UNIVERSIDADE FEDERAL DO DIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE BIOCIÊNCIAS
DEPARTAMENTO DE ECOLOGIA
PROGAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECOLOGIA
PADRÕES DE OCORRÊNCIA E COEXISTÊNCIA DE
MAMÍFEROS DE MÉDIO E GRANDE PORTE NA CAATINGA
PAULO HENRIQUE DANTAS MARINHO
NATAL 2020
Paulo Henrique Dantas Marinho
PADRÕES DE OCORRÊNCIA E COEXISTÊNCIA DE MAMÍFEROS DE MÉDIO E GRANDE PORTE NA CAATINGA
Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ecologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como parte dos requisitos para a obtenção do título de Doutor em Ecologia.
Orientador: Eduardo Martins Venticinque
Co-orientador: Carlos Roberto Fonseca
NATAL 2020
À universdiade pública, que abre mentes e portas para o mundo e é capaz de transformar vidas como nenhuma outra instituição
“Quem não tiver debaixo dos pés da alma, a areia de sua terra, não resiste aos atritos da sua viagem na vida, acaba incolor, inodoro e insípido, parecido com todos.”
AGRADECIMENTOS
Foram quatro longos, e ao mesmo tempo rápidos, anos, durante os quais, apesar dos percalços e desafios, realizei muito mais do que planejei e desejei, e por isso aproveito esse espaço para agradecer a todos que de alguma forma contribuíram para eu conseguir encerrar esse ciclo da melhor forma possível, mesmo em meio à uma pandemia e à desvalorização da pesquisa por parte de quem mais deveria apoiá-la, o atual governo brasileiro.
Esta tese foi feita a várias mãos, umas mais privilegiadas e acostumadas a interagir com computadores e equipamentos tecnológicos, como as minhas, e outras, igualmente importantes, mas mais acostumadas a lidar com ferramentas de lida com a terra, muitas vezes injustiçadas e esquecidas por aqueles que deveriam valorizá-las. Por isso, eu começo meus agradecimentos pelos vários auxiliares de campo e amigos que encontrei pelos caminhos da Caatinga nordestina, e que me ensinaram grande parte do que acho que sei hoje sobre bicho, mato e gente do interior.
Entre eles está o que mais tempo passou comigo nos campos, ouvindo minhas piadas sem graça e lamentos, seu João da Boa Vista, de Lajes do Cabugi, ou João Bernardino de Lima, para os que não tiveram a sorte de conhecê-lo melhor. Comigo desde os primeiros campos do mestrado até o último do doutorado, seu João, um dia espero conseguir lhe transmitir um terço da sua importância no meu trabalho, e na pessoa que sou hoje, por isso sou profundamente grato por ter lhe conhecido e por sua essencial ajuda e amizade. E com seu João, veio um combo de gente querida que me ajudou em momentos cruciais. Obrigado Joana Darc (Darquinha) pela sua amizade, cuidado e refeições deliciosas e revigorantes. Bem como, obrigado Jussara, Pedrinho, Joseane, Gabriel, seu Lourival e dona Dasdores, sempre amáveis e generosos, como é o povo bom do interior.
Além de seu João, durante esses quatro anos, e antes deles, quando coletei parte dos dados apresentados aqui também no meu mestrado, contei com a importante ajuda de outros grandes
homens e mulheres, a quem serei eternamente grato. Entre ele estão seu Chico Preto e Aldenora de Serrinha dos Pintos, Geílson e Geison de Felipe Guerra, Galego do Rela de Luís Gomes, seu Cícero de Ponta do Mel, Bala, Veio e seu Severino e família de Cerro Corá, Titico, Gilvan e Liélio de Martins, Alex, Suiane, Marlus, Renato, Rielson e o grande Iatagan de Mossoró e Baraúna, Rogério Santos, Paulo e Leomar Martins (Babá) de Curaçá, Neto e família do Boqueirão da Onça, entre vários outros e outras que certamente cometerei a injustiça de não citá-los por esquecimento. A todos vocês, meu muito obrigado!
Agradeço à minha família, a base de tudo, de onde eu vim e quem me deu o suporte necessário para eu chegar até aqui. Sou grato à minha mãe e ao meu pai, Maria de Fátima Dantas e Francisco Marinho, que me proporcionaram algo que nunca tiveram durante sua juventude, quando estudar era um privilégio ainda maior do que é hoje. À minha mãe, sou mais grato ainda pela sua força e cuidado imensuráveis e por ser um exemplo de resiliência para seus filhos. À Izabel e ao Ricardo, meus irmãos, sou grato pelo companheirismo e aprendizado que me dão sendo quem são. Ao Ricardo, sou grato ainda por ter nos dado um motivo a mais para seguir e tentar melhorar esse mundo, Zé Arthur.
Nessa reta final, contei com o carinho e suporte de uma pessoa muito especial sem a qual não teria chegado até aqui, pelo menos não tão são e confiante como (acho que) cheguei. Obrigado Virgínia Paixão por me aguentar, incentivar e me ensinar a ser uma pessoa melhor a cada dia, você me inspira e me faz querer evoluir sempre, te quiero mucho!
Ao meu orientador, Dadão (vulgo Eduardo Venticinque), tenho que agradecer por tantos anos de parceria científica e ensinamentos de vida. Com seu jeitão leve e descontraído, mas super responsável e dedicado à mensagem que devemos passar nos trabalhos, e para além deles, você me ensinou muito. Sou grato pela oportunidade de ter sido seu orientando durante esse tempo, e por você ter acreditado em mim e no meu trabalho quando eu muitas vezes não acreditava mais...
Ao meu co-orientador, Carlos R. Fonseca, que foi meu primeiro orientador acadêmico, durante meu TCC da graduação, sou muito grato pela oportunidade que me deu e por ter sido minha primeira referência acadêmica, me acompanhando desde lá até aqui com seus comentários e revisões cirúrgicos, colocados de uma forma sempre respeitosa e construtiva, um grande mestre!
Aos dois, obrigado por me mostrar que existe vida, música e amizade na academia (e além dela) entre orientador e orientando!
Agradeço imensamente a disponibilidade e valiosa contribuição dos membros da banca, Mauro Pichorim, Claudia Campos, Rodrigo Massara, Fabiana Rocha e Guilherme Lima (suplente, mas titular na competência). Vocês são exemplo e inspiração para minha atuação profissional. Espero que façamos ainda muitas outras parcerias pela ciência e conservação da biodiversidade!
Aos meus amigos e parceiros da Biologia, da Ecologia, da Consultoria Ambiental, da Mastozoologia nordestina, do Programa Amigos da Onça, e da vida, sou grato pela amizade, companheirismo e aprendizado, sem os quais esses quatros anos teriam sido mais difíceis e menos divertidos: Felipe, Alan, Damião e Daniel, que além da amizade me ajudaram nos campos; João Paulo, Ivanice, Dellano, Érika, Sean e Laís, amigos mais malucos e melhores não há, seja de perto ou de longe, sempre lá; Renato, Annie e Paloma, amigos queridos desde a graduação, os quais cito para representar toda nossa turma Bio 2008.2 e tantos outros amigos que fiz durante a graduação; Paulo Fernandes, Talles, Adriana Almeida, Andressa Scabin, Nádia, Andressa Meirelles, Rafael Domingos, Maria Clara, Marina Antongiovanni, Janina Calado e Carolina Lisboa, amigos e colegas de profissão que a pós-graduação me deu e que levarei pra vida; Dyego, Raissa, Tony, Raul Sales e Bruno França, que me acompanharam nas consultorias nordeste a fora, afinal, não se vive só de bolsa; tantos amigos dos tempos de Traíras e do Colégio Equipe, que ficaram distantes mas continuam nos meus pensamentos; Thalita, a
quem agradeço pelo apoio em boa parte desse período; Liana Sena, Mayara Beltrão, Hugo Fernandes, Lucas Silva e Robério Filho, que em sintonia temos avançado no conhecimento sobre os mamíferos do nordeste; Claudia Martins, Claudia Campos (novamente), Carolina Esteves e Maísa Ziviane, obrigado pela oportunidade de conhecer e contribuir para a conservação do Boqueirão da Onça; Dulce, Taís, Gustavo, Abhishek, Luis, Lucas e Fany, amigos que fizeram minha estadia em Portugal bem mais “fixe”. A todos e todas, meu mais sincero obrigado!
