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Imigração, Família e redes sociais: a experiência dos ‘deslocados de guerra’ em São Paulo, no pós Segunda Guerra Mundial

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Imigração, Família e redes sociais: a experiência dos

‘deslocados de guerra’ em São Paulo, no pós Segunda

Guerra Mundial

∗∗

Maria do Rosário R. Salles♣♣

Resumo

Dando continuidade a projeto desenvolvido anteriormente sobre "Os deslocados de guerra e os rumos da política imigratória brasileira no pós segunda guerra mundial", em que se montou um Banco de Dados e se realizou uma caracterização geral daquele grupo de imigrantes entrados no Brasil a partir de 1947, este trabalho tem por objetivo estudar as trajetórias familiares e a constituição de diferentes formas de redes sociais dentro de cada uma das etnias que compõem o grupo. São bastante significativos os organismos de apoio, de ajuda internacional e todos aqueles que se formaram dentro das comunidades, dentro e fora do Brasil, mas se desconhecem a sua persistência dentro dos grupos, as diferentes formas que adquiriram e sobretudo o papel concretamente desempenhado na adaptação de cada um dos grupos de refugiados em São Paulo. Deve-se considerar também, que a constituição de redes familiares, religiosas, nacionais, políticas, de solidariedade étnica, de amizade, etc., que se constituíram, representaram também, fatores de divisão e de diferenciação dentro de cada um dos grupos, num contexto extremamente complicado do pós guerra, tanto do ponto de vista dos refugiados como da própria cidade de São Paulo. Recentemente, a partir dos anos 90, os novos fluxos migratórios em direção aos países desenvolvidos, recolocaram a importância de se estudar as redes sociais. Veja-se por exemplo, a coletânea de textos organizada por McLaughlin, 1990. Anteriormente, entretanto, os trabalhos de Both, especialmente Família e Rede Social, 1976, colocam a relação família e rede social, embora não tratando diretamente de famílias imigrantes. Para este trabalho, aproveitaremos toda discussão que encaminhar no sentido de esclarecer a relação entre família e grupos de parentesco ou vizinhança, o desempenho de papeis, a relação das comunidades com os Bairros, a construção de noções de estrutura de classe a partir de experiências pessoais e familiares, a constituição enfim de todo tipo de redes.

Trabalho apresentado no XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Caxambú-

MG – Brasil, de 20- 24 de Setembro de 2004.

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Imigração, Família e redes sociais: a experiência dos

‘deslocados de guerra’ em São Paulo, no pós Segunda

Guerra Mundial

∗∗

Maria do Rosário R. Salles♣♣

1- Apresentação

Este trabalho é resultado de um projeto desenvolvido anteriormente sobre “Os deslocados de guerra e os rumos da política imigratória brasileira no pós segunda guerra mundial”, em que se montou um Banco de Dados através de uma amostra de 512 casos, do total de 5 200 fichas aproximadamente. Procurou-se realizou uma caracterização geral daquele grupo de imigrantes entrados no Brasil a partir de 1947. Neste trabalho, então, o objetivo é apresentar dados sobre o perfil do grupo constituído por diferentes nacionalidades que se encontravam presentes na Alemanha e na Áustria no final da Guerra e propor a discussão sobre as trajetórias em São Paulo e a constituição de diferentes formas de redes sociais dentro de cada uma das etnias que compõem o grupo. São bastante significativos os organismos de apoio, de ajuda internacional e todos aqueles que se formaram dentro das comunidades, dentro e fora do Brasil, mas se desconhecem a sua persistência dentro dos grupos. Este trabalho é portanto preliminar devendo-se trabalhar posteriormente com o universo de dados sobre os “deslocados. Deve-se considerar também, que a constituição de redes familiares, religiosas, nacionais, políticas, de solidariedade étnica, de amizade, etc., que se constituíram, representaram também, fatores de divisão e de diferenciação dentro de cada um dos grupos, num contexto extremamente complicado do pós guerra, tanto do ponto de vista dos refugiados como da própria cidade de São Paulo.

Dessa forma, embora este projeto faça parte de um Projeto temático em desenvolvimento junto ao Memorial do Imigrante, SP, em que estão sendo trabalhados os documentos de entrada dos imigrantes do pós segunda guerra mundial, de 1947 a 1980, aqui se trabalhará com a amostra referida.

Recentemente, a partir dos anos 90, os novos fluxos migratórios em direção aos países desenvolvidos, recolocaram a importância de se estudar as redes sociais. Veja-se por

Trabalho apresentado no XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Caxambú-

MG – Brasil, de 20- 24 de Setembro de 2004.

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exemplo, a coletânea de textos organizada por MCLAUGHLIN, 1990 e o livro recém publicado, organizado por MARTES, e FLEISCHER, 2003. Anteriormente, entretanto, os trabalhos de BOTH, especialmente Família e Rede Social, 1976, colocam a relação família e rede social, embora não tratando diretamente de famílias imigrantes.

2- Condições para a aceitação dos “deslocados de guerra” e a política

imigratória após a Segunda Guerra Mundial

Condições específicas ao desenvolvimento industrial do estado de São Paulo no período do pós-guerra determinaram o interesse em se desenvolver políticas para o recebimento e encaminhamento profissional do contingente de imigrantes, formado por diversas nacionalidades presentes na Alemanha e na Áustria após o término da segunda guerra mundial. Esse grupo era composto basicamente de técnicos especializados e de um grande número de profissionais qualificados, variando desde o simples operário até professores universitários, médicos, engenheiros, etc.

Costuma-se datar a retomada da imigração pelo governo brasileiro após a Segunda Guerra, em 18 de setembro de 1945, data em que, ainda dentro do Estado Novo, é sancionado o Decreto- Lei no. 7967 segundo o qual o Brasil reabre a imigração, embora mantendo o sistema de quotas que havia imprimido o caráter restritivo à imigração que caracterizou a era Vargas desde 1934. Neste ano, como se sabe, o fluxo de imigrantes fica limitado em 2% do total de entradas de cada nacionalidade entre 1884 e 1934.

O período que se abre então, que pode-se classificar como quarto e último na entrada de imigrantes no Brasil desde o período da grande imigração que se inicia nos anos 70 do século XIX, caracteriza-se por um afrouxamento das restrições no pós- guerra, apresentando um volume de entradas bem inferior ao que caracterizou os momentos anteriores. Baseando-se no conhecido trabalho de Levy, 1974, que reúne as estatísticas disponíveis para a análiBaseando-se dos diferentes períodos que compõem o processo imigratório brasileiro, Bassanezi, 1996, assinala “a existência de 4 momentos, mais longos e de maior intensidade, de entradas de imigrantes, separados por momentos mais curtos de declínio abrupto”. É no contexto do quarto e último período, que se caracteriza por um afrouxamento das restrições no pós-guerra, apresentando um volume de entradas bem inferior ao que caracterizou os momentos anteriores que se inserem os “deslocados”1 de guerra. As nacionalidades mais significativas

1

O conceito de “deslocado” é ligeiramente diferente do de “refugiado”, uma vez que costuma-se identificar o refugiado àquele indivíduo que saiu mais ou menos espontaneamente do seu país de origem por motivos políticos. No caso dos “deslocados”, a que nos referimos, a maioria foi retirada à força, milhares de homens,

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desse período são: os portugueses, seguidos pelos italianos, espanhóis e finalmente pelos chamados de “outras nacionalidades”, rubrica sob a qual costumam aparecer as nacionalidades que compõem os “deslocados”. A partir dos anos 50, os japoneses também vão atingir números bastante expressivos de entradas.2 Nesse período, a cafeicultura deixou de ser o pólo mais dinâmico da economia e de atração de imigrantes, para ceder lugar à indústria e à colonização agrícola como fatores de atração. Passam a vigorar basicamente os seguintes tipos de imigração: uma, espontânea, que se dá através das “cartas de chamada” de parentes e oferta de empregos, outra que se caracterizava por grupos e cooperativas com vistas, sobretudo à colonização agrícola e a imigração dirigida, orientada pelos convênios entre o governo brasileiro e organismos internacionais. Bassanezi lembra que, através do CIME (Comissão Intergovernamental para as Migrações européias) e da Comissão Católica de Migrações, chegaram ao Brasil 112 000 europeus dirigidos na sua maioria para a indústria.

É preciso considerar, no quadro da retomada da imigração no pós- guerra, que, com o fim do conflito mundial, há também, uma modificação na política imigratória dos próprios países europeus, sobretudo daqueles mais afetados pelo conflito como era o caso da Itália e Espanha, esta última, com o agravante da guerra civil um pouco anterior. Portugal também enviará número bastante expressivo de imigrantes. Os mais importantes acordos que o Brasil assinará no pós-guerra serão exatamente com esses países, além do Japão e da Holanda, incluindo-se o Acordo com a ONU, do qual São Paulo será também signatário, que resolve abrir o país aos “deslocados” de guerra.

