• Nenhum resultado encontrado

CONFLITOS ENTRE CRESCIMENTO POPULACIONAL E USO DOS RECURSOS AMBIENTAIS EM BACIAS HIDROGRÁFICAS DO ESTADO DE SÃO PAULO

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "CONFLITOS ENTRE CRESCIMENTO POPULACIONAL E USO DOS RECURSOS AMBIENTAIS EM BACIAS HIDROGRÁFICAS DO ESTADO DE SÃO PAULO"

Copied!
34
0
0

Texto

(1)

CONFLITOS

ENTRE CRESCIMENTO POPULACIONAL

E USO DOS RECURSOS AMBIENTAIS

EM BACIAS HIDROGRÁFICAS

DO ESTADO DE SÃO PAULO

Daniel Joseph Hogan1 Roberto Luiz do Carmo Izilda Aparecida Rodrigues Humberto Prates da Fonseca Alves

1 INTRODUÇÃO

No período de pós-transição demográfica que se anuncia, a questão do equilíbrio entre população e recursos não poderá ser reduzida à antiga fórmula da pressão de números sobre recursos. Em trabalhos anteriores, criticamos a colocação simplista neo-malthusia-na e procuramos ampliar o escopo da análise (Hogan, 1991, 1998; Hogan, Carmo, Rodrigues, 1997). Mas, mesmo depois de limpar o terreno do entulho de debates antigos, a necessidade de equacionar a disponibilidade de recursos e seu uso pela população, permanece. No esforço de esclarecer esta problemática e elaborar uma nova aborda-gem da relação entre população e recursos naturais, temos examinado a situação da qualidade ambiental e desenvolvimento regional no contexto da Região de Campinas, (Hogan, 1997).

1 Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Núcleo de Estudos de Popu-lação (NEPO). Esse texto foi produzido no âmbito do Projeto Redistribuição da População e Meio-ambiente: São Paulo/Centro-Oeste, financiado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia/PRONEX.

(2)

O presente trabalho visa estender esta análise através de uma comparação com uma área bastante diferenciada do mesmo Estado de São Paulo. Atrás desta comparação está a noção de vocação econômico-ecológica2 de diferentes regiões de um determinado

terri-tório (estado ou nação, por ex.). Todos os valores de uma sociedade não poderão ser realizados simultaneamente no mesmo território. Assim, o equilíbrio entre preservação ambiental e desenvolvimento econômico numa região urbanizada e industrializada exigirá atenção a ações corretivas e mitigadoras de danos ambientais, visando maxi-mizar o bem-estar da população. Mas os valores de beleza natural e preservação da biodiversidade terão de ser realizados em outros espa-ços. O desafio para as sociedades contemporâneas é encontrar uma harmonia entre estes valores, sem subordinar todos eles a um desen-volvimentismo uniforme e selvagem.

Ao buscar compreender a relação população/ambiente, é preciso situá-la em ecossistemas concretos que, por sua vez, compõem o mosaico do sistema maior que os engloba. É neste sentido que comparamos as bacias hidrográficas da Região de Campinas e do Vale do Ribeira.

A sociedade maior, através da Assembléia Legislativa de São Paulo, do movimento ambiental, da imprensa e de outros setores importantes da sociedade paulista, expressou a intenção de preservar o magnífico patrimônio natural do Vale do Ribeira e do Litoral Sul de São Paulo. Por isso, na década de oitenta, parcelas significativas da Mata Atlântica dessa região foram enquadradas em várias formas de preservação. O cumprimento desta decisão implica a limitação da atividade econômica e do crescimento populacional da região.

No presente trabalho, examinamos as tendências popula-cionais das duas regiões, com o objetivo de refinar idéias de capacidade de suporte, vocação econômico-ecológica e desenvolvimento sustentá-vel. A hipótese de fundo é que só é possível pensar os limites

econômi-co-demográficos no contexto das complementaridades regionais. Essa

2 Falamos de noção para relativizar o estatuto teórico deste conceito, ou pré-concei-to, ainda não adequadamente elaborado. A idéia de vocação econômico-ecológica

– histórica e socialmente determinada – de um dado território está localizada no mesmo espaço teórico do zoneamento agro-ecológico, e explicitamente fundamen-tada no desenvolvimento sustentável. O zoneamento seria uma metodologia para operacionalizar esta noção ou pré-conceito.

(3)

busca ocorre em um panorama de conflitos de interesses, mais ou menos explícitos, conforme o grau de abstração do tema em pauta. Entre os conflitos que esta problemática encerra estão:

• preservação ambiental vs. desenvolvimento econômico, de maneira geral;

• a BPCJ vs. a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), quanto ao uso da água;

• qualidade de vida da perspectiva individual ou familiar vs. qualidade de vida da perspectiva societal;

• o ambientalismo imposto de cima vs. o projeto desenvol-vimentista da população do Vale do Ribeira.

O objetivo do trabalho, então, é apresentar uma análise tomando elementos que permitam discutir a interação entre dinâmica demográfica, essencialmente crescimento populacional, grau de urba-nização e condições de vida, e questões ambientais relevantes em duas regiões onde essa relação é distinta.

As regiões consideradas são as bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (BPCJ)3, uma região bastante urbanizada e

indus-trializada, e a bacia do Ribeira de Iguape (Vale do Ribeira), que possui o menor grau de urbanização do Estado de São Paulo (ESP).

