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Cistite idiopática felina e o aporte nutricional: uma dualidade a considerar

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO

Cistite idiopática felina e o aporte

nutricional: uma dualidade a considerar

- Versão Definitiva -

Dissertação de Mestrado Integrado em Medicina Veterinária

Ana Sofia Rodrigues Cerdeira

Orientadora: Professora Doutora Felisbina Luísa Pereira Guedes Queiroga

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UNIVERSIDADE TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO

Cistite idiopática felina e o aporte

nutricional: uma dualidade a considerar

Dissertação de Mestrado Integrado em Medicina Veterinária

Ana Sofia Rodrigues Cerdeira

Orientadora: Professora Doutora Felisbina Luísa Pereira Guedes Queiroga

Composição do Júri:

___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________

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RESUMO

A cistite idiopática felina (CIF) é a causa mais comum da doença do trato urinário inferior felino (DTUIF), a qual constitui um importante problema na medicina felina.

Apesar dos inúmeros estudos efetuados, a etiopatogenia da CIF não é totalmente conhecida, pelo que ainda não existe um tratamento padrão amplamente aceite e eficaz no controlo das recorrências desta doença.

Neste estudo, o qual decorreu entre 1 de janeiro de 2015 e 31 de julho de 2016 pretendeu-se efetuar uma revisão bibliográfica da CIF, bem como a caraterização epidemiológica e clínica dos gatos com CIF. Durante este período foram analisados 40 gatos com DTUIF. Destes, 26 (65%) apresentavam CIF, 6 (15%) tampão uretral, 5 (12%) urolitíase, 2 (5%) infeção do trato urinário (ITU) e 1 (3%) atonia vesical.

Para efetuar a caraterização epidemiológica e clínica dos gatos com CIF (grupo-alvo), recolheu-se a informação relativa à raça, idade, género, estado reprodutivo, peso, condição corporal, temperamento, estilo de vida, convívio com outros animais, tipo de dieta, exposição a fatores de stresse, época sazonal do aparecimento dos sinais clínicos, historial clínico da doença, sinais clínicos, resultados dos exames complementares de diagnóstico, diagnóstico final, tratamento prescrito e evolução clínica de cada caso.

Os resultados desta análise encontram-se de acordo com o descrito em vários estudos, à exceção do temperamento dos gatos, pois neste estudo, contrariamente ao descrito, verificou-se uma percentagem elevada de gatos meigos. Do total da amostra de gatos com CIF (26 gatos), a 10 (38%) institui-se um tratamento nutricional com uma ração terapêutica (Hill’s c/d Feline Urinary Stress), 2 (20%) destes gatos apresentaram recorrência da doença. A 8 (31%) gatos recomendou-se um tratamento médico com amitriptilina, dos quais 2 (25%) recidivaram. A 5 (19%) gatos prescreveu-se um tratamento nutricional com uma ração terapêutica (Hill’s c/d Feline Urinary Stress) e um suplemento nutricional (Cystaid Plus). Destes, 2 (40%) gatos apresentaram um novo episódio da CIF e a 3 (12%) gatos, institui-se um tratamento com o suplemento nutricional (Calmurofel), dos quais 1 (33%) recidivou.

A análise dos resultados parece indicar que a ração Hill’s c/d Feline Urinary Stress e o suplemento Calmurofel apresentam um efeito positivo no controlo da CIF. No entanto serão necessários estudos randomizados com um maior número de casos para clarificar os nossos resultados.

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ABSTRACT

Feline idiopathic cystitis (FIC) is the most common cause of feline lower urinary tract disease (FLUTD), which is a major problem in feline medicine.

Despite many studies performed, the etiopathogenesis of FIC is still not fully known and there’s still no widely accepted and effective standard treatment in controlling recurrences of this disease.

In this study, which took place between 1 January 2015 and 31 July 2016, was performed a intented to make a literature review of FIC, as well as epidemiological and clinical characterization of the cats with FIC. During this period, 40 cats with FLUTD were analysed. Of these, 26 (65%) were diagnosed with FIC, 6 (15%) with urethral plugs, 5 (12%) with urolithiasis, 2 (5%) with urinary tract infection and 1 (3%) with atonic bladder.

For epidemiological and clinical characterization of cats with FIC (target group), information concerning breed, age, gender, reproductive status, weight, body condition, temper, lifestyle, living with others animals, type of diet, exposure to stressors, seasonal time of onset of clinical signs, clinical history of disease, clinical signs, results of diagnostic tests, prescribed treatment, diagnosis and clinical evolution of each cat, it was collected.

The results of this analysis are in accordance with described in several studies, except for temper of the cats. Opposed to the described on the literature, a high percentage of kind cats was found in the present study. From the total sample of cats with FIC (26 cats), a nutritional treatment with therapeutic food (Hill’s c/d Feline urinary stress) was instituted in 10 (38%) cats of which 2 (20%) had recurrence of disease. A medical treatment with amitriptyline was recommended in 8 (31%) cats of which 2 (25%) relapsed. A nutritional treatment with therapeutic food (Hill’s c/d Feline urinary stress) and a nutritional supplement (Cystaid Plus) was prescribed in 5 (19%) cats. Of these, 2 (40%) had a new episode of FIC and a treatment with nutritional supplement (calmurofel) was instituted in 3 (12%) cats of which 1 (33%) relapsed.

The analysis of the results seems to indicate that the therapeutic food Hill’s c/d Feline Urinary Stress and the nutritional supplement Calmurofel might have a positive effect on FIC control. However randomized studies will be necessary to confirm our results.

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ÍNDICE GERAL RESUMO ... iii ABSTRACT ... iv ÍNDICE DE FIGURAS ... vi ÍNDICE DE GRÁFICOS ... vi ÍNDICE DE TABELAS ... vi

LISTA DE SIGLAS E ACRÓNIMOS ... viii

AGRADECIMENTOS ... x

INTRODUÇÃO ... 1

CAPÍTULO I – OBJETIVOS ... 3

CAPÍTULO II – REVISÃO BIBLIOGRÁFICA... 4

1. Epidemiologia/Fatores de risco ... 4 2. Etiopatogenia ... 5 3. Quadro clínico ... 10 4. Diagnóstico ... 11 5. Tratamento ... 16 5.1. Tratamento nutricional ... 16 5.2. Enriquecimento ambiental ... 23 5.3 Tratamento médico ... 24

5.4. Tratamento com recurso a acupunctura ... 27

6. Prognóstico ... 27

CAPÍTULO III – MATERIAIS E METÓDOS ... 29

1. Animais diagnosticados com doença do trato urinário inferir felino (DTUIF) ... 29

2. Animais diagnosticados com cistite idiopática felina (CIF) ... 30

3. Análise estatística ... 32

CAPÍTULO IV – ANÁLISE E APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS ... 33

1. Animais diagnosticados com doença do trato urinário inferir felino (DTUIF) ... 33

2. Animais diagnosticados com cistite idiopática felina (CIF) ... 34

CAPÍTULO V – DISCUSSÃO ... 47

CAPÍTULO VI - CONCLUSÃO ... 52

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 53

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ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1- Representação esquemática da relação entre o eixo HHA e o SNS perante situações de stresse, nos gatos saudáveis e nos gatos com CIF ... 7

ÍNDICE DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Distribuição percentual das etiologias da DTUIF diagnosticadas na população felina no período referente a este estudo ... 33 Gráfico 2 – Distribuição percentual da raça da população felina contemplada no estudo ... 34 Gráfico 3 – Distribuição percentual do género da população felina contemplada no estudo . 34 Gráfico 4 – Distribuição percentagem do estado reprodutivo da população felina contemplada no estudo ... 35 Gráfico 5 – Distribuição percentual da condição corporal da população felina contemplado no estudo ... 35 Gráfico 6 – Distribuição percentual do temperamento da população felina contemplada no estudo ... 36 Gráfico 7 – Distribuição percentual do estilo de vida da população felina contemplada no estudo ... 36 Gráfico 8 – Distribuição percentual quanto à convivência com outros animais da população felina contemplada no estudo ... 37 Gráfico 9 – Distribuição percentual relativamente ao número e espécie do animal de convivência da população felina contemplada no estudo ... 37 Gráfico 10 - Distribuição percentual do tipo de dieta da população felina contemplada no estudo ... 38 Gráfico 11 – Distribuição percentual da ocorrência dos casos de Cistite idiopática felina por época do ano ... 39 Gráfico 12 – Distribuição percentual do historial clínico da população felina contemplada no estudo ... 39 Gráfico 13 – Distribuição numérica e percentual dos sinais clínicos observados isoladamente nos gatos com cistite idiopática felina ... 40 Gráfico 14 – Distribuição numérica e percentual dos resultados isolados da análise de urina dos gatos com cistite idiopática felina ... 41 Gráfico 15 – Distribuição percentual relativamente ao diagnóstico final da população felina contemplada no estudo ... 42 Gráfico 16 – Distribuição percentual do tratamento instituído na população felina em estudo ... 43

