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Ensinar História e cultura afrobrasileira: possibilidades e alternativas de práticas pedagógicas

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Academic year: 2020

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ENSINAR HISTÓRIA E CULTURA AFROBRASILEIRA:

POSSIBILIDADES E ALTERNATIVAS DE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS

TEACHING HISTORY AND CULTURE BRAZILIAN AFRO:

POSSIBILITIES AND ALTERNATIVES OF PEDAGOGICAL PRACTICES

Júlio Ricardo Quevedo Santos1 Aristeu Castilhos da Rocha2 RESUMO: A História ensinada está em pleno movimento de renovação de conteúdos, de abordagens e metodologias prescritas nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica, de 2013, na Resolução n. 02/2015 do MEC/CNE, que trata da formação de profissionais para o Ensino de História, entre outras, da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) em processo de elaboração, desdobramentos da LDB n. 9394/96, acompanhadas de disputas pelo direito à Educação para as Relações Étnico-Raciais (ERER) que tem por objetivo a cidadania e a promoção à igualdade étnico-racial. Antigos atores sociais e históricos – indígenas e afrobrasileiros – saem da invisibilidade e quebram o manto do silenciamento imposto pelos estereótipos racistas e assumem o lugar que sempre foi seu: o protagonismo da História, como se percebe nas atuais propostas de Políticas Públicas para a Educação Brasileira em ampla transformação. Partindo desta premissa, tratamos aqui de sinalizar algumas possibilidades e alternativas para o profissional em História – trabalhador em Educação – atuar frente a esta nova realidade da comunidade escolar.

Palavras-Chaves: Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica, Diretrizes da História Ensinada, História e Cultura Afrobrasileira, Trajetórias Afrobrasileiras.

ABSTRACT: The history taught is in full renewal movement of content, approaches and methodologies prescribed in the National Curriculum Guidelines for Basic Education, 2013, in Resolution n. 02/2015 of the MEC / CNE, which deals with the training of professionals for Education History, among others, the Common National Base Curriculum (BNCC) in preparation process, the LDB n. 9394/96 splits, accompanied by disputes over the right to education for Racial-Ethnic Relations (ERER) which aims citizenship and promotion of ethnic and racial equality. Old social and historical actors - Indigenous and Afro-Brazilians - out of invisibility and break silencing the mantle imposed by racist stereotypes and take the place that has always been his: the role of history, as can be seen in the current proposals on Public Policies for the Brazilian Education in wide transformation. Starting from this premise, we treat here to signal some possibilities and alternatives for the professional in History - worker in Education - act forward to this new reality of the school community.

Key-Words: National Curriculum Guidelines for Basic Education, Guidelines Taught History, History and Afro-Brazilian Culture, Trajectories Afro-Brazilian.

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Docente no Programa de Pós-graduação em História, do Mestrado Profissional em Ensino de História

(PROFHISTÓRIA) e do Mestrado Profissional em Patrimônio Cultural, ambos pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Doutor em História pela Universidade de São Paulo – (USP). E-mail: j-quevedo@uol.com.br

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Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha - Campus Júlio de Castilhos.

Atua em cursos Técnicos Integrados (Agropecuária, Informática e Comércio), de Graduação e Pós-Graduação, coordena o Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (NEABI). Doutor em História pela Pontifícia

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Introdução

Na atualidade a História ensinada no Brasil está passando por uma profunda reformulação, como desdobramento da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), n. 9394/96, na qual define em seu artigo 26: “Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela.” e tendo como objeto as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (DCNEB) de 2013, está em elaboração e discussão no início de 2016 a Base Nacional Curricular Comum (BNCC), a qual tem por questão central: “representações do passado em intersecção com interpretações do presente para construir expectativas de futuro”, e por objetivo “viabilizar a compreensão e a problematização dos valores, dos saberes e dos fazeres de pessoas, em variadas espacialidades e temporalidades, em dimensão individual e coletiva” (BNCC, 2015, p. 241). A História ensinada faz sentido à medida que: “favorece o exercício da cidadania [...] estimula e promove o respeito às singularidades e às pluralidades étnico-raciais e culturais, constitucionalmente, a construção da sociedade democrática brasileira” (Idem). Entre os desafios da BNCC concatenada com as DCNEN destacamos a importância do respeito e da compreensão “as pluralidades étnico-raciais”, em particular as de matriz cultural africana e afrobrasileira, elaboradas ao longo dos últimos cinco séculos no Brasil.

A proposta nos desafia a pensar e provoca a categoria docente, como os profissionais em História a avaliar sua atuação no lugar escolar – a sala de aula – a fim de rever até que ponto realmente se está aplicando as DCNEB no que concerne ao ensino de História da África, da presença afrobrasileira na História do Brasil, da História e Cultura Afrobrasileira, das Histórias e Culturas Indígenas nas escolas não indígenas, superando preconceitos, discriminações e racismos. As propostas pedagógicas focadas na Educação de qualidade, participativa, cidadã e transformadora partem do princípio do respeito às diferenças e prevêem a construção do conhecimento escolar alicerçado na História crítica e incentivadora à Consciência Histórica. Essa compreensão do sentido da História Ensinada nos provoca a necessidade de ensinar a História e Cultura Africana a Afrobrasileira e Indígena em nosso país, em seus protagonismos e enquanto os arautos da construção da nação brasileira.

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O Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nas instituições de ensino brasileiras (BRASIL, 2013) é uma ferramenta valiosa que contribui às questões suscitadas e supramencionadas. Nesse sentido, o presente artigo se propõe a contribuir para o debate sobre a implementação da Educação das Relações Étnico-Raciais (ERER) enquanto método de ensino-aprendizagem, em seus desafios, possibilidades e limites.

A partir destas premissas elaborou-se este artigo refletindo a legislação vigente e em formação para analisar sobre a importância da História ensinada de História e Cultura Afrobrasileira, possibilidades e alternativas para o trabalho docente em sala de aula. Propõe-se trabalhar com as linguagens alternativas como a literária, a musical e a fílmica, ratificando o sentido e significado e relevância de abordagens destes conteúdos à luz das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica que incorporaram as leis n. 10.639/03 e n. 11.645/08, no que concerne a recuperar e ressignificar as trajetórias afrobrasileiras como método de combate ao racismo e aos preconceitos de forma espúria vigentes na sociedade brasileira, nas instituições de ensino.

A relevância da história e a cultura afrobrasileira na história ensinada: recuperando trajetórias necessárias

Todo o profissional de História é um contador de caso, de evento, de episódio, de representações do passado. Ele deve ter a habilidade de saber narrar o fato para convencer o seu público – no caso crianças, jovens, adultos – que viajam mentalmente pelos “fios de Ariadne” para tecer o passado histórico a fim de compreender o tempo presente. Pensando nesta possibilidade, de convencimento de que o representado de fato representa, de estarmos convencidos do que se deseja representar, portanto: “as representações do passado em intersecção com interpretações do presente para construir expectativas de futuro” (BNCC), iniciaremos o nosso itinerário de narrativa de representações do passado histórico de afrobrasileiros perspectivando possibilidades de atuação da História Ensinada na comunidade escolar.

O presente artigo propõe delinear algumas práticas pedagógicas concernentes ao ensino da História e cultura Afrobrasileira a partir de nossas experiências docentes em sala de aula e em nossos Núcleos de Estudos Afrobrasileiros e indígenas, os quais têm envolvido as

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comunidades acadêmicas e militantes de movimentos sociais – particularmente negro e indígena – para além do debate em cursos de formação de professores. Fundado em 2003, o NEAB da UFSM congrega o coletivo de docentes, discentes e comunidade em geral sensibilizados pela necessidade de qualificar os debates que recuperam a atuações, participações, trajetórias, heranças e presenças de brasileiros, particularizando os afro-sul-rio-grandenses e de indígenas na sociedade brasileira, buscando no passado histórico a compreensão das realidades do tempo presente. Neste sentido, o protagonismo deste NEAB advém das lutas históricas empreendidas por negros e indígenas na UFSM ao longo da História do Brasil, cujo objetivo é desconstruir estigmas, preconceitos, sendo que a sua inserção socioeducativa de combate aos estereótipos racistas tem contribuído nas práticas pedagógicas de professores das redes públicas de Santa Maria e região geoeducacional.

