DEPARTAMENTO DE F´ISICA BACHARELADO EM F´ISICA
Camila Pereira Ramos
Expans˜
ao do Universo e gera¸
c˜
ao de massa para as
part´ıculas elementares
Natal-RN
10 de Junho
Expans˜
ao do Universo e gera¸
c˜
ao de massa para as
part´ıculas elementares
Monografia de Gradua¸c˜ao apresentada ao Departamento de F´ısica do Centro de Ciˆencias Exatas e da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como re-quisito parcial para a obten¸c˜ao do grau de bacharel em F´ısica.
Orientador:
Prof. Dr. Farinaldo da Silva Queiroz
Universidade Federal do Rio Grande do Norte — UFRN Departamento de F´ısica — DF
Natal-RN 10 de Junho
Ramos, Camila Pereira.
Expansão do Universo e geração de massa para as partículas elementares / Camila Pereira Ramos. - 2019.
37f.: il.
Monografia (Bacharelado em Física) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Exatas e da Terra, Departamento de Física. Natal, 2019.
Orientador: Farinaldo da Silva Queiroz.
1. Física - Monografia. 2. Mecanismo de Higgs - Monografia. 3. Modelo padrão - Monografia. 4. Quebra espontânea de simetria - Monografia. 5. Partículas elementares - Monografia. I.
Queiroz, Farinaldo da Silva. II. Título.
RN/UF/CCET CDU 53
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Prof. Ronaldo Xavier de Arruda - CCET
mento de F´ısica do Centro de Ciˆencias Exatas e da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sendo aprovada por todos os membros da banca examinadora abaixo especificada:
Prof. Dr. Farinaldo da Silva Queiroz Universidade Federal do Rio Grande do Norte
IIP/DF
Prof. Dr. L´eo Gouvˆea Medeiros
Universidade Federal do Rio Grande do Norte ECT/DF
Dr. Jamerson Gillis Batista Rodrigues Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Departamento de F´ısica
Agradecimentos
Resumo
O mecanismo de Higgs ´e essencial na constru¸c˜ao do Modelo Padr˜ao por explicar a origem das massas das part´ıculas elementares que comp˜oem o modelo. Para que possamos abord´a-lo de maneira pedag´ogica iremos primeiramente fornecer um contexto hist´orico para a quebra espontˆanea de simetria dentro de um universo em expans˜ao. Em seguida, demonstraremos uma rela¸c˜ao entre simetria e conserva¸c˜ao de corrente el´etrica atrav´es do estudo das teorias de gauge abeliana e n˜ao-abeliana. Por fim, introduziremos um modelo de quebra espontˆanea de simetria que guiar´a at´e o cen´ario do Modelo Padr˜ao das intera¸c˜oes eletrofracas, que se baseia na simetria SU (2)L⊗ U (1)Y, gerando massa para
b´osons de gauge e para os f´ermions.
Palavras-chave: Mecanismo de Higgs, Modelo Padr˜ao, Quebra Espontˆanea de Sime-tria, Part´ıculas Elementares.
Abstract
The Higgs mechanism is essential in the construction of the Standard Model to explain the origin of the elementary particles masses of the model. We will provide a historical context to the spontaneous symmetry breaking in an expanding Universe to approach the Higgs mechanism in a pedagogical way. In sequence, we will show a relation between symmetry and electrical current conservation through the study of the abelian and non-abelian gauge theories. Finally, we will introduce a spontaneous symmetry breaking that will guide to the Standard Model of Electroweak Interactions scenario, which is based on the SU (2)L⊗ U (1)Y symmetry, generating mass to the gauge bosons and the fermions.
Keywords:Higgs Mechanism, Standard Model, Spontaneous Symmetry Breaking, Ele-mentary Particles.
Lista de Figuras
1.1 Evolu¸c˜ao do Universo contendo radia¸c˜ao e mat´eria. . . 2 3.1 Esbo¸co do potencial V (φ) = 12µ2(φ∗φ) + 1
4λ(φ
∗φ)2 em fun¸c˜ao de φ 1 e φ2
Conte´
udo
Agradecimentos i Resumo ii Abstract iii 1 Introdu¸c˜ao 1 2 Teoria de gauge 42.1 Ideia de invariˆancia de gauge . . . 4
2.2 Invariˆancia Global . . . 6
2.3 Invariˆancia Local . . . 7
2.3.1 Grupos n˜ao-Abelianos . . . 9
3 Quebra espontˆanea de simetria 11 4 Mecanismo de Higgs no Modelo Padr˜ao 16 4.1 QES no Modelo Padr˜ao . . . 17
4.2 Massa para os f´ermions . . . 21
4.3 Termos cin´eticos para os b´osons . . . 24
4.4 O b´oson de Higgs . . . 25
Cap´ıtulo 1
Introdu¸
c˜
ao
Neste trabalho iremos estudar como as part´ıculas elementares adquiriram massa, o que se deu por uma transi¸c˜ao de fase em um per´ıodo onde a temperatura do Universo ´e da ordem de kBT ∼ 100 GeV, num tempo de t ∼ 10−10 segundos [5], quando a simetria
eletrofraca foi quebrada. Para tal, precisamos entender como era o Universo naquela ´epoca.
A cosmologia moderna se baseia no preceito de que, em escalas suficientemente gran-des, digamos centenas de Megaparsecs1, o Universo se parece o mesmo n˜ao importa onde o
observador esteja nem para onde ele observa. Este ´e o princ´ıpio cosmol´ogico, e em outras palavras ele afirma que o Universo ´e homogˆeneo e isotr´opico.
Outra caracter´ıstica do Universo descrita pela cosmologia ´e a expans˜ao. Durante a d´ecada de 20, Edwin Hubble, ao relacionar a distˆancia entre as gal´axias e nosso planeta com a velocidade de recess˜ao destas gal´axias, observou um comportamento linear [1], i.e., um objeto se afasta com velocidade proporcional `a distˆancia que o separa de n´os.
A Lei de Hubble2 nos d´a uma boa descri¸c˜ao de como em m´edia as gal´axias se com-portam.
Se as gal´axias se afastam, podemos assumir que h´a uma expans˜ao no espa¸co-tempo, au-mentando cada vez mais a distˆancia entre as gal´axias. Partindo do princ´ıpio cosmol´ogico, ´e razo´avel dizer que essa expans˜ao ´e universal e a atribu´ımos um fator de escala a(t),
l(t) = a(t)r, (1.1)
a distˆancia fixa r ´e chamada de coordenada com´ovel, e l(t) ´e o valor f´ısico da distˆancia entre as gal´axias. Este valor aumenta com o tempo gra¸cas ao fator de escala a(t).
11M pc ≈ 3, 26 × 106 anos-luz.
2A velocidade de recess˜ao se relaciona com a distˆancia entre as gal´axias na forma vvv = H
0rrr, sendo H0 a constante de Hubble, o sobrescrito 0 nos informa seu valor medido atualmente
Observamos que as gal´axias se afastam uma das outras conforme o tempo passa, ent˜ao se voltarmos no tempo, elas estar˜ao mais pr´oximas umas das outras. Portanto, em um tempo distante o suficiente no passado, tudo aquilo que comp˜oe o Universo encontrava-se unido, e este momento inicial ´e conhecido como Big Bang.