ÍNDICE DE TABELAS

Tabela 1 – Alterações neuro-endócrinas nos gatos afetados pela CIF ... 6 Tabela 2 – Alterações na bexiga nos gatos afetados pela CIF ... 6 Tabela 3 – Variáveis epidemiológicas e clínicas analisadas na amostra ... 30

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Tabela 4 – Distribuição numérica e percentual em relação aos fatores de stresse identificados como responsáveis do episódio de CIF na população felina contemplada no estudo ... 38 Tabela 5 – Distribuição numérica e percentual dos sinais clínicos presentes nos gatos com cistite idiopática felina ... 40 Tabela 6 – Distribuição numérica e percentual dos resultados da análise de urina dos gatos com cistite idiopática felina ... 41 Tabela 7 – Distribuição numérica e percentual da taxa de recorrência nas modalidades terapêuticas instituídas na população felina contemplada no estudo ... 44 Tabela 8 – Recorrência da Cistite idiopática felina e tempo livre de doença na população felina contemplada no estudo ... 45

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LISTA DE SIGLAS E ACRÓNIMOS

% – percentagem > – maior

< – menor

ACTH – hormona adrenocorticotropina AINES – anti-inflamatórios não esteróides CIF – cistite idiopática felina

CRF – fator libertador da corticotropina

DTUIF – doença do trato urinário inferior felino DHA – ácido docosahexaenoico

Eixo HHA – eixo hipotálamo-hipófise-adrenal EPA – ácido eicosapentaenóico

g – gramas

GAG – glicosaminoglicano GAGs – glicosaminoglicamos h – hora

ITU – infeção do trato urinário IV – por via intravenosa kcal – quilocaloria kg – quilogramas kJ – quilojoule mg – miligramas mm – milímetros

n – número total da amostra PO – por via oral

RHV – Real Hospital Veterinário SC – por via subcutânea

SNS – sistema nervoso simpático SNC – sistema nervoso central

STUI – sinais clínicos do trato urinário inferior TTF2 – fator de crescimento trefoil 2

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“Escreve na areia aquilo que dás, grava sobre a rocha o que recebes.” (Autor desconhecido)

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AGRADECIMENTOS

À Universidade Trás-os-Montes e Alto Douro, particularmente ao excelentíssimo Senhor Reitor António Augusto Fontainhas Fernandes.

À minha Orientadora, Professora Doutora Felisbina Luísa Pereira Guedes Queiroga por ter aceitado orientar a minha tese, bem como, pela simpatia, exigência, disponibilidade, conselhos e momentos de reflexão que me proporcionou ao longo desta última etapa do meu percurso académico.

A toda a equipa do Real Hospital Veterinário de Braga, pelo profissionalismo, carinho e amizade com que me acolheram e por toda a partilha de conhecimentos e experiências que me facultaram, os quais contribuíram para o meu enriquecimento profissional e pessoal.

Aos amigos do curso e colegas estagiárias pela ajuda, motivação, partilha de ideias, experiências e bons momentos ao longo destes anos.

Um agradecimento especial à minha mãe por todo o carinho, ajuda, apoio incondicional e paciência que sempre manifestou, tanto nos bons como nos momentos menos afortunados.

Por último agradeço a todos os que de um modo ou de outro, contribuíram para que a realização deste documento se tornasse numa experiência deveras profícua.

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INTRODUÇÃO

INTRODUÇÃO

A doença do trato urinário inferior felino (DTUIF) constitui o motivo mais frequente de consulta na prática clínica felina.20,23,60

Alguns estudos epidemiológicos efetuados, no âmbito desta doença, nos Estados Unidos da América e no Reino Unido descreveram uma prevalência de 4 a 5% dos gatos atendidos em clínicas veterinárias.20,39 Nos gatos atendidos nos hospitais veterinários, associados a universidades, essa prevalência foi de 7 a 8%.20,23

A DTUIF enquadra um amplo conjunto de afeções, originadas por múltiplos fatores.17,39,57,60 Todas as entidades abrangidas na DTUIF apresentam os mesmos sinais clínicos, nomeadamente a disúria, a hematúria, a polaquiúria, a estrangúria, a periúria e, por vezes, a obstrução uretral. Estes sinais clínicos podem-se manifestar isoladamente ou em associação.17,21,39,60

Normalmente os gatos apresentam várias combinações dos sinais clínicos citados.17 Os sinais clínicos do trato urinário inferior (STUI) são inespecíficos e podem ser provocados por uma grande variedade de problemas com origem nesta região anatómica.23,57,58 Perante este quadro clínico, devem-se considerar vários diagnósticos diferenciais, os quais incluem: a cistite idiopática felina (CIF); a urolitíase; os tampões uretrais; a infeção do trato urinário (ITU); as neoplasias; as anomalias anatómicas ou os traumatismos do trato urinário inferior; as doenças comportamentais; as neurológicas ou de origem iatrogénica.17,19,20,21,39,58,60

Apesar da etiologia da DTUIF ser diversa, a CIF constitui a causa mais frequente (representando aproximadamente dois terços da DTUIF), uma vez que, após uma abordagem diagnóstica minuciosa, na maioria dos casos, não se consegue determinar uma causa subjacente específica.14,17,31,42,58 Esta doença constitui, para o médico veterinário, um grande desafio, pois apesar dos vários estudos efetuados relativamente à sua etiopatogenia, esta continua sendo desconhecida, pelo que não se conhece um método de diagnóstico específico nem um tratamento completamente eficaz.39,42,57 A importância da CIF agrava-se pelo elevado número de casos em todo o mundo, bem como pelas elevadas taxas de recorrência e pela cronicidade subjacente a esta doença.23 Por estes motivos, esta doença acarreta uma grande angústia e dor para os animais e uma grande frustração e desespero para os proprietários, levando a que, por vezes, estes optem pela eutanásia ou pelo abandono do animal.17,38

Assim sendo, no âmbito desta problemática e incluída no plano de estudo do curso de Mestrado Integrado em Medicina Veterinária da Universidade Trás-os-Montes e Alto Douro,

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INTRODUÇÃO

surge a elaboração desta dissertação de mestrado, a qual tem como finalidade documentar a influência do aporte nutricional no controlo da CIF.

A presente dissertação encontra-se estruturada em seis capítulos: Capítulo I – objetivos do estudo

Capítulo II – revisão bibliográfica e respetivo enquadramento da doença Capítulo III – materiais e métodos

Capítulo IV – apresentação dos resultados Capítulo V – discussão dos resultados Capítulo VI – conclusões

Com a realização desta dissertação pretende-se contribuir para a melhoria do tratamento do gato com CIF.

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OBJETIVOS

CAPÍTULO I – OBJETIVOS

Para a elaboração da presente dissertação, foram delineados os seguintes objetivos: 1. Efetuar uma revisão bibliográfica sobre a CIF, dando particular destaque à

teoria mais recente sobre a sua etiopatogenia, à abordagem diagnóstica recomendada e ao tratamento nutricional

2. Caraterizar a amostra dos gatos com CIF do ponto de vista epidemiológico e clínico

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REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

CAPÍTULO II – REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Em qualquer estudo a revisão bibliográfica é fundamental e imprescindível, como tal far-se-á referência a alguns conhecimentos teóricos relacionados com o tema – Cistite idiopática felina e o aporte nutricional: uma dualidade a considerar.