Dessa forma, desejamos ratificar nossa atuação docente que não se circunscreve apenas ao lugar da sala de aula, mas destacar o nosso diálogo profícuo com discentes e docentes egressos de nossa instituição em formação continuada e permanente, ao menos desde 2003, quando já propugnávamos sobre a necessidade da aplicação da Lei n. 10.639/3, da Educação das Relações Étnico-Raciais (ERER) e da Lei n. 11.645/8 ambas incorporadas tanto das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica de 2013, como meta para o ensino de História nos diferentes anos da Educação Básica expressa na Base Nacional Curricular Comum, em fase de elaboração, e na obrigatoriedade nos cursos de licenciatura em História, conforme a Resolução n. 2, de 1º de julho de 2015, MEC/CNE, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial em nível superior e para a formação continuada de professores.

Portanto, quando nos propomos abordar algumas práticas pedagógicas de estudos da História e Cultura Afrobrasileira, estamos evidenciando algumas trajetórias e experiências entre os grupos de trabalho organizado em nossos NEABs, da UFSM e do IFF.

Dessa forma, em nossos debates nos âmagos dos NEABs e dos raros cursos de formação de professores, quer seja graduação ou pós-graduação, chamamos a atenção com urgência da intensificação dos estudos, pesquisas, projetos de extensão, que abarquem a necessidade da compreensão da História e a Cultura Afrobrasileira, como ferramenta para recuperar as trajetórias, as presenças, as contribuições enquanto construtores das pluralidades culturais em nosso país. Mas é claro tal possibilidade exige postura política na defesa dos

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direitos sociais e na consciência histórica de que nós brasileiros somos também africanos, em nosso modo de ser, viver e proceder.

Assim, este artigo se propõe por uma retomada necessária dos diferentes momentos de reconhecimento, recuperação e valorização das trajetórias pessoais e coletivas de afrobrasileiros, os quais de fato elaboram a História e Cultura Afrobrasileira. Nesse processo, iniciado ainda durante Diáspora Africana a partir do século XVI, quando comunidades, povos, nações africanas foram arrancadas de seus diferentes locais, territórios e passaram a viver a desterritorialização seguida da reterritorialização em processo secular de trocas culturais, porém guardando a memória de suas ancestralidades, linguagens, mitos, códigos culturais, valores, reinventados na América. É conveniente destacar o papel exercido pelo Movimento Social dos Negros e Negras no Brasil, o Movimento Negro Brasileiro (MNB) na recuperação de valores, histórias, memórias, lembranças, cultura, eventos culturais, saberes, fazeres, que no conjunto se revelam nas africanidades e que sinalizam a presença negra ou afrobrasileira no país.

Nosso itinerário militante, acadêmico e metodológico, principia por uma interessante passagem de Alberto da Costa e Silva em “Um Rio chamado Atlântico: A África no Brasil e o Brasil na África” (2003), que ao afirmar: “É necessário e urgente que se estude, no Brasil, a África – pregava incansável, na metade do século XX, mestre Agostinho da Silva.” (SILVA, 2003, p. 238). Pensar a África no Brasil nos desafia a reconhecer os diversos valores, códigos, símbolos, práticas, experiências dos povos africanos que vieram para o Brasil desde o século XVI – transformados em escravos em solo colonial luso-brasileiro, para atender aos desejos de enriquecimento fácil das elites escravistas em meio às violências, aos tensionamentos, aos conflitos, as resistências e às negociações – trazem, participam e constroem a cultura brasileira, a partir das trocas culturais que se efetivam desde então. Portanto, trata-se de pensar o quanto os africanos efetivaram trocas culturais com os demais povos que aqui viviam e contribuíram com suas africanidades na cultura brasileira, o que provocada e desafia a pensar “a cultura como processo, e as identidades coletivas como construções culturais, por isso históricas e relacionais (...) as identidades culturais são literalmente construídas no processo histórico” (ABREU; MATTOS, 2008, p. 41).

Além das diferentes formas de trabalho, desde o escravo até o livre, posteriormente a emancipação de 1888, em meio às violências, criminalizações, imaginários e discriminações,

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os afrobrasileiros deixam marcas indeléveis na construção da nação e cultura brasileira, elaborando assim a cultura de matriz afrobrasileira.

Itinerário de elaboração da cultura afrobrasileira

As relações entre o Brasil e a África se inserem em processo histórico de longa duração e repleto de interações sociais, humanas e culturais. Essas relações inauguram o espaço de expansão das navegações, disputas comerciais, tratativas políticas, trocas culturais, diversidade de povos e etnias, migrações forçadas de homens e mulheres africanos escravizados. De acordo com gomes, calcula-se “em dez milhões, ou mais, a quantidade transportada para as várias regiões das Américas, entre os séculos XVI e XIX, tendo o Brasil recebido 40% destes” (GOMES, 2003, p. 448). Essa desterritorialização é uma das faces perversas da Diáspora Africana para a América. A Diáspora Africana se constitui em fenômeno histórico e sociocultural ocorrido em países além África cujo motivo é a imigração forçada, por fins escravistas mercantis inventadas pelos traficantes portugueses desde meados do século XV, mantendo-se posterior a eles, no final do século XIX. Essa movimentação populacional se refere em especial africanos de pele escura, definidos pela cultura ocidental e teses eurocêntricas de negros ou afrodescendentes. Os defensores eurocêntricos inventaram um conjunto de estereótipos e estigmas para justificar a Diáspora, influenciando no passado e no presente ao segregacionismo de oportunidades racistas.

Povos da Costa da Guiné, Costa do Ouro (atual Gana), Nigéria, Benim, Congo, Angola e Moçambique foram desterritorializados, destituídos do que lhes conferia identidade quando escravizados, muitos negros a época da escravatura se uniram no sentido de preservar as ancestralidades e manter viva a lembrança da região da África da qual eram oriundos e procuraram reconstituir e ressignificar as suas tradições, crenças, saberes, revificando os diferentes universos simbólicos num ritualístico festivo e cerimonial nas senzalas, num sentimento que unia pertencimento e liberdade, preservando ideias, mitos, ritos, crenças, símbolos, experiências, comidas, cores, conceitos, gestos, indumentárias, sons ritmos, instrumentos, palavras e habilidades. Na realidade todas essas vivencias se constituíram em elementos importantes para inaugurar um movimento transatlântico da Diáspora Africana, decisivo no processo de reelaboração das culturas africanas no Brasil.

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Os povos africanos, apesar de explorados e oprimidos de forma violenta há cinco séculos vêm elaborando o que (SILVA, 2005, p. 155) denomina de “africanidades”, ou seja, códigos importantes da cultura brasileira cujas ancestralidades repousam seguras nas culturas africanas. Para compreender essa elaboração histórica é preciso “ir além da informação dos fatos e recuperar os diferentes contextos e processos pelos quais seus povos atuaram ao longo dos tempos, como sujeitos detentores dos rumos de seu destino” (MACEDO, 2013, p. 7-8).

Nesse processo de relações sociais escravista, desigual, racista, multicultural e conflituoso o negro participa e vivencia de diferentes experiências históricas e encontra, ao longo do tempo, interessantes formas de resistência como: fugas, assassinatos, suicídios, abortos, religiosidade, terreiros, quilombos, capoeira, Clubes Sociais Negros e Clube de Samba e negociações. Tais iniciativas e práticas confirmam que jamais o africano escravizado no Brasil aceitou a condição de oprimido e com todas as adversidades resiste, criando alternativas que influenciam, decisivamente, no modo de ser, viver apontar suas demandas, com certeza: “lutaram por melhores condições de vida e pela sua liberdade, contribuíram espaços para afirmação de solidariedade e para a manifestação de sua cultura e visões de mundo” (MATTOS, 2007, p. 215).