Pode-se assim resumir esses acordos: Decreto-Lei no. 7967 de 18/ 09/1945, que reabre a imigração no pós-guerra; constituição da OIR- Organização Internacional para

Refugiados e acordo relativo às disposições provisórias sobre os refugiados e deslocados-15/

09/ 1946; Acordo de Migração entre o Brasil e a Itália- 5/ 07/ 1950; Legislação para

criação do INIC - Instituto Nacional de Imigração e Colonização, 1945; Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, concluída em Genebra em 1951 e assinada pelo Brasil

em 1952 ; Acordo de Migração Brasil- Espanha, 1960; Acordo de Imigração e

Colonização entre o Brasil e os Países Baixos- 15/ 12/ 1950; constituição do Comitê Intergovernamental para as Migrações européias - CIME- 19/ 10/ 1953, etc. A imigração

no pós-guerra, caracterizada por um lado, por ser subvencionada e dirigida pelo Estado e por mulheres e crianças e trazidos à Alemanha sob regime de trabalho forçado. Cf. Lobo, Boletim do D.I.C., no. 5, Dezembro de 1950.

2

Ver, para uma análise detalhada dos 4 momentos do processo imigratório no Brasil e seus respectivos números de entradas, Bassanezi, 1996.

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organizações internacionais (IRO- International Refugees Organization que substituiu a

UNRRA- United Nations Relief and Rehabilitation Admnistration), caracterizou-se, por

outro lado, por uma imigração espontânea, sem nenhum tipo de auxílio governamental.

Evidentemente, a corrente imigratória espontânea que se forma em decorrência do desenvolvimento industrial de São Paulo e em menor escala, de outros estados, mantém de certa forma o fluxo migratório dirigido às profissões urbanas. Entretanto, a primeira guerra mundial introduz profundas transformações na estrutura política, econômica e social de todo o mundo e particularmente dos países envolvidos na emigração/imigração. Neste contexto, inserem-se as iniciativas de acordos bilaterais e as diversas convenções internacionais adotadas em conseqüência de conferências promovidas pelo “Bureau International du

Travail”, embora mesmo assim, tenham ficado sem discussão no plano das migrações,

questões verdadeiramente controvertidas. No período de pré guerra o Brasil participou de conferências com os demais países interessados na imigração no sentido de se instituir uma Comissão Permanente, mas as condições posteriores de intensa instabilidade internacional impediu que a iniciativa fosse ser levada adiante.

Essas condições são básicas para o entendimento das políticas adotadas no pós guerra. No caso brasileiro, a Constituição de 34, ao instituir no seu artigo 121, parágrafo 6 que “a entrada de imigrantes no território nacional sofrerá as restrições necessárias à

garantia da integração étnica e capacidade civil do imigrante, não podendo porém, a corrente imigratória de cada país exceder, anualmente, o limite de 2% sobre o número total dos respectivos nacionais fixados no Brasil durante os últimos 50 anos”, havia

limitado a entrada dos imigrantes e passado à União a competência de legislar sobre os assuntos mais gerais da imigração. Posteriormente, a Legislação de 1937 mantém as restrições, que impõem peso maior àquelas etnias menos numerosas, reforçando a preferência expressa desde a Constituição de 1891 pelos imigrantes de origem européia, especialmente os considerados mais afinados com a cultura latina, os italianos, portugueses e espanhóis. Até o último decênio do Império, a Província de São Paulo recebeu 40% do total dos imigrantes, sendo 93% de origem latina. (Cf. Vasconcelos, 1950, p.150).

A grande justificativa para a retomada da imigração no pós guerra para os defensores dessa idéia, era a crescente necessidade de braços qualificados para uma lavoura que se modernizava e para a indústria em expansão no estado e sobretudo na cidade de São Paulo. Entretanto, é preciso considerar toda a conjuntura internacional e suas repercussões na economia brasileira nas décadas de 20 e 30, sobretudo o impacto da “grande depressão” sobre a economia mundial e sobre a brasileira em particular. Países que dependiam enormemente

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do seu setor externo como o Brasil, e de suas exportações, o café, principalmente, no caso brasileiro, tiveram um encarecimento relativo muito alto das importações das quais dependiam, o que os fez se “voltarem para dentro”, como se sabe, com o crescimento da economia dependendo então, de fatores internos. Esses fatores interferiram basicamente não apenas na política econômica dos períodos 1930 a 34, 34-37, período de um certo “boom” econômico e posteriormente no período do Estado Novo, de 1937 a 1945, da chamada “economia de guerra” e do fortalecimento do poder central, como na política visando o abastecimento do mercado de mão de obra que passou a depender diretamente das diretrizes traçadas pelo poder central. Toda a retórica em torno da proteção ao trabalhador nacional e os apelos nacionalistas do período, se explicam no fundo pelas injunções da economia de “substituição de importações” e pelas necessidades de um mercado carente de mão de obra qualificada. São sobretudo vozes paulistas que clamam pela necessidade de se restaurarem as correntes imigratórias e que empreendem as críticas mais contundentes à política imigratória restritiva pós 34.3

Os resultados da presente pesquisa no que se refere à direção tomada pelos imigrantes “deslocados” de guerra entrados em São Paulo, confirmam o direcionamento preferencial dos imigrantes, para o interior em um número menor, e num número bastante expressivo para as regiões mais industrializadas ou em vias de industrialização da cidade de São Paulo e arredores.

A discussão na RIC ( Revista de Imigração e Colonização)4

Hélio Lobo e Henrique Dória de Vasconcelos Artic ulistas e autoridades

Hélio Lobo, assim como Henrique Dória de Vasconcelos que defendem uma política imigratória que beneficiava a entrada de “deslocados”, são articulistas dos mais importantes para a corrente defensora da retomada da imigração no pós- guerra. Na verdade, podemos dizer que de uma forma geral, apresentavam-se pelo menos duas correntes de pensamento: a favor e contra a imigração, sobretudo a que se refere aos “deslocados de guerra”. Os autores acima mencionados eram autoridades brasileiras junto aos campos de refugiados e intelectuais e políticos conhecidos na época. Hélio Lobo foi ministro de Estado das Relações Exteriores e foi incumbido de representar o Governo brasileiro junto à Comissão preparatória

3

Ver a respeito desse período, Abreu, Marcelo de Paiva, (Organizador), A ordem do Progresso, Cem anos de política econômica republicana, 1889-1989, Editora Campus, 10a. edição, Rio de Janeiro, 1990.

4

Uma versão completa dessa discussão foi publicada em: Cadernos CERU, Série 2, no. 13, 2002. Editora Humanitas, Centro de Estudos Rurais e Urbanos: São Paulo, 2002.

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da Organização Internacional de Refugiados, juntamente com o então Cônsul Antonio Houaiss, tendo visitado em 1947, os campos de refugiados da Alemanha e da Áustria. Já havia representado o Brasil em Evian em 1938. Criticava desde sempre a posição que classificava de racista, do período do Estado Novo. Expressando-se a favor da aceitação de “deslocados”, assim se referia a eles: “É preciso observar esses grupos nos campos ou fora deles, para ter-se uma idéia do que representam- gente sadia, de estatura elevada, com aquele senso do trabalho, de família e de religião, desde simples operários até professores universitários, médicos ou engenheiros. Com os que fugiam ia, sempre que possível, a família...A maioria compõe-se de elementos aptos, robustos, prontos a qualquer serviço; a idade é ( note-se sobre a índole conservadora, anti- comunista, esta segunda característica favorável ), de 21% crianças e menores de 18 anos; 66% entre 18 e 44 anos; e somente 13% acima de 44 anos de idade”.

Quanto à Henrique Dória de Vasconcelos, foi Presidente do Departamento de Imigração e Colonização da Secretaria da Agricultura de Estado de São Paulo, tendo defendido amplamente a política de admissão de deslocados no pós- guerra. Em artigo na RIC publicado em 1950, mas resultante de uma exposição feita ao Conselho de Imigração e Colonização em sessão de 10/01/1948, considera, ao contrário do Ministro Hélio Lobo, que as principais restrições opostas à imigração de refugiados se fundamentaram principalmente em questões de ordem técnica e administrativa, “isto é, no que se refere às operações de recrutamento e seleção, conclusão que ele tira a partir das observações que foram realizadas pelo próprio Departamento que até a data de 1948 havia recebido a incumbência de colocação de cerca de 2 500 deslocados, ou seja, aproximadamente 75% do total entrado no país até então, seis meses da chegada a São Paulo dos primeiros contingentes sendo que os últimos já se encontravam aqui desde outubro”. Das observações se excluem a questão da saúde dos imigrantes, uma vez que “na Hospedaria da Ilha das Flores, subordinada ao Departamento Nacional de Imigração, de onde vieram os imigrantes para São Paulo, médicos, especialistas dos serviços federais de saúde e imigração procederam aos necessários exames para a seleção final”. Deste

ponto de vista então, não pairavam dúvidas quanto às condições dos “displaced persons”, As dificuldades começam, dizia o articulista, “quando se impõe selecionar um indivíduo ou família para bem desempenhar uma profissão em regiões distantes e adaptar-se a condições de vida diferentes”.

