos atentaremos tanto a compreensão de Fernando Teixeira da Silva, na qual “[...] cultura só existe na medida em que há valores compartilhados [...]” (SILVA, 2003, p.26), como também no observado por Thompson, o qual adverte que “[...] o próprio termo ‘cultura’, com sua invocação confortável de um consenso, pode distrair nossa atenção das contradições sociais e culturais, das fraturas e oposições existentes dentro do conjunto” (THOMPSON, 1998, p.17).

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Nosso trabalho, portanto, não estará alheio à complexa tarefa de discutir a dinâmica intrínseca ao trabalho operário, observando as homogeneidades e heterogeneidades, ou seja, naquilo que os torna comum, mas que também os distinguem. Neville Kirk é enfático ao afirmar que:

Nem a classe trabalhadora nem qualquer outra classe social será jamais um ente completamente unido e indiferenciado, fixo e congelado no tempo. A bem da verdade, de um ponto de vista estrutural, a diversidade é um dado independente da vontade humana, devido à simples existência da – crescente sofisticada – divisão do trabalho (inclusive divisão sexual do trabalho) e à variações em termos de renda, habilidade profissional e daí por diante, no meio operário. Contudo, vale a pena nos recordamos de que, por si mesmas, tais fundações estruturais da diferença não ocasionam desuniões e conflitos. Claro, estes últimos podem ter seu lugar, mas são contingenciais do jogo das forças históricas antes de serem determinados apenas pelas estruturas. (KIRKI, 2004, p.52-53)

Silva (2003) apresenta esta difícil proposta na abordagem historiográfica, a qual coloca dois planos – análise síntese e especificidade histórica – uma vez que estas geram um duplo desafio para o historiador:

[...] por um lado, proceder a reconstituições empiricamente densas de realidades específicas que não pulverizam o processo histórico em um mosaico de “miniaturas históricas”; por outro, precisam construir amplos quadros explicativos que não simplifiquem a complexidade das relações sociais. (SILVA, 2003, p.21).

Neste sentido, não buscaremos pensar os arrumadores enquanto uma categoria completamente autônoma nas relações de trabalho. A nosso ver, eles são formados e formadores do movimento histórico do trabalho no porto.

No entanto, evidenciaremos as especificidades dos arrumadores, pois possibilitará fomentar discussões em torno das fronteiras de trabalho no porto, visto que ao contrário de outras categorias, eles não estavam presos a uma regulamentação rígida que os impedisse de desenvolver outras funções fora do ambiente portuário.

No aspecto, o qual pode ser encarado como estratégia de manutenção de ganhos, proporcionou uma multifuncionalidade que enfraquecia a sua identificação funcional enquanto categoria portuária. Vemos assim, que os arrumadores constituíram fronteiras fluidas no que tange à organização e realização do trabalho. Ao mesmo tempo em que trabalhavam no porto como força supletiva dos portuários, alguns também prestavam serviços como provisórios junto à estiva de Rio Grande-RS – porém não sob designação

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do Sindicato –, e como dissemos anteriormente, conjuntamente desempenhavam atividades ligada ao comércio e as indústrias.

Outro ponto a ser observado é que discutir sobre o trabalho do arrumador, também possibilita ampliar a compreensão sobre as características do trabalho avulso de capatazia no ambiente portuário, visto que a bibliografia consagrada pela historiografia6 não direcionou seu olhar a este sistema no decorrer da segunda metade do século XX. Também destacamos a importância do estudo desta organização de trabalho, visto que ela permaneceu significativa frente à sazonalidade da movimentação de carga no porto, contudo adaptando-se a conjuntura social, econômica e legislativa dos anos 50.

Perante estas discussões, pretendemos apresentar como se constituiu o Porto de Rio Grande-RS, assim como a importância do seu desenvolvimento para a consolidação sindical dos arrumadores. Ao longo deste trabalho, apresentaremos as formas de organização e estratégias realizadas pelos trabalhadores, as quais se caracterizavam pelas inseguranças e incertezas que este sistema de serviço produzia em suas vidas. E neste sentido, objetivaremos compreender como os arrumadores se inseriram no campo de trabalho, dentro e fora do Porto.

Contudo, para que isso possa ocorrer é necessário que se estabeleça um diálogo conceitual que nos permita compreender este processo histórico, possibilitando uma síntese para responder nossa problemática de pesquisa. Encontramos nos conceitos de “cotidiano” e “experiência” “histórica” e “insegurança” “estrutural” as bases que possibilitarão responder parte da problemática que envolve a constituição desta categoria. Salientamos também que a partir do conceito de Memória, buscaremos problematizar o perfil dos trabalhadores e a oralidade dos arrumadores, frente às demais categorias do Porto e sua constituição enquanto grupo.