A chegada dos povos africanos assenta-se no processo colonizador sob a orientação da teoria econômica do mercantilismo tendo por principio o tráfico negreiro: latifúndio, monocultura e escravidão. Essa realidade articula os africanos como força básica de trabalho nas fases econômicas do açúcar (Engenhos), da Mineração (Datas), das fazendas de criação de gado nos diferentes lugares do Brasil, das indústrias artesanais de carne seca, como as charqueadas sul-rio-grandenses e do Café (Fazendas). Além dessas situações eles desempenharam diversas atividades em múltiplos espaços: doméstico, carregadores, banheiros, alfaiates, sapateiros, pedreiros, carpinteiros, vendedores, etc. Os africanos e seus descendentes movimentaram e dinamizaram as relações de trabalho no Brasil e contribuíram significativamente e, juntamente com outros grupos étnicos, como os indígenas, para formação do povo e da cultura brasileira. Para que isso fosse possível os africanos tiveram que vencer muitas adversidades, definidas por Silva:

[...] ao serem tirados do convívio de suas famílias e nações, transportados como mercadorias e explorados em seus conhecimentos e em sua força física, os escravizados viveram radicalmente a experiência de significar o mundo e de se constituírem como seres humanos (SILVA, 2010, p. 43).

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No século XIX a sociedade brasileira é marcada por acontecimentos que mudaram definitivamente a nação, entre eles: a emancipação política de 1822, importante para o delineamento do Estado Nacional Escravista, cujo governo da ordem escravista e alinhado com os interesses dos cafeicultores, sendo o café principal produto de exportação, também fez a opção pela vinda de povos imigrantes advindos principalmente da Europa para o Brasil, tendo por princípio a ideologia do branqueamento do povo brasileiro e a defesa sistemática da substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre imigrante; as mudanças importantes da década de 1850, que colaboraram com a ideologia do branqueamento e o trabalho livre imigrante, expressas no Fim do Tráfico de africanos para o Brasil e na Lei de Terras, aprovadas no Parlamento Nacional, o que intensificou os processos imigratórios, os processos de privatização da propriedade no país, criando empecilhos a aquisição de terras para grande massa da população brasileira, entre eles os afrodescendentes libertos. Esses acontecimentos acentuaram as contradições da sociedade escravista; a emancipação lenta e gradual do trabalho escravo no país, a partir da década de 1870, resultado das intensas mudanças nacionais e internacionais, que vinham ocorrendo desde a década de 1850, acentuadas com o fim da Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai em 1870, pressionando o governo a assinar a Lei do Ventre Livre de 1871, seguida da Lei dos Sexagenários de 1885 e por fim a extinção da vergonhosa escravidão no país em 1888.

Em todos esses momentos um numero significativo de afrobrasileiros lutaram contra a escravidão e se organizaram em movimentos de resistência, em comunidades quilombolas, foram aos tribunais e lutam por seus direitos, negociam suas forças de trabalho com seus senhores, enfim, convém destacar que os afrobrasileiros protagonizam os momentos decisivos do processo de emancipação escrava no país, e; por fim, o golpe político de 15 de novembro de 1889, conhecido como a Proclamação da Republica, o desfecho de todo esse processo de intensas mudanças e tensões no país. Quando da instauração do regime político republicano no Brasil, a maioria negros e negras imaginava que a tão sonhada liberdade se consolidaria e teriam no novo regime ganhos materiais como terra e trabalho, acompanhados de salário digno, habitação, educação e atendimento médico. Também esperavam que os governos adotassem políticas públicas que lhes garantisse ganhos simbólicos, ou seja, o reconhecimento de diferentes contribuições afrobrasileiras na cultura brasileira, a partir do respeito aos princípios do universo simbólico africano e afrobrasileiro. Ao longo da republica os afrobrasileiros lutaram por esses reconhecimentos. A liberdade tão sonhada conforme

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(SILVA, 2010, p. 144) não propiciou: “Ás populações negras o acesso á terra, a moradia, á educação, enfim, aos bens produzidos nesse processo histórico para garantir uma vida digna”. As políticas publicas contemporâneas voltadas a Educação partem destes princípios para repararem este passado e presente, residindo ai o papel do profissional de História em se somar a luta, não silenciando e nem negligenciando a participação do afrobrasileiro na construção da nação brasileira.

No entanto, em pouco tempo os ex-escravos percebem que o sonho não passava de um pesadelo, pois sem garantia alguma assistiram sob protesto a promulgação da primeira Constituição republicana, de 1891, que sequer reconhecia a maioria da população brasileira e particularmente os afrodescendentes como cidadãos, posto que eles ficavam impedidos à participação política por serem analfabetos, o que reforçou o protesto social negro na luta por emprego, moradia e alfabetização.

Desde meados do século XIX e princípios do XX, as elites econômicas do Brasil, defensoras da superioridade eurocêntrica sob os paradigmas do universo cultural cristão e da ordem capitalista, defendiam a tese de que os afrodescendentes se constituíam em obstáculo à consolidação do Brasil enquanto Estado-nação. Entretanto, concomitante a esse pensamento, as populações afrodescendentes resistiam e elaboravam formas de enfrentamento em importantes atitudes que desencadeiam o processo de formação do Movimento Social Negro no Brasil. Entendemos que uma das disputas do Movimento Negro foi pelo passado, tentando não só recuperá-lo, mas nele encontrar as positividades à autoestima do povo negro, ou seja, a resistência à escravidão, a luta por dignidade, as formas de sobrevivência, as relevâncias culturais, o empoderamento das matrizes culturais afrobrasileiras, os saberes e os fazeres construídos na África e no Brasil, buscando assim à compreensão à cidadania, ou seja, pela presença significativa do afrodescendente na elaboração da matriz cultural afrobrasileira, cujo intento é recuperar as heranças culturais e destacar o quanto o Brasil é Africano. Petrônio Domingues em “alguns apontamentos históricos sobre o Movimento Negro Brasileiro” demonstra que o mesmo está organizado em três grandes fases, sendo o momento de 1889-1937 caracterizado por ações moderadas, assimilacionistas e nacionalistas.

Pode-se citar na origem da formação do Movimento o papel desempenhado por gráficos e jornalistas negros na elaboração da Imprensa Negra, com a edição de jornais combativos, tais como: o Baluarte (1903), O Melenick (1915), A Rua (1916), O Alfinete (1918), A Liberdade (1919), A Sentinela (1920), O Getulino (1923) e o Clarin d’Alvorada

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(1924), são alguns exemplos que denunciavam o preconceito e a discriminação racial no país. Pode-se inferir que, um dos desdobramentos da Imprensa negra é a organização do Movimento Negro Brasileiro, tendo como principais centros de mobilização as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, quando os movimentos sociais negros começam a trilhar novos caminhos, numa tentativa de lutar pela cidadania recém-adquirida na Carta Magna de 1891 e avançar no debate para organizações de âmbito nacional. Nessa imprensa o negro expressa o protagonismo de sua história, memória e luta social. Evidentemente que as páginas desses jornais recuperam elementos cruciais da cultura afrobrasileira e a contribuição do negro na diversidade cultural do país. Os estudos de José Antonio dos Santos (2003) e de Maria Angélica Zubaran (2007) apontam para a importância da Imprensa Negra no Rio Grande do Sul à conscientização do negro em uma sociedade racista e de classes, cujos historiadores evidenciavam heróis fundadores brancos e descendentes de imigrantes europeus.

O movimento de vivificação imprimia as vertentes da cultura afrobrasileira são reafirmadas a partir da década de 1930 inicialmente sob a liderança de Abdias do Nascimento, Grande Othelo e Ruth de Souza. Esses militantes negros ganharam o apoio e instigam opositores. Durante os anos de 1930 e nas décadas seguintes (1940, 1950) organizam importantes pautas: publicação de artigos em jornais (o Alfaiate, o Kosmos, A Voz da Raça, o Clarin d’Alvorada); cursos de alfabetização; o Teatro Experimental do Negro (TEN), em 1944; a efetivação do I Congresso do Negro Brasileiro, 1950 (GOMES, 2008), cujos temas abordavam a questão cultural. Todas essas iniciativas entrelaçavam política, educação e cultura, defendendo à inclusão social dos afrodescendentes na sociedade brasileira. O período que compreende 1945-1964, segundo Domingues (2007) apesar de moderado, passa a defender como estratégia cultural de “inclusão” integracionista, cujos métodos de luta são o teatro, a imprensa, os eventos, visando sensibilizar as elites brancas, denunciando de forma sistemática mito da democracia racial.