Aqui agradeço aos meus colegas de “laboratório”, por dividirem trabalho, angústias e alegrias. Eugênia e Juan, serei eternamente grato pela contribuição que vocês deram e dão para a Caatinga e pelo exemplo e inspiração que representam, obrigado pela amizade e suporte de sempre. À Virgínia, agradeço aqui pelas ajudas em campo, pela leitura dos meus textos e pelos conselhos visando o melhor pra mim, você é a melhor “colega de lab” que eu poderia desejar. Fernanda, obrigado pela parceria e pelo bom humor de sempre, espero que continue trabalhando com a Caatinga, mas sei que será exitosa em qualquer linha que escolher seguir. Ellen, obrigado pela sua sensibilidade e por me permitir te ajudar e de alguma forma conhecer mais sobre a Amazônia e sua biodiversidade, torço muito pelo seu sucesso. Nessa linha, estendo meus agradecimentos ao Duka, quem primeiro me mostrou a bicharada dessa belezura de bioma. À Patrícia Ribeiro, agradeço pela amizade e parceria importante desde o mestrado até os dias de hoje.
À Maria Luiza Falcão e ao Raul Santos, alunos de iniciação científica e amigos, agradeço pela ajuda essencial que me deram e me dão, e pela paciência e confiança em continuar trabalhando com alguém tão ocupado e atrapalho quanto eu. Tenho orgulho dos profissionais que se tornaram e contem comigo para o que precisarem.
Nas pessoas das professoras Ivoneide Ferreira e Elineí Araújo agradeço a todos os professores e professoras que me incentivaram e ensinaram que a educação é o bem mais
precioso que podemos almejar e utilizar para transformar vidas. Ivoneide, ainda no CERU em Traíras, que é de onde eu venho, incentivou como ninguém o início da minha caminhada para chegar até aqui. Elineí, já na UFRN, me apoiou nos momentos de maior fragilidade, até mesmo financeiramente, para que eu não desistisse dessa caminhada.
Agradeço a todos que fazem o Programa de Pós-graduação em Ecologia e o Departamento de Ecologia da UFRN, entre professores e colegas discentes, por incentivarem o crescimento profissional da forma mais humana possível, algo cada vez mais raro na academia. Agradeço especialmente aos queridos e queridas dona Marlene, Víctor, Dimas e Kionara, sempre disponíveis e sorridentes ao ajudar.
Durante essa jornada, tive a oportunidade e felicidade de viver uma experiência na Universidade de Aveiro, em Portugal, a qual agradeço imensamente. Particularmente, agradeço ao meu supervisor durante o intercâmbio, Carlos Fonseca, pela oportunidade e receptividade, e a toda a equipe da Unidade de Vida Selvagem, onde aprendi muito e fiz bons amigos. Obrigado João Carvalho, Dário Hipólito, Rita Torres, Ana Figueiredo, Eduardo Ferreira, Joana Fernandes, Filipa Costa, Raquel Martins, Raquel Crespo e Victor Bandeira, pelas boas conversas durante o trabalho, os almoços e os finos, mas principalmente pelos campos e eventos que me permitiram conhecer a biodiversidade e as belas paisagens naturais de Portugal. Ao Pedro Sarmento, agradeço especialmente pelo suporte em um dos capítulos da tese e por me proporcionar uma das maiores experiências da minha vida, ver um lince ibérico em vida livre, e ainda com filhotes. Chorei nesse dia, e não era pra menos!
Sou grato à Camile Lugarini pela confiança e oportunidade de colaborar com o Projeto Ararinha na Natureza, desenvolvido pelo Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres (CEMAVE/ICMBio) e financiado pela Vale através do Funbio. Sou grato ainda pela amizade e ajuda de Cristine Prates, Sueli Damasceno, Damilys Oliveira, Mércia Milena e Tatiane Alves, com as quais aprendi muito durante minha passagem pelo projeto!
Agradeço à toda equipe do Parque Nacional da Furna Feia (ICMBio), nas pessoas do Leonardo, Lúcia, Suiane, Rielson e Iatagan (mais uma vez), pelo importante apoio e parceria durante o projeto que desenvolvi nesta importante unidade de conservação.
Agradeço ao Gabriel Penido pela parceria em um dos capítulos deste trabalho; à Barbara Zimbres e Tadeu de Oliveira pela ajuda em análises e identificação de registros de felinos, respectivamente; e ao Aírton Galvão (Tito) pela amizade e ajuda nos campos do mestrado que subsidiaram um dos capítulos apresentados aqui.
Para realizar esse trabalho, contei também com o suporte financeiro, gerencial e logístico de importantes parceiros, entre instituições e financiadores, a quem sou grato: The Mohamed bin Zayed Species Conservation Fund, Restaurante Camarões (através de Vitor Medeiros e família), Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, Wildlife Conservation Society – WSC Brasil, Tropical Forest Conservation Act (TFCA) e Fundo Brasileiro para a Biodiversidade. Ao Santander Universidades agradeço pela bolsa-auxílio para fazer o intercâmbio. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001 / This study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Finance Code 001.
Sou grato a todos os moradores locais e proprietários de terras que me receberam e permitiram realizar esse trabalho nas suas propriedades e vizinhança.
À Caatinga e aos seus moradores (gente, planta e bicho), sou grato por me fazer valorizar minhas origens e por dar mais sentido a minha existência nesse planeta.