Neste contexto, é de referir que o controlo da CIF no gato leva a enquadrar o seu tratamento no contexto etológico, nutricional e ambiental, uma vez que ela se inscreve num conjunto de preocupações e de questões relativas à saúde dos gatos.

No entanto, para se intervir de modo eficaz e eficiente no seu tratamento, o qual tem na base todo um conjunto de fatores nutricionais e ambientais dos gatos e culturais dos proprietários, abordar-se-ão, ao longo deste capítulo, as influências relevantes que estes fatores desempenham nesta doença, dando especial ênfase aos fatores nutricionais.

1. Epidemiologia/Fatores de risco

A CIF pode ocorrer em gatos de qualquer idade. No entanto é mais frequentemente observada nos gatos com mais de 1 ano e menos de 10 anos.14,21,39,58 Ocorre particularmente entre os 2 e os 7 anos10,18,19,22,50, sendo rara em gatos com menos de 1 ano ou com mais de 10 anos.14,21,31,39,42,54

Em muitos estudos encontra-se documentado que a CIF não apresenta predisposição sexual,10,58,60 no entanto, outros estudos referem-na como sendo mais frequente em machos.11,18,19,22,50 Esta doença pode apresentar-se na forma não obstrutiva ou obstrutiva. Esta última ocorre quase exclusivamente nos machos, devido à anatomia da sua uretra, a qual é mais comprida e de menor diâmetro que a das fêmeas.15,31,39,40,58,60 No que concerne à prevalência da forma não obstrutiva, não se observam diferenças significativas entre machos e fêmeas.31,58,60

Embora vários estudos salientem que a CIF não tem predisposição racial,10,18,19,22 outros defendem uma maior prevalência em certas raças de gatos de pelo longo, nomeadamente os da raça Persa.11,21,50 Essa maior prevalência encontrada coincide, em alguns estudos, com a raça mais popular da região em estudo, o que sugere que essas raças estejam sobre-representadas nesses mesmos estudos.21,42,48

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REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Vários autores identificaram como fatores de risco para o desenvolvimento da CIF, o excesso de peso,11,18,19,22,48 o temperamento nervoso/stressado ou medroso,18,42 um estilo de vida estritamente de interior,18,19,22,42 a presença de vários gatos na casa,11,42 a vida sedentária/atividade física reduzida,18,42 o menor consumo de água,18 a dieta à base de alimento seco22,42,48 e a castração.22,50 Estes fatores de risco foram identificados em vários estudos epidemiológicos. No entanto deve-se ter em conta que estes fatores podem aumentar o risco de CIF, mas não têm que existir de um modo obrigatório em todos os gatos com esta doença.39

Outros fatores de risco descritos em alguns estudos, reportam-se à alimentação intervalada, às poucas mudanças na dieta, ao pouco conforto e segurança dos locais, quer sejam: de alimentação; de descanso ou de higiene; bem como a uma menor oportunidade para expressar o seu comportamento natural e à presença de vários dias chuvosos (inverno).18,19,31,42

Contudo, de um modo geral, todos os fatores descritos podem levar a um estado de stresse e/ou obesidade, o que corrobora que estes fatores desempenham um papel relevante na CIF. Daí que, o seu controlo, nesta doença seja muito importante.5,39,47

Neste contexto surge um estudo efetuado em 2015, no qual Lund et al.42 realizaram um estudo de caso-controlo, com o objetivo de identificar os fatores de risco, que tornam os gatos mais suscetíveis à CIF. Embora também tenham encontrado diferenças nos fatores descritos, os resultados da sua análise multivariada revelaram que os gatos com um excesso de peso/obesos e os nervosos/stressados eram os mais propensos a desenvolver a CIF.

2. Etiopatogenia

Ainda que na última década se tenha avançado muito no conhecimento da etiopatogenia da CIF, esta permanece como uma doença de causa desconhecida.7,21,39

Com o conhecimento atual e tendo em consideração as várias apresentações clínicas da CIF, pressupõe-se que se trate de uma síndrome de etiologia multifactorial,uma vez que os gatos afetados por esta doença não apresentam só alterações na bexiga e uretra (tabela 1). Evidenciam também alterações neuro-endócrinas (tabela 2) e até sistémicas.7,21,39,54,58,59,60

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REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Tabela 1 – Alterações neuro-endócrinas nos gatos afetados pela CIF

Alteração no Locus coeruleus e núcleo paraventricular (aumento da imunoreatividade da enzima tirosina hidroxilase durante períodos de repouso)7,21,54,58,60

Aumento da concentração plasmática da norepinefrina e seus metabolitos perante situações de stresse, bem como em períodos de repouso7,8,58,61,62

Dessensibilização funcional dos recetores α-2 adrenérgicos centrais7,54,58,60

Alteração funcional do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (menor resposta das glândulas adrenais à hormona adrenocorticotropina)21,62

Glândulas adrenais de menor dimensão (redução do tamanho da zona fasciculata e reticular, sem alterações histopatológicas)7,21,62

Tabela 2 – Alterações na bexiga nos gatos afetados pela CIF

Aumento marcado da permeabilidade do urotélio, o qual é aparentemente mais notório durante os períodos de stresse7,21,54,58,60,61

Diminuição da permeabilidade da parede da bexiga nos gatos com CIF submetidos a um enriquecimento ambiental7,61

Excreção urinária diminuída de glicosaminoglicanos7,21,25,45,58

Diminuição da concentração urinária de sulfato de condroitina associada ao aumento da concentração plasmática de sulfato de condroitina7,39,54,60

Alterações na libertação de neurotransmissores através do urotélio (óxido nítrico e a adenosina trifosfato)32,55,58,60

Aumento da concentração de norepinefrina no tecido vesical7,32,58,60

Aumento da sensibilidade e número das fibras sensitivas da bexiga7,32,39,54,58,60

Aparente interação entre as fibras nervosas sensitivas e as fibras eferentes simpáticas7,32,60

Alterações histopatológicas na parede da bexiga, que incluem o edema, a hemorragia, a vasodilatação, o aumento variável do número de mastócitos e a presença ocasional de úlceras7,39,54,58 Aumento da sensibilidade dos recetores muscarínicos da parede da bexiga, mas em estudos urodinâmicos posteriores não se encontrou evidência de bexiga hiperativa54,64

Pressões uretrais aumentadas (pressão uretral máxima e a pressão de oclusão uretral)64 Alteração da concentração de moléculas inflamatórias no tecido vesical ou na urina37,38,56

De fato é mais provável que na CIF, os principais fatores etiológicos sejam as alterações neuro-endócrinas e que a bexiga seja o órgão alvo, no qual se manifesta a forma clínica desta doença.39,58,60

Os vários estudos efetuados apontam no sentido da CIF surgir em consequência de um desfasamento entre a atividade do sistema nervoso simpático (SNS) e o eixo hipotálamo- hipófise-adrenal (HHA) perante situações de stresse. O SNS e o eixo HHA constituem as duas vertentes principais do sistema de resposta ao stresse.17,21,39,57,60,62

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REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

A inadequada resposta ou adaptação ao stresse manifesta-se assim com uma inflamação neurogénica no trato urinário inferior, culminando no aparecimento dos sinais clínicos típicos da CIF.2,7,14,23,39,54 Esta doença surge em gatos sensíveis num ambiente provocativo, pois estes são excessivamente sensíveis às alterações no seu meio ambiente, o que faz da CIF uma doença imprevisível.2,14,21,23,39,47

Neste contexto, sugere-se que o stresse, definido como uma resposta inespecífica do organismo perante uma agressão recebida, desempenha um importante papel na patogenia da CIF, atuando como agente desencadeador ou como fator que exacerba uma causa subjacente.2,7,14,21,44,60

A sequência de eventos que leva à manifestação clínica desta doença ainda não é totalmente conhecida. Contudo, pressupõe-se que o stresse crónico provoca a secreção do fator libertador da corticotropina (CRF) pelo hipotálamo (núcleo paraventricular), com a consequente estimulação da hipófise anterior e do Locus coeruleus (LC) localizado ao nível da ponte no tronco cerebral.2,7,14,21,44,59 A estimulação do LC resulta na ativação do SNS, com a consequente produção de catecolaminas (norepinefrina).21,44,59 A estimulação da hipófise anterior resulta na libertação da hormona adrenocorticotropina (ACTH), a qual estimula a biossíntese de cortisol nas glândulas adrenais.7,21,44,59,62