As equa¸c˜oes de Friedmann [2], nos explicam como o Universo evolui: H2 ≡ ˙a a 2 = 8πG 3 ρ − κc2 a2 , (1.2) ¨ a a = − 4πG 3 ρ +3p c2 (1.3) κ ´e a curvatura espacial3, ρ ´e a densidade, que depende do que o Universo ´e composto e p ´e a press˜ao. A partir destas equa¸c˜oes podemos obter a equa¸c˜ao do fluido [2] e com isto basta a equa¸c˜ao de estado para determinar como o fator de escala evolui com o tempo. Durante este trabalho, teremos em conta um Universo dominado por:
• Mat´eria
Nesta classe se encaixa qualquer material que exerce press˜ao nula e portanto n˜ao-relativ´ıstica. ´
E uma boa aproxima¸c˜ao para descrever ´atomos quando o Universo esfriou. • Radia¸c˜ao
Entendemos por radia¸c˜ao as part´ıculas relativ´ıstica, que por sua alta velocidade exerce press˜ao no Universo.
Radiação
Matéria
log(tempo) log(densidade)
Figura 1.1: Evolu¸c˜ao do Universo contendo radia¸c˜ao e mat´eria.
Considerando o o per´ıodo no qual o Universo possui mais radia¸c˜ao que mat´eria4, esta por sua vez obedece ao espectro de um corpo negro, podemos ent˜ao relacionar a densidade com a temperatura
ρrc2 = σT4 (1.4)
3Se κ = 0, temos um Universo plano; caso κ < 0, ele ´e hiperb´olico e se κ > 0, o Universo ´e esf´erico. 4Consideramos aqui uma situa¸c˜ao onde h´a uma mistura entre as duas densidades (de radia¸c˜ao e de mat´eria), assim como em [2].
sendo σ a constante de Stefan-Boltzmann. Neste cen´ario a temperatura do Universo ser´a inversamente proporcional ao fator de escala, o que entra de acordo com a teoria do Big Bang quente. O fator de escala ´e a taxa de expans˜ao do Universo, assim, se o fator de escala ´e muito pequeno, ou seja, o per´ıodo inicial do Universo, este ter´a uma temperatura muito grande. Isto tudo caso o Universo esteja num per´ıodo no qual a quantidade de radia¸c˜ao ´e maior. Uma an´alise mais a fundo destas equa¸c˜oes nos mostra que de fato o Universo era dominado por radia¸c˜ao inicialmente [2], como mostra o esquema na Figura 1.1.
Iniciaremos o corpo deste trabalho com o estudo das teorias de gauge abeliana e n˜ ao-abeliana, que n˜ao gera massa para as part´ıculas, mas nos levam `a conserva¸c˜ao de corrente el´etrica e tamb´em `as intera¸c˜oes entre part´ıculas.
Em seguida, usaremos a simetria abeliana U(1) para introduzir a quebra espontˆanea de simetria, o mecanismo que gera massa para b´osons de gauge.
Finalizaremos ent˜ao com a quebra da simetria SU (2)L⊗ U (1)Y, ou o mecanismo de
Higgs, mostrando como as part´ıculas elementares adquirem massa, concluindo assim o objetivo deste trabalho.
Cap´ıtulo 2
Teoria de gauge
Iniciaremos o corpo deste trabalho com um estudo acerca da teoria de gauge1. Uma
in-trodu¸c˜ao ao assunto ser´a realizada inicialmente, mostrando a utiliza¸c˜ao desta ferramenta no eletromagnetismo, onde a invariˆancia de gauge nos auxilia no c´alculo de campos ele-tromagn´eticos.
A grande importˆancia deste t´opico se mant´em em apresentar quais s˜ao as consequˆencias ao impor invariˆancia da densidade de lagrangiana sob as transforma¸c˜oes global e local. Transforma¸c˜oes globais e locais, quando ditas invariantes, levam `a conserva¸c˜ao de carga e, adicionalmente, a invariˆancia por transforma¸c˜oes locais gera as intera¸c˜oes entre as part´ıculas elementares [3].
Concluiremos o cap´ıtulo expressando que, embora fundamental, a invariˆancia de gauge n˜ao ´e suficiente para gerar part´ıculas massivas.
2.1
Ideia de invariˆ
ancia de gauge
Uma mudan¸ca na configura¸c˜ao ´e ent˜ao imposta e verificamos a forma com a qual a teoria ´e afetada. Quando um sistema admite v´arias configura¸c˜oes que resultam em mesmos resultados observ´aveis, temos uma invariˆancia de gauge. Isto demonstra a incapacidade de descrever o sistema de maneira ´unica. Um exemplo famoso ´e encontrado durante o estudo do Eletromagnetismo. A teoria de gauge ´e usada na Eletrodinˆamica Cl´assica com o objetivo de tornar o c´alculo dos campos el´etrico e magn´etico mais simples. Para n˜ao fugir muito do escopo do trabalho, iremos apenas revisar ligeiramente o uso da invariˆancia de gauge. Consideremos as equa¸c˜oes de Maxwell:
∇ · E = ρ 0 (2.1) ∇ · B = 0 (2.2) ∇ × E = −∂B ∂t (2.3) ∇ × B = µ0J + µ00 ∂E ∂t (2.4)
O divergente do campo magn´etico ´e nulo, assim, podemos escrever o campo em termos de um potencial vetor, de forma que a equa¸c˜ao (2.2) se mantenha inalterada:
B = ∇ × A, (2.5)
pois ∇ · (∇ × A) = 0. Inserindo na Lei de Faraday (eq. (2.3)), encontramos: ∇ × E +∂A ∂t = 0. (2.6)
A express˜ao entre parˆentesis, por sua vez, pode ser escrita como o gradiente de um escalar:
E + ∂A
∂t = −∇V. (2.7)
Substituindo este resultado na Lei de Gauss (eq. (2.1))2,
∇2V + ∂
∂t(∇ · A) = − ρ 0
. (2.8)
Inserindo agora as equa¸c˜oes (2.5) e (2.7) em (2.4): ∇ × (∇ × A) = J − ∇ ∂V ∂t − ∂ 2A ∂t2 (2.9) com a identidade ∇ × (∇ × A) = ∇(∇ · A) − ∇2A, obtemos ∇2A − ∂ 2A ∂t2 − ∇ ∇ · A +∂V ∂t = −J. (2.10)
Por´em, a maneira na qual introduzimos os potenciais vetor e escalar n˜ao os define de forma ´unica, j´a que podemos redefini-los e manter os campos el´etrico e magn´etico idˆenticos3. Para este exemplo, escolheremos o gauge de Lorenz:
∇ · A = −∂V ∂t .
2A partir daqui, usaremos unidades naturais: µ
0= 0= 1.
Podemos verificar as consequˆencias desta escolha, ∇2V − ∂2V
∂t2 = −ρ, (2.11)
∇2A − ∂2A
∂t2 = −J. (2.12)
com o gauge de Lorenz, V e A satisfazem a equa¸c˜ao inomogˆenea da onda, com o termo fonte `a direita de cada equa¸c˜ao.
Na nota¸c˜ao covariante, Aµ = (V ; A) e Jµ = (ρ; J), portanto:
Aµ = Jµ (2.13)
onde ´e o operador d’Alambertiano, ≡ (∂2/∂t2) − ∇2. ´
E importante tamb´em mencionar que a conserva¸c˜ao da corrente el´etrica ainda se mant´em, uma vez que [3]:
∂µJµ = 0. (2.14)
2.2
Invariˆ
ancia Global
A partir deste ponto, o formalismo lagrangiano ser´a adotado para dar in´ıcio `a an´alise das intera¸c˜oes entre part´ıculas. Utilizaremos este formalismo por ser invariante de Lorentz, por ser apropriado para uma discuss˜ao acerca de leis de conserva¸c˜ao e tamb´em porque, atrav´es do princ´ıpio variacional, temos acesso `as equa¸c˜oes de movimento.