Ao estudar a vivência cotidiana destes trabalhadores, buscaremos nos aproximar das experiências de seu dia a dia, visto que para Agnes Heller (1992), a vida cotidiana é a vida do homem. Sob esta ótica, os sujeitos tomam a frente na ação histórica, pois a cotidianidade está no centro do acontecimento histórico. Conforme Benito Bisso Schmidt:

Ao invés de seres “passivos” que simplesmente sofreram o impacto de sistemas opressivos, e que só puderam reverter essa passividade quando se organizaram em partidos e entidades formais, emergiram, das páginas dos

6 Evidenciaremos ao longo de nosso estudo alguns trabalhos acadêmicos que versaram ou tangenciaram

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trabalhos historiográficos, verdadeiros agentes sociais (escravos, operários, mulheres, bruxas, loucos, marginais...) que atuaram de múltiplas e contraditórias maneiras, por meio de suas ações cotidianas [...] (SCHMIDT, 2011, p.9)

A partir do pensamento de Heller (1992), podemos indagar o cotidiano tanto na sua dimensão em quanto contributivo par alienação dos trabalhadores, como também um espaço que permite a ação dos sujeitos diante do mundo. É diante deste cotidiano que se expressam as diferentes formas de relações sociais, diferenças e convergências, assim como os interesses que culminam nas lutas contra a insegurança que as condições que o trabalho impunha.

Através dos relatos dos trabalhadores, feitos por intermédio do método de História Oral, será possível compreender suas relações e motivações cotidianas a partir de suas vivências, e assim dar sentido aos acontecimentos históricos estudados. Desta forma, lançar mão desta forma de análise, nos permite compreender suas relações de trabalhos, experiências e costumes, observar suas estratégias de cooperação em grupo, tornando-os partícipes da ação histórica, uma vez que para Heller, “a vida cotidiana não está ‘fora’ da história, mas no ‘centro’ do acontecer histórico: é a verdadeira ‘essência’ da substância social” (HELLER, 1992, p.20). E para Schmidt (2011), ela compreende a “dimensão fundamental da vida social, comum a todos os indivíduos, já que não existe ninguém que não viva boa parte de sua existência imerso nas rotinas e atribulações do cotidiano” (SCHMIDT, 2011, p.10).

Lançar um olhar sobre o cotidiano dos arrumadores, preferencialmente em seu espaço de trabalho, também nos permite compreendê-los de forma mais abrangente como uma categoria de trabalhador portuário que se constituiu de maneira diferenciada, visto que eles eram a única força de trabalho neste ambiente que atuava em diferentes setores empregatícios, sob determinação Legal. Esta dupla atuação em suas vivências condicionaram os mesmo a se estruturarem de forma singular das categorias como portuários e estivadores, pois suas experiências e inseguranças diante do dia a dia eram diferentes.

O “fazer-se”, neste sentido, está relacionado às experiências práticas que os indivíduos estabelecem com o mundo, através das contradições e das resistências que os trabalhadores estabelecem, sob as quais enforcamos as formas de organizações. Nesta perspectiva, a experiência em Thompson (1981) é considerada a partir do conjunto de fenômenos sociais, a qual os indivíduos estão inseridos e participam no processo

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histórico. Portanto, é um mecanismo que condiciona os sujeitos nas práticas sociais, pois “compreende a resposta mental e emocional, seja de um indivíduo ou de um grupo social, a muitos acontecimentos inter-relacionados ou a muitas repetições do mesmo tipo de acontecimento” (THOMPSON, 1981, p. 15)

A experiência coloca o indivíduo ou o grupo enquanto seres atuantes no meio social, visto que ela pressupõe que estes pensam e agem de forma dinâmica sob determinada realidade. Conforme Ana Beatriz Loner (2001):

[...] a consciência de classe esta vinculada ao conjunto de experiências que vivencia, à práxis que desenvolve, as ideias que cria/apropria num eterno fazer transformador (instituinte da própria sociedade). [...] A noção de consciência nasce a partir do seu fazer, de sua elaboração de experiência, das ideias e da própria cultura burguesa, pela qual a classe retoma instrumentos e conteúdos já existentes, mas conferindo-lhe novos resultados (LONER, 2001, 35-36).

