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Neste estudo procedeu-se à averiguação da frequência das várias etiologias da DTUIF no RHV. Neste âmbito, a CIF foi o diagnóstico mais frequente, tendo sido diagnosticada em 65% dos casos de DTUIF. Este resultado é similar aos de outros estudos realizados anteriormente, onde se descreveram taxas de incidência de 55 a 69%. No que concerne às outras etiologias da DTUF, não há um consenso entre os vários estudos.11,19,22,25,41,48,50 Neste estudo o segundo diagnóstico mais frequente foi o tampão uretral, tal como o observado em alguns estudos anteriores.41,50 Contudo Dorsch et al.19 observaram que a causa mais frequente, posteriormente à CIF era a ITU. Em contrapartida Gerber et al.22 e Pusoonthrnthum et al.48 concluíram que era a urolitíase. As discrepâncias entre as proporções destas etiologias da DTUIF, nos vários estudos podem ser atribuídas às diferentes definições da doença, critérios de exclusão utilizados e às diferentes populações em estudo.

Presume-se que a verdadeira proporção de gatos com tampões uretrais, esteja subestimada nos vários estudos. A maioria dos tampões uretrais desloca-se para a bexiga durante o procedimento da algaliação, o que impede a confirmação visual da sua presença.17 Este fato pode conduzir a um diagnóstico erróneo de CIF, atendendo a que esta consiste num diagnóstico por exclusão. Perante o exposto, conclui-se que a diferenciação entre obstrução por tampões uretrais e a forma obstrutiva da CIF é difícil e por vezes impossível, tal como o discutido por Gerber et al.22 e Saevik et al.50

Estudos realizados nos Estados Unidos da América, revelaram uma baixa incidência da ITU (< 3%). Esta incidência pode ser justificada, pelo fato destes estudos terem incluído particularmente casos referenciados.21 Em contraste o estudo de Dorsch et al.19, bem como o estudo realizado por Saevik et al.50 compreendem maioritariamente casos não referenciados. Todavia Saevik et al,50 excluíram os gatos com outras doenças concomitantes. Estas doenças reportam-se à insuficiência renal crónica, ao hipertiroidismo ou à diabetes mellitus. A exclusão destas doenças pode explicar a menor incidência da ITU (5,1%) em comparação com o de Dorsch et al.19 (18,9%). É de salientar que no nosso estudo, só foram incluídos gatos com DTUIF sem outra doença concomitante, o que pode ter conduzido à baixa incidência da ITU observada.

Em relação à baixa percentagem da atonia vesical, esta coaduna-se com os estudos prévios.19,22,41,48,50

DISCUSSÃO

No referente à caraterização epidemiológica e clínica dos gatos com CIF, salienta-se que a maior percentagem dos gatos com CIF incluídos neste estudo pertencia à raça Europeu comum, precedida de uma pequena proporção de gatos de raça pura. Resultado similar ao obtido em estudos anteriores recentes.19,41 Acreditamos que esta distribuição reflete a população felina atendida no RHV, na qual os gatos da raça Europeu comum superam os de raça pura.

A CIF pode ocorrer em qualquer idade, no entanto prevalece entre o 1 e os 10 anos. Em vários estudos anteriores definiu-se a faixa etária entre os 2 e os 7 anos, como sendo a de maior risco para o desenvolvimento da CIF. 10,11,18,19,22,50 Este resultado encontra-se em sintonia com os resultados obtidos nesta amostra.No entanto, obteve-se uma percentagem de CIF de 15% em animais com mais de 10 anos. Esta percentagem é mais elevada que a descrita em estudos prévios (5%).14,21,54 A causa deste resultado permanece desconhecida. Contudo, é inferior à referida por Dorsch et al.19 (35,8%). A idade média dos gatos com CIF neste estudo foi de 5,7 anos, resultado semelhante ao referido noutros estudos.19,42

Vários estudos descrevem que a CIF não apresenta predisposição sexual.10,42,58 No entanto, outros estudos referem-na como ocorrendo mais frequentemente em machos, tal como o verificado neste estudo. 18,19,50