A questão da seleção começa com as disposições das legislações sobre emigração e imigração dos vários países, normas estabelecidas em regulamentos que se aplicam a todos os imigrantes. No caso da imigração espontânea, a chamado de parentes, não há maiores problemas, apenas os agentes consulares aplicam as normas gerais dos regulamentos, não há responsabilidade do poder público pela colocação do imigrante e sua adaptação. A imigração em massa, coletiva ou dirigida, promovida pelo poder público, ao contrário, requer uma seleção de importância muito maior, como atestam os exemplos dos períodos anteriores em

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que muitos dos problemas com os países de origem dos imigrantes era fruto de acordos e de seleção não muito claras.

A RIC foi uma publicação do Conselho de Imigração e Colonização, (CIC) órgão criado em 1938 com a função de fiscalização e seleção de imigrantes. Ela foi publicada entre 1940 e 1955, com algumas interrupções entre 1950 e 1952, período em que saíram apenas dois volumes anuais ao invés de quatro, como era a periodicidade inicial. Depois disso houve uma interrupção de três anos e em 1955 a publicação foi suspensa. Antes desse período, as discussões sobre a política imigratória podem ser acompanhadas nos Boletins do Serviço de Imigração e Colonização, órgão da Secretaria da Agricultura, Indústria e Comércio do Estado de São Paulo, publicações que se iniciam em outubro de 1937.

O que se observa nas discussões nesses Boletins, por exemplo, em artigo do próprio Henrique Dória de Vasconcelos, publicado no 1º no. (Anno 1, no. 1, outubro de 1937), é que por algum tempo, a questão da imigração girava em torno dos efeitos do dispositivo constitucional da Constituição Federal promulgada a 16 de julho de 1934 sobre a imigração e a instituição do sistema de quotas. Concluída a nova Constituição em fins de 1937, a competência de legislar em matéria de imigração passou a ser exclusivamente da União. “Em conseqüência dessa centralização, das dificuldades de caráter burocrático da administração federal, das complicações de ordem internacional que antecederam a deflagração da guerra em 1939, São Paulo e outras regiões do país não puderam suprir -se no devido tempo, das necessárias reservas de mão de obra e de equipamentos que seriam necessários às imperiosas exigências dos tempos de guerra”.(Vasconcelos, “O

problema da imigração no pós guerra”, Boletim,1950).

Mesmo durante o período de guerra discute-se a imigração, considerada por alguns, como inevitável, do pós-guerra. “Não é preciso ser profeta para prever que ao fim deste monstruoso conflito, os povos oprimidos por todas as lutas e desgraças conseqüentes, exercerão uma enorme pressão para se localizarem neste Continente”. (Castro Barreto, “Imigração do após-guerra”, RIC, Ano IV, no 1, março de 1943). As conseqüências sobre a composição da população eram uma constante nos comentários: “Conquanto seja a imigração em determinadas condições um fator interessante para o desenvolvimento dos países sub-populados, nenhuma nação consciente do seu destino será capaz de confiar o seu crescimento demográfico ao fenômeno imigratório”. Além disso: “a não ser o japonês cuja emigração dirigida para o Brasil tinha evidentes caracteres imperialistas, entre os imigrantes que recebemos nesses últimos anos predominou a etnia judaica, cujas atividades são conhecidamente voltadas para o comércio, para intermediar as riquezas, jamais para produzi-las...Cumpre-nos advertir a nação sobre esse assunto. Toda a América repele núcleos inassimiláveis (Barreto, op.cit.,pp 53, 54).

A preocupação com o novo imigrante, diz Helena Pájaro Peres em seu artigo de 1997, transparece em grande parte dos artigos da Revista de Imigração e Colonização, e o

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conceito que lhe era conferido como “elemento indesejável e estranho”, ao mesmo tempo em que colocava os termos da “boa imigração”: Assim, como diz Peres, em artigo de 1997, os critérios de seleção do imigrante deveriam se pautar na sua capacidade de trabalho e assimilação, assim como no seu potencial reprodutivo. A questão da assimilação era fundamental nas discussões: “O imigrante inassimilado, o imigrante que deliberadamente se isola do meio que o recebeu, é um mau elemento com o qual nunca poderemos contar como filho adotivo da terra que o acolheu”.(CLARK, Citado por Peres, p.58). Também com relação às associações de

imigrantes, “esses núcleos de idealização da terra natal com prejuízo da terra acolhedora são pois, centros de atração para os imigrantes recém vindos”.(Aristides Ricardo, citado pr Peres, p.59). A questão

da assimilação se ligava intrinsecamente à questão da seleção. “Estamos de inteiro acordo sobre o perigo de admitirmos em nosso meio a “escumalha da guerra”. Eis mais uma poderosa razão a militar em favor da medida por nós alvitrada, no sentido de o Estado fomentar, dirigir, encaminhar, receber e distribuir as correntes imigratórias”(Mibielli de Carvalho, “Ainda a imigração do pós-guerra”, RIC, v.4, dez.

de 1943). Ainda no artigo de 1943, F. Mibielli de Carvalho escreve: “entre a raça branca devemos escolher as populações que maiores afinidades têm com o nosso povo e que já provaram ser facilmente assimiláveis pela massa demográfica brasileira, notadamente os italianos, portugueses, espanhóis”.

Lembre-se que entre 1945 e meados da década de 60 a maioria dos imigrantes era de portugueses, italianos e espanhóis que se dirigiram na maioria para a cidade de São Paulo, ABC e Santos.

Não é de estranhar, portanto, que se seguissem manifestações contrárias aos refugiados de guerra. Nesse sentido, é exemplar o artigo de Deusdedit Araújo “Imigração e Eugenia”, RIC, Vol.1, Março de 1946: “Continuamos a receber gente de todas as raças e latitudes, formando conosco um melting pot que é uma verdadeira babel étnica, em que a multivariedade morfológica e cromática é infinita. A amalgamação é de tal monta, a ebulição é de tal ordem que não temos e não há tempo para termos, sedimentação étnica. ....Eis porque nos devemos aparelhar para a complexa tarefa de receber as correntes imigratórias que se restabelecerão com o fim da guerra.

Os artigos selecionados, do ano de 1946, assim como parte dos de 1947, estão todos eles voltados à questão da nacionalidade, da necessidade de preservação de alguns critérios básicos de seleção e ressaltam o papel do Direito na seleção dos imigrantes. “A entrada de imigrantes no Brasil, regulada pelo Decreto-lei no. 70967, de 18 de setembro de 1945, continua adstrita ao regime de cotas, que permite distribuir convenientemente os contingentes indispensáveis ao nosso caldeamento racial pelo critério da utilidade e adaptação à vida social, selecionando os homens válidos e laboriosos e repudiando os elementos moral e fisicamente indesejáveis....”. (Ilmar Penna Marinho, “Fundamento e

Base da Nacionalidade”, RIC no.3, Set.de 1946).

Ainda em 1946 encontramos artigos sobre os “Aspectos psicológicos na Imigração após a guerra”, do médico Lira Cavalcanti, em que ele parte da constatação de que nunca se

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tentou solucionar no Brasil o problema “da verificação biotipológica do imigrante e de suas qualidades eugênicas”. Na mesma linha vai um outro artigo de Pacheco e Silva, “Medicina e Higiene” ainda de 46 que enfatiza os males da não seleção e a necessidade de se fiscalizar as entradas. (RIC, 2, jun. 1946). A questão imigratória aparece como um imperativo nacional e o problema da saúde como básico na seleção do imigrante demonstrando que as doenças que mais afligem o Brasil são de procedência estrangeira, da Europa, Ásia e África. (RIC, 4, dez. 1946).

Assim, a proposta era de que se fizesse o controle do recrutamento e aceitação dos imigrantes no exterior através de técnicos de imigração e saúde. Aliás, a próprio Decreto no. 7967 de 18 de setembro de 1945 previa que “se faz necessário, cessada a guerra mundial,

imprimir à política imigratória do Brasil uma orientação nacional e definitiva que atenda à dupla finalidade de proteger os interesses do trabalhador nacional e de desenvolvimento da imigração que for fator de progresso para o país”.