Nos gatos saudáveis o cortisol desencadeia um efeito de feedback negativo sobre o hipotálamo, a hipófise e o LC, restringindo a atividade do SNS.7,44,57,59 Contudo, nos gatos afetados pela CIF esse mecanismo de feedback negativo do cortisol encontra-se diminuído. Daí que em consequência do aumento do CRF, ocorra uma promoção da atividade do SNS como resposta ao stresse, tal como se esquematiza na figura 1.7,14,21,44,55,57,59,60

Figura 1- Representação esquemática da relação entre o eixo HHA e o SNS perante situações de stresse, nos

gatos saudáveis e nos gatos com CIF. As setas representam a estimulação e a linhas contínuas, a inibição. As linhas contínuas mais claras representam a diminuição da inibição.21,44,59

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REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

O SNS regula a libertação de norepinefrina, mediante um efeito de feedback negativo através dos recetores α-2 adrenérgicos localizados no cérebro (particularmente na área do LC).44 Como os gatos com CIF apresentam uma dessensibilização funcional desses recetores, observa-se um aumento do fluxo eferente noradrenérgico para a bexiga.7,31,57,60

A ativação exagerada do SNS leva à estimulação das fibras C da parede da bexiga associadas à dor.2,7,14,31,57,58,60 Essa ativação das fibras C conduz à libertação da substância P, um neurotransmissor que potencia a inflamação. Esta mesma substância desencadeia uma cascata de acontecimentos, tais como: a vasodilatação dos vasos sanguíneos intramurais; o aumento da permeabilidade vascular e da parede da bexiga; o edema da submucosa; a contração do músculo liso e a desgranulação dos mastócitos.2,7,14,21,31,60 Esta desgranulação resulta na libertação de múltiplos mediadores inflamatórios (histamina, heparina, serotonina e diversos tipos de citoquinas e prostaglandinas), os quais exacerbam a estimulação das fibras C, desencadeando uma reação contínua que agrava esta doença.7,17,31,59,60

Por outro lado, o aumento da permeabilidade urotelial origina uma diminuição da camada de glicosaminoglicanos (GAGs) que recobre a superfície do epitélio da bexiga.2,7,14,21,54,58 Esta camada tem uma importante função protetora, uma vez que ajuda a evitar a aderência de bactérias e cristais à superfície urotelial, formando uma barreira entre a urina e o urotélio.7,21,45,54 O aumento da permeabilidade do urotélio e as alterações na camada de GAGs permitem o contato direto das substâncias tóxicas da urina (tais como os iões potássio, magnésio, cálcio e mesmo o pH ácido) com as fibras C, provocando também a sua estimulação.7,21,32,54,55,60

Para além de ocorrer a libertação da substância P em consequência da ativação das fibras C, esta ativação leva também a uma transmissão de um impulso à medula espinhal, o qual é interpretado como dor pélvica.7,21,58,60 Os recetores α-2 adrenérgicos localizados na medula espinhal inibem a transmissão do impulso nociceptivo ao cérebro.31,44 Mas como referido, estes animais apresentam uma dessensibilização nestes recetores, o que leva à ausência desta inibição.7,54,58 A perceção da dor a nível central pode perpetuar o aumento da atividade do SNS, a qual perpetua a inflamação neurogénica da bexiga, como já descrito.7,14,31

Recentemente constatou-se que os gatos com CIF apresentam uma diminuição do fator de crescimento trefoil 2 (TFF 2) na urina e no tecido vesical. A deficiência do TFF 2 nos gatos com CIF pode indicar a presença de um severo comprometimento da capacidade de reparação e regeneração do urotélio. Este pode levar a que mesmo lesões pequenas possam causar grandes anomalias uroteliais e inflamação. Esta deficiência do TFF2 também pode

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REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

levar a uma inadequada resposta imunitária da bexiga, tornando-a mais suscetível à inflamação e à infeção, bem como a recidivas das doenças. Perante o exposto, salienta-se que estas alterações também poderiam elucidar o caráter crónico e recorrente desta doença, bem como o fato das alterações locais na bexiga se manterem presentes durante os períodos assintomáticos, mesmo quando estes são prolongados.38,39

Em relação à forma obstrutiva da CIF, esta pode surgir em consequência da contração do músculo liso, decorrente da inflamação neurogénica da bexiga. Esta contração muscular pode causar espasmos uretrais e a diminuição do diâmetro da uretra, originando uma obstrução funcional. A obstrução uretral também pode ocorrer em consequência da formação de tampões uretrais. Presume-se que estes tampões resultem da precipitação de proteínas séricas, que atingem o lúmen posteriormente à vasodilatação e ao extravasamento das proteínas plasmáticas da parede uretral inflamada. Deste modo, os cristais e outros detritos urinários são retidos na uretra e, conjuntamente com as proteínas precipitadas originam a obstrução.6,14,15,40,58 Por outro lado, a própria passagem de proteínas durante este processo de inflamação ativa, altera o pH urinário, predispondo à precipitação de cristais de estruvite.6,15,58

Em alguns gatos com CIF identificam-se sinais clínicos ou doenças coexistentes, principalmente as digestivas, as dermatológicas e os transtornos de comportamento.7,39,58,60 A patogenia e a interação entre os sistemas não são conhecidas, mas podem ser similares às que ocorrem no trato urinário inferior.21,39,60

Recentemente propôs-se o termo, Síndrome de Pandora, para descrever os gatos com quadro recorrente ou crónico de CIF, que também apresentam os transtornos descritos anteriormente. 7,39,60

Vários autores sugeriram que a inadequada adaptação ao stresse, apresentada pelos gatos com CIF, poderia ser de origem genética.7,60 Contudo, estudos recentes apoiam a hipótese de que essa inadequada adaptação ao stresse pode ter uma base mais epigenética do que genética.39 Há quem sugira que as situações stressantes na gata gestante e no feto em desenvolvimento possam ser um fator importante no desenvolvimento de um genótipo propenso a uma inadequada resposta ao stresse no gato adulto.7,60 Neste contexto, as hormonas resultantes da resposta ao stresse, por parte da fêmea gestante, exposta a níveis de stresse particularmente fortes, podem atravessar a placenta e afetar o curso do desenvolvimento fetal, provocando uma disfunção adrenal persistente. O objetivo biológico desta transmissão pode ser o de programar o desenvolvimento do sistema de resposta ao stresse fetal e dos comportamentos associados de modo a aprimorar a vigilância e aumentar a

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probabilidade de sobrevivência do animal. Por outro lado, os fatores de stresse no período pós-natal também podem resultar num aumento persistente da atividade central do CRF nos gatos.7 É pertinente referir que a modulação epigenética da expressão génica pode ser um mecanismo importante para o desenvolvimento das disfunções neuro-endócrinas a longo prazo, e como tal para o desenvolvimento da CIF.60

Apesar da inflamação neurogénica poder desempenhar um importante papel na patogenia desta doença, permanece ainda por determinar se esta constitui o evento primário ou secundário, potencialmente despoletado por um agente infecioso, desconhecido até ao momento.7,39

A hipótese de que alguns casos de CIF possam ser causados por infeções víricas e algumas bactérias não cultiváveis (ureaplasma, micoplasma), foi investigada nas últimas décadas. Neste contexto, foram identificadas várias partículas víricas (herpesvírus bovino 4, calicivírus felino, vírus sincicial felino) nos casos com CIF. Contudo não se pode demonstrar a relação entre a sua presença e a patogenia desta doença.7,39,58,60 A virúria, por calicivírus felino, foi detetada em gatos com CIF. Os estudos serológicos sugerem uma maior exposição ao calicivírus nos gatos com CIF, comparativamente com os controlos. Todavia, o seu significado como agente etiológico da CIF ainda é incerto.36,58

3. Quadro clínico

Do ponto de vista clínico, a CIF como já referido, pode apresentar-se sob a forma não obstrutiva ou a forma obstrutiva, sendo a forma não obstrutiva a apresentação clínica mais frequente. 39,58