A partir deste conceito, não pressupomos os sujeitos enquanto seres determinados socialmente, mas sim como atuantes a partir das condições sociais. Desta forma, podemos dizer que as “estruturas objetivas” geram pressões e produzem efeitos sobre a vida dos seres sociais, os quais são compelidos a agir e reagem a tais efeitos. E é a partir desta perspectiva, no nosso entender, que nascem as diferentes estratégias de lidar com as inseguranças que os trabalhadores estabelecem com o mundo, ainda que dentro do sistema capitalista tenha-se organizado as relações de controle do trabalho, de forma que o controle da produção não é mais gerido pelo trabalhador. Produzindo tensões e insegurança para suas condições objetivas de vida, estes encontram formas de resistirem em função de seus interesses e suas experiências individuais e coletivas.

As experiências advêm das divergências e confluências nas relações de interesses dos indivíduos e dos grupos, permitindo que os mesmo se reconheçam enquanto grupo e adquirindo sua identidade, uma vez que “experiência é determinante, no sentido de que exerce pressões sobre a consciência social existente, propõe novas questões e proporciona grande parte do material sobre o qual se desenvolvem os exercícios intelectuais mais elaborados.” (THOMPSON, 1981, p.16).

Neste sentido, a insegurança é uma importante chave de leitura e uma característica acentuada em nosso estudo, pois está fortemente presente na vida cotidiana dos trabalhadores avulsos. E assim sendo, foi pertinente para nossa perspectiva, nos apropriar da concepção de Insegurança Estrutural, de Mike Savage

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(2004) 7, pois é fundamental para compreender uma formação dinâmica da categoria portuária avulsa/arrumadora, uma vez que o autor entende que:

Na sociedade capitalista, a retirada dos meios de subsistência das mãos dos trabalhadores significa constrangê-los a acharem estratégias para lidar com a aguda incerteza da vida diária, que deriva de seu estado de impossibilidade de reprodução autônoma [...] (SAVAGE, 2004, p. 33).

A insegurança é uma marca dos trabalhadores que atuam em um sistema capitalista, o qual tira de suas mãos as condições de produção. Desta forma, os trabalhadores partilham da insegurança e das contradições empregadas por tal sistema, e a partir de suas experiências organizam-se na perspectiva de se impor, e garantir seus meios de subsistência. Portanto, é da vivência e da experiência que os trabalhadores adquirem diante das precárias condições de vida e incertezas de recebimento de remuneração – como se constitui no trabalho avulso/sazonal – que os arrumadores se organizam em prol de seus interesses. Portanto:

Essa formulação nos possibilita reconhecer certas pressões estruturais sobre a vida operária, embora também pontue a urgência de examinarmos a enorme variedade de táticas que os trabalhadores podem escolher para cuidar de seus problemas – da luta contra seus empregadores à formação de cooperativas, à demanda de amparo estatal, à tessituras de redes de apoio nas vizinhanças [...]. (SAVAGE, 2004, p.33)

E assim, a partir desta formulação conceitual, o autor também nos possibilita contornar os reducionismos que o conceito de Classe pode gerar. Na medida em que ela possibilita múltiplas abordagens, permite abranger nosso estudo para as experiências de estratégias e organizações em bairros, nos lares e nos processos de trabalhos, sem que isso implique uma homogeneidade que não observe os conflitos internos e de exploração que se estabeleciam dentro do grupo. Esta questão é central, pois como diz Fernando Teixeira da Silva (2003), é problemática uma abordagem histórica que não evidencie os conflitos, as heterogeneidades e as contradições dentro de uma cultura portuária:

7 Recorreremos constantemente ao autor, pois sua concepção de Insegurança, aplicada ao contexto

portuário de trabalho avulso/sazonal, nos permite perceber como essa estratégia capitalista de flexibilização do contrato, implicava incertezas e conseguinte em formas diversas de organização dos operários.

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São grandes os riscos dos estudos sobre cultura e comunidade operárias que pressupõem uma vida integrada, socialmente coesa e harmônica, a partir de testemunhos que tendem a idealizar a homogeneidade em contraponto à dispersão e à variabilidade de referencias e atitudes sociais. Antes de analisar a complexa e heterogênea organização da indústria portuária que explica, em grande parte, algumas das diferenças [...], faz-se necessário, então, incorporar ao conceito de comunidade referências ativas, ambíguas e dissonantes. (SILVA, 2003, p. 145)

Desta forma, para Savage (2004) a insegurança:

Não implica união do operariado, em detrimento de suas rivalidades internas. Mas reforça a necessidade de olhar para os fatores contextuais que explicam como a própria carência dos trabalhadores em lidar com tal insegurança conduz a diferentes tipos de resultados culturais e políticos (SAVAGE, 2004, p.33-34).