A BPCJ forma uma das regiões mais urbanizadas e desen-volvidas do interior do Estado de São Paulo, abrangendo a Região de Campinas e parte do chamado “Eixo da Anhangüera”. O intenso processo de urbanização e industrialização ocorrido nesta região, principalmente a partir dos anos 70, tem provocado uma progressiva e alarmante degradação dos seus recursos hídricos – grande poluição e relativa escassez de água. Além disso, uma expressiva parte dos recursos hídricos da Bacia do Piracicaba é comprometida pela reversão de 31 m3/s do Sistema Cantareira para abastecimento da RMSP, o que 3 Em trabalhos anteriores, os autores estudaram as bacias dos rios Piracicaba e Capivari, uma vez que o objetivo era estudar a Região de Campinas. Ao longo dos anos 90, a implementação dos Comitês de Bacias Hidrográficas assumiu uma tal importância que passamos a adotar a classificaçao do governo estadual, incluindo os 6 municípios da bacia do Jundiaí. Embora haja sempre uma certa arbitrarie-dade na definição de bacia, optamos pela interlocução com o sistema estadual de gerenciamento de recursos hídricos, preferindo a BCPJ.

(4)

agrava o quadro de escassez e compromete o abastecimento de água, quantitativa e qualitativamente, de toda a região. Assim, considera-mos que a problemática principal a ser discutida sobre a Região da BPCJ diz respeito aos limites e perspectivas de sustentabilidade dos recursos hídricos em uma realidade de intenso desenvolvimento eco-nômico.

O Vale do Ribeira guarda os mais importantes remanes-centes florestais do estado, que acabaram por despertar a atenção nacional e internacional, desencadeando uma crescente conscientiza-ção sobre a importância da conservaconscientiza-ção desses recursos. Juntamente com isso, levantou-se uma problemática em termos de qualidade de vida, atendimento dos serviços públicos, geração de renda na região, velhos e persistentes problemas fundiários, entre outros pontos, que classificam a região como a mais carente do ESP, com indicadores sócio-econômicos desfavoráveis (Rodrigues, 1995). Assim, a discussão recairá sobre o desenvolvimento sócio-econômico e a conservação ambiental dessa região, pouco habitada mas que mostra sérios proble-mas com relação ao estabelecimento de seus residentes em termos de moradia, área de cultivo, acesso aos bens públicos, entre outros ele-mentos componentes da dinâmica sócio-econômica-ambiental.

Dessa forma, tomando-se essas regiões com realidades distintas quanto ao crescimento populacional e uso dos recursos naturais, justifica-se a identificação e análise de conflitos existentes na relação população/ambiente nessas duas regiões.

Utilizamos bacia hidrográfica como unidade espacial de

estudo por duas razões principais:

1) por ser uma unidade que faz sentido para se entender a relação população/ambiente;

2) pela incorporação do uso de bacia hidrográfica como unidade de planejamento.

São Paulo é o estado mais avançado do país em termos de gerencia-mento de recursos hídricos. Em 1991, foi aprovado o primeiro Plano Estadual de Recursos Hídricos. Atualmente, encontra-se em imple-mentação o Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídri-cos (SIGRH), que pretende regular a atuação dos Comitês de Bacias Hidrográficas no estado. Já existem 17 comitês de bacias implantados no ESP, entre eles o Comitê das Bacias do Piracicaba, Capivari e

(5)

Jundiaí – CBH-PCJ (que é o mais antigo e que serviu como modelo para outras regiões) e o Comitê da Bacia do Ribeira de Iguape e Litoral Sul – CBH-RB. O território do Estado de São Paulo foi dividido em 22 Unidades de Gerenciamento de Recursos Hídricos (UGRHIs) (ver, Anuário Estatístico de São Paulo, FSEADE, 1994).

Finalizando essa introdução é importante salientar que as informações sobre população e domicílios foram obtidas através de tabulações especiais dos Censos Demográficos do IBGE, 1980 e 19914.

Outras informações, principalmente sobre os componentes do cresci-mento populacional, foram obtidas a partir de publicações da Funda-ção SEADE.

2 CARACTERIZAÇÃO DAS REGIÕES BPCJ E VALE DO RIBEIRA

2.1 População, grau de urbanização e densidade demográfica

No período de 1970 a 1991, a Região das Bacias do Piraci-caba, Capivari e Jundiaí (BPCJ) compreendia 57 municípios (53 municípios em São Paulo e 4 municípios em Minas Gerais). Em 1991 e 1992, ocorreram vários desmembramentos de municípios, fazendo com que a região passasse a ser composta de 62 municípios a partir de 1992.

Segundo o Censo Demográfico de 1970, a população total da BPCJ era de 1.515.120 habitantes. Desse total, 76% residia na zona urbana (1.151.800 pessoas) e 24% na zona rural (363.320 pessoas). Apesar da predominância da população urbana já em 1970, ao se considerar toda a região das bacias, em algumas áreas ainda existiam contingentes significativos de população rural, como, por exemplo, nos municípios mineiros localizados nas cabeceiras da Bacia do Piracicaba, com um grau de urbanização bastante baixo, de 24,7%. Segundo Cunha (1987), os anos 70 marcaram o reflorescimento do interior paulista, que passou a se caracterizar como a segunda área de concen-tração industrial do Brasil. A relativa desconcenconcen-tração industrial a

4 Essas tabulações foram realizadas com o uso do software “Statistical Analysis System” (SAS).

(6)

partir da RMSP propiciou movimentos migratórios expressivos em direção ao Interior do Estado de São Paulo. Como uma das regiões mais atingidas pelo chamado fenômeno de “interiorização do desen-volvimento econômico” ou “desconcentração industrial”, a Região BPCJ teve, e ainda tem, uma dinâmica demográfica muito marcada pelos fluxos migratórios. A região como um todo é um centro de atração populacional. Entretanto, existem diferenciações importantes dentro da própria região, além de uma acentuada mobilidade da população no âmbito intra-regional (Rodrigues, Carmo, 1996).