Come¸camos construindo a densidade de lagrangiana, L (φ(x), ∂µφ(x)), um funcional
de φ(x) e de ∂µφ(x) = ∂φ(x)/∂xµ [3].
A a¸c˜ao do sistema ´e ent˜ao definida por: S ≡ Z t2 t1 dt Z d3xL (φ(x), ∂µφ(x)) (2.15)
Em compara¸c˜ao ao caso da mecˆanica cl´assica, a integral espacial da densidade de lagrangiana toma o papel da lagrangiana:
L ≡ Z
d3xL (φ(x), ∂µφ(x)) (2.16)
portanto, a partir daqui, denominaremos a densidade de lagrangiana apenas como lagran-giana. A a¸c˜ao deve ser estacion´aria, ou seja, δS = 0 e considerando que as varia¸c˜oes dos campos em t1 e t2 se anulem, somos levados `as equa¸c˜oes de Euler-Lagrange:
∂L ∂φ = ∂µ
∂L ∂(∂µφ)
que nos levam `as equa¸c˜oes de movimento.
Podemos ent˜ao partir da lagrangiana de um campo escalar complexo livre4:
L = (∂µφ)∗(∂µφ) − m2φ∗φ, m2 > 0. (2.18)
e aplicando as equa¸c˜oes de Euler-Lagrange,
( + m2)φ = 0 ( + m2)φ∗ = 0, (2.19) sendo = ∂µ∂µ o operador d’Alambertiano.
As equa¸c˜oes acima s˜ao identificadas como as equa¸c˜oes de Klein-Gordon para os campos φ e φ∗, que descrevem uma part´ıcula livre de massa m e spin 0.
Vamos verificar se a seguinte transforma¸c˜ao global, isto ´e, um gauge, mant´em a la-grangiana invariante:
φ(x) → eiqαφ(x) φ∗(x) → e−iqαφ∗(x) (2.20) note que qα ´e uma fase que n˜ao depende de x, logo estamos mudando campo φ(x) pela mesma quantidade em todos os pontos do espa¸co.
Para ser invariante, a lagrangiana deve satisfazer δL = 0, portanto: δL = ∂L ∂φδφ + ∂L ∂(∂µφ) δ(∂µφ) + ∂L ∂φ∗δφ ∗ + ∂L ∂(∂µφ∗) δ(∂µφ∗) = 0 (2.21) = iq(δα)∂µ ∂L ∂(∂µφ) φ + ∂L ∂(∂µφ∗) φ∗ = 0 (2.22)
o termo entre colchetes pode ser visto como a corrente conservada de Noether5:
jµ = iq(φ∗∂µφ − φ∂µφ∗) (2.23) que satisfaz
∂µjµ= 0.
Conservando a corrente de Noether.
2.3
Invariˆ
ancia Local
Agora suponha que temos uma mudan¸ca no campo φ, por´em desta vez o termo de fase α varia com a coordenada x,
φ → eiqα(x)φ φ∗ → e−iqα(x)φ∗ (2.24)
4Consideramos aqui a m´etrica gµν = diag(1, −1, −1, −1).
5Uma discuss˜ao sobre o Teorema de Noether e a corrente de Noether pode ser encontrada em [4], e um c´alculo expl´ıcito da eq. (2.21) ´e feito em [3].
esta ´e chamada de tranforma¸c˜ao de gauge local. Percebemos que a derivada do campo n˜ao ´e mais alterada por uma simples fase, portanto n˜ao sendo invariante:
∂µφ → eiqα[∂µ+ iq(∂µα)φ]. (2.25)
Contudo podemos recuperar a invariˆancia local ao substituir o gradiente ∂µ por uma
derivada covariante, Dµ
Dµ ≡ ∂µ+ iqAµ, (2.26)
enquanto que o potencial Aµ se transforma em
Aµ→ Aµ− ∂µα. (2.27)
A partir deste ponto, a constante q recebe um significado: ela ´e conhecida como constante de acoplamento, e nos informa o qu˜ao forte o campo Aµ interage com o escalar
φ.
A derivada covariante, ao impor o gauge, torna-se
Dµ→ eiqαDµ (2.28)
A lagrangiana portanto ´e invariante sobre transforma¸c˜oes locais, um procedimento an´alogo ao da se¸c˜ao anterior pode ser realizado com o fim de verificar a conserva¸c˜ao de carga.
Outra caracter´ıstica not´avel da invariˆancia de gauge local ´e o surgimento da intera¸c˜ao entre o vetor Aµ e o campo φ.
Usando a lagrangiana da equa¸c˜ao de Dirac6, conseguimos a forma com a qual A µ
interage com a mat´eria. A lagrangiana de uma part´ıcula livre em termos do spinor ψ Llivre = ¯ψ(iγµ∂µ− m)ψ (2.29)
´e invariante quando realizamos os procedimentos:
ψ → eiqαψ ψ → e¯ −iqαψ¯ ∂µ→Dµ Aµ→ Aµ−
1 q∂µα lembrando que ¯ψ = ψ†γ0. Trocando todas estas express˜oes
L = ¯ψ(iγµDµ− m)ψ (2.30)
= ¯ψ(iγµ∂µ− m)ψ − q ¯ψγµAµψ (2.31)
L = Llivre− JµAµ (2.32)
6A lagrangiana de Dirac leva `a equa¸c˜ao de Dirac, que descreve f´ermions livres, e s˜ao os f´ermions que comp˜oem a mat´eria.
onde a corrente conservada ´e Jµ = −e ¯ψγµψ (q = −e). Adicionando o termo cin´etico do
potencial vetor, completamos a lagrangiana da eletrodinˆamica quˆantica (EDQ):
LEDQ=Llivre− JµAµ− 14FµνFµν (2.33)
sabendo que Fµν = ∂µAν − ∂νAµ tamb´em ´e invariante. Usando as equa¸c˜oes de
Euler-Lagrange, a corrrente de Noether ´e identificada por:
∂µFµν = −Jν (2.34)
que ´e a forma covariante das equa¸c˜oes de Maxwell. O eletromagnetismo pode ser ent˜ao alcan¸cado ao impor uma simetria local de gauge U (1).
Indo ainda mais adiante, um termo de massa para o f´oton, digamos Lmassaγ = 12m2γAµAµ
n˜ao seria invariante, levando `a conclus˜ao de que na descri¸c˜ao lagrangiana da EDQ, o f´oton ´e uma part´ıcula sem massa. N˜ao obstante, uma lagrangiana n˜ao invariante faria com que a carga el´etrica n˜ao fosse conservada.
2.3.1
Grupos n˜
ao-Abelianos
Entendendo o estudo acerca de teoria de gauge, iremos nesta se¸c˜ao abordar grupos mais complexos do que o U (1), tomaremos o grupo de simetria especial unit´ario SU (2). O c´alculo ´e, em essˆencia, o mesmo. A diferen¸ca se dar´a por obst´aculos alg´ebricos, devido ao fato de o grupo em quest˜ao ser n˜ao-Abeliano, i.e, os seus geradores n˜ao comutam entre si, implicando em auto-intera¸c˜oes dos b´osons de gauge. Apenas os passos adicionais ser˜ao encontrados nesta se¸c˜ao, pois ser˜ao retomados ao longo do Cap´ıtulo 4.
No caso do grupo de simetria SU (2), seus geradores, T = {T1, T2, T3} s˜ao escritos em
termos das matrizes de Pauli, T = σ/2. E suas rela¸c˜oes de comuta¸c˜ao s˜ao [Ti, Tj] = iijkTk
Tais propriedades nos obrigam a adicionar termos ao tensor de for¸ca do campo (o an´alogo de Fµν para esta simetria) se desejamos manter a lagrangiana invariante.