SUMÁRIO
RESUMO ... 11
ABSTRACT ... 13
INTRODUÇÃO GERAL ... 15
Referências ... 18
MAMÍFEROS DE MÉDIO E GRANDE PORTE DA CAATINGA DO RIO GRANDE DO NORTE, NORDESTE DO BRASIL ... 22
Resumo ... 23 Abstract ... 24 Introdução ... 25 Material e métodos... 27 Resultados ... 32 Discussão ... 39 Agradecimentos ... 49 Literatura citada ... 49
TEMPORAL NICHE OVERLAP AMONG MESOCARNIVORES IN A CAATINGA DRY FOREST ... 61 Abstract ... 63 Introduction ... 64 Methods ... 67 Results ... 72 Discussion ... 81 Acknowledgments ... 86 References ... 86 Supplementary Material ... 95
CO-OCCURRENCE PATTERNS BETWEEN OCELOT AND SYMPATRIC MESOCARNIVORES IN A BRAZILIAN DRY FOREST ... 102
Abstract ... 104
Material and methods ... 108 Results ... 114 Discussion ... 122 Acknowledgments ... 127 References ... 128 Supplementary Material ... 138
MULTI-SPECIES OCCUPANCY MODELLING REVEALS MAMMALS’ PREFERENCE FOR FORESTED HABITATS IN AN OVERGRAZED SEMIARID LANDSCAPE ... 141
Highlights ... 143 Abstract ... 143 Introduction ... 144 Methods ... 147 Results ... 154 Discussion ... 160 Acknowledgments ... 166 References ... 167 Supplementary Material ... 178 CONCLUSÕES GERAIS ... 185
RESUMO 1
As florestas tropicais secas são ecossistemas ameaçados e pouco conhecidos onde a associação 2
entre o clima semiárido e a geralmente elevada degradação ambiental impõe desafios para a 3
persistência da fauna silvestre. Neste contexto, mamíferos de médio e grande porte (MMGP) 4
são especialmente afetados pelas perturbações antropogênicas, entre os quais os carnívoros são 5
intensamente perseguidos, prejudicando seu papel na estruturação das comunidades biológicas 6
através da predação e da competição intraguilda. Nesta tese, nós investigamos os padrões de 7
ocorrência e coexistência de MMGP em diferentes paisagens da Caatinga, a floresta tropical 8
seca brasileira, utilizando dados obtidos com armadilhamento fotográfico. Especificamente 9
nós: 1) realizamos o primeiro levantamento sistemático de MMGP do estado do Rio Grande do 10
Norte (RN) amostrando 10 áreas prioritárias para a conservação; 2) descrevemos os padrões 11
diários e sazonais de atividade e investigamos a sobreposição temporal entre mesocarnívoros, 12
e deles com suas presas potenciais, utilizando estatística circular e análises não paramétricas de 13
sobreposição de atividade; 3) investigamos os padrões de co-ocorrência espacial entre um 14
mesopredador dominante (Leopardus pardalis) e mesocarnívoros simpátricos, considerando a 15
sazonalidade e utilizando modelos de co-ocorrência condicional; e, finalmente, 4) testamos os 16
efeitos relativos de preditores ambientais e antropogênicos na ocupação de MMGP em uma 17
paisagem perturbada pela elevada densidade de gado e durante um período de seca extrema, 18
utilizando modelos Bayesianos de ocupação em uma abordagem multi-espécies. Como 19
resultados principais, nós encontramos 1) uma riqueza de 14 espécies de MMGP na Caatinga 20
do RN, o que representa 50% das espécies deste grupo registradas ao norte do Rio São 21
Francisco, incluindo espécies ameaçadas de extinção como um predador de topo (Puma 22
concolor). 2) Os mesocarnívoros foram principalmente noturnos ao longo das estações seca e 23
chuvosa, sobrepondo grande parte da sua atividade diária, mas segregando os picos de maior 24
atividade, o que pode representar um mecanismo de coexistência. Enquanto isso, Herpailurus 25
yagouaroundi foi diurno, evitando o encontro com seus competidores e sincronizando sua 26
atividade com presas potenciais. 3) Espacialmente, os demais mesocarnívoros usaram o habitat 27
independentemente da presença de L. pardalis, com exceção de H. yagouaroundi, que parece 28
preferir os mesmos locais que esse mesopredador dominante, provavelmente por apresentarem 29
melhores condições e recursos, enquanto a segregação temporal diminui os riscos de encontros 30
agressivos. 4) MMGP ocorreram principalmente em manchas de vegetação florestal, as quais 31
representam um habitat chave para a persistência desse grupo em uma paisagem degradada e 32
sob estiagem prolongada, onde muitas espécies apresentaram abundância extremamente baixa. 33
Por isso, esses ambientes devem ser protegidos para garantir a persistência de MMGP na 34
Caatinga. Nossos resultados reforçam a relevância de áreas e habitats prioritários para a 35
conservação de mamíferos na floresta tropical seca brasileira, além de elucidar as estratégias de 36
coexistência intraguilda que mantém a diversidade de mesocarnívoros neste ambiente 37
semiárido. 38
Palavras-chave: Distribuição de espécies; Espécies ameaçadas; Floresta tropical seca; 39
Interação interespecífica; Modelos de ocupação; Padrão de atividade; Semiárido. 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50
Occurrence and coexistence’s patterns of medium to large-sized mammals in Caatinga 51
52
ABSTRACT 53
Dry tropical forests are threatened and little-known ecosystems where the association between 54
the semiarid climate and the generally high environmental degradation imposes challenges for 55
the persistence of wild fauna. In this context, medium to large-sized mammals (MLSM) are 56
especially affected by anthropogenic disturbances, among which, carnivores are intensely 57
persecuted, impairing their role in structuring biological communities through predation and 58
intraguild competition. In this thesis, we investigated the occurrence and coexistence patterns 59
of MLSM in different landscapes of the Caatinga, the Brazilian dry tropical forest, using camera 60
trapping data. Specifically, we 1) carried out the first systematic survey of MLSM in the Rio 61
Grande do Norte state (RN), sampling 10 priority areas for conservation; 2) we described the 62
daily and seasonal activity patterns and estimated the temporal overlap among mesocarnivores 63
using circular statistics and non-parametric analyzes of activity overlap; 3) we investigated the 64
patterns of spatial co-occurrence between a dominant mesopredator (Leopardus pardalis) and 65
sympatric mesocarnivores, considering seasonality and using conditional co-occurrence 66
models; and finally, 4) we tested the relative effects of environmental and anthropogenic 67
predictors on MLSM’s occupancy in a landscape disturbed by high cattle density and during a 68
period of extreme drought, using Bayesian occupancy models in a multi-species approach. As 69
main results, we found 1) a wealth of 14 MLSM’s species in the Caatinga of RN, which 70
represents 50% of the MLSM registered at the north of the São Francisco River, including 71
threatened species as a top predator (Puma concolor). 2) Mesocarnivores were mainly nocturnal 72
throughout the dry and rainy seasons, overlapping most of their daily activity, but segregating 73
the peaks of greater activity, which may represent a coexistence mechanism. Meanwhile, 74
Herpailurus yagouaroundi was diurnal, avoiding encounters with competitors and 75
synchronizing its activity with potential prey. 3) Spatially, the other mesocarnivores used the 76
habitat regardless L. pardalis’ presence, with the exception again of H. yagouaroundi, which 77
seems to prefer the same locations as this dominant mesopredator, probably because they have 78
better conditions and resources, while temporal segregation decreases the risk of aggressive 79
encounters. 4) MLSM occurred mainly in patches of forest vegetation, which represent a key 80
habitat for the persistence of this group in a degraded landscape under prolonged drought, and 81
where many species showed an extremely low abundance. Therefore, these environments must 82
be protected to guarantee MLSM’s persistence in Caatinga. Our results reinforce the relevance 83
of priority areas and habitats for mammals’ conservation in the Brazilian dry tropical forest, in 84
addition to elucidating the intraguild coexistence strategies that maintain the mesocarnivores 85
diversity in this semiarid environment. 86
Keywords: Activity pattern; Dry tropical forest; Interspecific interactions; Occupancy 87
models; Semiarid; Species distribution; Threatened species. 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98
INTRODUÇÃO GERAL 99
