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Estado Penal e o Sistema de Responsabilização Decorrente da Prática de Atos Infracionais para Adolescentes

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Academic year: 2021

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Adriana Cristina Nobre de Oliveiraa*

Resumo

Este artigo tem como objetivo analisar a configuração contemporânea do Estado no desenvolvimento de suas práticas repressivas e criminalizadoras, com enfoque voltado ao adolescente autor de ato infracional por meio do sistema de responsabilização “penal” juvenil vigente no Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA. A análise é orientada pelo corte metodológico, buscando contribuir para a discussão da emersão de um Estado penalizante em resposta a uma das expressões da questão social - o adolescente autor de ato infracional.

Palavras-chaves: Estado Penal. Sistema de Responsabilização. Adolescente Autor de Ato Infracional.

Abstract

This article aims to analyze the contemporary configuration of the Statein the development of its repressive and criminalizing practices, with focus aimed at the adolescent who commits an infraction through the “criminal” current accountability system at the youth in the Child and Adolescent - ECA. The analysis is guided by the methodological framework seeking to contribute to the discussion of the emergence of a disadvantageous state in response to one of the expressions of the social question - the adolescent who commits an infraction.

Keywords: Criminal State. Accountability System. AdolescentAuthor of an Offense.

Estado Penal e o Sistema de Responsabilização Decorrente da Prática de Atos Infracionais

para Adolescentes

Penal State and Accountability System Arising out of Acts Infractional Practice for

Adolescents

aUniversidade Estadual do Ceará, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Serviço Social, Trabalho e Questão Social, CE, Brasil. *E-mail: drinobre123@gmail.com

1 Introdução

Este artigo tem a pretensão de analisar, a partir do estudo e experiência profissional da autora na área infracional do Juizado da Infância e Juventude de Fortaleza, a tendência crescente de um Estado penalizante no trato da expressão da questão social- adolescente autor de ato infracional, em uma relação inseparável entre o capitalismo contemporâneo e a emersão do Estado penal operacionalizado pelo sistema de responsabilização “penal” juvenil.

Assim, acredita-se que para se compreender o enfrentamento contemporâneo do Estado diante da violência juvenil, é necessário realizar um breve percurso histórico da formação do Estado e da sociedade capitalista, bem como de seus instrumentos de controle.

Dessa forma, esse percurso desvendará como o poder estatal se conformou como um lócus privilegiado de reprodução do capital, bem como o Direito Penal foi utilizado pelo sistema de produção, para enfim, se chegar à compreensão da dimensão penal do Estado na atualidade.

Nesse contexto, discutir-se-á a posição em que se encontra, na configuração do Estado, o sistema de responsabilização juvenil vigente no Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, suas particularidades na execução da medida socioeducativa, em especial, a da internação.

2 Desenvolvimento

2.1 Capitalismo e Estado: uma relação necessária

Na busca por mais riqueza e poder, os homens sempre buscaram formas de organizar e regular a sociedade segundo seus próprios interesses, conforme cada conjuntura histórica. Assim, por meio da ordem jurídico-política do Estado, consolidou-se a ordem socioeconômica burguesa.

A centralização do poder estatal e formação de uma estrutura político-jurídica, que legitima a ação do Estado, emerge com a armadura da defesa e da proteção da liberdade dos indivíduos. O Estado jurídico, guardião das liberdades individuais, alcançou seu ponto máximo com a Revolução Francesa de 1789 (GRESPAN, 2008), que pregava a “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”.

A burguesia torna-se a grande financiadora do Estado moderno e as leis marcam as relações sociais, o que torna possível a reprodução das relações de produção capitalista. A igualdade, princípio de que a lei é igual para todos, gira em torno da fundamentação do Estado moderno e da ideia de um Estado ideal, que cria as condições ideológicas necessárias à reprodução das relações de produção capitalista. Então, o princípio da igualdade está na base de fundamentação do Estado burguês e em uma de suas legitimações, o direito de punir.

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secular, na Idade Moderna, entre a liberdade do indivíduo e o absolutismo do monarca, que nasceu a primeira noção de Estado de Direito. Assim, foi contra o Estado absolutista monárquico que o Estado liberal se apresentou.

Ainda para o autor, o Estado Moderno foi a armadura de defesa e de proteção de liberdade. O Estado Jurídico, por meio das leis e de seus processos de aplicação da lei, criou condições para exercer o controle sobre o indivíduo e ao mesmo tempo colocá-lo como titular de direitos inatos, a fim de exercer na sociedade, o seu direito de liberdade, que aparece como ordem positiva frente ao Estado.

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, estabeleceu como um dos seus principais direitos a propriedade como “direito inviolável e sagrado” e essa ideia inicial de direitos foi, sem dúvida, criticada pelo pensamento socialista, de tradição marxista pela distinção entre os direitos do homem e os direitos do cidadão. Este era o que teria o direito da propriedade privada e o que poderia desfrutar e de dispor como quisesse de seus bens e do fruto de seu trabalho. E quem seria o homem? Simplesmente, o homem comum, membro da sociedade civil.