O quadro clínico não obstrutivo carateriza-se por episódios agudos auto-limitantes com uma duração variável, que se resolvem espontaneamente num período de 2 a 7 dias, em mais de 90% dos gatos afetados por esta doença.17,20,21,39,58 Os sinais clínicos típicos são a polaquiúria, a disúria, a estrangúria, a hematúria e a periúria.14,17,21,39,58,60 O animal pode apresentar transtornos de ansiedade, agressividade, medo e hiper-reatividade, associados aos sinais clínicos já citados. Por vezes pode apresentar outros sinais clínicos pouco habituais, como a diminuição do apetite ou, em casos mais severos, anorexia, vómitos, diarreia, áreas de alopécia no abdómen caudal, as quais são auto-induzidas pelo animal devido à dor e/ou stresse, entre outros.2,39,58,60 É de referir que em algumas situações, a CIF não obstrutiva,

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manifesta-se unicamente com a periúria, sem os sinais clínicos de inflamação.31,39,60 Este quadro clínico pode surgir uma única vez durante a vida do animal. No entanto, aproximadamente 65% dos gatos afetados por esta doença sofrem um ou mais episódios durante o primeiro ou segundo ano após o episódio inicial da doença.4,14,21,39

O quadro obstrutivo carateriza-se pela presença de uma obstrução uretral, a qual se manifesta por vocalização durante a micção e esforços prolongados e improdutivos de micção (retenção urinária).6 Estes gatos podem apresentar ainda sinais clínicos de disúria, polaquiúria, hematúria e lambedura excessiva da região perineal na tentativa de aliviar a dor.40 À medida que a obstrução evolui, além dos sinais clínicos citados, observam-se ainda sinais clínicos de uremia, tais como: desidratação; anorexia; vómitos; dor abdominal; hipotermia; taquipneia, arritmias cardíacas e depressão, podendo o animal entrar em estado de choque nos casos mais severos. É de salientar que a presença de sinais clínicos de uma doença sistémica é uma caraterística distintiva do quadro clínico da CIF obstrutiva em comparação com o da CIF não obstrutiva. Estes sinais clínicos começam a surgir após 24 horas de obstrução uretral.6,15,40 Na prática clínica, um gato obstruído com sintomatologia sistémica é considerado uma urgência médica, uma vez que a morte do animal por falência renal pode ocorrer num período compreendido entre as 48 e as 72 horas após o início da obstrução uretral.15,40 É de salientar que na maioria dos casos trata-se do primeiro episódio de obstrução uretral.6 Contudo, 25 a 40% dos gatos sofrem recorrências da mesma, as quais podem surgir nos dias ou semanas seguintes ao episódio inicial ou até meses após.16,17,40

4. Diagnóstico

O diagnóstico da CIF efetua-se por exclusão de todas as possíveis causas da DTUIF anteriormente citadas. Nesta perspetiva é muito importante realizar-se sempre uma anamnese e um exame físico rigorosos e sistemáticos. A realização dos exames complementares de diagnóstico, bem como a sua sequência, dependerá da apresentação clínica e da disponibilidade económica do proprietário.14,21,39,60

A anamnese é de extrema relevância nos casos de CIF. Aquando da realização desta, devem-se recolher informações relacionadas com a idade, o género, a raça, o estado reprodutivo, o temperamento, as reações, a condição corporal, o tipo de dieta, o estilo de vida do animal, o tipo de habitação, os recursos disponíveis, a origem do gato e da sua progenitora,

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bem como, averiguar se houve qualquer fator de stresse que possa ter desencadeado o problema.39,58 A identificação dos fatores de stresse constitui um apoio para o diagnóstico da CIF, principalmente, quando o proprietário vincula claramente o aparecimento dos sinais clínicos com uma situação específica. Contudo, o mais importante a reter é que conhecer os fatores de risco e de stresse para cada gato em particular, é muito útil para o posterior maneio da CIF a longo prazo.14,17

Para além da colheita de dados inerentes ao historial individual detalhado do gato referido anteriormente, é de igual modo imprescindível investigar a evolução da doença, isto é, averiguar se é o primeiro episódio da doença, se os sinais clínicos se manifestaram de um modo agudo ou crónico ou se o episódio se reporta a uma recorrência.17,58,60

Após se ter efetuado a anamnese, procede-se a um exame físico completo e pormenorizado para avaliar o estado clínico do animal, dando especial atenção ao trato urinário e à região perineal.6,39,40 Aquando da realização do exame físico, é deveras importante avaliar a permeabilidade uretral mediante a palpação e avaliar o grau de distensão da bexiga. Caso se observe uma obstrução uretral, devem-se realizar exames complementares de diagnóstico e implementar um tratamento específico de urgência.40

Nos casos de CIF não obstrutiva, o exame físico geralmente não revela nenhuma alteração e a bexiga pode ou não ser palpável. Quando palpável, geralmente apresenta-se de pequenas dimensões, podendo-se provocar a micção com a palpação abdominal, não havendo outras alterações ao exame físico.21,39 Nos casos mais severos, pode-se notar certo espessamento da parede da bexiga, bem como dor à palpação abdominal.58

Na CIF obstrutiva e num estado inicial, o exame físico pode também não revelar alterações, à exceção de uma bexiga palpável, dolorosa, distendida com paredes tensas e que à compressão manual da bexiga não permite a micção.6,15,40 Estas caraterísticas diferenciam, ao exame físico, uma CIF obstrutiva de uma CIF não obstrutiva. Em casos mais graves podem-se detetar os sinais clínicos de doença sistémica já referidos.15,40

No procedimento diagnóstico da CIF é fundamental realizar uma análise de urina tipo II que inclua a avaliação do aspeto, da densidade específica, das propriedades bioquímicas e análise do sedimento urinário. No entanto, este exame complementar não é sensível nem específico para esta doença, uma vez que pode apresentar resultados semelhantes nas várias causas de DTUIF.39,49,57,58,60

Nos casos de CIF, os resultados observados mais frequentemente são a presença de proteinúria e hematúria. Também se pode verificar uma ligeira piúria e cristalúria

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(frequentemente de estruvite), bem como obterem-se resultados completamente normais.14,39,49,51,57,58

Relativamente à densidade urinária, é de referir que a mesma varia em função do tipo de dieta dos gatos. Normalmente os gatos alimentados exclusivamente com rações comerciais húmidas, apresentam uma densidade urinária superior a 1,025 e os alimentados exclusivamente com rações comerciais secas, apresentam uma densidade urinária superior a 1,035.14,39 No entanto, os gatos com CIF apresentam frequentemente uma urina concentrada.39,58

No que concerne ao pH urinário, este não é um parâmetro útil no diagnóstico da CIF, uma vez que, é influenciado por vários fatores.14,39 Este parâmetro, nos casos de CIF, pode ser normal, alcalino ou ácido. Contudo, os gatos afetados por esta doença, apresentam frequentemente uma urina ácida.39

Outra alteração frequente que se pode encontrar na análise de urina é a presença de glicosúria, a qual está associada à hiperglicemia por stresse e à retenção de urina.39,49

A cultura microbiológica de urina não tem grande utilidade no primeiro episódio de CIF nos gatos adultos com menos de 10 anos, uma vez que a grande maioria destes animais apresentam uma urina estéril. Todavia, é imprescindível e deve ser realizada para descartar uma ITU nos gatos que apresentem recorrências (> 2) ou nos gatos que tenham mais de 10 anos, bem como nos gatos que apresentem uma piúria marcada com/sem bacteriúria ou com uma densidade urinária inferior a 1,020 na análise de urina tipo II.6,39,58,60

Consistindo a CIF num diagnóstico de exclusão, a análise de sangue que inclua um hemograma, bioquímica sérica e um ionograma, pode ser útil para descartar outras doenças sistémicas. Contudo não é considerada um exame complementar necessário, a não ser que se trate de um caso de CIF obstrutiva ou quando o gato apresente uma densidade urinária diminuída ou que haja a suspeita de outra doença sistémica.15,40

Nos casos de CIF não obstrutiva, os resultados da análise de sangue são normais, podendo por vezes, revelar um leucograma de stresse e a presença de uma hiperglicemia. Ambas as alterações estão relacionadas com o stresse.14,39