Mamíferos terrestres de médio e grande porte (MMGP; e.g., > 1 kg, Chiarello et al., 2000) 100
desempenham importantes papeis ecológicos nas florestais tropicais (Bello et al., 2016), mas 101
estão entre os grupos mais afetados pelas pressões antropogênicas presentes nestes ambientes 102
(Benítez-Lopes et al., 2017). Do controle de herbívoros que estruturam a vegetação a dispersão 103
de sementes, a perda de espécies de MMGP pode afetar a estrutura e a capacidade de 104
regeneração dos ecossistemas (Bello et al., 2016; Ripple et al., 2014). Relativamente baixas 105
densidades e taxas reprodutivas tornam mais difícil para populações de espécies de MMGP se 106
recuperarem da caça intensa e da perda e degradação dos seus habitats (Chiarello et al., 2000; 107
Ripple et al., 2014), fazendo desse grupo um importante indicador de integridade biótica de um 108
ecossistema (Cheyne et al., 2016). 109
Entre os MMGP, os grandes carnívoros são especialmente ameaçados principalmente 110
pela perda de habitat, diminuição da disponibilidade de presas e perseguição humana decorrente 111
de conflitos pela predação de animais domésticos (Ripple et al., 2014). Por isso, as populações 112
de predadores de topo de cadeia têm declinado por todo o mundo, gerando, entre outros efeitos, 113
um aumento nas abundâncias de mesopredadores, uma vez que estes ficam liberados do 114
controle top-down (Ripple et al., 2014). Consequentemente, dentre outros efeitos, os 115
mesopredadores pressionam ainda mais suas presas e intensificam as interações intraguilda 116
(Croocks e Soulé, 1999; Jiménez et al., 2019), Neste contexto, espécies dominantes dessa guilda 117
(e.g., maiores) podem se tornar predadores de topo emergentes (Prugh et al., 2009). Desta 118
forma, é essencial investigar os padrões de ocorrência e coexistência de MMGP em 119
ecossistemas tropicais para entender melhor quais fatores determinam a diversidade de 120
mamíferos terrestres e garantem a persistência das comunidades desse grupo em paisagens onde 121
os impactos antropogênicos ameaçam significativamente a biodiversidade. 122
As florestas sazonalmente secas estão entre os ecossistemas tropicais menos conhecidos 123
e protegidos (Santos et al., 2011; Banda et al., 2016). A Caatinga brasileira consiste na maior 124
formação desse tipo de bioma na região Neotropical (Silva et al., 2017). Coberta por um 125
mosaico vegetacional que vai da formações mais arbustivas e abertas até florestas secas densas, 126
de acordo com o grau de aridez e degradação (Velloso et al., 2002; Silva e Souza, 2018), a 127
Caatinga é marcada por um clima semiárido, apresentando altas temperaturas, elevada 128
evapotranspiração e baixas precipitações concentradas em poucos meses do ano (Sampaio, 129
2010). Essa ecorregião já perdeu aproximadamente 50% da sua cobertura original 130
(Antongiovanni et al., 2018), e o restante se encontra sob elevados níveis de distúrbio 131
antropogênico crônico (Ribeiro et al., 2015). 132
Entre as maiores ameaças para a biodiversidade da Caatinga estão a conversão da 133
vegetação em culturas agrícolas de ciclo curto, a extração de madeira para usos doméstico, 134
industrial e produção de carvão vegetal, a caça intensa e amplamente difundida, e a criação 135
extensiva de gado bovino, ovino e caprino, que somam mais de 10 milhões de cabeças (Leal et 136
al., 2005; Silva et al., 2017). Essas atividades são desenvolvidas por uma população humana de 137
mais de 28 milhões de habitantes distribuídos ao longo dos 735.000 km² dessa região semiárida 138
(Leal et al. 2005; Silva et al., 2017). As mudanças climáticas representam uma ameaça 139
adicional, uma vez que devem intensificar a escassez de chuvas na região (Seddon et al., 2016). 140
Além disso, a baixa cobertura de áreas integralmente protegidas, que somam menos de 2 % da 141
área da Caatinga (Fonseca et al., 2017), e o ainda escasso, embora crescente, conhecimento 142
sobre as espécies da região, dificultam a elaboração e implementação de estratégias eficientes 143
de conservação e manejo, bem como o avanço no entendimento dos seus padrões ecológicos. 144
Os mamíferos se destacam entre os grupos biológicos menos conhecidos na Caatinga. 145
Reconhecida por muito tempo como pobre em espécies e endemismos desse grupo faunístico 146
(Mares et al., 1981), só nos últimos anos têm surgido esforços significativos de pesquisas sobre 147
a ecologia de mamíferos na região, revelandouma riqueza de pelo menos 183 espécies, sendo 148
45 delas de MMGP (incluindo primatas) e 11 endêmicas (Carmignotto e Astúa, 2017). Entre os 149
estados brasileiros, o Rio Grande do Norte sempre foi apontado como uma grande lacuna de 150
conhecimento sobre o grupo (Feijó e Langguth, 2013), o que só nos últimos anos tem sido 151
revertido (Marinho et al., 2018; Vargas-Mena et al., 2018). Um aspecto da ecologia de MMGP 152
que foi pouco investigado até aqui, é como mesocarnívoros coexistem em paisagens onde 153
predadores de topo como onças pardas (Puma concolor) e pintadas (Panthera onca) estão 154
extintos localmente ou funcionalmente, o que representa grande parte da floresta tropical seca 155
brasileira (Feijó e Langguth, 2013; Carmignotto e Astúa, 2017). Além disso, precisamos 156
entender melhor como MMGP lidam com a marcada sazonalidade de ambientes semiáridos 157
como a Caatinga (Stoner e Timm, 2011; Carmignotto e Astúa, 2017), e quais características da 158
paisagem beneficiam a persistência das espécies em um contexto de elevada degradação 159
antropogênica e estiagem prolongada, que tendem a se intensificar no futuro. 160
Para abordar estas temáticas, esta tese está dividida em quatro capítulos. No Capítulo 1 161
descrevemos a riqueza e composição de MMGP da Caatinga do Rio Grande do Norte, a partir 162
de um significativo esforço amostral que cobriu 10 áreas prioritárias para a conservação dessa 163
ecorregião no estado. A partir dos resultados do armadilhamento fotográfico, discutimos a 164
relevância das espécies registradas, as ausências preocupantes e a importância das áreas de 165
estudo para o conhecimento e conservação da biodiversidade local. Optamos por publicar esse 166
capítulo em português por entendemos que ele preenche uma lacuna sobre informações básicas 167
de ocorrência de mamíferos no estado, e que assim deve ser utilizado tanto para pequisa 168
cientídica quanto por técnicos de órgãos ambienatsi e tomadores de decisão. 169
Nos Capítulos 2 e 3 investigamos os mecanismos de coexistência de mesocarnívoros 170
através da análise de sobreposição dos eixos temporal e espacial do nicho das espécies, 171
respectivamente, em uma área prioritária para conservaçãoda Caatinga do Rio Grande do Norte 172
onde predadores de topo estão virtualmente ausentes, e onde a jaguatirica (Leopardus pardalis) 173
atua como mesocarnívoro dominante. Além disso, consideramos potenciais efeitos da 174
sazonalidade e de fatores como disponibilidade de presas e interferências antrópicas nesses 175
padrões espaço-temporais. 176
No Capítulo 4 testamos os efeitos relativos de preditores ambientais e antropogênicos na 177
ocupação de MMGP em uma paisagem da Caatinga de alta relevância para conservação, mas 178
que se encontra sob sobrepastejo no norte da Bahia. Neste trabalho tentamos identificar quais 179
mecanismos permitem a persistência das espécies em um ambiente perturbado durante um 180
período de seca extrema através de modelos Bayesianos de ocupação baseados em uma 181
abordagem multi-espécies. 182
Com os resultados desta tese, esperamos melhorar o entendimento sobre aspectos 183
ecológicos de MMGP em uma região semiárida sob forte interferência humana, de forma que 184
essas informações auxiliem na tomada de decisão e na elaboração e execução de estratégias de 185
conservação e manejo das espécies e paisagens da Caatinga. Além disso, esperamos que nossos 186
resultados estimulem o desenvolvimento de novas pesquisas que avancem nossa capacidade de 187
entendimento de como mamíferos lidam com ecossistemas semiáridos. 188
189
Referências 190
Antongiovanni M, Venticinque EM, Fonseca CR. 2018. Fragmentation patterns of the Caatinga 191
drylands. Landscape Ecology 33:1353-1367. 192