Segundo Thompson (1981), o discurso histórico deve existir através do diálogo, do conceito e da evidência, conduzidos através de hipóteses e de uma análise empírica. Nosso objeto é o elo com o passado, é a evidência, ou como diria Ginzburg (1989), é o indício, com o qual podemos reconstruir um passado que não vivenciamos. Assim, o conhecimento histórico se dá de forma indireta, ou seja, através das diversas pistas que possuímos.

Mediante a isto, nosso trabalho se fundamentou principalmente nas análises dos relatos dos trabalhadores do Porto do Rio Grande-RS, trazendo à tona sua construção enquanto categoria a partir de suas memórias; mas também em fontes documentais, tais como documentos oficiais, e em menor medida, fotografias e jornal.

Compreendemos que ambas as fontes, na medida em que selecionadas, criticadas e contextualizadas foram de grande importância para a pesquisa. Um documento como o jornal é significativo para o conhecimento da cotidianidade, visto que nele é possível observar uma diversidade de acontecimentos no dia a dia das cidades, possibilitando uma abrangência de análise. Nos jornais, é possível perceber como os indivíduos também expressam suas lutas e reivindicações, possibilitando que possamos ter dialogo com o passado. Contudo, como salienta Tânia de Luca (2010), o jornal é um “empreendimentos que reúnem um conjunto de indivíduos, o que os torna projetos coletivos, por agregarem pessoas em torno de ideias, crenças e valores que se pretende difundir a partir da palavra escrita.” (LUCA, 2010, p.139). Portanto, ele deve ser encarado como um importante instrumento a ser criticado, visto que a autora

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também nos lembra que o jornal filtra, seleciona e elege as informações que chegaram ao público, conforme seus interesses políticos/ideológicos.

Embora com um número relativo de fontes, nossa abordagem se concentrou em uma análise qualitativa. Desta forma, buscamos compreender os conflitos, motivações e incertezas que deram sentido à vivência destes trabalhadores. Passerini (2011) aponta que a oralidade nos permite remontar as emoções da vida cotidiana dos indivíduos, possibilitando entrar em contato com o que geralmente não estão expressos nos documentos - os sentimentos. É através da memória que podemos ter acesso a essa oralidade, ou seja, a partir da vivência e das experiências obtidas pelas pessoas. Assim sendo, foi através das memórias dos arrumadores que buscamos entender os sentidos que esses indivíduos deram para suas ações, uma vez que segundo Friderichs (2013)

[...] a tentativa dos narradores em manter um sentido para as suas vidas, buscando relembrar ações que se mostrassem coerentes nas suas escolhas. [...] Nesta perspectiva, nos relatos autobiográficos, procura-se encontrar uma coerência, uma linearidade lógica para a vida, buscando sempre conferir um sentido para as ações, por mais casuais que elas pareçam. (FRIDERICHS, 2013, p.21).

A abordagem de História Oral, neste intuito privilegia, a partir das entrevistas, a vivência dos sujeitos, dando voz e tornando-os protagonistas do acontecimento histórico. De acordo Vangelista (2001), a utilização das memórias pessoais, pela história oral, privilegia reconstruir e descrever o meio social, instigando novos pontos de vista diante da construção do saber histórico. Através da integração dos setores marginalizados, os quais geralmente não possuem grande expressividade nas documentações oficiais, esta metodologia contribui, propondo e enriquecendo novos debates.

Thompson (1998), ao abordar a oralidade em seu livro Costumes em Comum, nos propõem que a tradição oral é importante também para o costume. Para o autor, nela estão marcados o que muitas vezes não se encontra nos registros, como as crenças e normas, as quais muitas vezes nascem das práticas cotidianas e são transmitidas de forma oral, estando ligada à memória dos mais velhos.

A utilização da história oral justifica-se na medida em que articula os demais conceitos citados anteriormente, uma vez que para Alberti (2008) ela possibilita “[...] o estudo das formas como pessoas ou grupos efetuaram e elaboraram experiências, incluindo situações de aprendizado e decisões estratégicas.” (2008, p.166).

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Ao se utilizar desta abordagem metodológica, é fundamental compreendermos como se expressa essa oralidade através da memória. Tais questões sobre o cotidiano e experiências históricas e insegurança estrutural, se apresentaram em nosso trabalho através, principalmente, dos mecanismos da memória.