Durante o desenvolvimento dessas práticas as lideranças já mencionadas ganharam o incentivo de intelectuais como Jorge Amado, Edison Carneiro, Roger Bastide, Pierre Verger, Alberto Guerreiro Ramos, entre outros que passaram apoiar evidenciar a presença negra na formação cultural do país. O Movimento Negro desta época estava empenhado em denunciar as práticas de racismo, no entanto, boa parte da sociedade acreditava e difundia o perverso mito da democracia racial. Tal crença refletia como afirma (OLIVEIRA, 2011, p. 249) “o

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senso comum popular, assim como as teorias “cientificas” no campo das ciências humanas durante as décadas de 1950 e 1960”.

O MNB gradativamente assume o Movimento da Negritude e manifesta-se favorável a descolonização da África, estabelecendo conectividades com o Movimento Negro Estadunidense, a partir da década de 1960, defendendo os direitos civis e movimento pelas independências das colônias localizadas na África (exemplo: Guiné-Bissau – 1937; Angola – 1975; Moçambique – 1975; Cabo Verde – 1975) além de reflexões iniciais a respeito do conceito de “Consciência Negra”. Na sequência conforme (OLIVEIRA, 2011, p. 253) ocorre “ênfase nas lutas anticolonialistas, decorrendo o pan-africanismo, rumo a uma África livre e descolonizada; violentos conflitos raciais na África do Sul, com o regime do Apartheid; Nelson Mandela e Steve Biko se transformam em símbolos mundiais contra o racismo.”

O golpe civil-militar de 1964 no Brasil não calou a voz dos militantes negros, apesar dos governos daquele período (1964-1985) usarem de forma perversa a Lei de Segurança Nacional contra os militantes e o povo negro de maneira geral. A perversidade da ideologia do Estado ditatorial voltou-se aos militantes negros, posto que impossibilitou qualquer diálogo democrático entre os grupos negros, vistos com subversivos à ordem, e as autoridades autoritárias. O mito da democracia racial foi retomado, ressignificado à ordem estatal, alicerçada no principio de que o mito garantia o progresso daquele “país que ia pra frente!”, neste sentido, o governo militar apropriou-se do mito transformando-o em peça-chave da sua propaganda oficial, e tacharam os militantes (e mesmo artistas) que insistiam em levantar o tema da discriminação como “impatrióticos”, “racistas” e “imitadores baratos” dos ativistas estadunidenses que lutavam pelos direitos civis, sociais e humanos.

Inaugura-se um tempo de repressão ao povo brasileiro, incluindo os negros e seus defensores. O povo negro sobrevive “invisível” entre os grupos desprestigiados socialmente disfarçadamente sob a ótica da “democracia racial”, sofrendo com os resultados da produção das desigualdades entre ricos e pobres.

No entanto, foi durante a ditadura civil-militar no Brasil, na década de 1970, que segundo Domingues, ocorre um conjunto de ações de reorganização da luta antirracista, propugnando pelo restauro do lugar da cultura negra no Brasil, devidamente reconhecida e valorizada, manifesta nas heranças e presenças de afrobrasileiros na construção da nação. Nesse sentido, os movimentos negros recuperam os valores e os sentidos das rodas de Capoeira, ressignificando-as a partir de suas matrizes africanas. As africanidades se faziam

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presentes nas elaborações discursivas dos movimentos que traziam pra si o protagonismo da cultura de matriz africana no país.

Tendo em vista essa realidade é que, na segunda metade da década de 1970, a sociedade brasileira começou a dar sinais de possíveis mudanças tendo como ponto de partida as ações desencadeadas pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) com o apoio da ala de vanguarda da Igreja Católica e movimentos sociais que passaram a reivindicar a Anistia, as eleições diretas e a organização do processo constituinte. Entre os movimentos sociais organizados do período, o Movimento Negro Unificado (MNU), em 1978, adquire protagonismo imprescindível na luta pelos direitos civis, sociais e liberdade de expressão.

De movimento negro se torna comum a partir das entidades e grupos negros surgidos na década de 1970, para designar coletivos de negros e negros que procuravam valorizar a própria cultura, lutar contra o racismo e reivindicar melhores condições de vida (OLIVEIRA, 2011, p. 244).

A ativação do MNU ocorre sob a influência, no plano externo, das lutas pelos direitos civis dos afro-americanos e dos movimentos pelas “independências” das colônias africanas. No plano interno, acontece o que Pereira (1999) define por “Choque Social”, pois, continuava vigente o mito da “democracia racial” e por isso alguns setores esquerdistas acreditavam que ações do MNU não causariam nenhum impacto.

Ao investigarem esse momento, por sua vez, Alberti e Pereira ressaltam que “o Movimento Negro, na década de 1970, descobre a África como um poderoso processo de instrumentalização da militância negra para ampliar a consciência sobre as origens do povo negro no Brasil e propiciar novas possibilidades de ação antirracista” (ALBERTI; PEREIRA, 2007). Na análise de Domingues, o período que compreende 1978-2000 é a Terceira Fase do Movimento Negro Brasileiro, quando oficialmente se adota o termo “Negro” como identidade e resistência, com discurso contundente de combate ao racismo. O início desta fase é marcado pelas presenças de Lelia Gonzalez e Hamilton Cardoso de orientação marxista.

A partir dessa realidade o MNU desenvolve várias ações pela valorização da escola pública, democratização do ensino, denuncia o racismo e a ideologia dominante no interior das escolas, faz crítica o livro didático, currículo e a formação de professores. Nessa esteira promove o Seminário “O Negro e a Educação pública Cadernos de Pesquisas”, vivencia o centenário da Abolição (1988), colabora para a Constituição de (1988) e comemoram os 300

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anos da morte de Zumbi (1995) e a seguir da inicio as discussões a respeito das ações afirmativas.

Nessas reflexões e práticas destaca-se a participação de intelectuais e figuras históricas do Movimento Negro de trajetórias relevantes no combate ao racismo brasileiro tendo a Educação como principal instrumento de luta: Luiz Alberto Oliveira Gonçalves, Joel Rufino dos Santos, Henrique Cunha Jr, Carlos Hasenbalg, Léila Gonzalez, Luiza Helena de Barros, Sueli Carneiro, Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva etc. No Rio Grande do Sul segundo (GONÇALVES e SILVA, 2000), “a evocação do primeiro 20 de novembro ocorreu em 1971, como ação do professor e poeta Oliveira Silveira no Grupo Palmares, em Porto Alegre.” Oliveira vai além das discussões e propõe o dia 20 de novembro como o Dia da Consciência Negra em homenagem ao herói negro “Zumbi dos Palmares”.

É oportuno lembrar que se tratando de cultura afrobrasileira, a reafirmação do Movimento Negro Brasileiro, na década de 1970 coincide com as mudanças mencionadas por (PEREIRA, 2008) “o samba e outras manifestações culturais de matrizes africanas haviam se consolidado como legítima cultura popular brasileira”. Para que essa revalorização do samba aconteça é importantíssima a participação de compositores e interpretes como: João Nogueira, Martinho da Vila, Paulinho da Viola, Candeia, Clara Nunes, Alcione, Beth Carvalho, Noca da Portela, Roberto Ribeiro, Clementina de Jesus, Elizeth Cardoso, Nei Lopes, Chico Buarque de Holanda, Paulo Cezar Pinheiro, Cartola, Nelson do Cavaquinho, Dona Ivone Lara, entre outros, no movimento de samba de raiz.

Entre as trajetórias afrobrasileiras merece destaque Clementina de Jesus a “Rainha Quelé”. Esta magnitude representativa da cultura afrobrasileira teve papel preponderante na recuperação da códigos culturais e valores que estavam no esquecimento, na invisiilidade. Na obra “Rainha Quelé – Clementina de Jesus” (2001) organizada por Heron Coelho: “Clementina trouxe à ribalta uma fortuna musical e uma gama de referências arraigadas na tradição oral que, se não repassadas e registradas, certamente feneceriam no limbo do esquecimento. [...] enfatizaram aspectos fundamentais como, por exemplo, o reconhecimento de uma negritude intrínseca a determinadas faces de nossa cultura” (COELHO, 2001, p. 11). Este é um aspecto das Leis n. 10.639/3 e n. 11.645/8 que pode ser debatido em sala de aula, à medida que busca o protagonismo da mulher negra de destaque na cultura e sociedade brasileira. No dizer de Coelho: “o canto de Clementina, fiandeiro, ao emoldurar jongos, pontos, curimãs, sambas, caxambus, entre outros tantos ritmos nativos, atua como um

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catalisador dessa brasilidade (COELHO, 2001 p. 12). Clementina é uma das responsáveis em recuperar à Música Popular Brasileira os elementos da matriz cultural africana.