Banda RK, Delgado-Salinas A, Dexter KG et al. 2016. Plant diversity patterns in neotropical 193
dry forests and their conservation implications. Science 353:1383-1387. 194
Bello C, Galetti M, Pizo MA et al. 2015. Defaunation affects carbon storage in tropical forests. 195
Science Advances 1:e1501105. 196
Benítez-López A, Alkemade R, Schipper AM, Ingran DJ, Verweij PA, Eikeboom JAJ, 197
Huijbregts MAJ. 2017. The impact of hunting on tropical mammal and bird populations. 198
Science 356:180-183. 199
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Capítulo 1 270
271
MAMÍFEROS DE MÉDIO E GRANDE PORTE DA CAATINGA DO RIO GRANDE 272
DO NORTE, NORDESTE DO BRASIL 273
274
275 276 277
Capítulo publicado na revista Mastozoología Neotropical (https://www.sarem.org.ar/wp-278
content/uploads/2019/01/SAREM_MastNeotrop_25-2_08_Marinho.pdf). 279
Mamíferos de médio e grande porte da Caatinga do Rio Grande do Norte, 280
nordeste do Brasil 281
282
Paulo H. Marinho¹, Daniel Bezerra¹, Marina Antongiovanni¹, Carlos R. Fonseca¹ e 283
Eduardo M. Venticinque¹ 284
285
¹Programa de Pós-graduação em Ecologia, Departamento de Ecologia, Centro de Biociências, 286
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Lagoa Nova, Natal, RN, Brasil 287
288
Resumo. Mamíferos de médio e grande porte são especialmente afetados pela caça e perda de 289
habitat, ao mesmo tempo que desempenham importantes funções no ecossistema. O 290
conhecimento sobre esse grupo na Caatinga, a floresta tropical sazonalmente seca do nordeste 291
do Brasil, contudo, ainda é escasso. Neste trabalho realizamos o primeiro levantamento 292
sistemático de mamíferos de médio e grande porte no estado do Rio Grande do Norte, através 293
de armadilhamento fotográfico em 188 pontos distribuídos em 10 áreas prioritárias para a 294
conservação da biodiversidade da Caatinga. Com um esforço amostral de 7271 câmeras-dias, 295
obtivemos 1607 registros de 14 espécies nativas, distribuídas em seis ordens e 10 famílias: oito 296
espécies da ordem Carnivora, duas espécies da ordem Cingulata, e uma espécie para cada uma 297
das demais ordens (Artiodactyla, Didelphimorphia, Pilosa e Primates). A riqueza encontrada 298
representa 31% das 45 espécies de mamíferos de médio e grande porte que ocorrem na 299
Caatinga, e 50% das espécies deste grupo registradas no domínio da Caatinga ao norte do Rio 300
São Francisco, ampliando significativamente o conhecimento sobre o grupo na região. Entre as 301
espécies registradas estão três felinos ameaçados de extinção, incluindo um grande predador de 302
topo (Leopardus tigrinus, Herpailurus yagouaroundi e Puma concolor). O baixo número de 303
registros de algumas espécies e a ausência de outras indicam o estado crítico da mastofauna do 304
estado e sugerem a importância e urgência do estabelecimento de novas unidades de 305
conservação na Caatinga do Rio Grande do Norte. 306
Palavras chave: Armadilha fotográfica. Conservação da Biodiversidade. Espécies ameaçadas. 307
Floresta sazonalmente tropical seca. Riqueza de espécies. 308
309
Abstract. Medium to large-sized mammals are the most affected by habitat loss and hunting, 310
while at the same time playing important roles in the ecosystem. The knowledge about this 311
group in the Caatinga, the dry tropical forest of northeastern Brazil, however, is still scarce. In 312
this study, we carried out the first systematic survey of medium to large-sized mammals in the 313
Rio Grande do Norte state, with camera traps installed in 188 points distributed in 10 priority 314
areas for the conservation of the Caatinga biodiversity. With a sampling effort of 7271 camera-315
days, we obtained 1607 records of 14 native medium to large-sized mammals, distributed in six 316
orders and 10 families: eight species of the order Carnivora, two species of the order Cingulata, 317
and one species for each of the other orders (Artiodactyla, Didelphimorphia, Pilosa e Primates). 318
The richness recorded represents a third of the 45 large and medium-sized mammal species 319
found in the Caatinga, and half of the large and medium-sized mammal species recorded in 320
northern Caatinga dominium, significantly increasing the knowledge about the group in the 321
region. Among the recorded species are three threatened felids, including a large top predator 322
(Leopardus tigrinus, Herpailurus yagouaroundi, and Puma concolor). The low number of 323
records of some species and the absence of others indicate the critical status of the mammal 324
fauna in the state and highlight the importance and urgency of the creation of new protected 325
areas in the Caatinga of the Rio Grande do Norte. 326
Key words: Biodiversity conservation. Camera trap. Seasonally dry tropical forest. Species 327
richness. Threatened species. 328
Introdução 330
O conhecimento regional sobre a presença e distribuição das espécies é essencial para 331
planejar e avaliar estratégias de conservação da biodiversidade (Tobler et al. 2008). Esse tipo 332
de informação ajuda a definir a distribuição espacial das espécies, monitorar a diversidade ao 333
longo do espaço e do tempo e avaliar o impacto de atividades humanas sobre as espécies 334
vulneráveis (Tobler et al. 2008; Cheyne et al. 2016; Rosas-Ribeiro et al. 2017). Mamíferos de 335
médio e grande porte (> 1 kg; e.g. Chiarello 1999) são especialmente afetados por ameaças 336
como a caça e a perda e fragmentação dos seus habitats, uma vez que apresentam baixas 337
densidade e fecundidade, e geralmente elevados requerimentos tróficos e de área de vida 338
(Chiarello 1999; Cardillo et al. 2005; Peres 2001). Ao mesmo tempo, esses grandes vertebrados 339
são responsáveis por importantes funções e serviços ecossistêmicos, como o controle de 340
populações de herbívoros, a modulação do ciclo de nutrientes através do consumo da biomassa 341
vegetal e a dispersão de sementes grandes (Chiarello 1999; Terborgh et al. 2001; Cardillo et al. 342
2005; Galetti & Dirzo 2013; Sobral et al. 2017). Além disto, muitas vezes mamíferos de médio 343
e grande porte, devido a questões éticas, estéticas e culturais, são importantes espécies guarda-344
chuva ou bandeira em ações de conservação (Linnell et al. 2000). 345
As florestas tropicais secas abrigam uma relevante diversidade de mamíferos e estão entre 346
os ecossistemas tropicais mais ameaçados e pouco protegidos do mundo (Banda et al. 2016). A 347
Caatinga, localizada no nordeste do Brasil, é a maior floreta tropical seca das Américas (Banda 348
et al. 2016) e já foi considerada uma das 37 grandes regiões selvagens do planeta (Mittermeier 349
et al. 2002). Apesar do déficit histórico de estudos (Santos et al. 2011), uma revisão recente 350
evidencia que a Caatinga abriga uma elevada diversidade de animais e plantas (Silva et al. 351
2017a). Por outro lado, 45,5% da sua cobertura vegetal original já foi perdida (MMA 2016a) e 352
áreas integralmente protegidas cobrem menos de 2% do seu território (Fonseca et al. 2017). 353
Além disso, os fragmentos de Caatinga remanescentes, embora relativamente conectados 354
(Antongiovanni et al. 2018), encontram-se sob forte distúrbio antrópico crônico, resultado de 355
atividades como a criação extensiva de rebanhos, a retirada de madeira e a caça ilegal (Alves et 356
al. 2016; Marinho et al. 2016; Ribeiro et al. 2015), todas amplamente praticadas por uma 357
população humana de 28.6 milhões de habitantes (Silva et al. 2017b). E todas essas ameaças 358
devem ser agravadas pela intensificação na aridez da região resultante das mudanças climáticas 359
(Seddon et al. 2016). 360
A Caatinga abriga 183 espécies de mamíferos, sendo 11 delas endêmicas e 45 de médio e 361
grande porte (Carmignotto & Astúa 2017). Embora o número de inventários e investigações 362
ecológicas tenha crescido nos últimos anos, especialmente com a disseminação de técnicas 363
como o armadilhamento fotográfico (e.g. Dias & Bocchiglieri 2016; Delciellos 2016; Astete et 364
al. 2017), uma grande porção desse bioma brasileiro permanece desconhecida ou subamostrada 365
(Santos et al. 2011; Albuquerque et al. 2012). Ao comportamento elusivo, hábitos noturnos e 366