Dessa forma Marx (2010), por meio da análise sobre a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, demostra que o Estado não é um princípio de universalidade e nem uma instância para além dos interesses particulares, e muito menos instituído a partir de um suposto pacto social, como imaginavam os contratualistas.

Dessa forma, na sociedade moderna, o entendimento de cidadão surge vinculado à questão econômica, e a igualdade jurídica dos homens vai trazer a justificação moral da desigualdade econômica na sociedade burguesa.

Na obra A questão Judaica, Marx (2010) analisa os aspectos da sociedade burguesa, discute a igualdade dos direitos e a emancipação humana e política. Para ele, no Estado, o homem é olhado como ser genérico, como imaginário, membro de uma soberania imaginária, dotado de universalidade, assim, o Estado surge como esfera da vida coletiva, porém ilusória.

Ele mostra que a Declaração dos Direitos do Homem se refere aos direitos do homem (burguês) egoísta, centrado na propriedade e no seu desfrute, sem consideração pelos outros, fazendo a dicotomia do ser em: o homem e o cidadão. Dessa forma, a sociedade estava dividida entre proprietários e não proprietários.

Assim, para Marx (2010), o Estado se ergue a partir da sociedade no interesse de uma determinada classe social (burguesia). O Estado passa, então, a ser visto como uma entidade que serve aos interesses da classe dominante, garantindo seus privilégios, sob a forma de lei. Segundo Coutinho (2011, p.19):

O Estado deixa então de lhe aparecer apenas como a encarnação formal e alienada do suposto interesse universal, passando a ser visto como um organismo que exerce uma função precisa: garantindo a propriedade privada, o Estado assegura e reproduz a divisão da sociedade em classes (ou

seja, conserva a ‘sociedade civil’) e, desse modo, garante a dominação dos proprietários dos meios de produção sobre os não-proprietários, sobre os trabalhadores diretos. O Estado, assim, é um Estado de classe: não é encarnação da Razão universal, mas sim uma entidade particular que, em nome de um suposto interesse geral, defende os interesses comuns de uma classe particular.

Na verdade, no antigo regime (feudal) a desigualdade estava fundamentada na moral e no status, mas a sociedade burguesa, que garantiu a igualdade jurídica aos cidadãos, provoca a desigualdade econômica oriunda das contradições dessa sociedade. Nesse contexto, o Estado aparece como mascarador da realidade, neutro e defensor do interesse geral da comunidade e no qual o Direito e a política aparecem descolados da base material da sociedade.

Engels (2006) em a “origem da família, da propriedade privada e do Estado”, assim como na visão de Marx, considera que o Estado é um Estado de classe. Para ele, o Estado torna-se necessário a partir de certo grau de detorna-senvolvimento econômico, quando a propriedade privada gera as desigualdades sociais e surgem as classes sociais. Com as classes surgem a luta e a necessidade do Estado para proteger a classe economicamente dominante. A classe que detém os meios de produção institucionaliza, através do Estado, seu controle econômico, por meio de instituições políticas e jurídicas.

No entanto, foi na grande obra de Marx (2008), O capital, que a compreensão de Estado se funda na crítica da economia política capitalista, trazendo para o ordenamento social a luta de classe, a exploração e reprodução do capital. Este para se reproduzir necessita de homens livres e iguais para que possa haver a venda da força de trabalho pelo trabalhador ao proprietário dos meios de produção.

Para Marx (2008), nas relações de produção capitalista, a força de trabalho assume a forma de mercadoria e o uso dessa força de trabalho do produtor direto pelo proprietário dos meios de produção se faz sob a forma de troca de equivalentes. É nesse processo de troca que se manifesta a contradição do sistema capitalista, ou seja, na passagem da circulação da mercadoria para a produção capitalista o princípio da equivalência converte-se em seu contrário.

Azevedo (2012), em seu livro “A gênese das formas jurídicas em Marx”, com base na exposição marxiana, explica que o Direito e o Estado se apresentam como uma necessidade própria ao desenvolvimento da forma-valor (produção do capital), em sua essência contraditória. Complementa que:

[...] nessa conversão do equivalente em não-equivalente, convertem-se também: a propriedade em não-propriedade, a liberdade em não-liberdade, a igualdade em não-igualdade, etc. Daí manifesta-se a emergência de uma forma jurídica legal da instituição jurídico formal, dessas relações sociais de produção. É justamente a produção do desigual que fundamenta o Direito e o Estado. É precisamente o conflito capita-trabalho que os determina. Neles de desenvolvem formalmente (aparentemente) as contradições capitalistas: a não propriedade se constitui em apropriação legítima; a

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não-liberdade na liberdade abstrata do cidadão, membro do Estado; a não-igualdade em pseudo-igualdade pela qual os homens se apresentam no mercado como compradores e vendedores de mercadorias (incluindo-se a força de trabalho) (AZEVEDO, 2012, p.113).