Halbwachs (1990) entende que a memória é um fenômeno que não ocorre de forma isolada dos grupos, pois ela se estabelece através das relações coletivas, sofrendo influências do seu meio sociocultural. Para o autor, as recordações dos indivíduos ocorrem ancoradas nas vivências em grupo, e assim geram sentidos. Esta visão também é compreendida por José Carlos Sebe Bom Meihy (2013), ma medida em que entende que “o indivíduo só se explica na vida comunitária” (MEIHY, 2013, p.28). Isto é relevante para o entendimento da história oral, pois como nos diz Meihy (2013):

O que se chama de "grupal", "cultural", "social" ou "coletivo" em história oral, é o resultado de experiências que vinculam umas pessoas às outras, segundo pressupostos articuladores de construção de identidades decorrentes de suas memórias expressadas em termos comunitários. [...] Assim, as experiências de cada um são autênticas e se relacionam às demais por meio da construção de uma identidade comum. Em história oral, o "grupal", "social" ou "coletivo" não corresponde a soma dos particulares. O que garante unidade e coerência às entrevistas enfeixadas em um mesmo conjunto é a repetição de certos fatores que por fim, caracteriza a memória coletiva. (MEIHY, 2013, p.27-28)

No entanto, a discussão entre memória individual e coletiva se aprofunda quanto ao aspecto das vivências individuais dos sujeitos. Joel Candau (2012), embora dialogue como a concepção da influência coletiva da memória, salienta que a compreensão e interpretações dos eventos se expressam na esfera individual, ou seja, “Mesmo que as lembranças se nutram da mesma fonte, a singularidade de cada cérebro humano faz com que eles não sigam necessariamente o mesmo caminho" (CANDAU, 2012, p.35). Esta questão é aprofundada por Michael Pollak (1992), quando diz:

Se destacamos essa característica flutuante, mutável, da memória, tanto individual quanto coletiva, devemos lembrar também que na maioria das memórias existem marcos ou pontos relativamente invariantes, imutáveis. Todos os que já realizaram entrevistas de história de vida percebem que no decorrer de uma entrevista muito longa, em que a ordem cronológica não está sendo necessariamente obedecida, em que os entrevistados voltam várias vezes aos mesmos acontecimentos, há nessas voltas a determinados períodos da vida, ou a certos fatos, algo de invariante. É como se, numa história de vida individual - mas isso acontece igualmente em memórias construídas coletivamente houvesse elementos irredutíveis, em que o

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trabalho de solidificação da memória foi tão importante que impossibilitou a ocorrência de mudanças. Em certo sentido, determinado número de elementos tornam-se realidade, passam afazer parte da própria essência da pessoa, muito embora outros tantos acontecimentos e fato possam se modificarem função dos interlocutores, ou em função do movimento da fala. (POLLAK, 1992, p.2)

Diante deste quadro de divergência da memória, cria-se o que Thomson (2006) adverte, sobre o dilema na utilização e da contestação de algumas destas memórias. Segundo o autor, é demasiado fácil observar um grupo marginalizado enquanto agente da construção social, entretanto realizar a crítica à memória destes indivíduos, e desconstruir determinadas concepções, pode colocar o historiador diante de um jogo dúbio no qual divergem os interesses do entrevistado e a responsabilidade crítica do historiador. Neste sentido, tentamos congregar nas falas de nossos entrevistados, tanto os aspectos que convergiam e divergiam de suas memórias, entendendo como um conjunto de experiências que eles estabeleceram com o meio. Portanto, entendemos que a partir das experiências e disputas, suas memórias por ora se aproximam e se afastam, visto que elas representam as diferentes vivências e sentidos que os entrevistados estabeleceram ao longo dos anos.

Para além das divergências, também foi necessário tomar cuidado com as lembranças que emergiam fora de ordem e com resquícios e influências de vida posterior aos anos do relato8. Para tanto, nos utilizamos de diversas entrevistas e com categorias de trabalhadores diferentes, como ex-trabalhadores arrumadores do período de fundação e posterior a ela, e também de portuários e consertadores, buscando contextualizar as memórias desses entrevistados.

Nossa cautela com a memória, também incidiu diante das discussões éticas quanto às políticas de usos dessa memória, bem como a preocupação com o entrevistado. Segundo Thomson (2006), ao passo que a entrevista pode ter grande relevância para o pesquisador, ela também pode ser prejudicial para o entrevistado. Portanto, ter cautela neste momento é fundamental, pois bem estar deste deve vir em primeiro lugar.

Em suma, esta abordagem histórica contribui fortemente para estabelecer os conceitos citados e se aliar à concepção de E.P Thompson, sob a construção de uma história “de baixo para cima”. A produção documental, formulada a partir das

8 Reis, ao abordar Paul Ricoeur, nos permite refletir que “[...] a memória é vulnerável, pois o que se

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entrevistas, congregando este conjunto de experiências e sentidos de vida, são de grande importância visto que “Para controlar os abusos e vencer o esquecimento, para restabelecer a relação realista com o passado, a memória envolveu-se na ‘armadura da escritura’, na historiografia” (REIS, 2010, p.41).