baixas densidades, que contribuem para o desconhecimento dos mamíferos na região, soma-se 367
o historicamente baixo investimento em pesquisa (Santos et a. 2011) e a visão inicial 368
equivocada de que a mastofauna da Caatinga seria depauperada (Mares et al. 1981). 369
No estado do Rio Grande do Norte, extremo nordeste do Brasil e limite da distribuição de 370
muitas espécies, a lacuna de conhecimento sobre mamíferos é ainda mais evidente (Brito et al. 371
2009; Feijó & Langguth 2013), indo de marsupiais (Melo & Sponchiado 2012) até médios e 372
grandes mamíferos (Feijó & Langguth 2013). A lacuna para quirópteros era igualmente grande 373
até levantamentos recentes (e.g. Vargas-Mena et al. 2018). Diferente dos estados vizinhos, o 374
Rio Grande do Norte não foi visitado por expedições históricas, que realizadas a partir do século 375
XVII impulsionaram o conhecimento sobre mamíferos no restante do nordeste do Brasil (Feijó 376
& Langguth 2013). Para mamíferos de médio e grande porte os trabalhos no estado são 377
relativamente recentes e representados basicamente por inventários paleontológicos (Araújo-378
Júnior & Porpino 2011), atualizações de distribuição e primeiros registros de ocorrência 379
(Ferreira et al. 2009; Dantas et al. 2016; Marinho et al. 2017; Rosas-Ribeiro et al. 2017). Ainda 380
mais escassos são os trabalhos sobre a ecologia de espécies, até o momento focados restritos a 381
Sapajus libidinosus (Ferreira et al. 2010; Emidio & Ferreira 2012) e Leopardus tigrinus 382
(Marinho et al. 2018a; b). 383
A melhoria do conhecimento biológico em áreas prioritárias para a conservação é uma ação 384
relevante para fortalecer a aptidão dessas áreas em conservar a biodiversidade (Silva et al. 385
2004), sobretudo em uma região com baixa cobertura de unidades de conservação como a 386
Caatinga. Neste contexto, o objetivo deste estudo foi caracterizar a composição e riqueza de 387
mamíferos de médio e grande porte da Caatinga do estado do Rio Grande do Norte, Brasil, 388
através de armadilhamento fotográfico em 10 áreas prioritárias para a conservação da 389
biodiversidade do bioma. Com este trabalho esperamos (i) preencher a lacuna existente no 390
estado de registros de mamíferos de médio e grande porte, (ii) caracterizar a qualidade relativa 391
das 10 áreas prioritárias em termos de mamíferos de médio e grande porte e (iii) fornecer 392
subsídios para a criação de novas unidades de conservação no Rio Grande do Norte. 393 394 Material e métodos 395 Área de estudo 396
Nossa área de estudo compreende a Caatinga do estado do Rio Grande do Norte (Fig. 1, 397
Tabela 1), sendo que as amostragens foram realizadas em 10 paisagens disjuntas consideradas 398
áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade do bioma tanto em nível estadual 399
(https://brasil.wcs.org/pt-br/Lugares-naturais/Projeto-Caatinga.aspx) quanto em nível nacional 400
(MMA, 2016b; Tabela 1). Todas as áreas estudadas são formadas basicamente por 401
propriedades privadas e não possuem proteção legal, com exceção de Dunas Rosado, que 402
recentemente se tornou uma Área de Proteção Ambiental (APA) estadual (IDEMA 2018) 403
(Tabela 1). 404
405
406
Fig. 1. Localização das 10 áreas prioritárias para a conservação da Caatinga do Rio Grande do Norte, 407
nordeste do Brasil, onde foram realizados levantamentos de mamíferos de médio e grande porte (para 408
mais informações sobre as áreas acessar: https://brasil.wcs.org/pt-br/Lugares-naturais/Projeto-409
Caatinga.aspx). Embora Martins e Serrinha dos Pintos componham uma mesma área prioritária, estas 410
áreas foram amostradas de forma independente. 411
412
Mais de 90% do território do Rio Grande do Norte está inserido no domínio da Caatinga 413
(IDEMA 2014). O clima da região é quente e semiárido, com chuvas irregulares e concentradas 414
em poucos meses do ano (e.g. fevereiro a maio), com médias pluviométricas entre 400 e 800 415
mm (Ab’Sáber 1974; Velloso et al. 2002). A vegetação da Caatinga é um mosaico de formações 416
arbustivas, manchas arbóreas e florestas secas (Santos et al. 2011) que variam de acordo com o 417
relevo, solo, clima local e nível de antropização (Velloso et al. 2002). Entre as nossas áreas de 418
estudo, três (Felipe Guerra, Dunas do Rosado e Caiçara do Norte) se encontram em altitudes 419
baixas (média de 20 a 75 m acima do nível do mar) (Tabela 1), onde predomina uma vegetação 420
mais baixa e espaçada, embora existam manchas arbóreas em solos mais ricos e com menos 421
pressão antrópica. Já as demais áreas cobrem principalmente ambientes elevados e inclinados 422
(e.g. serras e encostas, respectivamente) (médias entre 250 e 480 metros de altitude) (Tabela 423
1), onde predominam as formações vegetais densas e arbóreas, mas também manchas arbustivas 424
nas áreas mais baixas e pressionadas. Semelhante ao que acontece com o restante do bioma, 425
45% da cobertura original da Caatinga no estado já foi modificada por atividades como 426
agricultura, pecuária e corte de lenha para uso doméstico e industrial (IDEMA 2014). 427
Fruticultura irrigada, exploração de calcário para produção de gesso e expansão de usinas 428
eólicas e solares são vetores adicionais de perda de cobertura vegetal na região (obs. pessoal). 429 430 431 432 433 434 435 436 437 438 439
Tabela 1. Esforço amostral empregado para levantar a composição e riqueza de mamíferos de médio e grande porte em 10 áreas prioritárias para a conservação da Caatinga do Rio Grande do Norte, nordeste do Brasil. A área amostral foi medida a partir do mínimo polígono convexo dos pontos amostrais em cada área e somados para todo o estudo. São apresentados os códigos dos polígonos prioritários que cobrem totalmente ou parcialmente as áreas de estudo, de acordo com lei federal (MMA 2016b). Unidade de conservação (UC). DP: desvio padrão.Para mais informações sobre as áreas acessar: https://brasil.wcs.org/pt-br/Lugares-naturais/Projeto-Caatinga.aspx (Projeto Caatinga Potiguar – Cartograma).
Localidade
Elevação média
(DP)
Período Nº pontos Esforço (câmeras-dias) Área (km²) Coordenadas principais Área prioritária/ UC Serra de Santana 401,89 (199,50) 05 Mai - 18 Jun 19 703 13452.0 6°10’ e 6°0’S; 36°50’ e 36°35’W CA045 / Não Lajes 355,9 (101,09) 26 Mai - 06 Jul 20 793 20184.5 5°57’ e 5°43’S, 36°5’ e 36°17’W CA078 / Não Cerro Corá 468,05 (83,25) 01 Jun - 08 Jul 19 654 7476.6 6°13’ e 6°2’S; 36°15’ e 36°22’W CA096 / Não Martins 303,2 (83,48) 22 Jun - 30 Jul 20 742 6074.1 6°0’ e 5°4’S; 37°50’ e 38°0’W CA045 / Não Serrinha dos Pintos 345,42 (68,25) 28 Jun - 05 Ago 20 740 4035.1 6°15’ e 6°5’S; 37°50’ e 38°00’W CA063 / Não Felipe Guerra 75,25 (18,57) 09 Jul - 16 Ago 20 736 30116.7 5°38’ e 5°23’S; 37°30’ e 37°43’W CA078 / Não Caiçara do Norte 20,13 (9,34) 19 Jul - 22 Set 15 845 7497.4 5°13’ e 5°5’S; 36°1’ e 36°10W CA102 / Não Luis Gomes 482,23 (95,69) 02 Ago - 23 Set 17 846 2976.5 6°25’ e 6°20’S; 38°19’ e 38°26’W CA088 / Não Dunas do Rosado 62,26 (33,81) 08 Ago - 04 Set 19 499 5979.0 5°1’ e 5°8’S; 36°48’ e 36°55’W CA087 / Sim Coronel Ezequiel 351,684 (67,25) 18 Ago - 25 Set 19 713 7439.5 6º28’ e 6°15’S; 36°5’ e 36°14’W CA088 / Não Amostragem total 05 Mai -
Levantamento de dados
De maio a setembro de 2014, na transição entre as estações chuvosa e seca, 20 armadilhas fotográficas (Bushnell® Trophy Cam ™) foram instaladas em cada uma das 10 áreas prioritárias, permanecendo ativas 24 h por dia durante um a dois meses (média de 38 dias) (Tabela 1). Essas câmeras acionadas por calor e movimento foram posicionadas a 30-40 cm do solo e programadas para registrar a data e hora de cada registro fotográfico, com intervalos mínimos de cinco minutos entre dois disparos consecutivos. Nós estabelecemos uma distância mínima de um km entre câmeras de forma a minimizar a dependência espacial entre os pontos amostrais, exceto em locais que as dificuldades de acesso não permitiram esta padronização. No geral, as câmeras foram posicionadas a uma distância média de 1,6 km (0,8 – 3 km) uma da outra, ao longo de trilhas feitas por pessoas ou de animais de criação, estradas abandonadas e leito de rios intermitentes. Nenhuma isca foi utilizada para atrair os animais.