Na literatura estão descritos vários fatores de risco para o desenvolvimento da CIF.5,55 Estes fatores incluem o excesso de peso/obesidade, o temperamento nervoso/stressado ou medroso, um estilo de vida estritamente de interior, a presença de vários gatos em casa, o menor consumo de água, uma dieta à base de alimento seco, a castração, os eventos de stresse (conflitos entre gatos na mesma casa, mudança de habitação) entre outros.10,11,19,22,42,48,50 Tal como se pode observar, a maioria dos gatos deste estudo foi exposta a vários fatores de risco para a CIF, situações análogas às verificadas em estudos anteriores.10,11,18,19,22,42 Contudo, neste estudo obteve-se uma percentagem reduzida de animais com temperamento nervoso em comparação com a descrita em estudos anteriores.11,18,42 Este fato presume-se que possa estar relacionado, com a incapacidade dos proprietários em identificar os sinais de stresse ou na interpretação das reações dos gatos. Atendendo a que os proprietários consideram os seus gatos como meigos, o pode estar em desacordo com o temperamento real do animal.

Os resultados de vários estudos indicam que a CIF ocorre mais frequentemente durante os meses do inverno.10,18,31,37 Essa predominância sazonal também foi observada neste estudo.

DISCUSSÃO

Relativamente ao historial clínico, verificou-se que 46% dos gatos observados eram recidivantes. Este dado reflete a cronicidade desta doença. Resultado similar ao descrito em estudos anteriores, que reportam uma recorrência entre 43% a 65%.19,55,58,60

Os sinais clínicos observados e os resultados dos exames complementares de diagnóstico, obtidos são semelhantes aos anteriormente relatados.18,19,22,31 Presume-se que a variação de percentagens obtida, nos diversos estudos, esteja associada ao diferente grau de gravidade com que os proprietários procuram a assistência veterinária. Bem como à sua (in) capacidade em reconhecer os sinais clínicos.

Na literatura está descrita uma incidência da CIF obstrutiva de 28% a 57,1%.16,17,19,22,45 No presente estudo verificou-se que esta representou 19% do total da amostra, resultado inferior ao descrito. Esta diferença presume-se que esteja relacionada com a capacidade dos proprietários em reconhecer precocemente os STUI nos seus gatos, evitando a ocorrência da obstrução uretral.

O maneio médico inicial instituído aos gatos com obstrução uretral está de acordo com o recomendado na bibliografia, à exceção do uso de antibióticos como prevenção de uma ITU. Este fato norteia-se pela baixa incidência desta doença posterior à algaliação, como já referido anteriormente. 6,15,16,21,40

O plano terapêutico recomendado na literatura para a CIF inclui: o tratamento nutricional (recomendação de uma ração terapêutica que reduza as recorrências da CIF e fazer uma alimentação parcial/totalmente com uma ração húmida); a implementação de um plano de enriquecimento ambiental e o tratamento médico no controlo da dor.21,23,39 O tratamento médico com antidepressivos (amitriptilina) reserva-se para os casos que não respondam ao tratamento inicial.14,20,21,39 No entanto, na prática clínica verifica-se uma grande variedade de planos terapêuticos instituídos, os quais variam em função das preferências individuais do gato, da experiência dos médicos veterinários, bem como das preferências e disponibilidade económica dos proprietários.14,39

Neste estudo recorreu-se a várias opções terapêuticas nutricionais e médicas. Não se implementou o enriquecimento ambiental em nenhum caso. Também não se recorreu a fármacos para o maneio da dor nos casos de CIF não obstrutiva. A modalidade terapêutica prescrita à maioria dos gatos foi a administração da ração terapêutica Hill’s c/d Feline Urinary Stress (n=10; 38%), seguida do uso da amitriptilina (n=8; 31%), da associação da ração terapêutica referida e Cystaid plus (n=5; 19%) e por último a administração do calmurofel (n=3; 12%).