Uma transforma¸c˜ao infinitesimal de SU (2)
ψ → ψ0 = (III + igααα · T)ψ ψ → ¯¯ ψ0 = ¯ψ(III − igααα · T) (2.35) onde ααα ´e agora um vetor que depende das coordenadas espaciais e temporal. Tal trans-forma¸c˜ao faz com que o termo de massa da part´ıcula na lagrangiana de Dirac permane¸ca
invariante. O gradiente, como vimos anteriormente, deve ser promovido `a derivada cova-riante, que se transforma como:
D0µ
= ∂µ+ igWWW0µ· TTT (2.36) Verificando a invariˆancia do termo D0µψ0,
D0µ
ψ0 = (∂µ+ igWWW0µ· TTT )(III + igααα · T)ψ (2.37) a lagrangiana ´e invariante se
D0µ
ψ0 = (III + igααα · T)Dµψ (2.38) (∂µ+ igWWW0µ· TTT )(III + igαα · T)ψ = (III + igαα αα · T)(∂µ+ igWWWµ· TTT )ψ
ig(∂µααα) · TTT + igWWW0µ· TTT − g2(WWW0µ· TTT )(ααα · TTT ) = igWWWµ· TTT − g2(ααα · TTT )(WWW0µ· TTT ) (2.39) caso o campo WWWµ se transforme como na EDQ,
Wkµ→ Wk0µ= Wkµ− ∂µαk
n˜ao obtemos uma express˜ao invariante, j´a que (ααα·TTT )(WWW ·TTT ) 6= (WWW ·TTT )(ααα·TTT ). Adicionando um fator de dependˆencia entre os b´osons de gauge `as suas transforma¸c˜oes,
Wkµ→ Wk0µ = Wkµ− ∂µαk− igijkαiWjµ
ou na forma vetorial:
WWWµ → WWW0µ = WWWµ− ∂µααα − igααα × WWWµ (2.40)
somos capazes de recuperar a invariˆancia sobre transforma¸c˜oes infinitesimais, outro passo importante ´e definir um tensor para os b´osons de SU (2) que tamb´em seja invariante.
O tensor Fµν pode ser escrito em termos da derivada covariante, onde
Fµν = 1 iq[D
µ,Dν]
ent˜ao para o grupo de simetria SU (2), podemos obter um tensor equivalente, WWWµν:
W
WWµν = ∂µWWWν − ∂νWWWµ− gWWWµ× WWWν (2.41)
Reunindo todas as manipula¸c˜oes adicionais, podemos construir a lagrangiana de Yang-Mills:
LY M = ¯ψ(iγµDµ− m)ψ − 41WWWµν · WWWµν (2.42)
Todos estes passos s˜ao realizados de maneira mais detalhada na referˆencia [13]. Novamente, um termo de massa para WWWµ quebraria a invariˆancia, e sabendo que existem b´osons de gauge na natureza que s˜ao massivos (mW ≈ 80 GeV e mZ ≈ 90
GeV), a teoria de gauge n˜ao ´e suficiente para tentar explicar aquilo que observamos. Este papel passa ent˜ao para a quebra espontˆanea de simetria, na qual iremos nos dedicar nos pr´oximos cap´ıtulos. Os grupos de simetria aqui utilizados servir˜ao para a constru¸c˜ao do Modelo Padr˜ao, justificando sua sele¸c˜ao.
Cap´ıtulo 3
Quebra espontˆ
anea de simetria
Conclu´ımos no cap´ıtulo anterior que, embora capaz de gerar as intera¸c˜oes entre os b´oson de gauge e a mat´eria, a invariˆancia por transforma¸c˜oes locais n˜ao ´e suficiente para explicar o porquˆe dessas part´ıculas serem massivas. Devemos ent˜ao buscar outras ferramentas que corroborem com a existˆencia de b´osons de gauge massivos.
Como mostraremos posteriormente no Cap´ıtulo 4, nem mesmo o termo de massa dos f´ermions da lagrangiana de Dirac ´e invariante por transforma¸c˜oes de gauge locais no Modelo Padr˜ao.
A quebra espontˆanea de simetria (QES) ´e um mecanismo de gera¸c˜ao de massa para esses b´osons. Este conceito ´e um dos mais importantes na teoria quˆantica de campos. Diferentemente de uma quebra expl´ıcita de simetria, na QES a lagrangiana ´e invariante, mas estado v´acuo1 n˜ao ´e.
A principal diferen¸ca entre uma quebra expl´ıcita de simetria e uma QES ´e que no primeiro caso h´a uma quebra de simetria quando a lagrangiana cont´em termos invariantes sob a simetria requerida. Em nosso caso, uma lagrangiana invariante por simetria global leva a importantes consequˆencias f´ısicas (e.g. no eletromagnetismo, a invariˆancia por transforma¸c˜ao global resulta em conserva¸c˜ao de carga). Tamb´em necessitamos que a mesma seja invariante por transforma¸c˜oes locais, resultando assim em intera¸c˜oes do campo com o b´oson de gauge.
Um contexto familiar da QES s˜ao os materiais ferromagn´eticos [6]. Um ferromagneto pode ser modelado como uma grade de spins. Estes spins podem se orientar em qualquer dire¸c˜ao no espa¸co, ent˜ao a magnetiza¸c˜ao do material2, se relacionar´a com a dire¸c˜ao na qual os spins apontam. Em temperaturas suficientemente altas, todas as dire¸c˜oes espaciais s˜ao equiprov´aveis para cada spin, resultando em magnetiza¸c˜ao total igual a zero e portanto numa simetria global. Ao resfriar o material abaixo de uma temperatura cr´ıtica, Tc, a
1O estado de v´acuo ´e o estado de menor energia 2M´edia espacial do momento magn´etico.
magnetiza¸c˜ao se torna n˜ao-nula assim que os spins come¸cam a se alinhar em apenas uma dire¸c˜ao, podendo ser esta qualquer dire¸c˜ao espacial. Dizemos ent˜ao que o sistema passa por uma transi¸c˜ao de fase, e ap´os o novo alinhamento, a simetria SU (2) ´e espontaneamente quebrada3. Um ponto-chave ´e que o sistema ´e invariante, e tem sua simetria quebrada ap´os a transi¸c˜ao de fase.
Prosseguiremos de maneira semelhante ao buscar um mecanismo que explique a massa de b´osons de gauge. Utilizando uma lagrangiana de um campo escalar e invariante por transforma¸c˜ao local U (1)4, analisaremos o comportamento do campo em torno estado
de v´acuo. Perceberemos que em um caso a simetria ´e quebrada de maneira espontˆanea, deixando massivos o campo escalar e o b´oson de gauge interagente.
Come¸camos com L = −1 4FµνF µν +1 2(Dµφ) ∗ (Dµφ) − µ22φ∗φ − λ4(φ∗φ)2, (3.1) o primeiro termo ´e denominado cin´etico, e os dois seguintes comp˜oem o potencial (L = T − V ). A lagrangiana descreve o campo complexo:
φ(x) = φ1(x) + iφ2(x), (3.2)
com φ1 e φ2 reais. µ2 e λ s˜ao independentes da coordenada.
Devemos restringir λ a ser positivo para manter o potencial com um limite inferior: sem este limite, o potencial n˜ao possui um ponto de equil´ıbrio est´avel, ent˜ao n˜ao temos um v´acuo. Entretanto, podemos analisar o sinal de µ2 tanto como sendo positivo ou negativo.