Nesse sentido, o Estado e o Direito tornam possível a reprodução das relações de produção capitalista, ao colocarem como iguais o proprietário dos meios de produção e o produtor direto (trabalhador), ou seja, dá tratamento igual aos desiguais, e por dotá-los de uma vontade subjetiva, portanto, capazes de praticar os mesmos atos de vontade. O Direito, ao fazer essa igualdade, faz com que a troca desigual entre o uso da força de trabalho e o salário assuma uma forma de uma troca de equivalentes, resultantes de livre encontro de duas vontades individuais: o contrato de compra e troca da força de trabalho.

Assim, para Azevedo (2012), o Direito e o Estado compõem as relações sociais constitutivas da sociedade burguesa, portanto indissociáveis de seu caráter contraditório. Esclarece, ainda, que o próprio desenvolvimento do capitalismo e as contradições sociais e econômicas por ele geradas requerem uma forma social, na qual repousem e pela qual se medeiem essas contradições de classes. Dessa forma, o Estado aparece assim como mediação das contradições capitalistas, e simultaneamente, como aparência necessária da produção capitalista.

O filósofo e jurista Alysson Mascaro (2013), a partir de perspectiva marxista e de corrente derivacionista, traz a percepção de Estado e da política como formas derivadas das relações de produção capitalistas, estabelecendo um rico diálogo entre política e economia. Assim, para se compreender o fenômeno estatal não se deve partir de suas características, mas da forma de reprodução do capitalismo. Para o autor, não é o Estado que origina o capitalismo, e sim o capitalismo que origina o Estado.

Afastando-se da tradicional visão marxista, na concepção de Mascaro (2013), o Estado é posto como um terceiro elemento nas relações entre capitalistas e trabalhadores, agindo como intermediador e garantidor dessa relação. Destarte, é nessa relação que o Estado aparece como mediação das relações capitalistas e, ao mesmo tempo, como aparência necessária para a produção capitalista, legalizada pela sua estrutura jurídica, esfumaçando os antagonismos entre as classes sociais.

Portanto, apesar da engenhosa estrutura jurídica que mascara os antagonismos, as desigualdades e a liberdade abstrata do cidadão, o Estado burguês encontrou dificuldades e resistências, no evoluir da história para manter a dominação de classes devido a agudização da “questão social”, expressão própria da desigualdade social e econômica da sociedade capitalista.

Assim, neste momento, parte-se para a compreensão das formas e métodos punitivos implantados pelo Estado para enfrentar os problemas decorrentes das desigualdades sociais, a fim de atender às necessidades do sistema de produção

em cada época do desenvolvimento econômico. Para isso, utilizam-se alguns autores da criminologia crítica, que fazem a ligação entre economia e penalidade, a partir da perspectiva materialista.

2.2 Estado e a formação de sua estrutura punitiva O Estado é chamado a intervir e, inevitavelmente, faz uso de sua estrutura jurídica e dos mecanismos para reprimir a mendicância que surgiu com a desintegração do sistema feudal de produção, causando uma verdadeira desordem em razão de enormes contingentes de seres humanos sem ocupação, que vagavam pelas cidades e cometiam delitos contra a propriedade, colocando em risco a burguesia ascendente.

Assim, com as necessidades do sistema de produção capitalista, o Estado vai implantar métodos que lhe sejam funcionais.

O Direito não se reduz à lei, Constituição, Códigos, ele engloba também o processo de aplicação das leis, ou seja, a concretização de seu caráter impositivo. Durante o século XV e XVI, o Direito Penal foi utilizado como instrumento de controle e prevenção a esse crescimento populacional desordenado e perigoso à ordem burguesa em ascensão. E é, nesse contexto, que a pena capital, as penas corporais e os suplícios transformam-se em meios de extermínio.

Tal fenômeno dos suplícios encontra-se bem narrado na obra de Foucault (1997), Vigiar e Punir, quando o autor narra o suplício de Damiens, que fora condenado em 1757. Na sua obra, ele apresenta a evolução histórica da legislação penal e seus respectivos métodos e meios coercitivos adotados pelo Estado na repressão da delinquência. Cada época criou suas leis penais, instituindo variados processos punitivos que vão da violência física do corpo (suplícios) aos modernos institutos penais. O autor mostra que, ao longo da história, a estrutura punitiva sofreu mudanças, a fim de atender cada tempo histórico.

Rusche e Kirchheime (2004), na obra Punição e Estrutura Social, destacam os diferentes sistemas de punição, conforme cada época do desenvolvimento econômico. A indenização e fiança foram os métodos de punição preferidos na Idade Média, que foram gradativamente substituídos por um duro sistema de punição corporal e capital que, por vez abriu caminho para o aprisionamento, em torno do século XVII.