Para que pudéssemos expor nossas pesquisas de forma coerente, dividimos nossas análises em três capítulos complementares, assim como optamos por uma escrita narrativa não linear da história. Evidenciamos para o leitor que constantemente, ao longo do texto, buscaremos remontar historicamente as práticas no tema a ser discutido. Por vezes, poderá parecer que repetimos determinados períodos históricos explicitados, ou retomamos discussões preestabelecidas, no entanto nosso objetivo foi buscar estabelecer as correlações e nos aprofundar em práticas compartilhadas por diferentes categorias. Soma-se a isso, a nossa escolha não esgotar uma temática em apenas um item ou capítulo, portanto sempre que necessário retomamos temáticas que outrora foram citadas. Observamos também, que buscamos incorporar em nossa narrativa a visão de outras categorias sobre os arrumadores e como estes exerciam seus trabalhos, isto pela limitação do número de trabalhadores do período a que nos propomos estudar, bem como para trazer novos pontos de vistas sobre seu papel na sociedade riograndina.

No primeiro capítulo buscamos traça um breve histórico das atividades portuárias no Brasil, a luz da historiografia pertinente à temática, evidenciando sua relevância para o desenvolvimento socioeconômico em diferentes níveis de escala analíticas, local, regional e nacional. Destacaremos nesta abordagem inicial, a história da cidade e do Porto de Rio Grande-RS, uma vez que constituem o espaço de atuação de nosso objeto de pesquisa. Por fim, introduzimos uma breve discussão sobre a condição histórica do trabalho avulso/sazonal, abordando os aspectos apresentado tanto pela historiografia.

No segundo capítulo, concentramos nossa atenção, num primeiro momento a discussão Legal, a qual possibilitou a formação da Categoria dos Arrumadores, e que balizou seu campo de atuação. Logo após, buscamos teorizar sobre as possíveis motivações que fizeram os trabalhadores do Comércio Armazenador ingressar junto ao porto, expandindo seu campo de atuação. Por fim, neste capítulo, o leitor encontrará as origens dos arrumadores riograndinos, com a busca pela mudança de seu caráter sindical de Trabalhadores do Comércio Armazenador, para Sindicato dos Arrumadores, bem como e a complexa história por trás desta tentativa de nova formação sindical.

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O terceiro capítulo tem como foco relatar ao leitor como se deu o trabalho do arrumador logo após sua mudança sindical. Buscamos discutir a precariedade de seu Sindicato inicialmente, até seu estabelecimento nas imediações portuárias e os acordos que buscaram realizar na busca de melhores obtenções de trabalhos. Também é o momento onde discutimos como se integraram e se relacionaram com a condição de trabalho avulso no porto, assim como no comércio e nas indústrias de Rio Grande-RS. Diante deste quadro, evidenciaremos os estigmas sociais que os afligiam como trabalhadores, assim como compreender as maneiras que lidavam com a insegurança na manutenção de seus ganhos e suas estratégias e relações de trabalho.

Frente ao exposto buscamos desvelar a trajetória dessa categoria, conversar, apreender, e sobretudo, compreender esse momento da história portuária riograndina.

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I CAPÍTULO

NASCER E VIVER: RIO GRANDE-RS, UMA CIDADE PORTUÁRIA.

1.1 Porto e cidade: um intento nacional de desenvolvimento.

No decorrer do século XIX, Rio Grande-RS entrou em processo acelerado de industrialização e modernização de seus espaços sociais. Nesse momento histórico, notam-se um crescimento populacional significativo e o desabrochar de suas atividades ligadas ao comércio, as quais, de acordo com Diego Luiz Vivian (2008), graças à demanda de escoamento da produção pecuária, charqueada e do trigo da Capitania do Rio Grande, estimulou a formação de empreendedores ligados ao comércio, “[...] promovendo as trocas mercantis e a expansão das relações capitalistas na cidade” (VIVIAN, 2008, p.75-76).