DISCUSSÃO

No que concerne à evolução clínica da doença em função do tratamento prescrito, observaram-se diferenças entre os grupos de tratamento. Neste âmbito, no grupo de gatos tratados unicamente com a ração terapêutica, recidivaram 2 gatos. Desses, 1 tinha suspendido o tratamento após 20 dias de tratamento e o outro, 30 dias após o tratamento. Ambos os casos suspenderam a ração por iniciativa dos seus proprietários. Os resultados encontrados neste estudo sugerem que a alimentação continuada com esta ração pode auxiliar na prevenção de novos episódios da CIF. Considera-se que os efeitos benéficos desta ração se prendem com o fato, desta ajudar a minimizar/colmatar a inflamação da bexiga, diminuir o efeito nocivo da urina na parede da bexiga e auxiliar no controlo da ansiedade e do stresse, o qual é um fator de risco para o desenvolvimento da CIF. Por outro lado é uma ração balanceada que cobre todos os requisitos nutricionais de um gato adulto, pelo que pode ser utilizada a longo prazo. Esta ração também pode ser fornecida a gatos que não estejam afetados pela CIF, o que é uma mais-valia, quando se possui mais do que um gato.

As recorrências, no grupo que recebeu a ração terapêutica e o suplemento nutricional Cystaid Plus, foram observadas em 2 animais durante as primeiras duas semanas de tratamento, ao contrário do grupo que recebeu unicamente a ração. Esta variação na resposta ao tratamento pode estar relacionada, com o stresse associado à administração oral forçada diariamente do suplemento nutricional. O fato de que nem todos os gatos que fizeram este tratamento nutricional apresentaram recidivas pode atribuir-se à susceptibilidade individual de cada gato. Esta diferença de resultados entre os dois grupos e o fato deste suplemento nutricional apresentar um efeito semelhante ao da ração, suscita a dúvida sobre a necessidade de se associar o Cystaid Plus a esta ração terapêutica.

No grupo que recebeu o calmurofel, não se observaram recorrências durante o mês de tratamento. Contudo 1 gato recidivou 3 dias após a interrupção do mesmo, tendo sido necessário reiniciar o suplemento nutricional. Estes resultados sugerem um efeito positivo deste suplemento no controlo da doença. Considera-se que o efeito benéfico deste suplemento no maneio da CIF, provenha do seu efeito positivo no controlo do stresse, um importante fator de risco para o desenvolvimento da CIF. Este suplemento também intervém no controlo do excesso de peso/obesidade, outro fator de risco para o desenvolvimento da doença em estudo. No entanto, para que haja um efeito notório ao nível da condição corporal, este composto deve ser administrado pelo menos durante dois meses,12 condição que não se verificou neste estudo.

DISCUSSÃO

No grupo de gatos que recebeu a amitriptilina para controlo da CIF, observou-se que 2 gatos recidivaram durante o período do tratamento. Presume-se que o stresse associado à administração oral forçada diariamente do medicamento, tenha também desencadeado a recorrência nestes casos.

Nos gatos tratados com amitriptilina e que não apresentaram recidivas, 2 foram eutanasiados durante a primeira semana de tratamento, o que não nos permite inferir quaisquer conclusões. Contudo, é de salientar que um deles apresentou convulsões durante o tratamento, as quais poderiam ser secundárias à administração deste fármaco. Outro gato foi eutanasiado 3 meses após o diagnóstico. Não se dispõe de informação clínica após 3 meses do diagnóstico de um outro gato. Este fato também condicionou a análise da evolução clínica destes dois últimos animais. No entanto dois gatos tratados com amitriptilina não apresentaram recorrências até ao final deste estudo. Este resultado sugere que em alguns gatos, o tratamento com a amitriptilina durante 30 dias pode ser suficiente no controlo da doença. Esta observação é importante, devido à hepatotoxicidade e a outros efeitos colaterais deste tipo de fármacos. Contudo, há autores que referem que a amitriptilina pode ser utilizada durante 2 anos com segurança.

CONCLUSÃO

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