O banco de imagens foi triado com auxílio do programa Camera Base v.1.6 (Tobler 2007). A nomenclatura e taxonomia das espécies seguiu Kitchener et al. (2017) para os felinos e Carmignotto e Astúa (2017) para as demais espécies. O estado de conservação global e nacional das espécies está de acordo com a IUCN (2017) e o MMA (2014), respectivamente.
Análise dos dados
A suficiência amostral foi investigada através de uma curva de acumulação de espécies (randomizada 1000 vezes) agrupando os dados de todas as áreas. A riqueza de espécies estimada para a Caatinga do Rio Grande do Norte foi obtida através do estimador Jackknife de primeira ordem, considerado ideal para dados de médios e grandes mamíferos a partir de armadilhas fotográficas (Tobler et al. 2008). Todas as análises foram realizadas usando o programa livre EstimateS 9.1.0 (Colwell 2013). Nas análises, para uma determinada espécie em um mesmo ponto, consideramos apenas registros consecutivos com intervalos maiores do que uma hora para minimizar problemas de dependência temporal. Apresentamos o índice de
abundância relativa (uma estimativa do sucesso de detecção) para cada espécie registrada, calculado como a razão entre o número de registros independentes (registros da mesma espécie no mesmo local com mais de uma hora) e o esforço amostral total (em câmeras-dias) multiplicado por 100 (Rovero et al. 2014). Embora esse índice deva ser interpretado com cautela por sofrer influência de fatores ambientais e espécie-específicos que dificultam generalizações (ver Sollman et al. 2013), ele pode servir como parâmetro populacional inicial para estudar espécies (Rovero et al. 2014) em um contexto de escassez de informação.
Resultados
Um total de 14 espécies de mamíferos silvestres de médio e grande porte foi registrado na Caatinga do estado do Rio Grande do Norte (Fig. 2, Tabela 2), sendo que o número médio de espécies por área foi 8,2 (DP = 1,23), variando de seis a 10 (Tabela 2). No total, 1607 registros independentes foram obtidos a partir de um esforço de 7.271 câmera-dias distribuído em 188 pontos amostrais (12 equipamentos apresentaram problemas ou foram roubados) que cobriram uma área total de 1052 km² (Tabela 1). As 14 espécies pertencem a seis ordens e 10 famílias, sendo a ordem Carnivora a mais representativa, com oito espécies (57% do total), seguida pela ordem Cingulata com duas espécies, e as demais ordens apresentaram uma espécie cada. Dentre as famílias, Felidae foi a que apresentou o maior número de espécies, com quatro ao todo (28% do total). Entre as espécies registradas, três (21%) estão sob algum nível de ameaça (nacional ou global), sendo todos felinos (Tabela 2).
Fig. 2. Mamíferos de médio e grande porte registrados através de armadilhamento frotográfico em 10 áreas prioritárias para a conservação da Caatinga do Rio Grande do Norte, extremo
nordeste do Brasil; (a) Cerdocyon thous, (b) Procyon cancrivorus, (c) Conepatus amazonicus, (d) Galictis cuja, (e) Leopardus tigrinus, (f) Leopardus pardalis, (g) Herpailurus yagouaroundi, (h) Puma concolor, (i) Mazama gouazoubira, (j) Tamandua tetradactyla, (k) Euphractus sexcinctus, (l) Dasypus novemcinctus, (m) Sapajus libidinosus e (n) Didelphis albiventris.
Além dos mamíferos silvestres, registramos sete espécies de mamíferos domésticos ou asselvajados (caso de algumas populações de Equus asinus) nas nossas áreas estudo: vaca (Bos taurus, 469 registros), cabra (Capra hircus, 440), burro (E. asinus, 74), ovelha (Ovis aries, 65), cavalo (Equus caballus, 25), cão (Canis lupus familiaris, 39) e gato-doméstico (Felis catus, 12). Esses registros (1124) representam 41% de todos os registros de médios e grandes mamíferos (considerando silvestres e domésticos). Obtivemos ainda 83 registros de pessoas, algumas acompanhadas por cães e com apetrechos utilizados em atividades de caça.
A curva de acumulação de espécies para o Rio Grande do Norte, ou seja, considerando todas as amostras conjuntamente, apresentou uma tendência à estabilização com pouco mais da metade das unidades amostrais (Fig. 3A). Contudo, o estimador de riqueza Jacknife de primeira ordem indicou que cerca de duas espécies ainda poderiam ser registradas com um maior esforço amostral (Fig. 3A). Isto é mais evidente para as áreas com maior riqueza como Lajes e Serrinha dos Pintos, com exceção de áreas como Martins, Caiçara do Norte e Dunas do Rosado, as curvas das demais áreas permanecem crescentes (Fig. 3B).
As espécies com o maior número de registros e consequentemente maiores índices de abundância relativa foram Cerdocyon thous, D. albiventris, Mazama gouazoubira e L. tigrinus (respectivamente, Fig. 4, Tabela 2). Por outro lado, Puma concolor e Galictis cuja foram registrados uma única vez cada, exibindo assim os menores índices de abundância relativas,
seguidos por Leopardus pardalis e H. yagouaroundi (Fig. 4, Tabela 2). C. thous, D. albiventris, L. tigrinus e Euphractus sexcinctus foram registrados em todas as 10 áreas (Tabela 2).
No presente trabalho não consideramos registros de Callithrix jacchus como mamífero de médio porte, enquanto que D. albiventris foi incluído neste grupo por seu maior tamanho (500-2700 g) e hábito escansorial (Paglia et al. 2012) que facilita sua detecção por armadilhamento fotográfico.
Tabela 2. Mamíferos de médio e grande porte registrados em 10 áreas prioritárias para a conservação da Caatinga do Rio Grande do Norte, nordeste do Brasil. N – número de registros. Dieta ou grupo funcional de acordo com Paglia et al., 2012: Ca – Carnívoro, Fr – Frugívoro, Hb – Herbívoro pastador, In – Insetívoro, Myr – Mirmecófago, On – Onívoro. Estado de conservação segundo a IUCN (2017) ou MMA (2014): LC (pouco preocupante), VU (vulnerável), EN (em perigo), NC (não consta na lista). Os símbolos para as áreas amostradas são: Serra de Santana (SS), Lajes (LA), Cerro Corá (CC), Martins (MA), Serrinha dos Pintos (SP), Felipe Guerra (FG), Caiçara do Norte (CN), Luís Gomes (LG), Dunas do Rosado (DR), Coronel Ezequiel (CE). Para mais informações sobre as áreas acessar: https://brasil.wcs.org/pt-br/Lugares-naturais/Projeto-Caatinga.aspx.