Nos casos de CIF obstrutiva, a analítica sanguínea revela frequentemente: aumento da ureia e da creatinina; acidose metabólica; hipercalemia; hiperfosfatemia; hipocalcemia e hiponatremia.6,15,40

Nos gatos com DTUIF é extremamente importante realizar o exame radiográfico que inclua todo o trato urinário inferior, uma vez que a urolitíase é uma das principais causas

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deste quadro clínico.39,57,58,60 Assim sendo, uma radiografia abdominal simples permite descartar esta doença na grande maioria dos casos, atendendo a que os urólitos mais frequentes são os de estruvite e os de oxalato de cálcio, os quais são radiopacos. No entanto, só permite a deteção de urólitos com mais de 3 mm de diâmetro.2,39,58,63

Nos casos de CIF não obstrutiva, uma radiografia abdominal simples, normalmente revela uma bexiga de pequenas dimensões, com uma radiopacidade homogénea sem outras alterações radiográficas.34,63

Na CIF obstrutiva a radiografia abdominal deve ser realizada, de preferência, antes da descompressão da bexiga por cistocentese, desde que o gato se encontre clinicamente estável, a fim de se detetar se o que está na origem da obstrução uretral é ou não um urólito.6,40

A radiografia de contraste é um exame pertinente, especialmente nos gatos que apresentem episódios recorrentes ou sinais clínicos persistentes.39,58,60 Este exame complementar de diagnóstico inclui, a cistografia (indicada quando não se observam alterações na ecografia ou na impossibilidade de se realizar um exame ecográfico), a uretrografia (indicada se há história prévia de obstruções ou algaliações) ou a uretrocistografia.34,39,58 Esta técnica é o método de diagnóstico de eleição para avaliar a uretra em toda a sua extensão, podendo ser importante na deteção de pequenos urólitos radiolucentes, anomalias anatómicas como a estenose uretral e a persistência do divertículo uracal, bem como na deteção de tampões uretrais e de alterações da permeabilidade ou espessura da parede vesical. Em aproximadamente 85% dos gatos com CIF não obstrutiva, esta técnica de diagnóstico apresenta-se sem alterações clínicas relevantes.34,39,58,63

A ecografia abdominal é um exame complementar rápido e muito útil, para descartar a presença de coágulos e urólitos com mais de 2 mm, especialmente os não radiopacos, bem como avaliar a espessura da parede da bexiga. 34,39,58,63 No entanto, apesar de esta ser um bom método de diagnóstico, não é o mais indicado para avaliar os problemas uretrais, visto que só permite a avaliação da porção proximal da uretra, porque a porção distal encontra-se localizada por detrás do osso pélvico.34,63

Os médicos veterinários utilizam habitualmente a radiografia e a ecografia para efetuar o diagnóstico da CIF, mesmo quando se trata do primeiro episódio da doença do gato.34,39

A realização de uma endoscopia urinária está recomendada nos casos em que se necessita de um plano de diagnóstico mais aprofundado, principalmente quando a radiografia de contraste, a ecografia e a cultura urinária não confirmaram o diagnóstico.39,60 Esta é considerada o melhor método para o diagnóstico da CIF, atendendo a que permite a

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visualização direta da mucosa da uretra e da bexiga, de um modo ampliado. Esta visualização pormenorizada faculta a deteção precoce de urólitos, os quais podem não ser visíveis na radiografia nem na ecografia. Permite ainda a visualização de pólipos e outras neoplasias da parede da bexiga, bem como de estenoses ou divertículos da uretra e de alterações vasculares caraterísticas da cistite.39,58

Nos casos de CIF, a endoscopia urinária pode revelar um edema da mucosa do trato urinário, um aumento da vascularização local com vasos tortuosos e glomerulações (petéquias na submucosa), tanto nos machos como nas fêmeas. A friabilidade e fibrose da mucosa da bexiga e de detritos celulares no lúmen da mesma, também são alterações observáveis nesta doença.34,39,57 Nas fêmeas estas lesões restringem-se na maioria das situações à bexiga. Em contrapartida, nos machos é frequente observarem-se lesões também ao nível da uretra.63 Contudo, este exame pode não revelar alterações em alguns casos. É de salientar que a severidade dos STUI nos gatos, não é necessariamente proporcional ao grau e número das lesões observadas na cistoscopia.39,58

O exame histopatológico da bexiga não é necessário para o diagnóstico da CIF, a não ser que os resultados dos exames complementares, anteriormente descritos, apontem para uma suspeita de neoplasia.39,58

Nos casos de CIF, o exame histopatológico apresenta alterações não específicas, as quais podem incluir: urotélio íntegro ou danificado com edema da submucosa; dilatação dos vasos sanguíneos com neutrófilos marginais; presença de hemorragia e a presença de um infiltrado de mastócitos na submucosa da bexiga.39,58,60

Existem alguns exames ou novas técnicas de diagnóstico que se encontram em fase de estudo/avaliação, as quais ainda não estão disponíveis na prática clínica, todavia presume-se que estejam disponíveis no futuro.39 Estas técnicas incluem a electroforese das proteínas urinárias e a microespectroscopia por infravermelho do soro, cujos estudos preliminares revelam resultados promissores para o diagnóstico da CIF. 37,39,56,60

Estudos identificaram alterações em vários constituintes urinários, nomeadamente na fibronectina, no TFF2 e nos GAGs.38,39,56,60 Estes, devido às diferenças da sua concentração urinária entre os gatos com CIF e os saudáveis, poderiam vir a ser utilizados como biomarcadores para o diagnóstico da CIF. Contudo, estes meios complementares de diagnóstico ainda não se encontram disponíveis na prática clínica.38,39,57

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5. Tratamento

A CIF é uma doença complexa que ainda não está totalmente compreendida. Encontra-se associada a uma grande variabilidade individual na evolução clínica da doença, assumindo em muitos casos, um caráter crónico cujos episódios dependem dos fatores ambientais a que o gato é exposto.21,39

Presentemente não existe cura para a CIF. Os objetivos primordiais do tratamento centram-se: na redução das recorrências; no aumento do intervalo entre episódios da CIF; na diminuição da severidade e duração dos sinais clínicos, bem como na prevenção do risco de obstrução uretral nos machos, de modo a melhorar a qualidade de vida dos gatos e dos proprietários.20,21,39

Tendo em consideração que esta doença pode ser crónica e frustrante, é fundamental uma excelente comunicação com o proprietário, no intuito de o sensibilizar e co-responsabilizar pelo sucesso do tratamento destes animais, de modo a evitar a desmotivação, o abandono ou a eutanásia dos gatos afetados.57,58

Ao longo das últimas décadas, foram publicadas dezenas de opções terapêuticas, descritas como eficazes no controlo da CIF, no entanto a resposta clínica veio provar que não eram tão eficazes quanto o esperado. Perante o exposto, são necessários estudos controlados, randomizados e duplamente cegos para determinar o melhor maneio para esta doença complexa.20,21,39

Atualmente, o tratamento da CIF baseia-se num maneio multidisciplinar, que combine o tratamento nutricional, a redução do stresse e o tratamento médico, os quais são os três pilares da trilogia do plano terapêutico desta doença.23,39

5.1. Tratamento nutricional

O tratamento multidisciplinar da CIF inclui recomendações nutricionais específicas, as quais coadjuvam no controlo desta doença em muitos casos.27,33

Os fatores nutricionais que detêm impacto no aparecimento da CIF e contribuem para o controlo desta doença reportam-se: à diminuição da concentração urinária de mediadores inflamatórios e minerais calculogénicos; à diminuição da retenção de cristais no trato urinário; ao aumento da concentração urinária de mediadores anti-inflamatórios e inibidores da

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cristalização; ao aumento da solubilidade dos cristalóides na urina, bem como ao controlo do peso nos gatos com excesso de peso/obesos, de modo a melhorar a sintomatologia, diminuir as recorrências da CIF e o risco de obstrução uretral.21,27,28,33,39

A primeira abordagem ao maneio nutricional dos gatos com CIF consiste na administração de um alimento húmido, visto que os estudos publicados, até ao momento, indicam que os gatos alimentados com rações húmidas apresentam uma menor prevalência de

CIF.21,27,28 O mecanismo de ação da ração húmida ainda não se encontra totalmente explicado.