Ao se aproximar o final da guerra e sobretudo o final da década de 40, os artigos refletem não apenas discussões sobre a necessidade da imigração e da seleção, etc., mas as medidas concretas que vão aparecendo no sentido da introdução de novos imigrantes. O Brasil, além dos seus interesses confessos, tornava-se um destino provável das correntes imigratórias do pós-guerra, em virtude não apenas da sua “vocação” imigrantista, mas em virtude do seu “projeto” desenvolvimentista e de povoamento das regiões mais interiores do Brasil Central. O projeto em questão relacionava-se diretamente ao desenvolvimento industrial. O bom imigrante continuava sendo o agricultor, mas aparecia claramente a necessidade do novo, do técnico, do indivíduo qualificado para o trabalho industrial. De fato, o imigrante adquiria “um valor”, como dizia artigo assinado por Assis Cintra ainda em março de 1947. E, J.Maria Bello, historiador, propunha: “há milhões de trabalhadores europeus arruinados material e moralmente que anseiam por recomeçar a vida em países menos congestos e menos assinalados pela maldição da guerra e podemos nós no Brasil oferecer-lhes no sem fim de nossas terras as suas Canaãs. Desta forma, dentro de poucos anos, se a Argentina- eterno duende- não nos preceder, poderemos impor -nos no Continente como a réplica triunfal dos Estados Unidos”.(RIC, no.1, março, 1947).

Defendia-se para isso, o núcleo familiar: “Compare-se a curva de progresso dos Estados Unidos com a do Brasil e busquem-se as razões da diferença não apenas nas condições do solo e clima, mas também de ordem moral e psicológica. ...O europeu que foi fundar a comunhão norte-americana, transportava-se para aquele país levando consigo o núcleo fundamental afetivo da agregação humana: a família”. (Prof.

Maurício de Medeiros, “O problema da Imigração”, RIC, no. 1, março de 1947). O estrangeiro não concorre com o trabalhador nativo, agora assim se expressam os articulistas

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na defesa da entrada dos novos imigrantes. A imigração serve para o desenvolvimento e para a colonização de áreas despovoadas. Além disso, “Os refugiados são ótimos imigrantes, pois se encontram entre os melhores elementos de todas as classes sociais: sábios, intelectuais, professores, educadores, técnicos especializados nos variados setores das atividades humanas, artesãos e agricultores aprimorados”. ( Modestino D. Gibbon, RIC, 2, jun., 1947).

A UNRRA desapareceu ao se formar a OIR (Organização Internacional de Refugiados) que possui exatamente a função de distribuição dos imigrantes entre os “países jovens, de demografia menos densa, capazes de constituir um novo lar para essas famílias, onde há tantos varões trabalhadores, tantas mães carinhosas, tantos filhos que amanhã serão ótimos cidadãos dos países que os recolhem hoje...É um tipo de imigração sui generis, só compreensível na época atual”. (Ministro Jorge

Latour, Presidente do Conselho de Imigração e Colonização, “Displaced Persons”, RIC, no. 4, dez. de 1947). O acordo para a sua recepção foi firmado em abril entre o Brasil e a extinta UNRRA, selecionando na medida do possível, “grupos de famílias em sua maioria agricultores, contando-se porém, homens de todas as profissões de que o Brasil necessita, dependendo o seu aproveitamento de criterioso serviço de colocação. Este cabe ao Ministério do trabalho e ao Governo de São Paulo, principalmente por ter sido o estado bandeirante o destino preferentemente pensado para os imigrantes previstos no acordo assinado a título experimental”. As profissões mais procuradas eram: mecânico

de todas as categorias e graus de especialização para montagem, reparação e conservação de motores e máquinas; operários e especialistas em fiação e tecelagem; especialistas em indústrias químicas; operários e especialistas em indústrias metalúrgicas; operários de indústria de extração de carvão. (Latour, RIC, dez. de 1947, p.114).

Lembre-se que em 1938 havia sido criado o CIC, Conselho de Imigração e

Colonização, pelo Governo Vargas, com o objetivo explícito de fiscalizar e selecionar

imigrantes, enquanto a política defendida para a introdução de imigrantes sofria as conseqüências das restrições impostas pela Constituiç ão de 1934, reforçada em 1937. Em 1954, no segundo Governo Vargas e já num contexto de uma economia mais planejada, se daria a criação do INIC, Instituto Nacional de Imigração e Colonização.

3- A caracterização do grupo de “deslocados” de Guerra

A recepção de trabalhadores “deslocados de guerra” foi o primeiro ensaio de imigração dirigida no após-guerra. Os convênios firmados entre o Governo da União e o do Estado de São Paulo determinavam que este ficasse autorizado a promover, de acordo com as leis federais e estaduais, a introdução de imigrantes europeus destinados a atender os trabalhos agrícolas e industriais, e outro entre os Governos da Itália e do Brasil no sentido da vinda de imigrantes italianos. Na esfera estadual, em outubro de 48, também se criou um

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plano de fomento da propriedade rural a quem quisesse explorá-la como pequenos proprietários. Nesse contexto, começaram a chegar os primeiros associados da Cooperativa Holambra, holandeses que vieram colonizar as terras da Fazenda Ribeirão em Mogi-Mirim.

Os deslocados começaram a chegar a partir de maio de 1947. O problema da colocação dos imigrantes na cidade de São Paulo era de um lado, o da habitação e de outro, o da articulação da seleção com a colocação, de modo a se adequar a vinda de categorias profissionais onde houvesse realmente falta de mão de obra. Desde 1945, quando foi retomada a imigração, até 1954, quando é criado o INIC, entraram no Brasil: 11 216 agricultores, 67 319 operários em geral, 6280 qualificados, 4535 técnicos, 134 806 domésticos, além de 89 402 não especificados. (Pequeno, 1957). Neste contexto, uma das primeiras correntes imigratórias a chegar no pós-guerra, os mais de 11 000 imigrantes “deslocados de guerra” entrados em São Paulo entre 1947 e 1952, tiveram um peso relativo considerável se levarmos em conta todo o aparato institucional montado para a retomada da imigração para atender às necessidades de mão de obra para a agricultura e para a indústria emergente e se considerarmos também a sua qualificação.

Terminada a guerra, a adesão imediata do Brasil às soluções apresentadas pelos Aliados no sentido do repatriamento ou da colocação dos remanescentes “deslocados de guerra” junto aos países em situação melhor de recebe-los, reforçou, de certa forma, os laços construídos no período da guerra. Internamente, esses laços reforçaram o anti-comunismo já existente sobretudo depois da Intentona de 35 e considerando-se o projeto desenvolvimentista em curso. O Plano Marshall é lançado em 1947. A Itália e a Alemanha iniciam o seu processo de reconstrução dentro do qual a questão do desemprego é crucial.

A experiência emigratória dos países envolvidos com a guerra é um processo traumático, em diferentes níveis, e que se inicia, na maior parte dos casos, muito antes da guerra. Se examinarmos a composição do grupo de “deslocados”, veremos que as nacionalidades presentes na sua maioria, são aquelas que se referem a países que passavam por transformações importantes nas suas estruturas políticas internamente e externamente foram desde sempre envolvidos em composições e recomposições geopolíticas que a guerra veio mais uma vez aprofundar. É portanto um conjunto de nacionalidades cuja experiência anterior, tem muitos pontos comuns, mas cujas trajetórias são muito particulares em função das suas histórias nacionais e regionais.

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T

abela 1

Deslocados de guerra (DPs) matriculados na Hospedaria de Campo Limpo durante o triênio 1947, 1948 e 1949, segundo a nacionalidade (totais e respectivas porcentagens)

1947

1948

1949

Total

Números % Números % Números % Números %

POLONESES 923 35,78 1 024 26,82 1282 26,21 3229 28,60 UCRANIANOS 439 17,02 517 13,54 430 8,79 1386 12,27 HÚNGAROS 11 0,42 267 6,99 595 12,16 873 7,73 BALTAS 363 14,07 234 6,13 420 8,58 1017 9,01 RUSSOS 141 5,46 391 10,24 323 6,60 855 7,57 IUGOSLAVOS 58 2,24 402 10,53 338 6,91 798 7,07 TCHECOS 13 0,50 84 2,20 176 3,59 273 2,41 OUTRAS 187 7,25 636 16,66 944 19,30 1767 15,65 APÁTRIDAS 444 17,21 236 6,18 187 3,82 867 7,68 SEM INFORMAÇÃO --- --- 26 0,68 196 4,00 222 1,96 TOTAL 2579 100,0 3817 100,0 4891 100,0 11 287 100,0

Fonte: DIC, Boletim do Departamento de Imigração e Colonização, no. 5, Dez. 1950.