Observamos que Rio Grande-RS faz parte de um contexto mais amplo, o qual pode ser entendido a partir do exposto por Sandra Jatahy Pesavento (1994). A autora nos possibilita compreender a característica da dinâmica econômica gaúcha diante do quadro nacional:

A indústria nascera no centro econômico do país associada à economia agroexportadora capitalista do café. Nas demais regiões brasileiras, seu surgimento se deveu a outros circunscritos de acumulação do capital, tal como no Rio Grande do Sul, onde o setor secundário gerou-se na mesma época daquele do complexo cafeicultor, mas apoiado na acumulação de capital advinda da comercialização dos gêneros da agropecuária colonial imigrante. (PESAVENTO, 1994, p.28-29)

Ainda na primeira metade do século XIX, segundo Mario Osório Magalhães, às vésperas da Revolução Farroupilha (1835), havia dois eixos: Pelotas - Rio Grande, núcleos da pecuária da campanha, desenvolvendo a indústria e a exportação da pecuária; e, Porto Alegre - Rio Pardo, especializados no transporte e comercialização de gêneros produzidos no interior e colônia (MAGALHÃES, 1993, p.30).

De acordo com a historiografia que se ocupa da temática, graças à dinâmica da atividade econômica, em nível nacional, regional e a local, enfatizando principalmente a capacidade importadora e exportadora da urbe riograndina, que ela ganhou notoriedade

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congregando um centro comercial e industrial. De acordo com Nadja Karin Pellejero (2009):

A dinâmica da economia contribuiu para a instalação de grandes empresas têxteis, como, por exemplo, em São Paulo, Rio de Janeiro, alguns estados do Nordeste e Rio Grande do Sul (incluindo a cidade de Rio Grande). Nestes locais, grandes plantas industriais foram implantadas, utilizando-se de equipamentos importados, significando um grande montante de capital fixo instalado para o incremento fabril desenvolvido na primeira fase industrial brasileira. (PELLEJERO, 2009, p.50)

Entretanto, Pesavento (1998) salienta que é demasiado difícil precisar esse crescimento lento da ordem urbano-industrial, devido às falhas estatísticas do período (1998, p.20). Entretanto, discorrendo sobre o desenvolvimento da indústria no Rio Grande do Sul, a autora nos possibilita observar que:

[...] uma comparação entre os catálogos das exposições realizadas no Rio Grande do Sul em 1875, 1881 e 1901 pode fornecer um quadro da evolução industrial da região. Enquanto que em 1875 predominavam as empresas de pequeno porte, que empregavam reduzido número de trabalhadores e precária tecnologia, baseando-se muito mais nas ferramentas do que nas máquinas, em 1881 já há um crescimento significativo do número e da qualidade de empresas maiores, geralmente localizadas nos maiores

centros urbanos da época. Embora apresentando ainda um baixo capital

por unidade de produção e combinando o uso de ferramentas simples como máquinas importadas – mecânicas, a vapor ou elétricas –, estas empresas representaram uma centralização de recursos nas mãos de empresários capitalistas. [Grifo Nosso] (PESAVENTO, 1998, p.20)

Configurando um dos principais centros urbanos econômicos do Rio Grande do Sul, segundo Ticiano Duarte Pedroso, “nas décadas (1890, 1900, 1910, 1920) a cidade de Rio Grande apresentou um crescimento populacional de 25.847 habitantes” (PEDROSO, 2012, p.66). Grande parte de seus habitantes eram migrantes de outras regiões que buscavam serviços em Rio Grande-RS. Vejamos que, conforme Edgar Ávila Gandra (1999), ainda no começo do século XX, a cidade contabilizava cerca de 29 mil habitantes, e em torno de 1.200, trabalhavam na Indústria Têxtil Rheingantz, e outro contingente, igual ou superior, na Companhia Frigorífica Swift, entre outros.

Os períodos citados acima demonstram que Rio Grande-RS estava inserido no quadro de desenvolvimento da região sul do país. Pedroso (2012), enfocando o estabelecimento industrial na cidade de Rio Grande-RS, enfatiza que, no transcorrer dos anos de 1870, o município passou a contar com inúmeros estabelecimentos comerciais.

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Nesse período, encontram-se ainda o surgimento e o desenvolver das primeiras indústrias da cidade, como a têxtil, com a Fábrica de Tecidos Rheingantz, em 1873; a firma Cunha Amaral & Cia, em 1876; a indústria Leal Santos e Cia, em 1889; a indústria de fumo, com a Fabrica Aliança, em 1876. Viu-se também a instalação da Cia. de Fiação e Tecelagem Ítalo Brasileira.

Tanto para Gandra (1999) como para Nadja Karin Pellejero (2009), foi graças ao potencial advindo da importação e da exportação, assim como da instalação de seu um parque fabril9, que o município de Rio Grande-RS “[...] determinou o desenvolvimento urbano no extremo meridional do país” (PELLEJERO, 2009, p.49). Destacamos, em conjunto com esses autores, que, de acordo com Vivian (2008), o movimento gerado pelo escoamento da produção local foi fundamental para colocar a cidade no quadro do capitalismo nacional e mundial.