Assim, os autores ao relacionarem o modo de produção capitalista ao cárcere, advertem para o fato de que os diferentes sistemas penais e suas variações estão intimamente relacionados com as fases de desenvolvimento econômico. Tal afirmação deixa clara a utilização do Direito Penal e das penalidades com fins explicitamente econômicos, uma vez que a abundância da mão-de-obra, no período de transição feudal para o mercantilista, tornava a vida humana cada vez menor e funcional ao processo produtivo.

Em Cárcere e Fábrica, Melossi (2006) por meio de interpretação marxista derivada, sobretudo do “O Capital”, destaca a gênese do modo de produção capitalista à história

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da produção no século XVIII, do aumento da riqueza e a construção do aparato jurídico nas relações sociais com o advento da sociedade burguesa.

Foucault (1997) analisa que a mudança da penalidade surge a partir das modificações no processo de desenvolvimento da sociedade capitalista. E, nesse sentido, o aparato jurídico se articula com as relações sociais capitalistas. A vingança soberana sobre o corpo perde sentido do ponto de vista social, político e econômico, deslocando-se a punição para a defesa da sociedade.

Para Foucault, a funcionalidade econômica da prisão se alia à dimensão política, ou seja, a disciplina e sujeição dos corpos para aceitar a ordem estabelecida, sustentando a hierarquia e controle da classe dominante.

Dessa forma, a prisão foi utilizada como um dos principais instrumentos do sistema penal para o exercício da disciplina social. E, o Direito Penal e os interesses econômicos sempre estiveram ligados desde as origens do sistema de produção capitalista. Portanto, as formas de enfrentamento, por parte do Estado, aos problemas sociais, foram marcadas pelo controle desenvolvido pela sociedade capitalista.

Rusche e Kirchheime (2004) esclarecem que a transformação em sistemas penais está acima da mera explicação da mudança das demandas da luta contra o crime, embora esta luta faça parte do jogo, uma vez que são determinadas por forças sociais, sobretudo, pelas forças econômicas e, consequentemente, fiscais.

Portanto, a compreensão de que o sistema penal não é um fenômeno isolado, mas sim parte do sistema social, neste momento, remete-se ao capitalismo de barbárie, em que se pode observar a expansão do mercado em várias direções, principalmente, no esfalecimento do sistema de proteção social que se ergueu com o Estado Welfare-State, a fim de conter a “questão social”, conjunto de problemas sociais e econômicos, resultantes da contradição entre capital e trabalho decorrente do grande desenvolvimento industrial.

A consolidação do Estado do Bem-Estar social ocorreu após Segunda Guerra Mundial, sendo inspirado na teoria Keynesiana de ação reguladora do Estado na relação capital e trabalho. Ao keynesianismo agregou-se o pacto fordista da produção em massa, mas a crise de sustentação teórica do Keynesianismo e a polêmica em torno do papel e tamanho do Estado se manifestaram na década de 1970, com a grande crise do capital.

Essa crise do capital induz o Estado a reduzir gastos sociais, a realizar uma reforma fiscal e ao desmonte dos direitos sociais apoiado pelo discurso conservador e liberal. É o chamado Estado mínimo do projeto neoliberal, que avança na contramão dos direitos sociais e na redução dos investimentos nas políticas públicas, desencadeando impacto em vários setores e dimensões da vida social.

Por outro lado, a reestruturação produtiva e seus efeitos começam a ser percebidos, sobretudo, o aumento do desemprego, colocando uma força de trabalho em excesso no da instituição penitenciária. Esta instituição, para ele, foi

criada nos lugares, em que teve o início o modo de produção capitalista.

Para Melossi (2006), o cárcere tivera como antepassado a “casa de trabalho”, espécie de manufatura reservada às massas que expulsa dos campos, afluíram para as cidades, emergindo fenômenos da época como: banditismo, mendicância, pequenos furtos, recusa a trabalhar nas condições impostas pelos burgueses.

Ainda, para o autor, a casa de trabalho, funcionava como um “proto-cárcere”, que seria depois tomado como modelo da forma moderna do cárcere no período Iluminista, isto é, quando ocorreu a verdadeira invenção penitenciária não parecia ser outra coisa senão uma instituição de adestramento forçado das massas ao modo de produção capitalista.

O abandono das penas cruéis e métodos de eliminação massiva dos contingentes populacionais, somente se modificaram na medida em que a demanda crescente de mão-de-obra para a indústria se expandia. Nesse momento, a situação se inverte e o sistema de produção mercantil em expansão necessita de mão-de-obra, assim, surge a possibilidade de explorar o trabalho dos prisioneiros, com a adoção da escravidão nas galés e a servidão penal por meio de trabalhos forçados.

Para Rusche e Kirchheime (2004), todo sistema de produção tende a descobrir punições que correspondam às relações de produção. Assim, o cárcere, enquanto forma de controle social, corresponde à punição do regime de desenvolvimento capitalista. Quanto a isso, afirmam:

Quando nos voltamos para os fatores condicionantes positivos, podemos ver que a simples constatação de que formas específicas de punição correspondem a um dado estágio de desenvolvimento econômico é uma obviedade. É evidente que a escravidão como forma de punição é impossível sem uma economia escravista, que a prisão com trabalho forçado é impossível sem a manufatura ou a indústria, que finanças para todas as classes da sociedade são impossíveis sem uma economia monetária. De outro lado, o desaparecimento de um dado sistema de produção faz com que a punição correspondente fique inaplicável. Somente um desenvolvimento específico das forças produtivas permite a introdução ou rejeição de penalidades correspondentes (RUSCHE; KIRCHHEIME, 2004, p.20).