As mais fortes evidências de bantuidade, pelo menos musical, de Clementina estão no seu repertório profano. Nele, vamos encontrar exemplares imemoriais de jongos [...] corimbas [...] onde pinçamos vocábulos e expressões de origem banta [...] Responsáveis pela introdução, no continente americano, de múltiplos instrumentos musicais, como a cuíca ou puíta, o berimbau, o ganzá e o reco-reco, bem como pela criação da maior parte dos folguedos de rua até hoje brincados nas Américas e no Caribe, foram certamente africanos do grande grupo etnolingüístico Banto que legaram à música brasileira as bases do samba e o amplo leque de manifestações que lhe são afins (LOPES apud COELHO, 2001, p. 59-61).

Posteriormente, na década de 1990 o MNU consegue redimensionar o olhar às comemorações de 13 de Maio, considerando-o como “Dia Nacional de Denúncia contra o racismo”. Quanto aos 20 de Novembro adota-se, nacionalmente, a ideia de Oliveira Silveira transformando-se em “Semana Nacional da Consciência Negra”. Trata-se de um movimento significativo para História da África e da Cultura Afro-brasileira. Na realidade a sua ressignificação permite outros e novos olhares para as “africanidades” que passam a ser interpretadas enquanto patrimônio cultural brasileiro. Nessa perspectiva é que militantes históricos agilizam tratativas visando dar visibilidade para História e Cultura Afro-brasileira e propondo sua inserção nos debates da constituinte, LDB e legislações que viessem em sua decorrência.

A constituição Brasileira promulgada em 1988 traz em seu bojo importantes avanços como a inclusão de questões relativas ao meio ambiente, povos indígenas e educação. De acordo com (GOLÇALVES; RIBEIRO, 2012, p. 14) “contemplou a questão da diversidade cultural nacional por meio de artigos como o número 215, que se refere à proteção das manifestações das culturas populares indígenas e afro-brasileiras, e de outros grupos participantes do processo civilizatório brasileiro.” Quanto ao ensino de História aponta que o mesmo deverá levar em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias na formação do povo brasileiro. Por outro lado torna-se interessante evocar uma interessante passagem (SILVÉRIO, 2010, p.94) quando enfatiza: “temos uma constituição inclusiva e uma hegemonia do nacional excludente.” No entanto, as mudanças constitucionais presentes na Carta de 1988, ao reconhecerem a pluralidade cultural da nação, lançaram as bases para

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transição de um país de “uma só nação”, de “um só povo”, para um país de “múltiplas culturas”, de “várias etnias e raças”.

A seguir a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), n. 9394/1996, inova quanto aos aspectos pedagógicos da educação e inclui o dia 20 de novembro como o “Dia Nacional da Consciência Negra”. Vai além do que determina a Constituição Federal (1988) ao enfatizar que o ensino de História do Brasil deve focalizar a contribuição das matrizes indígenas, africanas e europeia no nosso processo de formação social e cultural.

Na sequência em 1997 foram publicados os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) que orientam o processo educativo nas diferentes regiões brasileiras. De acordo com os (PCN, 1997, p. 32) “o grande desafio da escola é investir na superação da discriminação e dar a conhecer a riqueza representada pela diversidade etnocultural que compões o patrimônio sociocultural brasileiro.” Os PCN destacam a necessidade de inserirmos nas abordagens a Pluralidade Cultural enquanto observamos certo “silêncio” em relação às culturas indígenas e africanas. O debate e as práticas pedagógicas se aprofundaram nas questões étnico-raciais e no volumoso documento DCNED (2013), questões fulcrais são objeto de debate da BNCC no que concerne a História da África, dos Afrobrasileiros, dos Indígenas e das Culturas Afrobrasileira e Indígenas, procurando assim superar o silêncio mencionado nos PCN.

Convém destacar que a Conferência Mundial contra o Racismo, discriminação Racial, a Xenofobia e as intolerâncias Correlatadas (Durban, 2001) ratificou parte das deliberações da Conferência das Américas contribuiu sobremaneira para que se efetivasse o debate sobre a Invisibilidade das Histórias e Culturas supramencionadas no parágrafo anterior. Nessa mesma linha, a ONU tornou o conceito “afrodescendente” como “linguagem consagrada”; promoveu avanços nas respostas governamentais em direção ao combate ao racismo, à discriminação e as às desigualdades raciais. Por outro lado recomendou iniciativas de ação afirmativas com recurso e programas para os afrodescendentes, vítimas de preconceitos, nas áreas da saúde, educação, habitação, eletricidade, água potável, meio ambiente, etc. a delegação brasileira, conforme Oliveira: “[...] com 500 participantes, além de levar as reivindicações históricas do Movimento Negro, um dos itens exigidos foi à introdução dos estudos de História da África e História do Negro nos currículos escolares brasileiros” (OLIVEIRA, 2012, p. 119-120).

Ao se redefinir a Conferência de Durban (2001), (KALY, 2013, p. 186) por sua vez, defende: “é possível defender a “África” como inspiradora de mudanças, tendo precipitado as

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decisões políticas para a implementação das políticas públicas compensatórias.” Nelas, os impactos positivos são, entre outros, o ensino de História e Cultura da África, dos afrodescendentes e povos indígenas.

Na continuidade desse processo extremamente rico, e complexo marcado pela emergência de movimentos sociais, discussões, projetos e ações visando atenuar as desigualdades é aprovada a Lei n. 10.639/2003 em meio a um intenso debate social com especial destaque para a participação do movimento negro. A Lei n. 10.639/2003 tornou obrigatório na Educação Básica o ensino de História e Cultura Afro-brasileira e africana no Brasil. A mesma de acordo com (TORRES; FERREIRA, 2014, p. 89) reúne:

Elementos sugestivos de mudanças importantes no ensino da disciplina escolar História, em virtude de ela apresentar tradições curriculares consolidadas e que trazem como marca importante o protagonismo do homem branco em detrimento dos processos vivenciados pelos africanos em nossa sociedade (TORRES; FERREIRA, 2014, p. 89).

Essas propostas metodológicas e de conteúdo, atualmente a esteira da BNCC, procuram: “romper com o silêncio que persiste nos currículos tradicionais e ampliar o espaço da África e dos Africanos na memória coletiva do Brasil, que é considerado o país com maior população afrodescendente do mundo” (MACEDO, 2003 p. 7). Nas DCNEB (2013) está explicito o reconhecimento do foco das Leis n. 10.639/3 e n. 11.645/3 no que diz respeito ao momento em que se aglutina de debates, enfrentamento ao racismo, organização de programas de ações afirmativas, luta pelos direitos dos povos indígenas e populações afrodescendentes.

De certa forma a Lei n. 10.639/2003 corroborada na BNCC em elaboração atendeu criticamente “o ensino de história centrado nas narrativas etnocêntricas, em que registros de história afro-brasileira foram ignorados ou silenciados, ou compareceram, via de regra, de forma estereotipada”. (PEREIRA, 2011, p. 148). Em 2008, a Lei n. 10.639/2003 foi modificado por outra, a Lei ordinária n. 11.645/08, de março de 2008, que inclui a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura afro-brasileira, africana e indígena no currículo escolar. É evidente que essa gama de acontecimentos acrescidos da nova legislação vão causar impacto na Educação Brasileira.

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Ao estudar o conteúdo estabelecido pela Lei n. 11.645/08 e a integração com as propostas de educação étnico-raciais explicitadas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (2004), (BITTENCOURT, 2013, p. 102) argumenta:

Ambas as propostas relacionam-se aos esforços de determinados setores da sociedade para superação de “um imaginário étnico-racial” que privilegia a brancura e valoriza principalmente as raízes europeias de sua cultura, ignorando ou pouco valorizando as outras, que são a indígena, a africana, a asiática (BRASIL, 2004).