Um aspecto importante para entender a lógica dessa cidade e seu papel no desenvolvimento industrial do país e do Estado, [...] se refere ao fato de no Rio Grande do Sul, haver um parque industrial voltado não somente para o mercado regional, mas principalmente para o mercado nacional, o que inclui Rio de Janeiro e São Paulo e também o exterior. Esse parque tinha uma localização estratégica, ou seja, junto a um porto marítimo. (PELLEJERO, 2009, p.50)

O capitalismo, nesse momento, já estendia seus tentáculos pelo mundo, aprofundando as relações econômicas e se desenvolvendo principalmente através do comércio e das indústrias, penetrando diferentes países. O próprio parque industrial desenvolvido em Rio Grande-RS fez parte do desenvolvimento capitalista da virada do século, uma vez que, segundo Pedroso (2012), parte das indústrias que se instalaram na cidade possuía o amparo do capitalismo estrangeiro. Tal influência pode ser vista também no Porto, uma vez que a companhia concessionária que ficaria responsável pela construção dos Molhes da Barra e do Porto Novo seria a Compangnie Française du

Port de Rio Grande10.

A interação com o capital estrangeiro não é uma realidade restrita a Rio Grande-RS. O investimento advindo do exterior faz parte de um contexto nacional muito mais

9 Podemos destacar o Frigorífico Swift, o qual, segundo Oliveira (2000), junto com o Porto, era uma das

principais fontes de emprego do começo do século XX. Segundo Pellejero, “houve no período de 1917/1918, a instalação de três grandes frigoríficos de capital estrangeiro no Rio Grande do Sul. Dois se instalaram em Santana do Livramento (Wilson e Armour), e um em Rio Grande (Cia Swift S.A. do Brasil), que se estabeleceu em uma área próxima ao novo porto da cidade” (PELLEJERO, 2009, p.52).

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amplo, que envolve outras cidades com indústrias e portos. A critério de exemplificação, citamos Maria Luiza Ugarte Pinheiro (2014), a qual, em seu artigo intitulado Migração, Trabalho e Etnicidade: portugueses e ingleses no porto de

Manaus, 1880-1920, nos demonstra que essa prática também ocorreu no Porto de

Manaus:

Uma importante referência veio da constatação de que as grandes firmas que atuavam no porto de Manaus, como a Manáos Harbour Lmited, concessionária dos serviços portuários, era administrada pelo capital inglês e mantinha apenas ingleses no comando e gerenciamento da firma, enquanto empregos e trabalhos intermediários eram assumidos por estrangeiros de outras nacionalidades e, em menor escala, por trabalhadores nacionais. (PINHEIRO, 2014, p.811- 812)

Frente a esse contexto de ampliação do capitalismo mundial, Maria Lucia Caira Gitahy (1992) compreende que “[...] a necessidade de melhor articulação com o mercado internacional de uma crescente produção de matérias primas e alimentos levou à construção de ferrovias e portos em muitas das áreas hoje conhecidas como parte do Terceiro Mundo” (GITAHY, 1992, p.17). Diante dessa diversificação econômica e social, caracterizada pela imigração e pelo surgimento do trabalho livre, a qual também contribuiu para compreender o fenômeno do desenvolvimento das cidades, indústrias portuárias, e do aprofundamento das relações de trabalho no Brasil (1992 p.17).

As cidades brasileiras, na virada do século XIX para o XX, viram um crescimento populacional que levou a um redimensionamento de suas estruturas urbanas, a fim de abrigar um novo perfil. Pesavento (1998) destaca que, diante desse florescer urbano, as relações sociais se tornavam mais complexas, na medida em que:

Ao mesmo tempo que o poder burguês se estruturava, consolidava-se política e administrativamente, criava instituições, difundia normas e valores, criava leis e pautava a conduta dos cidadãos, ocupava terras e erguia fábricas, remodelava cidades e propunha novos moldes de educação, erguia-se também uma outra República, a dos cortiços e dos porões superlotados, dos botequins, das brigas de navalha, dos subalternos, enfim. (PESAVENTO, 1998, p.12)

Diante disso, Maria Dalva Casimiro da Silva (2007), em sua tese intitulada

Relações de Trabalho no Cais do Porto do Rio de Janeiro: Resistência e Modernização,

nos permite compreender que a “[...] reforma urbana representava uma ruptura no processo de urbanização do Rio de Janeiro que apresentava de forma evidente uma

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