Assim, em 1980, após 10 anos de intenso crescimento populacional, decorrente principalmente do processo de migração para a região, a população total da BPCJ atingiu 2.531.436 habitantes. Isso significou um aumento populacional absoluto de mais de 1 milhão de pessoas ou um aumento relativo de 67,1%, com uma taxa média de crescimento anual de 5,3% entre 1970 e 1980. O grau de urbanização da BPCJ passou dos 76% em 1970 para 85,7% em 1980. A população urbana quase dobrou, passando de 1.151.800 pessoas para 2.170.445 pessoas (aumento de 5,9% a.a.), o que demonstra o caráter urbano do aumento populacional, e principalmente da migração, no período 70/80. A população rural teve uma ligeira diminuição, passando de 363.320 pessoas em 1970 para 360.991 pessoas em 1980 (–06% a.a.), o que está apresentado nas Tabelas 1 e 2.

Entre 1980 e 1991, a BPCJ teve um aumento populacional absoluto quase igual ao período 70/80: cerca de 1 milhão de pessoas. Porém, o aumento relativo 80/91 foi menor: 40,2%. A explicação para esta queda, além do tamanho maior da base populacional sobre a qual é calculado o aumento relativo, foi a diminuição dos fluxos migratórios para a região nos anos 80 (no item 2.2, discorreremos sobre os componentes do crescimento populacional)5. Assim, a taxa anual de

crescimento da BPCJ foi de 3,1% no período 80/91, enquanto a do período 70/80 tinha sido de 5,3%. Como resultado, a população total da BPCJ atingiu 3.547.995 habitantes em 1991, sendo que 91,7% (3.255.268 pessoas) viviam nas áreas urbanas e apenas 8,2% na zona rural. No período 80/91, também houve, a exemplo do período ante-rior, uma diminuição da população rural, que passou de 360.991 pessoas para 292.727 pessoas.

5 Para uma análise da migração na Região das Bacias do Piracicaba e Capivari nos períodos 70/80 e 80/91, ver Rodrigues, Carmo (1996).

(7)

Tabela 2

AUMENTO POPULACIONAL

EM VALORES ABSOLUTOS (V. A.) E RELATIVOS (%) NOS PERÍODOS 1970/1980, 1980/1991 E 1991/1996,

DA BPCJ E DO VALE DO RIBEIRA

Aumento populacional

1970/1980 Aumento populacional1980/1991 Aumento populacional1991/1996

v.a. % v.a. % v.a. %

BPCJ 1.016.316 67,1 1.016.559 40,2 330.083 9,3

Vale do Ribeira 61.114 33,7 56.984 23,6 10.872 3,6

Fonte: Censos Demográficos de 1970, 1980, 1991 e Contagem Populacional de 1996.

Tabela 1 POPULAÇÃO TOTAL,

URBANA E RURAL E GRAU DE URBANIZAÇÃO (%), 1970/1980/1991 E 1996, DAS BACIAS DOS RIOS PIRACICABA,

CAPIVARI E JUNDIAí (BPCJ)E DO VALE DO RIBEIRA (VR)

1970 1980 1991 1996 BPCJ VR BPCJ VR BPCJ VR BPCJ VR População Total 1.515.120 181.153 2.531.436 242.267 3.547.995 299.251 3.933.188 313.035 População Urbana 1.151.800 56.227 2.170.445 127.742 3.255.268 181.785 3.651.349 200.571 População Rural 363.320 124.926 360.991 114.525 292.727 117.466 281.839 112.464 Grau de Urban. (%) 76,0 31,0 85,7 52,7 91,7 60,7 92,8 64,1 Fonte: Censos Demográficos de 1970, 1980 e 1991 e Contagem Populacional de 1996.

Tabela 3

TAXAS MÉDIAS DE CRESCIMENTO AO ANO (EM %) DO ESTADO DE SÃO PAULO,

DA BPCJ E DO VALE DO RIBEIRA

1970/1980 1980/1991 1991/1996

Estado de São Paulo 3,5 2,1 1,4

BPCJ 5,3 3,1 1,8

Vale do Ribeira 2,9 1,9 0,7

(8)

Por fim, em 1996, a população total da BPCJ já estava próxima dos 4 milhões de pessoas. Segundo os dados da Contagem Populacional de 1996, a população total da região era de 3.933.188 habitantes. Assim, o aumento populacional no período 91/96 foi de 9,3%, ou seja, uma taxa média anual de crescimento de 1,8%. Em 1996, o grau de urbanização chegou a 92,8%.

Em resumo, segundo os dados dos Censos Demográficos do IBGE, a população total residente na Região BPCJ passou de 1.515.120 pessoas em 1970 para 2.531.436 em 1980, 3.547.995 em 1991 e chegando a 3.933.188 pessoas em 1996. Já o grau de urbaniza-ção da BPCJ passou de 76% em 1970 para 85,7% em 1980, 91,7% em 1991, chegando a 92,8% em 1996 (ver Tabela 1).

O Vale do Ribeira, que agrega a bacia do rio Ribeira de Iguape e o Litoral Sul de São Paulo, era formado por 17 municípios em 1991. A maior parte destes municípios pertence à RA6 Registro,

sendo que quatro pertencem à RA de Sorocaba e um pertence à RMSP. Em 1991 e 1992, ocorreram vários desmembramentos que fizeram com que a região passasse a ser composta por 22 municípios.