Para Foucault (1997), as prisões surgem ligadas ao funcionamento da sociedade burguesa e de seu aparato jurídico como parte de um conjunto das punições, o que marca um momento importante na história da justiça penal: seu acesso à humanidade. O autor demostra que a prisão, sob o manto humanista, tomou o lugar da punição do espetáculo dos suplícios, dos esquartejamentos e sangrento do corpo. O grande espetáculo da punição física aos poucos desaparece e penetra-se na época da sobriedade punitiva. A prisão penal tomou o lugar dos suplícios, como técnica menos cruel para modificar os indivíduos.

Essa passagem da punição de sangue para a punição mais humana faz parte dos mecanismos de desenvolvimento

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Segundo o autor, a penalidade neoliberal apresenta o seguinte paradoxo: pretende remediar com “mais Estado” policial e penitenciário o “menos Estado” econômico e social.

Para Wacquant (2003), o Estado penal vem a responder às desordens suscitadas pela desregulamentação da economia, pela dessocialização do trabalho assalariado e pela pauperização relativa e absoluta dos amplos continentes do proletariado urbano, aumentado os meios e a intensidade da intervenção do aparelho policial e judiciário.

Em suas análises, ao relacionar o sistema prisional e trabalho desqualificado, Wacquant (1999) aponta que, em primeiro lugar, o sistema prisional contribui diretamente para regular os segmentos inferiores do mercado de trabalho. Isso segundo ele, de maneira infinitivamente mais coercitiva do que todas as restrições sociais.

Esse controle tem um efeito duplo, uma vez que comprime, artificialmente, o nível do desemprego ao subtrair à força milhões de homens da população em busca de emprego, e por outro lado produz um aumento do emprego no setor de serviços carcerários, setor fortemente caracterizado por postos de trabalho precários e pela crescente privatização.

Na relação que faz entre prisão e perpetuação da ordem social, Wacquant (1999) estabelece a representação maciça e crescente dos negros em todos os patamares do aparelho penal, bem como a substituição do gueto como instrumento de encarceramento de uma população considerada desviante e supérflua, no plano econômico - os imigrantes mexicanos e asiáticos. Nesse aspecto, aponta que a prisão é apenas a manifestação da lógica da exclusão, da qual o gueto é instrumento e produto.

Wacquant (1999) também aponta a relação entre a prisão e assistência social, indicando que vem se operando uma interpenetração crescente entre setores social e penal, uma vez que os programas de assistência às populações abandonadas tendem a se contaminar pela lógica panóptica punitiva própria do campo penal, dessa forma, redefinindo seus objetivos e os dispositivos de ajuda social.

Assim, as exigências orçamentárias e a política do menos Estado levam à mercantilização tanto da assistência como da prisão. O autor evidencia a retração da proteção social do Estado, em detrimento de estratégias de disciplinamento a frações da classe operária, por meio do aparato policial e jurídico.

Assim, Wacquant (2003), ao estabelecer relação entre a hegemonia do pensamento neoliberal e as relações estabelecidas na sociedade contemporânea, considerou que esta dispõe de pelo menos três estratégias principais para tratar as condutas, que julgam indesejáveis, ofensivas ou ameaçadoras, entre elas a criminalidade juvenil. A primeira consiste em socializá-las, ou seja, ampliar a atenção estatal a um número cada vez maior de indivíduos considerados inaptos ou destoantes em relação à vivência em sociedade.

A segunda estratégia é a medicalização, que associa o mercado.

As consequências dessas mudanças na forma de produção atingiram em cheio a força de trabalho e inauguraram um regime de excesso da força de trabalho no mercado.

De Giorgi (2014) afirma que esse excesso da força de trabalho se configura, cada vez mais, como uma reedição, no capitalismo tardio, do “ exército industrial de reserva” marxista. Para ele, o pós-fordismo inaugura um regime de excesso, uma vez que parece depender cada vez menos da quantidade de força de trabalho diretamente empregada no processo produtivo.

A introdução de tecnologias na produção do capital diminui, progressivamente, a quantidade de trabalho vivo necessário à valorização do capital, até reduzi-lo a um mínimo. Dessa forma, os expulsos da esfera produtiva da reestruturação acabam por alimentar o exército da população desempregada.

De Giorgi (2014) esclarece que o “surplus” de força de trabalho, ou seja, o excesso da força de trabalho, determinado pela reestruturação capitalista pós-fordista, são geridos cada vez menos pelos os instrumentos de regulação “social” da pobreza e, cada vez mais pelos dispositivos de repressão penal.