Os poloneses formam o maior grupo dentro do conjunto dos “deslocados”. Por ocasião da visita da comissão brasileira aos campos de refugiados da Alemanha e da Áustria, existiam cerca de 1 300 000 pessoas “deslocadas” que, somados aos de outras regiões perfaziam 1 700 000. Como se observa, pelos dados oficiais acima apresentados, os poloneses representam a etnia mais numerosa, quase 29% do total, seguida pelos ucranianos (12,3%), baltas (9%), húngaros (7,8%) e russos (7,6%). Em seguida, aparecem os iugoslavos (7%), os tchecos (2,4%) e várias nacionalidades que, reunidas, perfazem mais de 15%, seguidas pelos classificados como apátridas, porque haviam perdido a nacionalidade. As “outras nacionalidades” são formadas por: alemães (8,5%), austríacos (3,5%), armênios (0,7%), búlgaros (0,4%), gregos (0,18%), “brasileiros” (0,17%), albaneses (0,02%), espanhóis (0,06%), franceses (0,06%), holandeses (0,02%), italianos (0,12%), norte-americanos (0,02%), romenos (1,6%), suíços (0,01%) e turcos (0,02%). Os poloneses encontravam-se em regime de trabalho forçado há 5 ou 6 anos. Os judeus, são em grande parte poloneses fugidos da Europa Oriental durante e depois da guerra. Os poloneses são 270 000 e os judeus, 140 000. Um número expressivo dirigiu-se aos EUA, Canadá e Austrália. Entre os que chegaram ao Brasil, a maior parte é constituída de poloneses de religião católica. Os baltas fugiram de seus países desde 1944, primeiro devido à invasão alemã, depois à russa e acabarão em trabalhos forçados na Alemanha, provenientes então, da Letônia, Lituânia e Estônia, nesta ordem. Os poloneses são provenientes de algumas regiões agrícolas da Polônia mas também das cidades. Os baltas segundo informações oficiais destacavam-se por um nível

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profissional e educacional elevado. Os ucranianos também possuíam excelentes referências de acordo com a comissão brasileira. (Cf. Lobo, 1950).

Tabela 2- Deslocados de guerra (DPs) entrados no Estado de São Paulo durante o triênio 1947, 1948 e 1949, segundo a nacionalidade (totais e respectivas porcentagens)

1947

1948

1949

Total

Números % Números % Números % Números %

POLONESES 38 31,66 44 28,75 74 31,22 156 30,5 UCRANIANOS 21 17,50 24 15,68 13 5,48 58 11,3 HÚNGAROS 1 0,83 9 5,88 41 16,9 51 10,0 BALTAS 21 17,50 11 7,18 18 7,59 50 9,8 RUSSOS 4 3,33 22 14,37 17 7,17 43 8,4 IUGOSLAVOS 8 5,86 13 8,49 23 9,70 44 8,6 TCHECOS --- --- 4 2,61 21 8,86 25 4,9 OUTRAS 2 1,66 10 6,6 12 5,06 24 4,7 APÁTRIDAS 17 14,16 9 5,88 10 4,21 36 7,0 SEM INFORMAÇÃO 9 7,50 7 4,57 9 3,79 25 4,90 TOTAL 121 100,0 153 100,0 238 100,0 512 100,0

Fonte: Fichas de Chegada – Memorial do Imigrante, SP.

O fato de constituírem um grupo de pessoas aptas ao trabalho e cujos membros eram jovens, na maioria e, frisava o Ministro Hélio Lobo, “de índole conservadora e anti-comunista”, lhes conferia a segunda característica favorável. Os dados oficiais apontavam 21% de crianças e menores de 18 anos; 66% entre 18 e 44 anos e somente 13% acima de 44 anos de idade. A maioria dos chefes de família era constituída de elementos casados, do sexo masculino:

Tabela 3: Sexo e Estado Civil (em %)

Casados Solteiros Estado civil não declarado

Viúvos Divorciados

Homens 73,3 18,6 5,7 2,0 0,4

Fonte: Fichas de chegada, Memorial do Imigrante, São Paulo.

Nos campos de refugiados, segundo relato da Comissão Brasileira, as profissões se misturavam, as famílias viviam agrupadas segundo suas nacionalidades, preservavam suas diferenças religiosas, a cozinha era comum. Havia Igrejas de madeira, construídas pelos próprios deslocados, as católicas, as ortodoxas e em menor número, as protestantes. 65% são católicos ou ortodoxos, 20% israelitas, 15% protestantes. O Ministro Hélio Lobo ressaltava o

“profundo senso religioso dos deslocados,...um título de recomendação que nos deve ser especialmente grato”.

Essas particularidades, em primeiro lugar as identificações pelas nacionalidades, as diferenças religiosas e o fato de viverem uma experiência cotidiana comum que era o ato de

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cozinhar e viver a problemática da habitação conjunta, e da decisão sobre a emigração, a direção a tomar, etc, se manteriam de certa forma na viagem de navio para o Brasil e posteriormente, por algum tempo em São Paulo. Várias amizades novas feitas no momento da travessia do Atlântico se manteriam às vezes pelo resto da vida, segundo vários relatos. As aproximações são mais fortes com os conterrâneos do que com os companheiros de outras nacionalidades, isto pelo fato, talvez, de que existiam conterrâneos vivendo em São Paulo, muitas vezes, há décadas, vindos em diferentes levas. Cada uma das etnias, entretanto, desenvolveu processos próprios em função das oportunidades de trabalho que se apresentavam, das qualificações reais dos imigrantes e da capacidade de mobilização das comunidades e das relações com os recém-chegados.

A seguir, apresenta-se os dados sobre as profissões declaradas no Passaporte no momento da chegada, e posteriormente, as profissões efetivamente desempenhadas. Adotou-se a classificação das ocupações que foi utilizada pelo Departamento de Imigração e Colonização nas suas publicações oficiais para obter uma distribuição das ocupações no 1º emprego, distribuídas pelas diferentes nacionalidades, segundo dados da amostra.

Tabela 4-Ocupações desempenhadas pelos imigrantes no 1º emprego segundo as nacionalidades Nacionalidades Operários Qualificados Tecn. E Profis. – Nível Médio e Superior Serviços e Ocupações não Qualificadas Total

Números % Números % Números % Números %

POLONESES 111 33,3 9 18,4 8 22,2 128 30,62 UCRANIANOS 49 14,7 1 2,0 2 5,6 52 12,44 HÚNGAROS 25 7,5 10 20,4 3 8,3 38 9,09 BALTAS 26 7,8 9 18,4 4 11,1 39 9,33 RUSSOS 31 9,3 5 10,2 3 8,3 39 9,33 IUGOSLAVOS 29 8,7 2 4,1 3 8,3 34 8,13 TCHECOS 14 4,2 3 6,1 5 13,9 22 5,26 OUTRAS 11 3,3 4 8,2 2 5,6 17 4,07 APÁTRIDAS 24 7,2 5 10,2 2 5,6 31 7,42 SEM INFORMAÇÃO 13 3,9 1 2,0 4 11,1 18 4,31 TOTAL 333 100 49 100 36 100 418 100

Fonte: Fichas de Chegada – Memorial do Imigrante, São Paulo

Assim, como se observa, a maioria se concentrou nas ocupações definidas como

Operários qualificados, ou seja, 65% do total dos imigrantes estudados, (512). Na coluna Técnicos e Profissionais de nível médio e superior, há um número bem menor, com 9,5%

do total dos empregados. É interessante observar aqui que apenas 1,2% desses profissionais exerciam atividades de nível médio e superior. Comparando-se a profissão declarada no passaporte ou na chegada à Hospedaria, e a 1ª profissão ou emprego realmente

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desempenhado, verifica-se uma diferença significativa. Essa diferença provavelmente se deva ao fato de que num primeiro momento de chegada, os imigrantes aceitaram ocupações de operários qualificados e técnicos, mesmo quando possuíam qualificação de nível médio e superior.

Tabela 5- Profissão declarada e ocupação desempenhada no 1º emprego

Operários qualificados Téc. Prof. nível médio superior Serviços-Ocupações não qualificadas Total

Passaporte 71% 20,6% 9,1% 100%

1º emprego 79,6% 11,7% 8,6% 100%

Fonte: Fichas de Chegada, Memorial do Imigrante, SP.

Com relação à coluna Serviços e Ocupações não qualificadas , observamos um número pequeno de casos, num total de 8,6%. Deve-se ressaltar aqui que, embora tenhamos encontrado um número alto de homens nessas ocupações, em grande parte domésticas, como cesteiro, barbeiro, balconista, auxiliares, ajudantes, jardineiro, serviços domésticos, elas eram ocupações geralmente desempenhadas por mulheres. No total não havia um número muito expressivo de mulheres ocupadas, mas entre elas, havia uma concentração nessas ocupações, o que revela um número menor de qualificação entre as mulheres.