O Vale do Ribeira é a região menos urbanizada do Estado de São Paulo, com grande parcela da população desenvolvendo ativi-dades agrícolas ou extrativistas. Segundo dados do Censo Demográfi-co, a população total do Vale do Ribeira era de 181.153 pessoas em 1970. Desse total, 69% vivia em áreas rurais (124.926 pessoas) e apenas 31% em áreas urbanas (56.227 pessoas). Naquele ano, o município com maior porcentagem de população urbana era Registro (grau de urbanização de 52%) e o com menor porcentagem era Barra do Turvo (grau de urbanização de apenas 8,2%).

Historicamente, o Vale do Ribeira é também uma das regiões que apresentam as menores taxas de crescimento populacional do ESP. Assim, entre 1970 e 1980, enquanto a taxa anual de cresci-mento da BPCJ foi de 5,3% e do Estado de São Paulo foi de 3,5%, o Vale do Ribeira apresentou uma taxa média anual de 2,9%. Com isso, a população passou de 181.153 habitantes em 1970 para 242.267 em 1980 (aumento populacional de 33,7%). Porém, neste período, a região acompanhou a acelerada urbanização que marcou o estado, com uma

6 Região Administrativa (RA) é uma unidade administrativa e de planejamento utilizada pelo governo do estado de São Paulo. O ESP é dividido em 15 RAs.

(9)

taxa média anual de crescimento urbano de 7,7% (na BPCJ esta taxa foi de 5,9%). Isso resultou num grande aumento do grau de urbaniza-ção, que passou de 31% em 1970 para 52,7% em 1980. Mesmo assim, este grau de urbanização é baixo se comparado ao do ESP como um todo (em torno de 88,6% em 1980). Além disso, a maioria dos municí-pios da região ainda possuía populações rurais superiores às popula-ções urbanas em 1980 (ver Tabelas 1 e 2).

Entre 1980 e 1991, a Região do Vale do Ribeira também sofreu um aumento populacional baixo se comparado à BPCJ e mesmo ao Estado de São Paulo como um todo. A população total do Vale passou de 242.267 habitantes em 1980 para 299.251 habitantes em 1991, um aumento populacional de 23,5%, com uma taxa média anual de 1,9%. Como se viu, a BPCJ teve um aumento populacional de 40,2% (3,1% ao ano), enquanto o Estado de São Paulo como um todo teve uma taxa de crescimento anual de 2,1%, no mesmo período. Em 1991, a população urbana já representava 60,7% da população total do Vale do Ribeira. Porém, mais da metade dos municípios da região ainda possuíam grau de urbanização inferiores a 50%.

Finalmente, em 1996 a população total do Vale do Ribeira atingiu 310.123 habitantes, um aumento relativo de 3,6% em relação a 1991, o que significa uma taxa média anual de crescimento de 0,7% no período 91/96. Já o grau de urbanização do Vale chegou a 64,1% em 1996.

Comparando os dados populacionais das duas regiões, três aspectos podem ser destacados. Em primeiro lugar, a significativa diferença do tamanho da população entre as duas regiões. Em 1991, a população total da BPCJ era de 3.547.995 pessoas, enquanto a popu-lação do Vale do Ribeira era de 299.251 pessoas. Ou seja, naquele ano, a BPCJ comportava uma população mais de 11 vezes superior à população do Vale. Em 1996, esta “proporção” fica ainda maior: 12,5 vezes. Esta enorme diferença de tamanho populacional implica em densidades demográficas muito maiores na BPCJ do que no Vale do Ribeira, como veremos a seguir.

Em segundo lugar, destaca-se a diferença entre os graus de urbanização das duas regiões. Na BPCJ, 92,8% das pessoas viviam em áreas urbanas em 1996, enquanto no Vale este percentual era de 64,1%. Em 1970, o grau de urbanização era de 76% na BPCJ e 31% no Vale do Ribeira.

(10)

Em terceiro lugar, e ligado ao primeiro aspecto, as duas regiões possuem dinâmicas de crescimento populacional distintas. A BPCJ é uma das regiões de maior crescimento populacional do estado, enquanto o Vale, por oposição, é a região de menor crescimento populacional do ESP.

Para termos uma dimensão dos tamanhos das populações das duas regiões, calculamos a porcentagem das populações total, urbana e rural da BPCJ e do Vale do Ribeira em relação ao Estado de São Paulo como um todo. Em 1991, a população total da BPCJ representava 11,2% da população do ESP, enquanto a população do Vale representa apenas 0,9% da população do estado. Já a população rural do Vale tem um peso relativo mais expressivo em relação à população rural do ESP: 5,2% em 1991. A população rural da BPCJ representava 12,9% da população rural do estado naquele ano. Por fim, a população urbana da BPCJ corres-pondia a 11,1% da população urbana estadual, enquanto a população urbana do Vale correspondia a 0,6%.

Quanto às densidades demográficas das duas regiões con-sideradas, em relação ao Estado de São Paulo como um todo, temos7

que as duas regiões possuem dimensões territoriais semelhantes e volumes populacionais distintos: a BPCJ tem uma área de cerca de 15 mil km2 e o Vale do Ribeira de cerca de 17 mil km2. Em 1980, as

densidades demográficas eram as seguintes: 171 hab/km2 na BPCJ e

14 hab/km2 no Vale do Ribeira. Ou seja, a população era 12 vezes mais

densa na BPCJ do que no Vale. Naquele mesmo ano, o Estado de São Paulo, com uma área de 248.600 km2, tinha uma densidade

demográ-fica de 101 hab/km2. Assim, comparando as densidades demográficas

das duas regiões com a do conjunto do estado, constatamos que o Vale do Ribeira é uma região de baixa densidade populacional em relação ao contexto estadual.