Assim, para o autor, o pós-fordismo esgotou as estratégias de normatização disciplinar da classe operária e se constrói o controle biopolítico da “multidão”, considerando este como uma força de trabalho abrangente. Dessa forma, o excesso da força de trabalho produzida pelo pós-fordismo ultrapassa as estratégias de controle disciplinar, e converge para um controle da nova força de trabalho da multidão, na formação de um regime de “governo do excesso”. Para ele, esse ‘governo de excesso” submete a multidão ao grande internamento contemporâneo.

No âmbito penal, esse impacto é sentido pelo crescimento da pena de prisão, assim como destaca Löic Wacquant (1999) sobre as tendências que operam no campo da política criminal com a regressão do Estado social e a emersão do Estado penal, em decorrência da investida neoliberal.

Portanto, é no cenário de crise que o capital se reinventa e reforça o seu compromisso com o setor penal, por meio de um Estado penal e criminalizador da pobreza.

2.3 Estado Penal e criminalidade juvenil

O conceito de Estado penal foi cunhado por Löic Wacquant, sociólogo francês radicado nos EUA, que estuda a segregação racial, a pobreza, a violência e a criminalização, tendo como principal referência a sociedade americana no contexto do neoliberalismo.

Wacquant (1999) analisa as estratégias estatais de redução da proteção social em detrimento do grande investimento na estrutura penal, indicando, assim, a hipertrofia penal. Para ele, a ascensão do Estado penal americano não contradiz o projeto neoliberal de desregulamentação e falência do setor público.

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comportamento delinquente juvenil a fatores de ordem física ou psicológica, como o uso abusivo de drogas ou problemas mentais, sendo necessária uma intervenção junto a cada patologia individual.

Em seguida, a terceira estratégia do Estado é a penalização que, segundo o referido autor, serve aqui como uma técnica para a invisibilidade dos problemas sociais que o Estado, como alavanca burocrática da vontade coletiva, não pode ou não se preocupa mais em tratar de forma profunda, e a prisão serve de lata de lixo judiciária, em que são lançados os dejetos humanos da sociedade de mercado (WACQUANT, 2003).

É na criminalização da pobreza que se encontram as bases para a compreensão das tendências da política penal, ou seja, para se compreender o deslocamento do Estado-providência ao Estado-penitenciário.

No contexto de crise do capital e do trabalho assalariado, o adolescente/jovem torna-se um dos segmentos sociais mais afetados pelas transformações da relação capital e trabalho, sobretudo, os denominados “infratores”. Estes, no contexto contemporâneo se constituem em um “problema” como geradores de medo, de insegurança e de violência.

Os jovens se constituem em alvo preferencial dessa criminalização, sobretudo aqueles que “ameaçam” a propriedade e a ordem burguesa. Nessa lógica, os adolescentes “infratores” ao desestabilizarem a sociedade põem em risco as normas sociais e a produção, portanto, ameaçam o capital.

As pesquisas sobre criminalização dos jovens revelam que estes representam a parcela da população mais exposta à violência, são os que mais matam, morrem e engrossam os números carcerários.

Dessa forma, as tendências de punição e controle, sobretudo do encarceramento, tornam-se hoje um campo de investigação na área das ciências humanas, sobretudo nas análises das intervenções sobre os adolescentes autores de atos infracionais. E quanto a estes, atua um Sistema de Responsabilização, com inspiração penal.

2.4 Sistema de Responsabilização decorrente da prática de Ato infracional para adolescentes

O Sistema de Responsabilização “penal” do Adolescente, que inclui a execução das medidas socioeducativas e o Sistema de Justiça Juvenil, faz parte dos mecanismos de controle sócio penal formal que foram engendrados pelo ECA, e hoje, são mediados pelo Sistema Nacional Socioeducativo - SINASE, instrumentos que surgiram a fim de atender as novas exigibilidades legais, conforme as orientações das normativas nacionais e internacionais.

Portanto, quando se trata da questão adolescente autor de ato infracional, inevitavelmente, se remete o problema para um sistema de controle social disponibilizado na órbita do Estado. E dentre esses mecanismos encontram-se as medidas socioeducativas, que integram o aparato repressivo do Estado sobre o adolescente autor de ato infracional.

As medidas socioeducativas estão definidas no ECA, em

seu artigo 112, e são aplicadas ao adolescente entre doze e dezoito anos autor de ato infracional, uma vez que a legislação define as medidas como respostas do Estado ao adolescente em razão de sua conduta delitiva, assim os menores de dezoito anos são considerados penalmente inimputáveis. A legislação define ainda que as medidas socioeducativas se dividem entre aquelas executadas em meio aberto (Prestação de Serviço à comunidade e a Liberdade Assistida) e aquelas de privação de liberdade (Semiliberdade e a Internação).