Distribuição dos imigrantes pelo estado e bairros da Cidade de São Paulo

A distribuição dos imigrantes pelo estado e pelos bairros da cidade de São Paulo, foi apreendida através do endereço das empresas e do local de residência, segundo critério de regionalização do estado de São Paulo, baseado em Camargo, 1981.

Tabela 6- Distribuição dos imigrantes segundo regiões do estado de São Paulo Capital

Vale do Paraíba e Litoral

Norte

Central Mogiana Baixa Paulista Arara-quarense Noroeste Alta Paulista Alta Soroca-bana Baixa Soroca-bana Santos e Litoral Sul Total 327 2 19 1 7 13 17 4 3 8 401 81,5% 0,5% 4,7% 0,2% 1,7% 3,2% 4,2% 1,0% 0,7% 2,0% 100%

Fonte: Fichas de chegada, Memorial do Imigrante, SP.

Em 21% das fichas não se encontram informações sobre a direção tomada pelos imigrantes em São Paulo. Para os restantes, os resultados são os seguintes: as duas regiões que mais receberam “deslocados” e refugiados foram, em ordem crescente, a Central, com 19 casos (4,7%), e a da Capital, com 327 casos (81,5%). A cidade de São Paulo recebeu 262 imigrantes, 65,3% do total seguida por São Caetano, com 34 casos (8,4%).

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Tabela 7-Distribuição por regiões do estado de São Paulo/ nacionalidades

Nacionalidades Capital

Vale do Paraíba e Litoral

Norte

Central Mogiana Baixa Paulista Arara-quarense Noroeste Alta Paulista Alta Soroca-bana Baixa Soroca-bana Santos e Litoral Sul Total No % No % No % No % No % No % No % No % No % No % No % POLONESES 91 27,8 0 0 7 36,8 1 100 1 14,3 10 76,9 9 52,9 1 25,0 0 0 4 50,0 124 30,9 UCRANIANOS 35 10,7 0 0 2 10,5 0 0 5 71,4 1 7,7 5 29,4 1 25,0 1 33,3 0 0 50 12,4 HÚNGAROS 31 9,5 1 50,0 2 10,5 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2 25,0 36 8,98 BALTAS 33 10,1 0 0 3 15,8 0 0 0 0 1 7,7 1 5,9 0 0 0 0 1 12,5 39 9,73 RUSSOS 34 10,4 0 0 1 5,3 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2 66,7 1 12,5 38 9,48 IUGOSLAVOS 31 9,5 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 5,9 1 25.0 0 0 0 0 33 8,23 TCHECOS 21 6,4 0 0 1 5,3 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 22 5,49 OUTRAS 15 4,6 0 0 1 5,3 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 16 3,99 APÁTRIDAS 24 7,3 0 0 1 5,3 0 0 0 0 0 0 0 0 1 25,0 0 0 0 0 26 6,48 S/ INFORMAÇÃO 12 3,7 1 50,0 1 5,3 0 0 1 14,3 1 7,7 1 5,9 0 0 0 0 0 0 17 4,24 TOTAL 327 100 2 100 19 100 1 100 7 100 13 100 17 100 4 100 3 100 8 100 401 100

Fonte: Fichas de Chegada, Memorial do Imigrante, São Paulo

Tabela 8-Distribuição pelas zonas da cidade de São Paulo/ nacionalidades

Nacionalidades Centro Norte Sul Leste Oeste Outras

regiões Total No % No % No % No % No % No % No % POLONESES 22 20,0 1 5,3 18 36,0 8 25,8 19 39,6 19 40,4 87 28,5 UCRANIANOS 5 4,5 2 10,5 4 8,0 7 22,6 6 12,5 12 25,5 36 11,8 HÚNGAROS 10 9,1 4 21,1 2 4,0 4 12,9 6 12,5 3 6,4 29 9,51 BALTAS 17 15,5 3 15,8 5 10,0 3 9,7 4 8,3 3 6,4 35 11,4 RUSSOS 12 10,9 2 10,5 5 6,0 0 0 2 4,2 2 4,3 23 7,54 IUGOSLAVOS 10 9,1 3 15,8 3 4,0 5 16,1 3 6,3 2 4,3 26 8,52 TCHECOS 11 10,0 1 5,3 2 8,0 2 6,5 3 6,3 2 4,3 21 6,89 OUTRAS 5 4,5 1 5,3 4 8,0 2 6,5 1 2,1 0 0 13 4,26 APÁTRIDAS 13 13,0 1 5,3 4 6,0 0 0 3 6,3 2 4,3 23 7,54 S/ INFORMAÇÃO 5 4,5 1 5,3 3 9,8 0 0 1 2,1 2 4,3 12 3,93 TOTAL 110 100 19 100 50 100 31 100 48 100 47 100 305 100

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Tabela 9- Distribuição pelas zonas da cidade de São Paulo/ residência

Nacionalidades Centro Norte Sul Leste Oeste Outras

regiões Total No % No % No % No % No % No % No % POLONESES 8 14,8 4 19,0 38 35,5 22 28,9 36 38,7 16 38,1 124 31,5 UCRANIANOS 0 0 1 4,8 11 10,3 12 15,8 12 12,9 7 16,7 43 10,9 HÚNGAROS 8 14,8 2 9,5 7 6,5 5 6,6 13 14,0 5 11,9 40 10,1 BALTAS 10 18,5 2 9,5 8 7,5 6 7,9 5 5,4 6 14,3 37 9,41 RUSSOS 0 0 3 14,3 8 7,5 13 17,1 5 5,4 2 4,8 31 7,89 IUGOSLAVOS 4 7,4 2 9,5 14 13,1 4 5,3 8 8,6 1 2,4 33 8,4 TCHECOS 12 22,2 1 4,8 3 2,8 1 1,3 5 5,4 0 0 22 5,6 OUTRAS 3 5,6 3 14,3 5 4,7 1 1,3 2 2,2 1 2,4 15 3,82 APÁTRIDAS 3 5,6 2 9,5 9 8,4 8 10,5 4 4,3 3 7,1 29 7,38 S/ INFORMAÇÃO 6 11,1 1 4,8 4 3,7 4 5,3 3 3,2 1 2,4 19 4,83 TOTAL 54 100 21 100 107 100 76 100 93 100 42 100 393 100

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4- A cidade de São Paulo e o seu desenvolvimento até a década de 40

A cidade que em 1890 conta com 64 939 habitantes, passa para 239 820 em 1900, quase quadruplicando. Esse período se caracteriza por arruamentos isolados, completamente separados da cidade propriamente dita. Caracteriza-se também pela absorção quase total do cinturão das chácaras. O transporte urbano já relativamente desenvolvido desde finais do século, primeiro com os bondes “à tração animal” (cuja primeira linha inaugura-se em 1872 ligando o Centro à Estação da Luz), depois com o bonde elétrico (depois de 1900), interligava o espaço urbano com o auxilio da malha ferroviária do estado que em parte penetrava na cidade interligando a atividade cafeeira e o desenvolvimento urbano da cidade. O bonde elétrico facilita a expansão difusa do espaço urbano, estendendo suas linhas aos bairros mais afastados e a regiões ainda não urbanizadas. Os bairros são relativamente isolados mesmo no período posterior a 1900, o que se acentua com a implantação dos núcleos coloniais nos arredores da cidade. As ferrovias que já haviam desde o período anterior, demonstrado atrair as indústrias, continuam a desempenhar importante papel como polarizadoras da industrialização e de formação de bairros e conferem às faixas servidas por elas, uma “vocação suburbana” que se manteria posteriormente.5

De 1915 a 1940 se verifica a expansão propriamente urbana de São Paulo, o início da metropolização. Se no período de 1900 a 1920 houve um crescimento de 141% na população, entre 1920 e 1940, há um crescimento de 124% que, embora relativamente menor, é maior em termos absolutos. Em 1920 a cidade contava com 579 033 habitantes e em 1940, com 1 294 223. Embora continue a tendência anterior de um certo isolamento dos Bairros já há um esboço de arruamento entre vários deles. Há um grande impulso gerador de subúrbios residenciais que se originou da ampliação do parque industrial na faixa de várzeas e terrenos fluviais. (Langenbuch, op.cit.).

O Mapa Sara Brasil, de 1930, mostra o colar quase contínuo de indústrias que se estabelecem entre a Lapa e o Ipiranga. Essa implantação convidava os operários a se estabelecerem em torno das estações ferroviárias fora da cidade, onde os terrenos e os aluguéis eram mais baixos. Essa função residencial dos subúrbios também se caracterizou pela implantação de populações estrangeiras em terrenos campestres da zona suburbana, como é o caso dos anglo-saxônicos e alemães que se instalaram no Brooklyn e no Tremembé, atraindo posteriormente outros imigrantes nórdicos, segundo Langenbuch.