Em 1991, a diferença entre as regiões aumentou. Naquele ano, as densidades demográficas eram as seguintes: 241 hab/km2 na

BPCJ, 127 hab/km2 no ESP e 17 hab/km2 no Vale do Ribeira. Os 7 Para calcular a área de cada região, somamos a área dos municípios que as compõem. Este procedimento é correto porque a delimitação territorial das Unidades de Gerenciamento de Recursos Hídricos (UGRHIs) é estabelecida pela soma das áreas dos municípios e não estritamente pela área de drenagem das bacias hidrográficas. Não há separação da área de um município em duas UGRHIs, ou seja, estas unidades são uma espécie de “arranjo” entre as divisões naturais das bacias e as divisões municipais.

(11)

números mostram que, em 1991, a população do Vale do Ribeira era 7 vezes menos densa do que o conjunto do estado e 14 vezes menos densa do que a BPCJ. Por fim, em 1996, as diferenças ficaram ainda maiores: BPCJ (266 hab/km2) e Vale do Ribeira (18 hab/km2), ou seja,

uma densidade populacional na BPCJ 15 vezes superior ao Vale do Ribeira.

Os dados mostram, portanto, que a densidade demográfica do Vale sofreu um aumento modesto entre 1980 e 1996: passou de 14 para 18 hab/km2, refletindo o baixo aumento populacional no período.

Por outro lado, a densidade demográfica da BPCJ aumentou conside-ravelmente, passando de 171 hab/km2 para 266 hab/km2 no mesmo

período.

2.2 Componentes do crescimento populacional

Segundo dados da Fundação SEADE (1992)8, o aumento

populacional do conjunto dos municípios paulistas da Região da BPCJ entre 1970 e 1980 foi de 983.428 pessoas, sendo que 63,8% (627.379 pessoas) deveu-se ao saldo migratório (imigrantes menos emigrantes) e 36,2% (356.049 pessoas) ao crescimento vegetativo, evidenciando a importância da migração no aumento da população regional entre 1970 e 1980.

Já no Vale do Ribeira, o crescimento populacional no período 70/80 foi bem menor: 61.114 pessoas, um aumento de 33,7% em relação à população de 1970. O crescimento vegetativo foi respon-sável por 87,6% do aumento populacional, e o saldo migratório por apenas 12,4% do aumento.

Os números mostram que as duas regiões tiveram padrões de crescimento populacional bastante distintos na década de 70. Na BPCJ, verificou-se um expressivo aumento populacional, calcado prin-cipalmente no componente migratório. No Vale do Ribeira, ao contrá-rio, ocorreu um aumento populacional relativamente pequeno, que deveu-se basicamente ao componente vegetativo.

8 Para analisar os componentes do crescimento populacional nos períodos 70/80 e 80/91, utilizamos os dados da publicação Novo Retrato de São Paulo (1992), da FSEADE. Como os dados populacionais desta publicação referem-se apenas aos municípios do Estado de São Paulo, os municípios mineiros da Região da BPCJ não foram contemplados neste item.

(12)

No período 80/91, o saldo migratório foi responsável por 41,6% do crescimento populacional da BPCJ, ficando o saldo vegeta-tivo responsável por 58,4% do crescimento. Observa-se, assim, a redução da importância relativa da migração para o aumento popula-cional nos anos 80.

Tabela 3a(1)

COMPONENTES DO CRESCIMENTO POPULACIONAL (CRESCIMENTO VEGETATIVO E SALDO MIGRATÓRIO)

DA BPCJ, DO VALE DO RIBEIRA E DO ESTADO DE SÃO PAULO, 1970/80

1970/1980 Aumento

Pop. (v.a.)

Crescimento Vegetativo Saldo Migratório

v.a. % v.a. %

BPCJ 983.428 356.049 36,2 627.379 63,8

Vale do Ribeira 61.114 53.536 87,6 7.579 12,4

ESP 7.268.764 4.185.591 57,6 3.083.173 42,4

Fonte: Novo Retrato de São Paulo, 1992.

(1) Existe uma pequena diferença entre os números que são fornecidos pelo IBGE e pela Fundação SEADE. Entretanto, essa diferença, que pode ser observada comparando as Tabelas 1 e 3, não influenciam a análise que realizamos.

Tabela 3b

COMPONENTES DO CRESCIMENTO POPULACIONAL (CRESCIMENTO VEGETATIVO E SALDO MIGRATÓRIO)

DA BPCJ, DO VALE DO RIBEIRA E DO ESTADO DE SÃO PAULO, 1980/91

1980/1991 Aumento

Pop. (v.a.)

Crescimento Vegetativo Saldo Migratório

v.a. % v.a. %

BPCJ 1.001.593 584.653 58,4 416.940 41,6

Vale do Ribeira 57.738 72.955 126,4 –15.217 –26,4

ESP 6.505.761 5.919.097 91 586.664 9

(13)

No Vale do Ribeira, as mudanças na dinâmica demográfica também foram importantes. Entre 1980 e 1991, o aumento populacio-nal foi de 23,8%, enquanto no período 70/80 havia sido de 33,7%. Entretanto, a mudança mais significativa ocorrida no período 80/91 foi que, no conjunto da região, houve um saldo migratório negativo de 15.217 pessoas.

2.2.1 Importância da questão migratória nos contextos regionais Conforme já salientamos no decorrer do texto, a BPCJ é muito mais populosa e mais densamente povoada do que o Vale do Ribeira. Além disso, as taxas de crescimento das duas regiões são bem diferentes.