No entanto a administração deste tipo de ração, foi associada a um aumento da ingestão de água, o que conduz ao aumento do volume urinário, com consequente aumento da frequência da micção.21 Como consequência deste fato surge uma diminuição da densidade urinária, isto é, observa-se a diluição da concentração dos constituintes da urina potencialmente nocivos/irritantes para a mucosa da bexiga, tais como a ureia e o cloreto de potássio. Com esta diluição contribui-se para a redução da inflamação e da dor, bem como do tempo de retenção da urina na bexiga, reduzindo assim o potencial crescimento de cristais, o qual reduz o risco de formação de tampões uretrais.21,27,28,33,60

O aumento da ingestão hídrica no gato com CIF foi sugerido como um ponto-chave no maneio desta doença.4,27,33,58,60 Todavia o seu efeito não foi avaliado na CIF de um modo independente da ração húmida.20,21,33 A alimentação exclusivamente com uma ração húmida de qualidade é considerada o melhor método para aumentar a ingestão de água nos gatos. Embora os gatos saudáveis bebam uma maior quantidade de água, quando alimentados com uma ração seca em comparação à ingerida quando alimentados com uma ração húmida. O volume total de água ingerida é significativamente maior, quando os animais são alimentados com uma ração húmida.4,33

As rações enriquecidas com sódio também possuem o efeito de diluição urinária ao ocasionarem um aumento na ingestão de água.4,20,21,27 No entanto o potencial benefício da sua administração nos gatos com CIF, ainda não foi estudado, bem como as consequências, a longo prazo, do consumo de rações com um elevado teor de sódio.4,20,21,33

Existem outros métodos para aumentar o consumo de água nos gatos, nomeadamente a adição do caldo de carne ou água ao alimento. Nenhum destes métodos foi avaliado nos gatos com CIF.20,21,58,60

Assim sendo, o uso de rações enriquecidas com sódio ou métodos adicionais para o aumento da ingestão de água, devem ser considerados caso os gatos não aceitem a alteração

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da dieta ou caso se verifiquem recorrências da doença após a implementação do tratamento recomendado.20,21

Os ácidos gordos ómega-3, incluindo o ácido eicosapentaenoico (EPA) e ácido docosahexaenoico (DHA), bem como os antioxidantes como a vitamina E e os β-carotenos são potentes agentes anti-inflamatórios.21,27 Estes ácidos gordos são absorvidos e incorporados nas membranas celulares, incluídas as da bexiga, onde podem alterar a produção dos mediadores inflamatórios.21 A vitamina E e os β-carotenos são potentes antioxidantes que têm mostrado um efeito protetor contra a lesão oxidativa nos tecidos da bexiga com inflamação.21,27

Perante o exposto e devido às lesões que se observam no urotélio dos gatos com CIF, o enriquecimento da dieta com estes antioxidantes foi sugerido como potencial limitante da lesão tecidual, que ocorre na bexiga destes animais. De um modo similar, a administração de ácidos gordos ómega-3 de cadeia longa, como EPA e DHA, devido ao seu efeito anti-inflamatório, são sugeridos como benéficos para o tratamento da CIF.27

Existem diversas rações terapêuticas específicas, disponíveis no mercado, para problemas urinários, as quais apresentam níveis variáveis de antioxidantes e ácidos gordos ómega-3. No entanto, não há evidências científicas de que estas dietas reduzam a taxa de recorrência da CIF. A maioria das rações ainda não foi objeto de estudo e a dose terapêutica óptima dos ácidos gordos ómega-3 e dos antioxidantes para gatos com CIF, ainda não foi determinada.21 Todavia, um estudo recente avaliou a eficácia e a segurança de uma ração terapêutica urinária enriquecida com ácidos gordos ómega-3 (EPA e DHA) e antioxidantes, na prevenção de episódios recorrentes da CIF. Uma das conclusões do estudo revelou que a taxa de recorrência foi 89% menor nos gatos que receberam a ração enriquecida de um modo contínuo, ao longo de 12 meses, em comparação com os gatos alimentados com a ração de controlo.35 É de referir que a ração avaliada, tinha o perfil nutricional da ração Hill’s Prescription Diet c/d Multicare Feline e a ração de controlo foi formulada especificamente para cumprir ou superar os requisitos nutricionais para gatos adultos estabelecidos pela

Association of American Feed Control Officials.35 No entanto, deve ser realçado o fato da ração testada, para além de apresentar uma concentração consideravelmente maior de antioxidantes e ácidos gordos ómega-3, também diferia ligeiramente na concentração de minerais e no pH urinário, em comparação com a ração de controlo.35 Perante o exposto, o efeito dos diferentes nutrientes no resultado obtido, não pode ser analisado em separado. Contudo, estes resultados são prometedores, embora não se saiba, se este tipo de ração tem

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efeito nos episódios crónicos da CIF.21,27,28 Este estudo foi o primeiro a demonstrar, que as rações com perfis nutricionais diferentes influem nas manifestações dos sinais da CIF nos gatos.35

Como referido anteriormente, pensa-se que o stresse desempenha um importante papel no aparecimento e perpetuação da CIF. Como tal, está recomendado reduzi-lo como parte essencial do maneio multimodal nos gatos afetados por esta doença.4,21 Os efeitos benéficos de uma série de nutrientes, nomeadamente do L-triptofano e da α-casozepina, nos comportamentos associados com a ansiedade e o stresse são conhecidos em diferentes mamíferos incluindo os gatos.4,21,27,53

O L-triptofano é um aminoácido essencial e precursor do neutrotransmissor serotonina. Esta apresenta um efeito modulador marcado em quase todas as funções do sistema nervoso central (SNC), influenciando o humor, a ansiedade, o stresse, a agressão, a sensação de saciedade, a capacidade cognitiva e de aprendizagem.4,21,27,53 Atendendo a que a serotonina não pode atravessar a barreira hematoencefálica, a incorporação de uma quantidade adequada de L-triptofano na dieta, é importante para facilitar a síntese da serotonina no cérebro.4,21 O efeito desta suplementação nos sinais e comportamentos associado com o stresse, foi objeto de estudo em gatos saudáveis que viviam num ambiente com vários gatos. Este estudo revelou que os gatos, que receberam o suplemento com L-triptofano, com uma dose de 12,5 mg/kg do animal, durante dois meses apresentaram uma redução significativa nos comportamentos associados ao stresse e à ansiedade, em comparação com o grupo de gatos que recebeu o placebo. Deste estudo conclui-se que o suplemento de L-triptofano, nos gatos que convivem com outros gatos, pode ser um complemento benéfico para reduzir os sinais de stresse e ansiedade, bem como melhorar o bem-estar do animal.46

No que concerne à α-casozepina, a qual é um derivado da hidrólise da caseína do leite, esta foi associada ao alívio significativo do stresse em vários estudos nos humanos e roedores. Contudo o mecanismo exato dos seus efeitos ansiolíticos é desconhecido, mas pode ser mediado pelo complexo recetor do ácido γ-aminobutírico (GABA) e das benzodiazepinas.4,21,53 A eficácia da administração oral de α-casozepina na proporção de 15 mg/kg do animal, como ansiolítico nos gatos durante 56 dias, foi avaliada em gatos com problemas de comportamento. Este estudo revelou vantagens no tratamento dos transtornos da ansiedade com este composto nos gatos, uma vez que, 59% dos gatos que receberam o suplemento com α-cazosepina revelaram uma redução significativa na ansiedade. Os

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resultados deste estudo demonstraram a eficácia da α-casozepina no maneio dos gatos com condutas comportamentais atribuídas a um ambiente social stressante.3

Estes estudos demostraram que o L-triptofano e a α-cazosepina reduzem os sinais de ansiedade e de stresse. A sua utilização pode ser benéfica nos gatos com CIF ou noutros transtornos que surjam a partir de uma resposta anómala ao stresse. No entanto, não existem estudos que demonstrem o benefício da administração isolada destes compostos em gatos com