No cen´ario de µ2 > 0, o potencial possui um ´unico m´ınimo, sendo ele φ
0 = 0. A lagrangiana L = −1 4|Fµν| 2+1 2|Dµφ| 2− µ2 2 |φ| 2− λ 4|φ| 4 (3.3)
descreve dois campos reais, φ1 e φ2 com massas m1 = m2 = µ. O outro termo que
multiplica λ envolve autointera¸c˜oes, isto ´e, intera¸c˜oes do campo consigo mesmo, resultado de termos que envolvem φ4
1, φ42 e φ21φ22. Esta ´e a maneira mais simples de fazer os campos
interagirem e o modelo ´e conhecido por teoria φ4. O termo qu´artico infelizmente n˜ao pode
ser tratado analiticamente, e portanto uma an´alise pode ser feita somente com teoria de perturba¸c˜ao.
Com µ2 < 0, este termo n˜ao pode ser o de massa, j´a que isto implicaria em uma
3Por exemplo, ao rotacionarmos o sistema em 180oobtemos uma magnetiza¸c˜ao total com sinal oposto (M → −M ) [7].
V (φ)
φ1
φ2
(a) Para µ2 > 0, existe um v´acuo ´unico e bem definido em φ = 0, mantendo a sime-tria U (1) da lagrangiana.
V (φ)
φ1
φ2
(b) Para µ2 < 0, o v´acuo ´e degenerado. Qualquer escolha do v´acuo ir´a quebrar a si-metria U (1) da lagrangiana.
Figura 3.1: Esbo¸co do potencial V (φ) = 12µ2(φ∗φ) +14λ(φ∗φ)2em fun¸c˜ao de φ1e φ2para dois diferentes valores de µ2.
quantidade imagin´aria. O potencial possui um m´ınimo degenerado em dV d|φ| φ0 = −µ2|φ|0− λ|φ|30 = 0 (3.4) |φ|0 = ± r −µ2 λ = ±v (3.5)
Lembrando que o m´ınimo local |φ|0 = 0 ´e um ponto de equil´ıbrio inst´avel, ´e necess´ario
escolher um dos dois estados para ser o novo v´acuo. As consequˆencias devem ser inde-pendentes da escolha, pelo fato da lagrangiana ser invariante por transforma¸c˜oes globais. Escolhemos ent˜ao φ = +v e a lagrangiana no estado de menor energia tem sua simetria quebrada de maneira espontˆanea.
Expandindo φ(x) em torno do m´ınimo para obter as pequenas oscila¸c˜oes em torno do ponto de equil´ıbrio est´avel, podemos escrever φ1(x) = η(x) + v e φ2(x) = ξ(x) a parte
cin´etica da lagrangiana5
LT = −14FµνFµν +12(∂µη)(∂µη) + 12(∂µξ)(∂µξ) + 12q2v2AµAµ+ qv(∂µξ)Aµ (3.6)
j´a n˜ao ´e mais invariante, pois vemos um termo de massa para o b´oson Aµ6, portanto a
5A derivada covariante D
µ ´e definida na eq. (2.26), no cap´ıtulo anterior.
quebra espontˆanea de simetria ´e vis´ıvel. O termo do potencial, V = 12µ2(φ∗φ) + 14λ(φ∗φ)2
V = 12µ2η2+12µ2v2+ µ2vη + 4vµ22[(η + v)
4
+ ξ4 + 2η2ξ2] +4µv2ηξ2. (3.7) cont´em o termo de massa para η, m2η = −2µ2. Utilizamos no ´ultimo passo a rela¸c˜ao (3.5).
A lagrangiana total L = Lcin− Vint, (3.8) Lcin = 12(∂µη)(∂µη) + 12µ2η2 | {z } campo η massivo +12(∂µξ)(∂µξ) | {z }
campo ξ sem massa
+12q2v2AµAµ− 14FµνFµν
| {z }
b´oson massivo
+qv(∂µξ)Aµ
(3.9)
Vint envolve todos os outros termos, aqueles de intera¸c˜oes entre η, ξ, Aµ e autointera¸c˜oes.
´
E poss´ıvel reescrever alguns termos de Lcin como um novo campo de gauge 1 2q 2v2A µ+qv1 ∂µξ Aµ+qv1 ∂µξ= 12(∂µξ)(∂µξ) + 12q2v2AµAµ+ qv(∂µξ)Aµ ent˜ao Aµ→ A 0 µ= Aµ+qv1 ∂µξ . (3.10)
comparando com a eq. (2.27), o b´oson de gauge se transforma como ∂µα → −∂µξ/qv.
Ap´os a QES, expandimos o campo φ em torno do v´acuo escrevendo φ(x) = η(x) + v + iξ(x), que pode ser expresso, para primeira ordem de η e ξ por
φ ≈ eiξv(η + v) (3.11)
e ao aplicar a transforma¸c˜ao de gauge local
φ → φ0 ≈ eiξv(η + v)e−iξ v
φ = (η + v). (3.12)
esta escolha de gauge ´e conhecida por gauge unit´ario, pois resulta em um campo comple-tamente real.
Novamente reescrevendo a lagrangiana ainda mais simplificada L = 1 2(∂µη)(∂ µη) +1 2µ 2η2+1 2q 2v2A0 µA 0µ − 1 4FµνF µν− V int. (3.13)
Vamos entender agora os resultados de todo este processo. Antes haviam dois campos sem massa que interagiam com um b´oson de gauge tamb´em sem massa. No v´acuo h´a uma
quebra espontˆanea de simetria que deixa um dos campos massivos e outro sem massa, em adicional o b´oson de gauge tamb´em de torna massivo, com mAµ = qv. O campo sem
massa, ξ ´e chamado de b´oson de Goldstone e ap´os a transforma¸c˜ao do campo, ele some da lagrangiana, se tornando o novo grau de liberdade de Aµ. Os graus de liberdade s˜ao
conservados, uma vez que inicialmente haviam quatro, um para cada campo φ1 e φ2 e
dois para Aµ. Ap´os a QES, o campo η tem um grau de liberdade, e o Goldstone se torna
um grau de liberdade adicional para o b´oson de gauge, que ganha massa. Dizemos ent˜ao que Aµ “comeu”o b´oson de Goldstone e ganhou um grau de liberdade extra.
Uma QES de uma simetria global geraria massa para um dos campos escalares e deixaria o outro sem massa. N˜ao apareceria nenhum b´oson de gauge massivo pois seria necess´aria uma simetria local.
Durante este cap´ıtulo fizemos o estudo do Mecanismo de Higgs para uma simetria local U (1) com o objetivo de introduzir o funcionamento desta ferramenta usada posteriormente na gera¸c˜ao de massa, atrav´es da quebra espontˆanea da simetria SU (2)L⊗ U (1)Y, para os
Cap´ıtulo 4
Mecanismo de Higgs no Modelo
Padr˜
ao
A teoria de gauge ´e bem sucedida ao explicar a eletrodinˆamica, entretanto, ela ´e insu-ficiente quando utilizada para descrever intera¸c˜oes eletrofracas, uma vez que a invariˆancia de gauge local requer b´oson(s) de gauge sem massa, contradizendo experimentos que observam os seguintes valores para as massas dos b´osons W± e Z0 [8]
mW = 80, 39 GeV, e mZ = 91, 18 GeV. (4.1)
Os b´osons W± e Z0 s˜ao as part´ıculas pertencentes ao Modelo Padr˜ao e observadas na natureza, portanto ´e necess´ario que sejamos capazes de explicar sua existˆencia.
Como vimos no cap´ıtulo anterior, ´e poss´ıvel gerar massa para part´ıculas atrav´es da QES. Iremos ent˜ao repetir aqui o mesmo procedimento, por´em desta vez para os grupos SU (2)L⊗ U (1)Y1.