No entanto, nas duas regiões, as taxas de crescimento têm sido decrescentes, resultado da combinação de dois fatores: diminuição das taxas de fecundidade e mudanças no padrão migratório. Vamos nos deter aqui sobre a questão das mudanças no padrão migratório.

Por um lado, na BPCJ9 o saldo migratório ainda

repre-senta uma parcela importante do crescimento populacional, enquanto no Vale do Ribeira o saldo migratório negativo (no período 1980/91) foi um fator importante para a ocorrência de baixas taxas de cresci-mento. A importância da migração é, portanto, oposta para as taxas de crescimento em cada uma das regiões.

Ainda não dispomos dos dados de 1996 sobre os componen-tes do crescimento populacional, entretanto não deve ter ocorrido uma mudança significativa nas tendências verificadas no período 1980/1991. Ou seja, a BPCJ ainda deve continuar atraindo um contin-gente migratório significativo, embora proporcionalmente decrescen-te, enquanto o Vale do Ribeira, tendo em vista que não ocorreram mudanças que poderiam fazer com que eventualmente houvesse um deslocamento populacional em direção àquela região, deve continuar como área de não retenção de população.

É importante destacar algumas características marcantes da dinâmica migratória na BPCJ e as mudanças ocorridas no período que compreende as décadas de 70 e 80. O primeiro ponto a se destacar

9 Para uma discussão mais detalhada sobre a dinâmica migratória ver Hogan, Carmo, Rodrigues (1997).

(14)

é a importância do contingente de imigrantes vindos da RMSP. Esse deslocamento é, em grande parte, resultante do processo de descon-centração industrial promovido pelo governo do Estado de São Paulo a partir da década de 70. Esse contingente aumentou sua participação proporcional como região de origem dos imigrantes que chegaram na Região BPCJ. Outro aspecto importante foi a mudança, em termos de UF de residência anterior, dos imigrantes que chegaram na região. Se na década de 1970 predominavam as pessoas chegadas principalmente do Paraná e de Minas Gerais, na década de 80 verificou-se uma diminuição significativa dos contingentes originários desses estados, passando a ter uma importância maior o contingente populacional vindo do Nordeste. Podemos fazer uma leitura no sentido da consti-tuição de redes, a partir do deslocamento de pessoas originárias do Nordeste, que depois de tentarem se estabelecer sem sucesso na RMSP, acabaram vindo residir na região e, devido às possibilidades relativamente melhores, acabaram incentivando a vinda de parentes e amigos. Outro aspecto relevante da dinâmica migratória foi o au-mento da mobilidade intra-regional: a diminuição da chegada de pessoas à região foi contrabalançada pelo aumento da mobilidade dentro da própria BPCJ, ou seja, as pessoas deslocaram-se mais entre os municípios da própria BPCJ na década de 80 do que na década de 70. E esse deslocamento populacional envolveu principalmente a região de maior dinamismo econômico: Campinas10 e municípios

cir-cunvizinhos.

No Vale do Ribeira a situação é bem diferenciada. Enquan-to na década de 70 o saldo migratório foi responsável por algo em Enquan-torno de 12% do crescimento populacional, no período 1980/91 houve um saldo negativo da ordem de 15 mil pessoas. Tendo em vista que a região recebeu e reteve durante a década algo em torno de 40 mil pessoas (mais de 70% vindas do próprio Estado de São Paulo), conclui-se que a região deve ter expulsado durante esse período cerca de 55 mil pessoas11. O número de mudanças de municípios dentro da própria

região é praticamente desprezível.

10 Temos uma lacuna aqui, considerando que ainda não trabalhamos, em termos regionais, o Município de Jundiaí.

11 É preciso ter cautela com esses números, uma vez que dizem respeito a fontes diferentes: Novo Retrato de São Paulo (saldo migratório) e tabulações especiais do Censo (número de imigrantes).

(15)

Comparando os saldos migratórios das duas regiões, no período 1980/91, pode ser melhor compreendida a diferença entre as duas regiões: mais 416 mil pessoas na BPCJ contra menos 15 mil pessoas no Vale do Ribeira.

2.3 Saneamento básico

(condição dos domicílios quanto

ao abastecimento de água e infra-estrutura sanitária) das Regiões BPCJ e Vale do Ribeira

A atenção dada neste texto aos serviços de água e esgoto se explica por dois motivos principais. Por um lado, é o mais impor-tante indicador ambiental disponível para caracterizar os municípios, nos mesmos períodos de tempo. Como a informação é do boletim universal do censo demográfico, guarda as mesmas qualidades e defeitos dos dados populacionais examinados. Permite-se, também, conduzir uma análise temporal em paralelo com estes dados. Além desta consideração metodológica, a questão dos recursos hídricos é um dos fatores mais centrais à problemática ambiental. Considerando a sociedade de maneira mais ampla, a captação e tratamento de água, assim como a coleta e tratamento (ou não) dos esgotos implicam em impactos substanciais ao meio-ambiente, aos orçamentos públicos e ao equacionamento das forças políticas de qualquer região.

Considerando o nível domiciliar, a disponibilidade destes serviços é o indicador mais importante – tomado isoladamente – na avaliação da qualidade ambiental da população. A bibliografia demo-gráfica enfatiza, há muito tempo, a contribuição de água encanada para os níveis de mortalidade infantil. Mas, o mesmo é verdade para as demais faixas da população, e o fator de higiene na manutenção da saúde é fundamental, (World Bank, 1993). Água e esgoto, então, representam a qualidade ambiental doméstica em geral, além de possuírem este peso específico.