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No conjunto, a maioria dos bairros foi comandada pela ferrovia e pela implantação industrial e operária que comandou a expansão suburbana. Neste processo aparecem: São Bernardo, Santo André, São Caetano, como “zona industrial paulistana”. A década de 40, desta maneira, é um marco no processo da grande metropolização que se desenvolveria a partir daí. A cidade de São Paulo que os imigrantes desembarcados na Hospedaria de Campo Limpo encontraram era ao mesmo tempo, bastante complexa e cheia de oportunidades. Ela já era uma cidade tradicionalmente receptora de imigrantes e esses, de maneiras diferentes, encontravam identidades e se mesclavam à vida da cidade, realmente aproveitavam o momento da cidade, sua tendência há muito esboçada à industrialização. Participavam da formação dos bairros, não no sentido da formação de quistos, mas se aglutinavam, de certa forma.

Como se observa nas tabelas de nos. 6, 7, 8 e 9, a maior concentração dos imigrantes deslocados de guerra em São Paulo se deu na Região da Capital, os municípios de São Paulo com 81% dos casos e São Caetano com 6%. Quanto ao Interior, a distribuição regional que se observa, além da concentração na Região da Capital, é uma distribuição significativa pelas regiões mais desenvolvidas do estado tanto do ponto de vista da indústria como da agricultura: a região Central, em que o maior número de casos se verifica nas cidades de Campinas e Jundiaí; a região Noroeste e Alta Paulista, e a Araraquarense.

A concentração/ dispersão dos imigrantes pelos bairros na cidade de São Paulo apontam caminhos percorridos nas primeiras fases, em que a busca de empregos era determinante. Há diferenças entre a concentração das empresas e das residências, que se devem à tendência de concentração industrial e à busca dos locais em que os aluguéis ou os terrenos eram mais baratos.

Poloneses/ Ucranianos/ Húngaros/ Baltas e Russos- a dispersão.

A história da emigração do grupo de nacionalidades que deu origem à emigração do pós-guerra, conhecida como de “deslocados de guerra”, tem uma origem muito mais remota e diferenciada, segundo as histórias particulares de cada país. As origens da imigração em massa no Brasil, assim como na Argentina, EUA e Canadá, remontam a meados do século XIX, como é conhecido, pela crise geral provocada pela instabilidade política e econômica resultado tanto das guerras napoleônicas como da industrialização nos países europeus, sobretudo aqueles de unificação tardia como a Itália e a Alemanha. No caso brasileiro, essa primeira leva até finais do século foi constituída em sua grande maioria, como se sabe, por imigrantes provenientes da Espanha, Portugal e Norte da Itália. Contudo, nas décadas finais

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do século e até a primeira guerra mundial, correntes provenientes da Europa Centro-Oriental já estavam presentes. Em geral, tanto poloneses, como ucranianos, húngaros e baltas, foram afetados por uma emigração mais ou menos forçada, desde finais do sáculo XIX, em função de vários fatores sócio-econômicos e políticos que determinaram o retalhamento de suas terras. Sobretudo as províncias incorporadas ao Império Austro-Húngaro; uma segunda leva de emigrantes saiu por motivos políticos no final da Primeira Guerra e uma terceira no final da Segunda Guerra.

Desde 1869, quando chegou a primeira leva de poloneses em Santa Catarina, a mesma que reemigrou em 1871 para o Paraná, até 1934, a maior parte deles se concentrou no Paraná e no Rio Grande do Sul. A partir de 1934, entretanto, foram os estados de São Paulo e Paraná, que receberam os maiores números de imigrantes poloneses. De 1934 a 1970, entraram no Brasil, 25 014 imigrantes poloneses. No total, de 1869 a 1970, entraram no Brasil, 130 292 imigrantes de nacionalidade polonesa, tendo o maior contingente se estabelecido no Paraná. Sua presença urbana vai se acentuar a partir de 1930, quando se acelera o êxodo rural. Em São Paulo, podemos dizer que a imigração se intensifica nos períodos anteriores e posteriores às duas guerras mundiais, caracterizando-se pela presença de pequenos comerciantes, profissionais liberais e operários em geral, que trabalhavam em oficinas, serrarias, etc. Os grupos que se diferenciavam na Polônia, segundo a religião, estavam também representados em São Paulo: católicos romanos, ortodoxos, protestantes e judeus. Na Polônia antes da guerra se concentrava a maior população de origem judaica da Europa. (Documentos, Memorial do Imigrante, SP).

Além disso, havia inúmeras etnias em convívio, independentemente da língua falada, costumes e religião. Segundo Gardolinski, 19.., “Precisamos considerar que uma das regiões da Polônia que forneceu apreciáveis contingentes de colonos para o Rio Grande do Sul era a Pomerânia (Pomorze) e a Silésia (Slask). Grande parte dessas regiões, densamente habitadas por poloneses, foi anexada pela Alemanha durante vários desmembramentos da Polônia. É bastante provável, pois, que os poloneses já fizessem parte das primeiras levas de emigrantes que se estabeleceram no Rio Grande do Sul desde 1849”. Essas questões que valem evidentemente para São Paulo, se colocam para a análise das identidades e das redes que os poloneses estabeleceram em São Paulo. A maior parte dos imigrantes poloneses que veio para o Brasil provinha de regiões ocupadas pelos russos, Centro, Leste e o Norte da Polônia até as fronteiras com a Ucrânia, levas compostas em quase 90% por camponeses que não traziam bens materiais e intelectuais, sem nenhum apoio do seu governo, o que só foi amenizado pelo contingente de religiosos que os acompanhou. A época da “febre imigratória” dos poloneses foi a década final do século XIX, quando entraram 63

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500 colonos. Após esse período a imigração é retomada em 1907, decai de 1914 a 1918, para aumentar depois da guerra.6

Quanto aos Ucranianos, localizados em grande parte, em São Caetano e bairros vizinhos, assim como os poloneses, com algumas diferenças, sua emigração em grandes levas, também remonta ao final do século XIX, em função da retaliação de suas terras e difíceis condições de vida, e pode ser identificada em três fases: 1) a primeira, no final do século XIX, quando milhares de pessoas abandonam suas terras principalmente nas províncias ocidentais, então incorporadas ao Império Austro- Húngaro; 2) a segunda, no final da 1a. guerra, em função do insucesso da independência proclamada pela Ucrânia; 3) a terceira, após a segunda guerra7, quando saíram os maiores contingentes, perto de 200.000 pessoas, entre operários, prisioneiros de guerra, refugiados políticos, soldados em geral, que lutaram ao lado dos alemães. A origem e a composição das diferentes levas era bastante diferenciada. Para os provenientes das províncias ocidentais como Galícia e Volynia, dependendo do momento, receberam passaportes austro- húngaros e noutro, passaportes russos. Muitas vezes esses imigrantes haviam também perdido a nacionalidade e entravam como apátridas. Outros imigrantes, refugiados em território polonês nas primeiras décadas do século XX, acabavam saindo com documentos emitidos pela Polônia. Até 1914, os ucranianos no Brasil totalizam 45.000 pessoas, havendo entretanto algumas controvérsias. Há dados que indicam 153.000 ucranianos no Brasil em 1972, a maioria nos estados do sul e 14.000 em São Paulo. Sobre a chegada dos ucranianos a São Caetano, os números são imprecisos, havendo indicações de algumas famílias em 1929, em São Caetano Jornal. O fato é que a primeira entidade ucraniana é fundada na Vila Bela, em dezembro de 1929, com 18 pessoas presentes, a União Popular Ucraniana. Em abril de 1947 chegam a São Caetano os primeiros integrantes da nova onda imigratória, articulando-se com os que já viviam na cidade, segundo as atas das entidades. Na primeira fase da Sociedade Ucraniana Unificada, de 1949 a 1968, só se aceitava cidadãos ucranianos. A partir de 68, começou-se a admitir descendentes, nascidos no Brasil. Os ucranianos chegados entre 1947-49, estão entre os imigrantes que pediram visto de saída para os EUA e Canadá, num número bastante significativo em relação ao restante do grupo. Sua entidade, hoje denominada Sociedade Unificação, que no início congregava 750 famílias, hoje conta com 250.

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Dados obtidos em: Sampaio, Francisco , “A imigração polonesa em São Paulo”, Exposição no Memorial do Imigrante, maio/julho de 1999.