Chamamos este procedimento de mecanismo de Higgs do Modelo Padr˜ao, que ´e justa-mente a gera¸c˜ao de massa n˜ao s´o dos b´osons W±e Z0, mas tamb´em dos f´ermions, atrav´es da quebra espontˆanea de simetria (QES). Ap´os a QES, no entanto, teremos ainda uma simetria U (1) de carga el´etrica residual, mantendo a conserva¸c˜ao de carga el´etrica.
Inicialmente, a densidade de lagrangiana ´e dividida em quatro partes:
L = Lescalar +Lf ´ermions+LY ukawa+Lgauge. (4.2)
Na primeira se¸c˜ao deste cap´ıtulo, mostraremos como os b´osons interagem com o novo campo escalar, h(x), conhecido como campo de Higgs.
Deixaremos ent˜ao expl´ıcitos os termos de massa para tais part´ıculas, mantendo o f´oton (aqui denotado por Aµ) sem massa.
1L significa left, para as part´ıculas de m˜ao esquerda que se transformam nesta simetria. J´a Y ´e usado para denominar hipercarga fraca.
Logo depois, utilizaremos um processo an´alogo com o objetivo de gerar massa para os f´ermions (exceto os neutrinos).
Por fim, analisaremos como se transformam os termos cin´eticos dos b´osons de gauge.
4.1
QES no Modelo Padr˜
ao
Como no procedimento do cap´ıtulo anterior, partiremos da lagrangiana: Lescalar = 12(∂µφ)†(∂µφ) −µ
2
2 φ †
φ − λ4(φ†φ)2 (4.3) O campo φ ´e um campo escalar complexo, representado pelo dubleto de SU (2) de quatro campos escalares reais (ou dois campos complexos):
φ = φ + φ0 ! = φ1+ iφ2 φ3+ iφ4 ! (4.4)
O mecanismo de Higgs deve gerar massa para os b´osons das intera¸c˜oes eletrofracas, portanto um dos campos escalares deve ser neutro, φ0, e o outro carregado, de maneira que φ+ e seu conjugado, φ−, sejam os graus de liberdade adicionais para W+ e W−.
Para tornar a lagrangiana acima invariante sob transforma¸c˜oes locais 2, ´e necess´ario
promover a derivada a uma derivada covariante, descrita por3:
∂µ−→Dµ = ∂µ+ ig σa 2 W a µ + ig 0Y 2Bµ, (4.5)
sendo g e g0 as constantes de acoplamento das intera¸c˜oes fraca e eletromagn´etica, respectivamente. Realizando tal substitui¸c˜ao, tem-se os termos de intera¸c˜ao do campo com os b´osons Wµa e Bµsem massa, que por sua vez, se transformam na seguinte maneira:
Wµ−→ W 0 µ= Wµ− 1 g∂µα − ααα × WWWµ (4.6) Bµ −→ B 0 µ= Bµ− ∂χ. (4.7)
Temos ent˜ao uma lagrangiana invariante sob transforma¸c˜oes do grupo SU (2)L×U (1)Y.
Por enquanto, manteremos o foco no potencial V.
Novamente, pelo fato de µ2 n˜ao ter restri¸c˜ao quanto seu sinal, chegamos nos em dois cen´arios:
2Como descrito no Cap´ıtulo 2. 3As matrizes σa
2 = τ
• Caso µ2 > 0
Nesta situa¸c˜ao, o potencial possui um m´ınimo bem definido em φ1 = φ2 = φ3 = φ4 = 0,
sendo este o ponto de equil´ıbrio.
Nesta situa¸c˜ao a lagrangiana descreve quatro campos escalares reais cada um com massa igual a µ interagindo com os campos vetoriais Wµa e Bµ, que por sua vez possuem
todos massa nula. • Caso µ2 < 0
Aqui os resultados se tornam mais interessantes, j´a que o m´ınimo do potencial, ou o estado de menor energia ir´a ocorrer quando:
∂V ∂|φ| |φ|0 = 0, (4.8) sendo |φ|2 = φ†φ = φ21+ φ22+ φ23 + φ24. (4.9) Portanto µ2+ λ|φ|20 = 0 (4.10) |φ|2 0 = −µ2 λ = v 2. (4.11)
Temos ent˜ao um m´ınimo do potencial degenerado. Para quebrar a degenerescˆencia, vamos fazer outra escolha que corresponda ao m´ınimo de φ, quebrando espontaneamente a simetria da lagrangiana. Ap´os a QES, restar˜ao trˆes b´osons de Goldstone sem massa, que ser˜ao os graus de liberdade para os b´osons W± e Z0, e tamb´em um campo escalar massivo. Ao inv´es de repetir o procedimento anterior, escolhemos o valor m´ınimo de φ+ como nulo, e φ0 = v, tal escolha ´e conhecida como gauge unit´ario. Para obtˆe-la operamos
as seguintes mudan¸cas:
|φi|0 = 0, i = 1, 2, 4
|φ3|0 = v
. (4.12)
Temos ent˜ao:
φ0 =
0 v
!
. (4.13)
Expandindo o campo em torno do m´ınimo,
φ = 0
h + v !
, (4.14)
Reescrevendo o potencial: V = µ22|φ|2+ λ 4|φ| 4 = µ22(h2+ v2+ 2vh) + λ4(h2+ v2+ 2vh)2 = µ22(h2+ v2+ 2vh) + λ 4(4v 3h + 6v2h2 + 4vh3+ h4+ v4) V = −µ2h2+ vλh3+ 14λh4+ 14µ2v2. (4.15) Utilizamos a rela¸c˜ao (4.11) para alguns termos durante a ´ultima passagem. Substituindo na lagrangiana:
Lescalar = 12(Dµφ)†(Dµφ) + µ2h2− vλh3− 14λh4−14µ2v2 (4.16)
Portanto, antes da quebra espontˆanea de simetria, o potencial envolvia apenas in-tera¸c˜oes, onde o termo 12µ2φ†φ n˜ao podia ser interpretado como termo de massa. Agora o potencial exibe campo com massa igual a −√2µ2. O passo necess´ario agora ´e explicitar
no termo cin´etico da lagrangiana: Dµφ = ∂µ+ig2Wµ3+ ig 0Y 2Bµ ig 2(W 1 µ− iWµ2) ig 2(W 1 µ + iWµ2) ∂µ+ igτ a 2 W a µ + ig 0Y 2Bµ ! 0 h + v ! (4.17)
O valor de Y ´e dado pela defini¸c˜ao do operador carga el´etrica Q, Q = IW(3)+ Y
2 (4.18)
Y = 2(Q − IW(3)) (4.19)
IW(3) ´e a terceira componente do isospin fraco, que para φ0 equivale a −1
2. Como o campo
´e neutro, Q = 0 e portanto Y = 1.