2.3.1 Condição dos domicílios em relação ao abastecimento de água Segundo os dados do Censo Demográfico de 198012, dos

576.574 domicílios da BPCJ, 79,6% eram ligados à rede geral de água

12 Os censos demográficos do IBGE de 1980 e 1991 dividiram os domicílios inicial-mente em dois grupos: com canalização interna e sem canalização interna. Cada

(16)

(74,5% com e 5,1% sem canalização interna) e 18,5% abasteciam-se de poço ou nascente (9,5% com e 9% sem canalização interna).

Já no Vale do Ribeira, a infra-estrutura de abastecimento de água era bem mais deficiente do que na BPCJ. Dos 50.742 domicí-lios localizados na região do Vale em 1980, 43,6% estavam ligados à rede geral de água (36,6% com e 7% sem canalização interna) e expressivos 47,7% utilizavam poço ou nascente (11,4% com e 36,3% sem canalização interna).

Portanto, tomando-se as áreas totais das duas regiões, observa-se uma grande diferença em relação ao abastecimento de água em 1980. Enquanto na BPCJ os níveis de cobertura da rede de água chegavam a 80% dos domicílios, no Vale esta porcentagem não atingia 45%. No entanto, dividindo os domicílios de ambas as regiões em áreas urbana e rural, observamos uma grande variedade de situações.

As áreas urbanas da BPCJ e do Vale do Ribeira apresen-tavam, respectivamente, 84,3% e 66,3% dos domicílios ligados à rede geral com canalização interna e apenas 8,43% e 18,3% abastecidos por poço/nascente. Os dados mostram, portanto, uma condição satisfató-ria de abastecimento de água da maior parte dos domicílios urbanos em ambas as regiões já em 1980.

Em oposição às áreas urbanas, as condições de abasteci-mento de água dos domicílios das áreas rurais de ambas as regiões eram bastante precárias em 1980. Na BPCJ, 10,5% dos domicílios rurais ligavam-se à rede geral com canalização interna, sendo que 84,9% abasteciam-se por poço ou nascente (46,7% com e 38,2% sem canalização interna). Na área rural do Vale do Ribeira, a situação era ainda mais desfavorável: 3,8% possuíam rede geral com canalização interna, enquanto 80,28% consumiam água de poço/nascente (62,6% sem canalização interna).

Da exposição dos dados acima, destacam-se os seguintes aspectos:

um desses grupos, por sua vez, foi subdividido e ligados à rede geral, abastecidos por poço ou nascente e outros. Na nossa exposição, não apresentamos todas essas categorias, pois isso tornaria o texto muito longo e aborrecido. Optamos por destacar apenas as categorias mais importantes em cada situação.

(17)

• em 1980, 87% dos domicílios da BPCJ eram urbanos, enquanto no Vale do Ribeira essa porcentagem era de 53%;

• é muito grande a disparidade entre as áreas urbanas e rurais em termos de condição de abastecimento de água, tanto no Vale quanto na BPCJ;

• o número de domicílios na BPCJ é mais de 11 vezes superior ao Vale do Ribeira. Inclusive, o número de domicílios rurais da BPCJ é superior ao total de domicí-lios do Vale. Assim, é interessante observar que no interior da BPCJ existe uma população rural superior à população total do Vale e que apresenta condições de abastecimento de água bastante precárias em compara-ção com as áreas urbanas da BPCJ.

De 1980 para 1991, a distribuição percentual dos domicí-lios em relação às condições de abastecimento de água alterou-se bastante, nas duas regiões consideradas. Segundo os dados do Censo de 1991, do total de 899.809 domicílios da BPCJ, 87% eram ligados à rede geral de água com canalização interna e 10,2% eram abastecidos por poço ou nascente (8,89% com e 1,3% sem canalização interna). No Vale do Ribeira, em 1991, dos 64.67213 domicílios, 55,3% ligavam-se à

rede geral de água com canalização interna e 34,3% abasteciam-se por poço ou nascente (17,7% com e 16,6% sem canalização interna).

Observando-se estes dados, é importante destacar a expan-são da cobertura de abastecimento de água, nas duas regiões conside-radas, entre 1980 e 1991. O que chama a atenção é o fato de que o aumento da porcentagem de domicílios atendidos pela rede de água ocorreu no contexto de um forte crescimento populacional, particular-mente na Região da BPCJ. Parte dessa expansão dos serviços deve estar relacionada ao caráter do processo de expansão das próprias cidades, ocorrido no período anterior. A ocupação de áreas não contí-guas, afastadas do núcleo central da cidade, criando espaços vazios entre as novas áreas loteadas (ver Zimmerman, 1988; Kowarick, 1983), acabou exigindo um esforço do setor público para expandir o

13 Nos dados de saneamento do Vale do Ribeira de 1991, não está incluído o Município de Juquitiba.

(18)

serviço de saneamento até essas regiões mais distanciadas. No período seguinte, os espaços que até então permaneciam vazios, beneficiaram-se, em grande parte, do sistema que já estava sendo implementado. A verticalização de bairros residenciais já servidos por sistemas de água e esgoto também se constituiu em um fator responsável pelo aumento relativo da cobertura dos serviços, ao mesmo tempo em que acabou gerando uma pressão sobre a rede física desses serviços, o que se reflete em freqüentes rupturas de adutoras de água e emissários de esgotos. Assim, na BPCJ, o número de domicílios passou de 576.574 em 1980 para 899.809 em 1991, um aumento de 56,1%. Já a porcen-tagem de domicílios atendidos pela rede com canalização interna passou de 74,5% em 1980 para 87% em 1991. Isto significa que a extensão da cobertura do serviço de abastecimento de água, estimada em cerca de 82,3%, foi superior ao aumento no número de domicílios. No Vale do Ribeira, o número de domicílios passou de 50.742 em 1980 para 64.672 em 1991, um aumento de 27,4%. Já a porcentagem de domicílios atendidos pela rede com canalização inter-na aumentou de 36,6% em 1980 para 55,3% em 1991, o que significa um aumento de 92,4%. Assim, em termos relativos, o aumento da cobertura da rede de abastecimento de água no Vale do Ribeira foi superior ao da BPCJ entre 1980 e 1991.