Táxon Nome comum Áreas prioritárias N Dieta IUCN/
MMA
SS LA CC MA SP FG CN LG DR CE
ORDEM CETARTIODACTYLA Família Cervidae
Mazama gouazoubira
(G, Fischer [von Waldheim], 1814) Veado-catingueiro X X X X X X X X 176 Fr/Hb LC/NC
ORDEM CARNIVORA Família Canidae
Cerdocyon thous
(Linnaeus, 1766) Cachorro-do-mato X X X X X X X X X X 693 In/On LC/NC
Família Felidae Leopardus tigrinus (Thomas, 1904) Gato-do-mato-pintado X X X X X X X X X X 157 Ca VU/EN Leopardus pardalis (Linnaeus, 1758) Jaguatirica X 4 Ca LC/NC Herpailurus yagouaroundi
(É, Geoffroy Saint-Hilare, 1803) Gato-mourisco X X X 7 Ca LC/VU
Puma concolor
(Linnaeus, 1771) Onça-parda X 1 Ca LC/VU
Procyon cancrivorus
(G,[Baron] Cuvier, 1798) Mão-pelada X X X X X X X X 29 Fr/On LC/NC
Família Mephitidae Conepatus amazonicus
(Lichtenstein, 1838) Jaritataca X X X X X X 20 In/On LC/NC
Família Mustelidae Galictis cuja (Molina, 1782) Furão X 1 Ca LC/NC ORDEM CINGULATA Família Dasypodidae Dasypus novemcinctus
Linnaeus, 1758 Tatu-galinha X X X X X 22 In/On LC/NC
Euphractus sexcinctus
(Linnaeus, 1758) Tatu-peba X X X X X X X X X X 90 In/On LC/NC
ORDEM PILOSA
Família Myrmecophagidae
Tamandua tetradactyla(Linnaeus,
1758) Tamanduá-mirim X X X X X 10 Myr LC/NC
ORDEM PRIMATES Família Cebidae
Sapajus libidinosus
(Spix, 1823) Macaco-prego X X X X 38 Fr/On LC/NC
ORDEM DIDELPHIMORPHIA Família Didelphidae Didelphis albiventris (Lund, 1840) Gambá-de-orelha-branca X X X X X X X X X X 359 Fr/On LC/NC
Fig. 3: Curva de acumulação de espécies observada (linha preta) com intervalo de confiança de 95% (linhas tracejadas cinzas) e curva de riqueza estimada por Jacknife 1 (círculos pretos) para a comunidade de mamíferos de médio e grande porte de 10 áreas prioritárias da Caatinga do Rio Grande do Norte, nordeste do Brasil (A); também são apresentadas individualmente as curvas aleatorizadas de acumulação de espécies para cada uma das 10 áreas prioritárias para a conservação estudadas (B).
Fig. 4: Índice de abundância relativa (ou sucesso de captura) das 14 espécies de mamíferos de médio e grande porte registrados em 10 áreas prioritárias para a conservação da Caatinga do Rio Grande do Norte, nordeste do Brasil. Fonte das ilustrações: De Angelo et al. 2008.
Discussão
As 14 espécies de mamíferos silvestres de médio e grande porte registradas neste trabalho compreendem cerca de um terço das 45 espécies que ocorrem em toda Caatinga (Carmignotto & Astúa 2017), e metade das 28 espécies registradas na Caatinga dos estados de Alagoas, Pernambuco, Paraíba e Ceará (Feijó & Langguth 2013). É preciso ressaltar, contudo, que Carmignotto e Astúa (2017) incluem espécies com ocorrência atual bastante restrita no bioma como Panthera onca e Tapirus terrestris; enquanto Feijó e Langguth (2013) abrangem espécies restritas a brejos de altitude como Coendou baturitensis e Nasua nasua. Nossos resultados são fruto de um dos maiores investimentos em armadilhamento fotográfico já realizados até o
momento na Caatinga, tanto em termos de esforço quanto em abrangência espacial (Tabela 3). Além disto, este trabalho contribui para diminuir a lacuna de dados mastozoológicos existente no Rio Grande do Norte, evidenciada por Feijó e Langguth (2013). Inventários de mamíferos realizados em outros estados registraram de cinco a 25 espécies de médios e grandes mamíferos (ver Tabela 3), com as maiores riquezas geralmente registradas em ambientes mésicos como brejos de altitude e melhor protegidos como unidades de conservação (Tabela 3). Contudo, diferenças no esforço amostral, abrangência espacial e métodos de levantamento também devem ser considerados. Além disso, variações na riqueza e composição entre as áreas amostradas neste estudo devem ser consideradas.
Tabela 3. Riqueza de mamíferos de médio e grande porte registrados em levantamentos em áreas de Caatinga (clima semiárido), brejos de altitude (ambientes mésicos relacionados a florestas tropicais úmidas) e outras formações associadas dentro do domínio da Caatinga, com seus respectivos métodos empregados (armadilhamento fotográfico - af; armadilhas de queda ou captura viva - aq; busca ativa por espécimes e vestígios aleatória ou através de transectos - ba; entrevistas - en; espécimes de coleção ou museu - ec; parcelas de pegadas - pp; registros oportunistas – ro). Para o método armadilhamento fotográfico é apresentado (entre parênteses) o respectivo esforço amostral em câmeras-dias. Levantamentos realizados em Unidades de Conservação estão indicados na coluna (UC). Não consideramos registros de Callithrix jacchus, enquanto Didelphis albiventris foi avaliado como mamífero de médio e grande porte. Dias et al. (2014) é focado somente em carnívoros.
Estado Local, município (s) Ambiente UC Riqueza Métodos e esforço Referência
Ceará PARNA de Ubajara, Ubajara Brejo de altitude Sim 19 ba, en Guedes et al. (2000)
Ceará, Pernambuco e Paraíba
RPPN Serra das Almas (CE), RPPN Maurício Dantas (PE), Parque Estadual Pedra da
Boca (PB), vários municípios
Caatinga Sim 13 aq, en, op Cruz et al. (2005)
Bahia PARNA da Chapada Diamantina e arredores, vários municípios
Formações de Caatinga, Cerrado e Floresta Atlântica
Sim 25 aq, ec, en, op Pereira & Geise (2009) Sergipe Fazenda São Pedro, Porto da Folha Caatinga stricto
sensu Não 5 ba, ni Freitas et al. (2011)
Sergipe, Alagoas e Bahia
14 locais amostrais, vários municípios
Caatinga stricto
sensu Não 5 aq, bc, en Bezerra et al. (2014) Sergipe Serra dos Macacos, Tobias Barreto Caatinga stricto
sensu Não 7 ap, ba, en Dias et al. (2014)
Alagoas Serra do Mamão, Traipu Brejo de altitude Não 18 aq, ba Silva & Palmeira (2014) Ceará Maciço de Baturité, vários
municípios Brejo de altitude Não 18 ec, aq, ro, en
Fernandes-Ferreira et al. (2015)
Sergipe e Bahia
Serra da Guia, Poço
Redondo (SE) e Pedro Alexandre (BA)
Caatinga stricto
sensu Não 8 Ba Rocha et al. (2015)
Paraíba Serra de Santana, vários municípios Caatinga stricto
sensu Não 11 af (475), aq, ba Campos et al. (2016) Piauí e Pernambuco Ouricuri (CE) e São João do Piauí
(PI)
Caatinga stricto
sensu Não 13 af (721), aq, ba Delciellos (2016) Sergipe
MONA Grota do Angico, Poço Redondo e Canindé do São Francisco
Caatinga stricto
sensu Sim 12 af (2.912), pp
Dias & Bocchiglieri (2016) Ceará e Piauí RPPN Serra das Almas, Crateús
(CE) e Buriti dos Montes (PI)
Caatinga stricto
sensu Sim 17
af (3.600), aq, ba,
ro Dias et al. (2017) Bahia Serra de Santana, Senhor do Bonfim
e Jaguarari
Caatinga stricto
sensu Não 13 ba, en
Pereira & Peixoto (2017) Rio Grande do
Norte
10 áreas prioritárias, vários municípios
Caatinga stricto sensu
Sim (1 área),