Podemos tamb´em realizar a seguinte defini¸c˜ao:
Wµ± = Wµ1∓ iWµ2 (4.20) Substituindo em 4.12: Dµφ = 1 2 2∂µ+ igWµ3+ ig 0 Bµ igWµ+ igWµ− 2∂µ+ igWµ3+ ig 0 Bµ ! 0 h + v ! Dµφ = 1 2 igW+ µ(h + v) 2∂µh + i(g 0 Bµ− gWµ3)(h + v) ! (4.21)
Multiplicando o termo acima pelo seu conjugado e expandindo, temos o termo cin´etico da lagrangiana: 1 2(Dµφ) † (Dµφ) =1 8g 2W− µW +µ(h + v)2+ 4∂ µh∂µh + 2i∂µh(g 0 Bµ− gW3µ)(h + v)+ 2i∂µh(gWµ3− g0Bµ(h + v) − (g 0 Bµ− gW3µ)(gW3 µ − g 0 Bµ)(h + v)2 1 2(Dµφ) † (Dµφ) =12(∂µh)(∂µh) + 18g2Wµ−W +µ(h + v)2+ 1 8(h + v) 2[g2W3 µW 3µ+ g02B µBµ− gg 0 (Wµ3Bµ+ BµW3µ)] (4.22)
Analisando o termo entre colchetes, voltamos `a forma matricial:
g2Wµ3W3µ+ g02BµBµ− gg 0 (Wµ3Bµ+ BµW3µ) = W3 µ Bµ g2 −gg 0 −gg0 g02 ! W3µ Bµ ! = Wµ3 Bµ M W 3µ Bµ ! ,
onde M ´e a matriz de massa. Seus elementos n˜ao diagonais permitem que os acoplamentos de B e W3 se misturem, sendo imposs´ıvel identificar a massa para cada b´oson. Os b´osons
de gauge f´ısicos ent˜ao ser˜ao aqueles correspondentes a uma base onde a matriz de massa seja diagonal.
Por fim, na base diagonal temos:
Aµ Zµ 0 0 0 g2+ g02 ! Aµ Zµ ! (4.23) onde Aµ = g0Wµ3+ gBµ p g2+ g02 (4.24) Zµ = gWµ3− g0Bµ p g2+ g02 (4.25)
s˜ao os elementos correspondentes aos autovetores de M. Voltando `a lagrangiana: Lescalar =12(∂µh)(∂µh) + v2λh2+ 18v2g2Wµ−W +µ+1 8v 2(g2+ g02)Z µZµ+ 1 4vg 2 Wµ−W+µh + 14v(g2+ g02)ZµZµh +18(g2+ g 02 )ZµZµh2+ 18g2Wµ−W +µ h2− vλh3−1 4λh 4+1 4λv 4, (4.26)
onde o primeiro termo ´e o termo cin´etico do campo de Higgs, que ´e massivo, dado pelo segundo termo. O terceiro e quarto dizem a respeito das massas dos b´osons W e Z. Os
termos seguintes referem-se `as intera¸c˜oes entre h e os b´osons. Podemos explicitar as suas massas, que tem as seguintes formas:
mh = √ 2λv, mW = 12gv, mZ = 12v p g2+ g02 e mA= 0. (4.27) ´
E poss´ıvel notar tamb´em que as intera¸c˜oes dos b´osons com o Higgs tem como constante de acoplamento termos proporcionais `as suas massas. Portanto, o f´oton n˜ao interage com h, j´a que n˜ao possui massa.
Atrav´es do mecanismo de Higgs, o Modelo Padr˜ao estabelece uma rela¸c˜ao entre as massas dos b´osons W± e Z0, basta escrevermos g e g’ como
g0
g = tanθW (4.28)
onde θW recebe o nome de ˆangulo de Weinberg. Substituindo nas rela¸c˜oes para as massas,
mW = mZcosθW (4.29)
Podemos tamb´em aproveitar a defini¸c˜ao para reescrever Aµ e Zµ:
Aµ= sinθWWµ3+ cosθWBµ (4.30) Zµ= cosθWWµ3− sinθWBµ, (4.31) e partir da eq. (4.28), cosθW = g p g2+ g02 (4.32) sinθW = g0 p g2+ g02 (4.33)
4.2
Massa para os f´
ermions
O mecanismo tamb´em pode ser usado para gerar massa dos f´ermions, fazemos isto pois um termo de massa na lagrangiana de Dirac ´e da forma:
−m ¯ψψ, (4.34)
onde ¯ψ = ψ†γ0.
A express˜ao cin´etica dos f´ermions, que ´e invariante, ´e escrita na forma:
Decompondo os espinores ¯ψ e ψ a partir dos operadores de proje¸c˜ao quiral, PL e PR
definidos por:
PL ≡ 12(I − γ5) ⇒ PLψ = ψL
PR≡ 12(I + γ5) ⇒ PRψ = ψR,
(4.36)
sendo γ5 um operador hermitiano definido em termos das matrizes de Dirac na forma
γ5 ≡ iγ0γ1γ2γ3.
Como PL+ PR = I, aplicamos a rela¸c˜ao nas equa¸c˜oes (4.36):
ψ = (PL+ PR)ψ = ψL+ ψR. (4.37)
Utilizando as propriedades γ5† = γ5 e γ0γ5 = −γ5γ0, ganhamos uma rela¸c˜ao para os
operadores PR,L e antif´ermions, ¯ψ:
¯
ψL = ¯ψPR ψ¯R= ¯ψPL (4.38)
Voltando ao termo de massa:
−m ¯ψψ = − m( ¯ψL+ ¯ψR)(ψL+ ψR)
= − m( ¯ψPRPLψ + ¯ψPLPLψ + ¯ψPRPRψ + ¯ψPLPRψ)
= − m( ¯ψPRPRψ + ¯ψPLPLψ)
−m ¯ψψ = − m( ¯ψLψR+ ¯ψRψL), (4.39)
onde usamos que PRPL= PLPR= 0.
A equa¸c˜ao (4.39) n˜ao ´e invariante uma vez que os f´ermions de m˜ao direita se transfor-mam como singletos de SU (2)L× U (1)Y, e os f´ermions de m˜ao esquerda s˜ao representados
por dubletos na mesma simetria4.
Dito isso, a lagrangiana para os f´ermions deve conter um outro termo que seja invari-ante. Notamos que uma transforma¸c˜ao de gauge de SU (2) local agindo sobre o campo φ (antes da QES) tem efeito:
φ → (I + igα · Tα · Tα · T )φ (4.40) J´a no antif´ermion de m˜ao esquerda:
¯
ψL→ ¯ψL(I − igα · Tα · Tα · T )), (4.41)
onde TTT = 1 2σσσ.
A express˜ao ¯ψLφ ´e invariante por transforma¸c˜oes de SU (2)L. Para incluir os f´ermions
de m˜ao direita e adquirir invariˆancia sob U (1)Y, notamos que a soma
−√gi
2( ¯ψLφψR+ ¯ψRφ †
ψL) (4.42)
4No caso, as transforma¸c˜oes s˜ao ψ
R→ eig
0
χ(x)ψ
´
E invariante. A fim de simplificar, denotaremos os espinores ψL e ψR por
Li = νe e ! L , νµ µ ! L , ντ τ ! L (4.43) Ri = eR, µR, τR (4.44) e para os quarks: QiL = u d ! L , c s ! L , t b ! L (4.45) QiR= uR, cR, tR, QjR = dR, sR, bR (4.46)
com o ´ındice i indicando cada fam´ılia.
Portanto, a express˜ao que gera massa para os l´eptons ´e:
Lm = −√gi2( ¯LiφRi+ ¯Riφ†Li) (4.47)
gi ´e conhecida como constante de acoplamento de Yukawa, um valor diferente para
cada part´ıcula fermiˆonica. Ap´os a quebra espontˆanea de simetria, o campo φ ´e
φ = 0
h + v !