A seguir, em 2004, são publicadas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, que regulamento a alteração da Lei n. 9394/1996 pela Lei n. 10.639/2003. A sua leitura revela a valorização da diversidade, e propõe estratégias pedagógicas visando a superação das desigualdades étnico-raciais. Além disso, as (DCN, 2004, p. 17) salienta que “não se trata de mudar o foco etnocêntrico marcadamente de raiz europeia por um africano, mas de ampliar o foco dos currículos escolares para diversidade cultural, racial, social e econômica brasileira”.

Em meio a essas tensões, ocorrem as reflexões e questionamentos a respeito do ensino de História e da escola na Educação Básica. Nessa perspectiva (GUIMARÃES, 2013, p. 80) adverte: “respeitar, valorizar e incorporar a história e a cultura afro-brasileira e indígena na educação escolar são atitudes que não podem, a meu ver, ser tratadas como meros preceitos legais, mas um posicionamento crítico perante o papel da História como componente formativo da consciência histórica e cidadã dos jovens”.

Após a fundamentação respaldada na legislação e nos autores que se debruçaram sobre a temática pretendemos, abordar algumas possibilidades à sala de aula, a partir das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica, de 2013, apresentar algumas possibilidades para a abordagem da História e Cultura Afro-brasileira. Tomemos inicialmente a literatura, cinema e a música como caminhos. A seguir, partilhamos outras reflexões e alternativas.

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História e literatura

Ao realizar as reflexões teóricas revisamos os aportes científicos, retomamos conceitos como uma elaboração teórica e cultural, sugerimos temáticas, indicamos fontes e alternativas, as quais, de acordo com Guimarães devem permitir:

Incorporar diferentes linguagens no processo de ensino de história, reconhecemos não só a estreita ligação entre os saberes escolares, as culturas escolares e o universo mais amplo, mas também a necessidade de (re) construirmos nossas concepções pedagógicas. (GUIMARÃES, 2013, p. 259)

Delineando esse caminho retomamos um texto antecedente (ROCHA, 2013) quando procuramos estabelecer diálogos entre ensino e pesquisa em História utilizando “linguagens alternativas”, tais como: imagens pictóricas, gráficas, fotografias, textos, letreiros, cartazes, documentos escritos, artigos de jornal, obras literárias, mapas, cultura material, história oral, acervo de museus, filmes, documentários e músicas, enfim, as inúmeras “linguagens expressivas”. Nessa perspectiva nos reportamos a (ARRUDA, 2011 p. 135) quando defende: “o uso de diferentes linguagens pelos sujeitos proporcionam transformação cognitivas, mudanças na forma de pensar e relacionar saberes e raciocínios, ao considerar a complexidade podem promover a experiência singular, valorizando a estética e o subjetivo”.

A literatura é um texto que como outro texto qualquer é permeado pela subjetividade de seu autor, mas também nem por isso ele deixa de ter importância e relevância. Pelo contrario, reconhecidamente a subjetividade é algo a ser considerado e deve permear também os estudos históricos. No ensino o uso da literatura pode, portanto, ser pensado como um importante recurso de interpretação e reflexão sobre a História.

Entre tantas características desse uso, podemos ressaltar que os textos literários podem trazer dimensões que as narrativas históricas por vezes, podem não produzirem. A história e a literatura, nesse entendimento, representam formas diferenciadas de apresentar o ser humano e as suas relações com a sociedade, a cultura, enfim, com o mundo. A literatura representa o ser humano no tempo a partir de narrativas descompromissadas com os acontecimentos. A história, por sua vez, vale-se do presente para recolher, selecionar e interpretar fontes do passado e busca, dessa forma, construir narrativas comprometidas com a realidade vivenciadas pelos seres humanos em diferentes contextos e temporalidades.

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Na verdade a literatura e as artes “sempre constituíram formas de expressão próprias, associadas ao belo, ao trágico, ao sublime e ao segredo, ou ao profano, ao transgressivo e ao utópico” (FERREIRA, 2003 p. 68).

Nessa caminhada, História e Literatura, Abud por sua vez defende: “encontram-se nesse intermezzo, pois a ficção produzida pela segunda, mesmo revestida do uso tradicional do passado representado na história dos heróis, possibilita, indiretamente, a observação da mentalidade de grupos excluídos” (ABUD et. al., 2010 p. 45).

Nesta perspectiva, a História e a Literatura não podem ser prisioneiras metodologicas a uma narrativa repleta de batalhas, heróis, mitos, símbolos, crenças, tradições ou a ótica onde se reforçam estigmas e estereótipos de que os índios são preguiçosos, as mulheres menos inteligentes, os negros supersticiosos. A escola na maioria das vezes reforça estes estereótipos colonialistas, no entanto, muitos docentes têm procurado combater estes preconceitos em sua prática docente. Defendemos que História e Literatura precisam abrir espaço para novas temáticas, onde negros, índios, mulheres, desfavorecidos economicamente, etnicidade, diversidade, pluralidade cultural, cidadania, direitos humanos, tenham asseguradas as suas presenças como objetivo de discussão. A utilização de textos literários nas aulas de História, segundo Fonseca:

[...] reservadas as suas especificidades artísticas podem nos oferecer pistas, referências do modo de ser, viver e agir das pessoas, dos valores e costumes de determinada época. É uma fonte de documento/evidência que auxilia o desvendar da realidade, as mudanças menos perceptíveis, os detalhes sobre lugares e paisagens, as mudanças naturais, os modelos de o homem relacionar-se com a natureza em diferentes épocas (FONSECA, 2004, p. 165-166).

Os textos literários podem nos remeter para dimensões do cotidiano. Por outro lado permitem a sua interligação com o leitor e/ou estudante. Isto nos leva refletir a respeito de que “a literatura é um texto que como outro texto qualquer é permeado pela subjetividade do seu autor, mas nem por isso ele deixa de ter importância e relevância”. Na realidade são produções que podem nos ajudar na compreensão de contextos e sujeitos históricos (OLIVEIRA, 2013, p.222). A literatura tem como pano de fundo o contexto histórico e a realidade socioeconômica. É nesta linha que passamos a propor a literatura como fonte de ensino e pesquisa em História.

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Em outras palavras, uma literatura tendo como pano de fundo o contexto histórico e a realidade socioeconômica. É nessa linha de pensamento que passamos a sugerir atividades coma as seguintes obras literárias lembrando apenas a leitura critica as obras sugeridas: “Bruna e a galinha d’Angola” (Gergilda de Almeida); “Histórias Africanas para contar e Recontar” (Rogério Andrade Barbosa); “menina Bonita do Laço de Fita” (Ana Maria Machado); “A Cor da Vida” (Semíramis Pateno); “Gosto de África, estórias de lá e daqui” (Joel Rufino dos Santos); “A Ovelha Negra” (Aibê Bernardo); “Mota Coqueiro” (José do Patrocínio); “Meu Amor Negro” (drama/preceitos de Maria Kupstas); “O Cortiço e o Mulato” (Aluísio de Azevedo); “A Escrava Isaura” (Bernardo Guimarães); “As Minas do Prata” (José de Alencar); “O cabeleira” (Franklin Távora); “As Vítimas-algozes: quadros da escravidão, O Moço Loiro” (Joaquin Manuel Macedo); “Pai contra Mãe” (Machado de Assis); “O Bom-crioulo” (Adolfo Caminha); “Lendas Negras” (folclore de Julio Hemilio Bras e salmo Dansa); “Três Anjos Mulatos do Brasil” (Biografia Pe José Mauricio, Mestre Valentin, Aleijadinho; autor: Rui de Oliveira); “África Eterna” (Rui de Oliveira). Esses dois livros trazem uma abordagem histórica, geográfica, cultural e literária; “Essa Nega Fulô; Invenção do Orfeu” (Jorge de Lima); “Jubiabá; Mar Morto; Tenda dos Milagres” (Jorge Amado); “O Horto” (Auta de Souza; RN 1876/1901); “Úrsula” (Maria Firmina dos Reis; MA 1825/1917). Várias obras sobre o cotidiano do Rio de Janeiro do século XIX, (João do Rio – 1881/1921), Quarto de Desespero, Pedaços de Fome, Provérbios, Diário de Bitita (Carolina Maria de Jesus); Estórias Quilombo (MEC, 2008); Contos Crioulos da Bahia (Mestre Didi); Um defeito de Cor (2007, Ana Maria Gonçalves); ContosAfricanos dos países de língua portuguesa (PNBE, 2011); Kizomba, andanças e festanças -1998, Ópera negra – 2001; Memórias Postumas de Teresa de Jesus – 2002; O Nascimento do Samba – 2014 (Martinho da Vila).