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Quanto aos húngaros, sua história emigratória relaciona-se bastante ao seu passado de invasões, primeiro pelos turcos, depois pelos otomanos, no início do século XVI, quando a Hungria se divide em três partes. Os Habsburgos, da Áustria conseguiram uma certa unificação com a formação do Império Austro- Húngaro, em 1867, com a união das 2 cidades antes separadas, Buda e Pest. Por volta de 1890, há uma primeira leva de imigrantes húngaros que se dirige ao RGSul, Paraná e Sta. Catarina, formada principalmente por camponeses. No século XX, como se sabe, o Império Austro-Húngaro e a Alemanha dão início à Primeira Guerra Mundial. Com a derrota e o desmantelamento do Império, a Hungria perde 2/3 do seu território. Após a guerra, nova leva se dirige ao Brasil, desta vez um grupo de pequenos proprietários rurais, chegando com passaportes dos vários países anexadores: Romênia, Tchecoslováquia, Iugoslávia e Áustria. No período, fundam ou revitalizam antigas associações que conservam a língua e as tradições húngaras e vão desempenhar outro tipo de funções. Na Segunda Guerra mundial, o fato da Hungria ter se colocado de novo ao lado dos alemães, fez com que seu território fosse devastado pelos aliados russos em 1945. No final da guerra, nova leva se dirigiu ao Brasil, desta vez, no contexto dos demais “deslocados de guerra”, formada por técnicos, especializados, profissionais liberais, vindos das principais cidades húngaras, formando um dos grupos mais intelectualizados entre os demais. Depois de 1949, na década de 50, sobretudo após 1956, com um levante nacionalista sufocado pelo Exército Soviético, há uma nova leva de imigrantes húngaros que entram em São Paulo8.

A imigração das populações que constituem os chamados países Bálticos no Brasil, teve início na década de 20 do século XX., tendo chegado até 1930, cerca de 40 000 lituanos, que somados aos descendentes, hoje seriam 100 000. A primeira imigração oficial lituana foi intermediada pelo Patronato Agrícola, uma sociedade de fazendeiros de café e cana de açúcar do estado de São Paulo. Alguns se dirigiram para os estados do Sul, mas dos que ficaram no estado de São Paulo, parte se dirigiu ao interior do estado, formando uma comunidade com os demais países bálticos, na região de Tupã, a comunidade de Palma, que atualmente está em vias de desaparecimento. Dos que ficaram em São Paulo, há uma grande concentração na Zona Leste da cidade, especialmente na Vila Zelina.Apenas entre 1945 e 1958, consta registro de entrada de 20 000 lituanos no estado de São Paulo. Há entre os lituanos, pessoas de outras etnias, como judeus e russos que entravam no Brasil com documentação lituana. (Memorial do Imigrante, Documentos 5 e 6, Ramos e Alvim, 1994). .Nas últimas décadas do Século XVIII, o país é dividido entre a Rússia e a Prússia. Durante a 1a.Guerra Mundial, a

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Informações obtidas em: Magia Magiar, Imigração e Cultura Húngara, folheto organizado pelo Memorial do Imigrante, por ocasião da Exposição sobre a Imigração Húngara, 1992.

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região é invadida pela Alemanha, o que estimula a proclamação da sua independência da Rússia em 1918. Durante a Segunda Guerra Mundial, em 1940, é anexada à então URSS. Em 1941, novamente é retomada pela Alemanha, mas em 1944, durante a ofensiva soviética volta à Rússia. Em 1988 forma -se o Movimento Lituano pela reconstrução (SAJUDIS), que lidera manifestações de massa contra a “russificação” do país até a independência, em 1991. É bastante conhecida a Igreja Lituana na Vila Zelina em São Paulo. Juntamente com os outros dois países bálticos, os imigrantes têm uma profunda fé na revelação de Deus que os havia orientado para o Brasil e de que deveriam ficar juntos num só lugar. Outra vertente religiosa é a de orientação Batista, como é o caso da comunidade de Palmas, sobretudo os letos.

No caso da Letônia, uma propaganda do Brasil iniciou a emigração em1890. Neste ano um pastor luterano organiza uma agência de imigração para o Brasil. Então, 25 famílias partem de Riga para Sta. Catarina. Em 1892, outro grupo de letos se estabelece no RGSUL e o fluxo se mantém por alguns anos. È no século XX que os letos passam a se dirigir a São Paulo, a partir de 1906, como agricultores, para Corumbataí/ Nova Odessa, Nova Europa, São José dos Campos. Com os lituanos fundam a Colônia Varpa em Tupã, sendo sua religião, a batista. A imigração dos bálticos em geral, não era bem vista pelo governo brasileiro, por temer, de um lado, a entrada de “comunistas”, e por outro, por considera-los maus agricultores. Até 1934, o número oficial de letos era de 3 331 pessoas. Com a legislação restritiva, há uma redução da entrada dos baltas, até o pós segunda guerra. A imigração leta está profundamente vinculada a líderes religiosos batistas que organizaram a vinda da maioria desses imigrantes para São Paulo. Em São Paulo há uma Igreja Batista Leta no Bairro do Pacaembu. A Estônia, o 3o. país balta, também sofreu processo semelhante aos outros no que

se refere à dominação russa e às levas d e emigração para o Brasil. No conjunto, os baltas representam 9,8% do grupo dos “deslocados de guerra”.

No caso da imigração russa para o Brasil, ela pode ser sintetizada em 3 momentos mais importantes: a partir de 1906, uma primeira leva eminentemente camponesa e por motivos religiosos; uma segunda durante e após a Revolução Comunista, de 1918 a 1925, anos 30, quando a emigração russa tomou três rotas diferentes: pelos países Bálticos, pela Ilha de Lemmos e Gallipoli e pela China, pontos a partir dos quais os russos se dispersaram pelo mundo. Um terceiro momento é representado pela Segunda Guerra Mundial, constituída basicamente por aqueles que escaparam da repatriação forçada na Europa e na China e vieram para o Brasil.9 De 1906 a 1920, a presença de russos no estado de São Paulo

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caracterizou-se basicamente por camponeses dirigidos às fazendas de café para integrar núcleos coloniais e colônia. Como nesse momento se privilegiava a imigração para a agricultura, escondia-se o verdadeiro grau de instrução e a habilidade profissional, segundo relatos de descendentes fornecidos ao Memorial do Imigrante. No final dos anos 30, os imigrantes são filhos de advogados, empresários, engenheiros, juízes, professores, técnicos, oficiais do Exército russo. (Freitas, op. Cit.).“A Segunda Guerra alteraria o mapa da Europa e, novamente, o destino do povo russo. Entre os radicados na Iugoslávia, houve a esperança de que os alemães derrotassem a União Soviética. Renasceu o sonho de poder voltar ao seu país. Por um lado, formou-se um contingente de imigrantes para ajudar na luta contra o comunismo. Por outro, muitos soldados soviéticos foram feitos prisioneiros pelos alemães e, muitos civis levados para campos de trabalhos forçados na Alemanha”. (Freitas, op.cit.). Assim se formou, no final da guerra, parte do contingente constituído por russos e outras nacionalidades que seria conhecido como “deslocados de guerra”. P

Pelo exposto até aqui, a experiência imigratória do grupo de “deslocados de guerra” em São Paulo não se resume à adaptação, certamente penosa, em todos os casos, à vida e à sociedade paulistana. À reconstrução das vidas e das famílias num país estrangeiro e cujo processo de ajustamento era por certo muito mais difícil do que nos casos dos imigrantes de origem latina, somavam-se questões políticas muito próximas à toda a experiência européia que os países envolvidos na guerra passariam terminado o conflito. O papel desempenhado pelas comunidades étnicas nesse processo, particularmente as organizações religiosas, as Igrejas, as associações, adquiriram um peso político adicional para essas nacionalidades, como no caso da Sociedade Ucrânia Livre: “no seu Estatuto, está inserido um documento intitulado: ‘Linhas ideológicas básicas da Sociedade Ucrânia Livre’, que demonstra, de forma inequívoca, que os dirigentes e associados não estavam empenhados em reunir a comunidade ucraniana residente no Brasil e, em particular, em São Caetano: seus interesses estavam voltados para o desenrolar dos acontecimentos político-sociais na Ucrânia da época”. Ou seja, “os reais interesses do povo ucraniano se resumem no estabelecimento de um país soberano, democrático e republicano (clara alusão à Rússia imperial e ao governo soviético instalado no começo dos anos 20”. Javanovic, op. cit. Esse fato tem uma indicação clara de que “a primeira corrente imigratória presente em São Caetano, se compunha de dois tipos básicos de pessoas: um grupo de ex-oficiais do Exército ucraniano e um grupo de trabalhadores que abandonaram suas terras em decorrência das precárias condições de vida”. (Jovanovic, op.cit.). Essas observações valem também para os russos e para as outras comunidades presentes em São Paulo. Se, por um lado, interessava reconstruir as vidas pessoais e familiares num país de inúmeras possibilidades, que lhes permitiria “esquecer, perder-se no mundo”, não serem mais

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