A aplicação da medida socioeducativa relaciona-se com a finalidade pedagógica e decorre do reconhecimento da condição peculiar de desenvolvimento na qual se encontra o adolescente. Dessa forma, o tratamento diferenciado é orientado pela doutrina da proteção integral, que exige respeito e garantia aos direitos humanos de crianças e adolescentes de forma integrada, por meio das políticas públicas universais, protetiva e socioeducativa.

Sêda (1998) mostra que a medida socioeducativa é uma imposição do Estado e não uma opção do adolescente, sendo assim decorrente de uma punição/sanção, que exerce o controle sócio penal em face da restrição ou privação da liberdade, em defesa da ordem social. O autor ainda compara a medida socioeducativa à pena, e a privação de liberdade à prisão.

Assim, as medidas socioeducativas integram o sistema de responsabilização do adolescente autor de ato infracional que, inevitavelmente, tem inspiração penal, uma vez que a prática de infração e as consequências que dela podem resultar ao cidadão adolescente se apresentam como a privação de sua liberdade.

Portanto, todo estudo que se pretende fazer acerca da medida socioeducativa destinada ao adolescente autor de ato infracional necessariamente deve trazer algumas análises sobre o Direito Penal, ainda que por grandes linhas e sob uma conceituação resumida, uma vez que o ECA fez um recorte sócio penal ao conferir ao adolescente a condição de sujeitos de direitos, as garantias processuais, direito ao contraditório e à defesa.

O Direito Penal como mecanismo de controle se justifica por assegurar a paz social e a segurança, e também por se constituir como sistema de garantias do cidadão, contra a arbitrariedade estatal, que concentra em suas mãos o poder de punir. Suas raízes históricas assentam-se no iluminismo contratualista e nas declarações de direitos do século XVIII, dentre elas, a da Revolução Francesa, que consagrou os ideais humanistas de igualdade, liberdade e fraternidade. Nesse movimento foi gestada a ideia de pessoa humana como titular de um rol de direitos invioláveis e universais, que se converteram em direitos fundamentais, dentre estes a liberdade.

Então, contra o violador do contrato social, o Estado como representante da sociedade tem o direito de punir. Assim, o Direito Penal, por meio da sanção penal busca impor retribuição, punição, ao autor do crime, impondo-lhe um mal,

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uma aflição, que não guarda relação direta ou imediata com a reparação ou recomposição do dano específico que causou à coletividade.

Portanto, as medidas socioeducativas consistem na concepção de que servem como um instrumento de controle e de defesa social, ao mesmo tempo em que se deve promover o desenvolvimento e a “ressocialização” do adolescente. Assim, entende-se que é na sua natureza coercitiva, em contraponto à sua finalidade educativa, que a medida socioeducativa disfarça seu caráter punitivo.

Dentre as medidas socioeducativas, a de internação se destaca por uma situação bastante importante no que se refere à perda de um exercício de um valor básico e universal da humanidade: a liberdade. É a partir deste fundamento que Foucault (1997), em sua obra Vigiar e Punir, afirma a obviedade do cárcere como mecanismo punitivo ao longo dos séculos.

A privação de liberdade, delineada por requisitos legais e pela suposta igualdade jurídica entre os cidadãos - adolescentes, surge no Brasil no século XX, como parte do ordenamento jurídico do Estado de direito. O ECA, promulgado em 1990, estabeleceu a garantia da liberdade como um direito individual, definindo em seu artigo 106 que nenhum adolescente será privado de sua liberdade, senão em flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente.

No entanto, ao analisar a construção história da política social destinada a crianças e adolescentes, Rizinni e Pilloti (1995) aponta a profunda desigualdade jurídica e a resposta arbitrária do Estado frente às garantias dos direitos desse segmento social. Ainda, segundo a autora, os precedentes históricos brasileiros demostram que muitas crianças eram fadadas a passarem a infância enclausuradas em instituições de menores, sem direito à defesa.

Nos antigos Códigos de Menores, no aspecto penal, ou seja, no tratamento efetivamente dado ao crime praticado por crianças e adolescentes, a lei, sob o falso véu de que crianças e adolescentes eram irresponsáveis penalmente, possibilitou juridicamente o encarceramento por tempo indeterminado, e até o perpétuo de crianças e adolescentes, sobre quem mesmo pairasse a mera suspeita da prática de crimes.

A lei possibilitava também a reserva legal do encarceramento perpétuo de crianças e adolescentes sobre aqueles que estavam inseridos na categoria denominada “desvio de conduta”, que na prática possibilitou o encarceramento de crianças e adolescentes por fatos de irrelevância penal, como por exemplo a chamada “perambulação”.

Dessa forma, não havia fixação de duração temporal da privação da liberdade de crianças e adolescentes autor de crime ou portador de desvio de conduta. A cessação da privação era condicionada à cessação da periculosidade, sem qualquer relação com a natureza do crime praticado.

O direito à liberdade de crianças e adolescentes, antes negado em nome da proteção do “menor”, atualmente, faz

parte da lógica do Estado de direito sob uma estrutura penal, e sua perda é justificada pela defesa e segurança da sociedade.