No campo da poesia sugerimos as criações de castro Alves; Oliveira Silveira; Lima Barreto; Jorge de Lima; Maria Rita Py Dutra; Solano trindade; Henrique Cunha; Esmeralda Ribeiro etc. quando unimos literatura e linguagem musical encontramos relíquias nas obras de Noel Rosa, Candeia, Paulinho da Viola, Elton Medeiros, Nei Lopes, Luiz Carlos da Vila, Mauro Duarte, João Nogueira, Paulo Cezar Pinheiro entre outros. A Literatura Negra Brasileira, de acordo com Silva,

Faz uma releitura dos espaços/tempos de cotidiano particularizado pelas tensões étnicas e culturais. As representações estéticas desse fenômeno concretizam-se através das representações das relações entre as categorias

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como lócus de produção e tema, aspectos objetivos e subjetivos se interpõem, o assim afirma sua particularidade formal e estética, postura fundamental, frente ao cenário social de onde emergem atores sociais e suas leituras do mundo (SILVA, 2012 p. 45).

Sob esta ótica, recomendamos a utilização de obras literárias como ferramentas imprescindíveis para a construção do conhecimento histórico. A leitura, a interpretação e análise de romances, crônicas, poesias, contos, textos literários e/ou jornalísticos podem tornar-se instrumentos e estratégias importantes para um ensino de História agradável e interessante.

Os povos africanos que chegaram ao Brasil através do violento tráfico negreiro eram oriundos de diferentes regiões da África de onde trouxeram as suas línguas e culturas como relato (THEODORO, 2005, p. 84): “os nagôs provenientes da Nigéria, do Benin e do Tago, de língua Iorubá; os fons ou minas – provenientes do antigo Daomé, atual Benin, de língua Jeje; os bantos – provenientes de Angola, Congo, Moçambique, Zimbábue, etc. de língua banta”. Na realidade muitas palavras pronunciadas na nossa língua têm procedência africana: angu, bagunça, cafuzo, caçula, cachimbo, curinga, cuca, fubá, fuleiro, fulo, macumba, mala, banda, samba, ginga, tanga, sunga, quizomba, xodó, balangandá, berimbau, caçamba, dengo, embalo, fubá, gangorra, jiló, lundu, mandioca, mocotó, moqueca, orixá, quibebe, quindim, quitanda, quilombo, zangar, zumbi. Para afundamento desses aspectos sugerimos importantes estudos realizados por Marina de Mello e Souza (África e o Brasil Africano, Ática, 2006), e Nei Lopes (Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana, Selo Negro, 2004).

História e cinema

Somente na década de 1970 o filme passou a ser considerado e visto como um possível documento para a investigação histórica. Isso se deu em decorrência de um processo de reestruturação e reformulação dos conceitos e métodos da História, movimento iniciado pela Escola dos Analles, na França. O filme, seja qual for, passou a ser tratado como um testemunho, um reflexo da sociedade que o produziu, não necessariamente direto e automático, através das ideologias, dos costumes e das mentalidades coletivas.

O fato de o cinema não ocupar um lugar de destaque na reflexão histórica naquele momento relaciona-se à própria formação do historiador de então, iniciado “em técnicas de pesquisa válidas para os séculos passados: escapou-lhes que, para a época contemporânea

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pelo menos, eles dispunham de documentos de um tipo novo, de uma linguagem diferente” (FERRO, 1968, p. 584).

No campo da História, a pesquisa em torno da História e Cinema e da História Cultural conduziu a novos enfoques e reavaliações. Com a preocupação com as sensibilidades, o cotidiano, a expressão de grupos marginalizados, as manifestações da privacidade, outros materiais e enfoques passam a ter valor. E isso, ainda que não tenha como foco a história do cinema, acabou por modificá-la, enriquecê-la, mudando as visões e valorações tradicionais.

Alternativa que torna enriquecedora e atraente as atividades de ensino de História é o Cinema. Os filmes representam uma temática, um tempo histórico, um personagem, uma comunidade, um povo, uma cultura, uma época. Podemos afirmar que é um processo intenso, onde se aglutinam ideias, sentidos, verdades, mitos, medos, crenças, imaginações, sonhos, emoções, amores. Além disso, Guimarães destaca a historicidade do filme:

Assim como de outras fontes, situa-se tanto em seu fazer, na sua lógica constitutiva, como em seus temas, nas leituras, sensibilidades e olhares que suscita. Como produto cultural, o filme, seja ficcional, seja documentário, tem uma história e múltiplas significações (GUIMARÃES, 2013, p. 265).

Cabe destacar, que as relações pedagógicas da História Ensinada que envolve os filmes e o conhecimento é que ambos de ambos se constituírem em construções mentais, as quais precisam ser produzidas de forma intensa e criteriosa. Para a utilização de filmes em situações de ensino é importante frisar que o mesmo precisa estar em sintonia com os conteúdos abordados, ser escolhido no conjunto da sala de aula de forma participativa e interativa. A projeção do filme deve ser antecedida de uma orientação e/ou contextualização por parte do professor, a atenção e concentração dos alunos são fundamentais para sua compreensão, após a projeção é importante que seja realizada uma análise oral seguida do preenchimento de uma ficha teórica que contenha, inclusive, uma síntese sobre o mesmo. A projeção tem que estar inserida no plano de aula, com menções nas competências e nas habilidades, mas antes de tudo, o filme deve ser problematizado a fim de contribuir à construção do conhecimento histórico escolar.

Para sua análise é interessante que sejam observados os seguintes aspectos: contexto histórico, temática, acontecimentos principais, personagens, cenários, lugares, tempo em que ocorre a narrativa, linguagem, fotografia, sonoplastia, iluminação, figurinos, equipe de

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produção, direção. No entanto, é pertinente lembrar que não basta assistir aos filmes, pois: “é preciso preparar os alunos para a leitura crítica dos filmes, começando por uma reflexão sobre os próprios a que eles assistem” (BITTENCOURT, 2004, p. 376).

Quando uso do filme em sala de aula é importante ter presente que o compromisso do cineasta é com a plasticidade, a estética, a fotografia, trilha sonora, iluminação, o sentido do filme, pelo qual ele pretende falar o roteiro, que espelha esses sentidos. O filme parte de um planejamento, comprometimentos ideológicos. O diretor está focado na proposta estética e política para que o roteiro envolva o público. Por fim, o produtor está preocupado com o mercado dos bens culturais, a circulação e a distribuição.

Por sua vez, no que tange ao filme histórico, Miskell argumenta que “o que se torna importante não é tanto os detalhes factuais e sim o sentido transmitido pelo filme, ou seja, a mensagem que envia aos expectadores e a autenticidade histórica daquela mensagem” (MISKELL, 2011, p. 290). Assim, se bem utilizados, os filmes podem tornar-se um recurso valioso e indispensável no processo ensino–aprendizagem de História, o importante é incentivar os alunos perceberem a importância de refletir o que vêem, partindo disso poder criar um entendimento sobre a história e suas possíveis reinterpretações. Nesse sentido, é conveniente pensar que diversos estereótipos sobre o passado, presentes no ensino, na mídia e na sociedade de consumo são proliferados justamente por imagens, e o entendimento de seu processo como documento sujeito da história é um passo importante para podermos entender as linguagens fílmicas.

Na realidade o trabalho ou a utilização dos filmes como recurso didático é muito interessante. Os próprios PCN (1997, p. 88-89) recomendam:

Um filme abordando temas históricos ou de ficção pode ser trabalhado como documento, se o professor tiver a consciência de que as informações extraídas estão mais diretamente ligadas à época que retrata. (...) Todo o esforço do professor pode ser no sentido de mostrar que, à maneira do Conhecimento histórico, o filme também é produzido, irradiando sentidos e verdades plurais” (PCN, 1997 p. 88-89).