CIF.21,27 Os efeitos da sua administração a longo prazo, também permanecem sem estudo, o

qual seria pertinente atendendo à natureza autolimitante da maioria dos episódios de CIF.4,21,27 É de salientar que embora haja evidência dos potenciais benefícios do uso destes compostos como agentes moduladores do stresse, a sua administração oral diária poderia constituir um fator de stresse para alguns gatos.21,27 Neste âmbito o uso de rações terapêuticas que contenham estes nutrientes específicos, é considerado uma nova abordagem para o maneio do stresse nos gatos com CIF.21,27,28

Existem no mercado algumas rações terapêuticas enriquecidas com L-triptofano e α-casozepina.21 No entanto a maioria destas rações não foi alvo de estudo, daí que não haja evidências científicas do benefício da sua administração em gatos com CIF. Neste contexto, Meyer & Becvarova43 estudaram o efeito de uma ração terapêutica enriquecida com L-triptofano e α-casozepina no maneio de gatos com CIF. Esta ração tinha o perfil nutricional da ração Hill’s Prescription Diet c/d Feline Urinary Stress. Os resultados deste estudo revelaram uma redução significativa dos comportamentos de medo, nervosismo, “grooming” (ato de auto-limpeza do pelo) excessivo. De igual modo observou-se uma menor tendência para a agressividade, assim como uma melhoria significativa na qualidade de vida dos animais. É de salientar que também se verificou uma redução significativa nos STUI (polaquiúria, estrangúria e disúria). Na hematúria e periúria, essa redução não foi significativa. Este estudo foi o primeiro a demonstrar o efeito positivo de uma ração enriquecida com L-triptofano e α-casozepina na redução dos STUI e nos sinais de ansiedade/stresse em gatos com CIF. Contudo, é de salientar que como o estudo não foi controlado, não se pode descartar o efeito de placebo, o que poderia ter enviesado os resultados. Também o período do estudo foi de curta duração. Este fato reduz a possibilidade de se efetuar uma avaliação sustentável, sobre o efeito do uso desta ração na taxa de recorrência da CIF. Perante o exposto sugere-se que seriam pertinentes estudos randomizados e controlados a longo prazo, que corroborem o benefício da sua administração no controlo da CIF.4,21,27

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Outros suplementos nutricionais sugeridos para o tratamento da CIF são os GAGs, como o polisulfato sódico de pentosano, a glucosamina e o sulfato de condroitina.20,21,27 Como descrito anteriormente, há uma diminuição significativa da excreção urinária dos GAGs nos gatos com CIF, os quais são essenciais na manutenção da camada protetora de GAGs que reveste o urotélio.4,21,31,54 Pelo referido, os efeitos da suplementação com GAGs têm sido alvo de estudo, por se considerar que os mesmos poderiam regenerar a camada de GAGs, com consequente diminuição da permeabilidade do urotélio.4,20,21,25 Alguns autores atribuem-lhes mesmo uma ação analgésica e anti-inflamatória, ajudando a reduzir a inflamação e a dor associada a esta doença.20,27 Um estudo realizado para avaliar o efeito da glucosamina no maneio da CIF, revelou que a sua administração diária durante seis meses, não evidenciou diferenças significativas na redução da severidade ou da recorrência dos sinais clínicos em comparação com a administração do placebo. No entanto, os proprietários de alguns gatos tratados com a glucosamina descreveram uma leve melhoria no seu gato.25 Noutro estudo, também não se observaram diferenças significativas na concentração urinária de GAGs nos gatos que receberam suplementação oral de N-acetil-D-glucosamina, em comparação com os que receberam o placebo.45 Nestes estudos não se observaram efeitos adversos associados à administração destes compostos, sendo a sua utilização segura. Contudo, há autores que associam a sua administração a: tempos de coagulação aumentados; diarreias; náuseas; dor abdominal; alopécia e resistência à insulina.25,45

Perante o exposto, é de referir que não há evidências científicas suficientes para recomendar o uso de GAGs no tratamento da CIF. O efeito da suplementação com GAGs varia muito de um gato para outro, observando-se uma resposta muito positiva em alguns casos e noutros, uma eficácia praticamente nula.21 Pelo descrito, é possível que os GAGs sejam úteis no maneio individual de certos animais, podendo ser utilizados nos casos de CIF recorrente, quando não há uma resposta satisfatória a outros tratamentos.20,21

A obesidade e o excesso de peso são fatores de risco para o aparecimento de problemas urinários nos gatos.5,27,28 Estudos retrospetivos recentes apontam a obesidade como um fator de risco para a CIF. Nos gatos obesos portadores desta doença, recomenda-se tratar sempre a obesidade mediante a implementação de um plano de perda de peso, que seja pouco agressivo, para minimizar o stresse associado à restrição calórica.5,27,60 Nestes casos, deve-se escolher uma ração terapêutica húmida para a obesidade e caso necessário adicionar mais água ao alimento ou uma ração terapêutica destinada a casos de excesso de peso/obesidade e CIF, em simultâneo.5 Existem à disposição da equipa veterinária, várias gamas de rações para

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REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

o controlo da CIF e/ou do excesso de peso/obesidade, de modo a facultar a opção nutricional, que melhor se adapte à situação particular de cada animal.5,27

Nos gatos que apresentam CIF e outras doenças concomitantes, é necessário implementar o tratamento nutricional segundo cada caso individual.27

Como os gatos são excessivamente sensíveis a qualquer alteração na dieta, o tratamento nutricional pode ser um problema adicional. Qualquer alteração necessária deve ser realizada de um modo gradual. Neste sentido, introduz-se o novo alimento em conjunto com o alimento habitual, noutro comedouro em localização adjacente. Deste modo o gato pode manifestar a sua preferência e não encarar o novo alimento como um fator de stresse. Posteriormente, e caso o gato aceite o novo alimento, vai-se diminuindo o alimento antigo em 25% cada dia, até à sua total substituição. Durante o período de adaptação, o novo alimento pode ser oferecido diretamente na boca do gato pelo proprietário, o que pode favorecer/estimular o interesse do gato pelo novo alimento, bem como promover a interação com o seu proprietário. É de salientar que nunca se deve forçar o gato a aceitar o novo alimento, caso contrário o animal pode criar aversão ao mesmo. Se estas medidas não forem eficazes, e o gato recusar o novo alimento, o melhor é manter a dieta habitual.26,27,47,52

Para que a dieta instituída seja eficaz ao longo do dia, em relação ao pH, à concentração dos precursores e à densidade urinária, preconiza-se alimentar o gato múltiplas vezes ao dia. Idealmente 3 ou mais refeições por dia.27 A frequência da alimentação também influencia o consumo de água por parte do gato. Um estudo, em gatos adultos saudáveis, revelou que a ingestão de água total era significativamente maior, nos que faziam 2 a 3 refeições por dia, em comparação com a dos gatos que faziam uma única refeição por dia.20

A frequência da alimentação e a quantidade de alimento ingerido por refeição também têm impacto na magnitude do aumento pós-prandial do pH urinário.33 Assim sendo, nos gatos alimentados periodicamente, observam-se aumentos pós-prandiais marcados do pH urinário (6,1 a 7,6). Enquanto os gatos alimentados ad libitum apresentam apenas um ligeiro aumento pós-prandial (6,4 a 6,9) ao longo do dia. A alimentação ad libitum ou distribuída por pequenas refeições ao longo do dia, contribui para a diminuição da ansiedade por falta de alimento.14,27,33 Neste contexto, os gatos devem ser alimentados com pequenas quantidades de alimento, várias vezes ao dia, o que acaba por mimetizar a frequência da sua alimentação na natureza.27,52 Contudo, deve-se ter em atenção se a quantidade total de alimento que se fornece ao animal, é a adequada, de modo a evitar o excesso de peso/obesidade.27

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Figura  1-  Representação  esquemática  da  relação  entre  o  eixo  HHA  e  o  SNS  perante  situações  de  stresse,  nos  gatos  saudáveis  e  nos  gatos  com  CIF
Tabela 3 – Variáveis epidemiológicas e clínicas analisadas na amostra
Gráfico  1  –  Distribuição  percentual  das  etiologias  da  DTUIF  diagnosticadas  na  população  felina  no  período  referente a este estudo
Gráfico 2 – Distribuição percentual da raça da população felina contemplada no estudo
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Referências

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