Com a legalidade trazida com o ECA, a perda da liberdade, ou seja, a internação do adolescente está sujeita aos princípios básicos da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

Quanto à brevidade, a internação não pode exceder a três anos, sendo reavaliada a cada seis meses. O princípio da brevidade é um elemento diferencial entre a justiça “penal” juvenil e justiça penal comum, uma vez que a internação não comporta prazo mínimo, mas impõe o seu limite máximo. Dessa forma, o ECA elege a socioeducação como um parâmetro único para a avaliação e liberação do adolescente do sistema socioeducativo, independente da natureza do ato infracional.

A medida de internação por representar a institucionalização do adolescente, a ruptura com o convívio familiar e comunitário e, principalmente, pela cessão do direito à liberdade é norteada pelo princípio da excepcionalidade que, de forma clara, demonstra que a internação deve ser o último recurso para a responsabilização do adolescente, compreendendo que o encarceramento não é a melhor solução em razão da especificidade sócio-histórica desse sujeito.

Salla (2000) descreve que a existência de novos mecanismos mais sutis de controle não foi capaz de colocar de lado as prisões. Ao contrário, nota-se um período sob o qual se vê a intensificação no seu uso: a retomada do encarceramento em todo o mundo, as construções de prisões aplicando sofisticados equipamentos eletrônicos. Um paradoxo, pois a sociedade ocidental, ao mesmo tempo em que dispõe de mecanismos democráticos de regulação da existência humana, apresenta práticas ditatoriais e rígidas de controle, como é o caso das prisões.

No caso dos adolescentes, a realidade brasileira aponta que a internação vem se tornando a regra de um Estado penalizante, que a utiliza como forma de contenção da expressão da questão social - adolescente em conflito com a lei.

O diagnóstico da Secretaria Nacional da Juventude, publicado no Mapa do Encarceramento em 2015, aponta que o País passa por um momento de hiper encarceramento, que apresenta algumas características, como a focalização sobre grupos sociais específicos, ou a punição acentuada sobre alguns tipos de crimes. O Estado do Ceará foi apontado nesse diagnóstico por uma situação preocupante pela tendência crescente ao encarceramento, ocupando o 4º lugar no ranking dos Estados com maior número de adolescentes privados de liberdade.

Essa tendência ao encarceramento ficou evidente e pública no Estado do Ceará, em 2015, quando eclodiu a crise do Sistema Socioeducativo de Internação de Fortaleza, caracterizada pela superlotação dos Centros Educacionais masculinos, desencadeando rebeliões, fugas, revelando a inacessibilidade a atividades educativas/pedagógicas pelas

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precárias condições estruturais, ausência de condições mínimas de higiene, violação de direitos e de total desrespeito à dignidade humana.

Essa crise atravessou o ano de 2016, e conforme Relatório de Inspeção de Janeiro/Fevereiro deste ano, realizada pelo Fórum DCA, a crise caracterizada pela superlotação do Sistema chegou a atingir o percentual de 400% em diversas unidades.

Os adolescentes atualmente privados de liberdade, assim estão em razão da prática infracional apurada pelo devido processo legal, diferentemente do que ocorria nos anteriores Códigos de Menores. No entanto, a realidade atual demarca um forte processo de criminalização contra os grupos socialmente excluídos, não integrados ao sistema de produção capitalista, portanto não considerados “cidadãos”, sob o ponto de vista do mercado.

3 Conclusão

Buscou-se discutir a dimensão penal do Estado, na contemporaneidade, a partir da formação do Estado capitalista, relacionando-o com a questão social e o sistema de responsabilização “penal” dispensado ao adolescente autor de ato infracional.

Verificou-se, pela análise do contexto histórico de formação do Estado, que o sistema penal não é um fenômeno isolado, mas sim parte do sistema social, portanto tem íntima relação com as diversas fases do desenvolvimento econômico. E que no contexto neoliberal e de reestruturação do capital, o Estado assume uma dimensão penalizante com os grupos socialmente excluídos do mercado, em especial os jovens, segmento social que é alvo prioritário da nova ordenação global do capital.

Percebe-se que a trajetória histórica da política do Estado aos adolescentes “infratores” é marcada pela criminalização dos pobres e a repressão. No antigo modelo, sob o pretexto de “proteger”, o Estado pôde segregar crianças e adolescentes “indesejáveis”, sem que os submetessem aos caminhos da legalidade e as garantias constitucionais. Assim, sob o argumento da proteção os adolescentes pobres eram “internados”, isto é, presos em estabelecimentos carcerários, rotulados de centros de recuperação.

Atualmente, o sistema de responsabilização “penal” do Estado, destinado ao adolescente, é guiado pela política socioeducativa e pauta-se pela lógica do direito à liberdade e a suposta “igualdade” entre cidadãos - adolescentes, no entanto, na prática, essa lógica é invertida e submete os grupos socialmente excluídos e não integrados ao sistema de produção capitalista ao controle penal exercido pelo Estado.

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