De acordo com esse olhar sugerimos alguns filmes cujos temas estão ligados às questões da História e Cultura da África e dos Afro-brasileiros, os quais podem passar a ter importância no bojo das discussões ou da construção do conhecimento em História, entre eles podemos indicar: “Frente a Frente com o Inimigo”; “Último Rei da Escócia”; “África dos

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Luta pela Liberdade”; “Poder de um Jovem”; “Lugar Nenhum na África”; “Um Grito de Liberdade”; “Bamako”; “A outra História Americana”; “Crash”; “No Limite”; “Em Defesa da Honra”; “Mississipi em Chamas”; “Tempo de Glória”; “Malcon X”; “Os deuses devem estar loucos”; “Invictus (Madalena)”; “Amistad”; “Batalha de Argel”; “Diamante Negro”; “Amor Sem fronteira”; “Hotel Ruanda”; “Entre Dois Amores”; “Lágrimas do Sol”; “Fala Tu; “Cafundó”; “Besouro”; “As Filhas do Vento”; “Quanto vale ou é por quilo”; “Quilombo”; “Xica da Silva”; “O Paí-o”; “Chico Rei”; “Macunaíma”; “Cidade dos Homens”; “Carandiru”; “Cidade de Deus”; “Madame Satã”; “Palmares”; “Carlota Joaquina”; “Princesa do Brasil”; “A Cor Púrpura”; “Advinhe quem vem para jantar”; “Ray”; “A outra história Americana”; “O Jardineiro Fiel”; “12 Anos de Escravidão”; “Castro Alves: Retrato Falado do Poeta”; “Abolição”; “Atlântico Negro: na rota dos Orixás”; “Mestre Bimba”; “Kiriku e a Feiticeira”.

Com certeza a interpretação de um filme também tem algo de subjetivo e é resultado de toda a bagagem de conhecimento que a pessoa construiu. O filme cultura visual se insere em uma infinidade de linguagens como desenhos, pintura, caricatura, fotografia, quadrinhos e cinema entre outras fontes para o ensino e pesquisa em história. Após discorrermos sobre a chamada “Sétima Arte”, como linguagens alternativas para o ensino de História recorremos a GUIMARÃES ao propor o Filme na Prática de Ensino de História:

Planejamento sobre o filme relacionado ao tema em estudo; organização do roteiro de trabalho – relações relativas à produção; ficha técnica; projeção – assistir o filme com os alunos; discussão – estabelecer relações entre as leituras, interpretações, percepções dos alunos, ressignificação, análise e síntese, sistematização e registros (GUIMARÃES, 2013 p. 268).

O que pode contribuir de forma significativa para a educação histórica, ética e estética dos indivíduos.

História e música

Outra linguagem alternativa interessantíssima é a Música, a qual é uma das mais criativas manifestações artísticas e culturais de um povo e forma de comunicação que faz parte de nossas vidas. Quando falamos em Música lembramos de sons (melodias), de letra (mensagem), tema, vozes, gestos, vestimentas, paixões, lugares culturas. No caso da música brasileira, de acordo com Napolitano esta forma um:

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[...] enorme e rico patrimônio cultural, uma das nossas grandes contribuições para a cultura da humanidade. Antes de inventarem a palavra “globalização”, nossa música já era globalizada. Antes de inventarem o termo “multiculturalismo”, nossas canções já falavam de todas as culturas, todos os mundos que formam os brasis. Antes de existi o “primeiro mundo”, já éramos musicalmente modernos. Além disso, nossa música foi o território de encontros e fusões entre o local, o nacional e o cosmopolita, entre a diversão, a política e a arte; entre o batuque mais ancestral e a poesia mais culta (NAPOLITANO, 2002, p. 109).

A utilização da Música nos remete à necessidade de sugerirmos atividades que orientam para o levantamento de informações, estudo de símbolos, figuras de linguagem, amores, etnicidades, cotidiano, trabalho, valores, ideias, modos, comportamentos, mentalidades, identidades, regionalismos, questões sociais, economias e políticas, diversidades. Originando, inclusive, novas formas de organização de conteúdos. Nesse contexto é pertinente lembrar que:

A música não é apenas uma combinação de notas dentro de uma escala, mas também ruídos de passos e bocas, sons eletrônicos, ou ainda uma vestimenta e gestos do cotidiano de determinados indivíduos que gostam de um tipo de som.. é tudo isso e mais o produto de longas e incontáveis vivencias coletivas e individuais com as experiências de civilizações diversas ao longo da história. Dessa, forma, a música como fenômeno cultural e social apresenta várias facetas concretas e abstratas que estimulam diversas representações sobre a linguagem musical e que, necessariamente, demandam uma integração teórica e metodológica de diferentes áreas do conhecimento (DUARTE, 2013, p. 209).

As letras das músicas também reforçam clichês, representam evidências, registros de fatos, eventos sociais, manifestações culturais e conceitos que devem ser analisados à luz de seu contexto sociocultural. Tal atividade, com certeza, colabora para a elaboração de conceitos espontâneos, bem como nas suas relações com os conceitos científicos. Por outro lado: “a incorporação de canções desperta o interesse dos alunos, motiva-os para as atividades, sensibiliza-os em relações aos diversos temas e desenvolve a criatividade” (GUIMARÃES, 2013 p. 286).

É ampla a potencialidade histórica e cultural da Música, no Brasil e no mundo. Convém atentar para o fato de que a Música, aliada a um conteúdo inovador, pode constituir-se em um componente lúdico e cognitivo para a conscientização, indagação, inconstituir-serção social, sensibilização, experiências individuais e coletivas bem como estratégia didática para um ensino de história inovador, valorativo e coerente com as necessidades da sociedade

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contemporânea. Outro aspecto fundamental na reclamação entre a história e a música o processo de aprendizagem:

Articulação entre texto e contexto para que a análise histórica não seja reduzida e se limite á própria importância da música, deixando em segundo plano sua contextualização. O grande desafio do pesquisador é mapear os sentidos embutidos numa obra musical, bem como suas formas de inserção na sociedade e na História (DUARTE, 2013 p. 210-213).

Dessa forma é possível afirmar que a música pode ser utilizada como importante recurso didático em atividades criativas a serem desenvolvidas nas aulas de História, Geografia, Artes e Língua Portuguesa, entre outras. No entanto, é preciso que o professor ao organizar o seu planejamento tenha presente o sentido da musica na aula de História:

Se existe certa facilidade em usar a música para despertar interesse, o problema que se apresenta é transforma-la em objeto de investigação. Ouvir música é um prazer, um momento de diversão, de lazer, o qual, ao entrar na sala de aula, se transforma em uma ação intelectual. Existe enorme diferença entre ouvir música e pensar a música (BITTENCOURT, 2004, p. 379-380).

Nesse viés, a Música no cotidiano do espaço escolar precisa ultrapassar os contornos de adorno e agregar-se aos estudos de História Cultural. Em meio a esse processo abre-se um enorme espaço para a discussão da Música Popular Brasileira (MPB), principalmente as ligada para o Samba, tendo em vista as suas origens históricas ligadas á África e aos negros brasileiros. Os principais elementos da música africana no entendimento de Theodoro: “são de caráter rítmico-percussivo, coreográfico, místico-religioso, vocal, lexical e humorístico. Esses elementos viriam a fazer parte direta da estrutura musical brasileira” (THEODORO, 2005, p. 136). Por considerarmos a sua riqueza do ponto de vista histórico, cultural, melódico e rítmico é que sempre inserimos na pauta de nossas discussões.

Passamos, a seguir, a elencar algumas possibilidades músicas que tratam de temáticas sintonizadas com as questões da África e da História e Cultura Afro-brasileira. O desafio é inseri-las nas abordagens, procurando, sob o ponto de vista didática, explorá-las da melhor forma possível. Entre elas podemos citar: “Pelo Telefone” (Dunga); “Aquarela do Brasil” (Ari Barroso; “Canta Brasil” (Alcyr Pires Vermelho); “Canto das Três Raças” (“Um canto de revolta pelos ares”); “Brasil Mestiço”; “Santuário da Fé”; “Jogo de Angola”; “Deusa dos Orixás”; “O Mar Serenou”; “Morena de Angola” (eternizadas na voz de Clara Nunes);

Referências

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