(4.48)
Ent˜ao o termo de massa para a fam´ılia do el´etron, por exemplo, toma a forma Lme = − ge " ¯ νe e¯ L 0 h + v ! eR+ ¯eR 0 h + v νe e ! L # (4.49) = −√ge 2(h + v)(¯eLeR+ ¯eReL) Lme = −√12(gev¯ee + geeeh)¯ (4.50)
o procedimento ´e an´alogo para quase todas os outros f´ermions. ´E importante perceber que o gauge unit´ario deixa os neutrinos sem massa, bem como todos os quarks superiores. Contudo, h´a evidˆencias de que os quarks up, charm e top s˜ao massivos. Para contornar o problema, adicionaremos ainda outro termo, introduzindo o que ´e chamado de campo conjugado: φc = −iσ2φ∗ = h + v 0 ! (4.51) Ent˜ao para os quarks superiores a lagrangiana se torna:
e para os inferiores: Lm↓= gj √ 2( ¯QiLφQjR+ ¯QjRφ † QiL), (4.53) com gi = gu, gc, gt, e tamb´em gj = gd, gs, gb.
Como exemplo, utilizaremos a primeira fam´ılia de quarks, novamente ap´os a QES: Lmu= −√12(guu¯uh + guvu¯u) (4.54)
e
Lmd = −√12(gdd ¯dh + gdvd ¯d) (4.55)
Todo esse processo d´a luz `a intera¸c˜ao entre os f´ermions e o campo h e tamb´em aos termos de suas respectivas massas, partindo de uma lagrangiana invariante pela simetria do Modelo Padr˜ao.
A massa de cada part´ıcula tem a seguinte express˜ao: mi,j =
gi,jv
√
2 , (4.56)
com mi = mu, mc, mt, me, mµ, mτ e mj = md, ms, mb.
Para sumarizar, escrevemos o termo que gera massa para todos os f´ermions como: LY ukawa =Lm+Lm↑+Lm↓ (4.57)
´
E importante notar que, assim como no caso dos b´osons, intera¸c˜oes entre os f´ermions e o Higgs se d´a proporcionalmente `a massa de cada f´ermion, fica f´acil de visualizar isto pela eq. (4.50), onde a express˜ao de intera¸c˜ao entre o el´etron e o h ´e descrita pelo termo:
ge¯eeh =
me
v eeh.¯ (4.58)
A diferen¸ca ´e que para os b´osons, o Higgs interage proporcionalmente `as suas massas ao quadrado, o que podemos perceber se voltarmos aos termos de intera¸c˜ao na eq. (4.26):
1 4g 2vW− µW +µh + 1 4(g 2+ g02)vZ µZµh = v1m2WW − µW +µh +1 vm 2 ZZµZµh. (4.59)
4.3
Termos cin´
eticos para os b´
osons
O ´ultimo passo agora ´e adicionar `a lagrangiana os termos cin´eticos dos b´osons Wµ±, Aµ e Zµ. Inicialmente, antes da QES, esses termos s˜ao escritos em fun¸c˜ao de Wµa e Bµ:
Lgauge = −14Wµνa W
aµν −1 4BµνB
onde Bµν = ∂µBν− ∂νBµ (4.61) e Wµνa = ∂µWνa− ∂νWµa+ g 0 abcWµbW c ν (4.62)
A partir das rela¸c˜oes (4.15), (4.20) e (4.21) reescrevemos Wa µ e Bµ: Wµ1 =12(Wµ++ Wµ−) Wµ2 = 2i(Wµ+− Wµ−) Wµ3 =g 0 Aµ+ gZµ p g02+ g2 Bµ= gAµ− g 0 Zµ p g02+ g2
Substituindo na lagrangiana acima[9]:
Lgauge = −14FµνFµν− 14ZµνZµν− 12fµν† fµν+ ... termos de intera¸c˜ao (4.63)
sendo:
FµνFµν = ∂µAν − ∂νAµ, ZµνZµν = ∂µZν − ∂νZµ (4.64)
fµν = ∂µWν+− ∂νWµ+ (4.65)
4.4
O b´
oson de Higgs
Apesar de alguns valores estabelecidos, o Modelo Padr˜ao n˜ao ´e capaz de atribuir valo-res `as massas das part´ıculas apenas com a teoria, necessitando do aux´ılio da fenomenologia para completar suas pe¸cas. O parˆametro solto λ s´o tem seu valor definido a partir da me-dida da massa do b´oson de Higgs, obtida em 2012 pela jun¸c˜ao de dados dos experimentos CMS e ATLAS [10, 11] realizados no LHC. A massa do escalar ´e
mh ' 125, 7 ± 0, 5 GeV (4.66)
Ap´os a detec¸c˜ao dos b´osons W±e Z0, o b´oson de Higgs havia se tornado uma prioridade em f´ısicas de part´ıculas, e sua identifica¸c˜ao preencheu todo o espectro do Modelo Padr˜ao. A existˆencia do b´oson de Higgs n˜ao foi sustentada somente pela necessidade de um mecanismo que gerasse massa. De fato, a maior motiva¸c˜ao para detectar o b´oson de Higgs foi a viola¸c˜ao de unitariedade. Se temos o processo e+e− → W+W−, por exemplo, e
considerarmos apenas o f´oton e o b´oson Z0como mediadores, a se¸c˜ao de choque5 ir´a crescer
com a energia, e a probabilidade n˜ao ser´a conservada. Com o Higgs como mediador, a
se¸c˜ao de choque n˜ao aumentar´a mais com a energia, fazendo com que a teoria se mantenha unit´aria.
Assim, poder´ıamos ter outros meios de gerar massa para as part´ıculas, contudo o b´oson de Higgs ´e o mediador que restava para n˜ao violar a unitariedade da teoria.
At´e a Se¸c˜ao 4.1, t´ınhamos 4 parˆametros: as constantes de acoplamento g e g0, e os parˆametros livres λ e µ do potencial de Higgs, relacionando a massa do Higgs com seu valor esperado do v´acuo, v, atrav´es eq. (4.11).
A constante de acoplamento g ´e obtida ao relacion´a-la com a constante de Fermi, GF,
das intera¸c˜oes fracas. O valor da constante de Fermi ´e medido experimentalmente em acordo com a teoria efetiva de Fermi, que descreve as intera¸c˜oes fracas no limite de baixas energias. Estabelecemos ent˜ao
g2 8 = 1 √ 2GFm 2 W (4.67) E ent˜ao obtemos v = 246 GeV. (4.68)
Este ´e o valor esperado do v´acuo para o campo de Higgs.
A partir da´ı, podemos obter o valor de g0 atrav´es da massa do b´oson Z0, e ent˜ao temos o valor de λ, que tamb´em pode ser obtido experimentalmente com o valor da massa do Higgs.
Cap´ıtulo 5
Conclus˜
ao
O mecanismo de Higgs mostra-se imprescind´ıvel para a gerar massa `as part´ıculas elementares do Modelo Padr˜ao e para manter a unitariedade. Contudo, deixa pontos abertos ao ser incapaz de atribuir valores, o que ´e feito gra¸cas aos estudos fenomenol´ogicos. Elaborado por Peter Higgs em 1964 [12], o mecanismo que sugeriu a existˆencia de uma part´ıcula descrita por um campo escalar, o b´oson de Higgs, de spin 0, passou por uma longa trajet´oria at´e ser finalmente detectado pelo LHC, garantindo a Peter Higgs um prˆemio Nobel em 2012. O estudo sobre a evolu¸c˜ao do Universo, brevemente realizada na Introdu¸c˜ao deste trabalho, sugere que as part´ıculas tenham adquirido massa quando o Universo estava a temperatura de ∼ 100 GeV, o que ocorreu em torno de ∼ 10−10 segundos.
Apesar de importante, a valida¸c˜ao do Higgs n˜ao esclarece tudo, e o Modelo Padr˜ao tamb´em deixa quest˜oes em aberto, como os neutrinos serem massivos ou a existˆencia de Mat´eria Escura. ´E necess´ario considerar teorias al´em do Modelo Padr˜ao na tentativa de entender melhor o nosso Universo.
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