Como seria de se esperar, a grande extensão da cobertura das redes de abastecimento de água ocorreu basicamente nas áreas urbanas das duas regiões consideradas. Como resultado, a porcentagem de domicílios urbanos ligados à rede geral cresceu nas duas regiões. Assim, em 1991, 92,8% dos domicílios urbanos da BPCJ e 86,5% dos do Vale do Ribeira possuíam rede de água com canalização interna.

Já nas áreas rurais de ambas as regiões, a situação dos domicílios em relação ao abastecimento de água ainda era bastante precária em 1991. A despeito disso, houve um significativo aumento da porcentagem de domicílios rurais com canalização interna no período 80/91. Assim, na área rural da BPCJ, a porcentagem de domicílios abastecidos por poço/nascente com canalização interna passou de 46,7% para 69,7% e a de domicílios ligados à rede com canalização interna passou de 10,5% para 17% entre 1980 e 1991. Cabe observar, porém, que houve uma diminuição do número de domicílios rurais da BPCJ, de 76.316 em 1980 para 68.765 em 1991.

(19)

Figura 1 ABASTECIMENTO DE ÁGUA DA BPCJ, 1980 Figura 2 ABASTECIMENTO DE ÁGUA DO VALE DO RIBEIRA, 1980 Poço/Nas s/Can. 9% Poço/Nas c/Can. 10%

Rede Geral s/Can. 5%

Rede Geral c/Can. 74% Outros 2% Poço/Nas s/Can. 36% Poço/Nas c/Can. 11% Rede Geral s/Can.

7% Rede Geral c/Can.

37%

Outros 9%

(20)

Figura 3 ABASTECIMENTO DE ÁGUA DA BPCJ, 1991 Figura 4 ABASTECIMENTO DE ÁGUA DO VALE DO RIBEIRA, 1991 Rede Geral c/Can.

87%

Poço/Nas c/Can. 9%

Rede Geral s/Can. 1% Poço/Nas s/Can. 1% Outros 2% Poço/Nas s/Can. 17% Poço/Nas c/Can. 18%

Rede Geral s/Can. 3% Rede Geral c/Can.

55%

Outros 7%

(21)

Considera-se que o maior diferencial, em termos de quali-dade de vida, é a ligação ou não à rede geral. Entretanto, em situações rurais, onde é difícil o acesso às redes de água – por questões inclusive técnicas –, geralmente está em melhores condições aquela família que reside em domicílio que possui canalização interna de água.

No Vale do Ribeira, a queda na porcentagem de domicílios rurais sem canalização interna também foi significativa. Em 1991, os domicílios rurais abastecidos por poço ou nascente sem canalização interna eram 35,4% (contra 62,6% em 1980). Já, os domicílios ligados à rede com canalização interna passaram de 3,9% em 1980 para 10,8% em 199114. Além disso, ao contrário da BPCJ, houve um aumento,

ainda que modesto, do número de domicílios rurais no Vale, que passaram de 24.117 para 26.646 entre 1980 e 1991.

Da análise dos dados acima, merece destaque, como foi dito, a grande expansão da cobertura das redes de abastecimento de água nas duas regiões entre 1980 e 1991, com aumento da porcentagem de domicílios atendidos, a despeito do acentuado crescimento populacio-nal verificado no mesmo período (principalmente na BPCJ). Isso mos-tra que existe uma tendência dos serviços de abastecimento de água virem a atender, no médio prazo, quase a totalidade dos domicílios da Região da BPCJ e a maior parte dos domicílios do Vale do Ribeira.

Porém, se por um lado essa extensão representa uma melhora das condições de vida nos domicílios da Região da BPCJ, pois a grande maioria desses domicílios é abastecida pela rede geral de água, por outro lado, o aumento da cobertura de abastecimento de água aumenta também a já excessiva demanda de recursos hídricos naquela região, agravando ainda mais o quadro de crise hídrica e de ultrapassagem do limite de recursos hídricos (ou da capacidade de suporte hídrica). Ou seja, nota-se, assim, um aparente paradoxo, pois se o maior número de domicílios ligados à rede de abastecimento de água indica a possibilidade de melhora na qualidade de vida, indica também um aumento do consumo e conseqüentemente a possibilidade de atingir-se mais rapidamente o limite de recursos hídricos.

14 É importante observar que esses dados expressam dois fenômenos distintos: 1) revelam uma melhora propriamente nas condições de abastecimento de água dos moradores das áreas rurais;

2) refletem a migraão rural-urbana: as pessoas que emigraram foram, provavel-mente, as que estavam residindo nos domicílios em piores condições.

(22)

Para diminuir o impacto resultante da expansão da rede de distribuição de água tratada, são fundamentais dois tipos de atuação dos agentes responsáveis pelo serviço de abastecimento. Primeiro no sentido de diminuir as perdas, que ocorrem devido a problemas operacionais existentes na própria rede. Em alguns casos as empresas administrado-ras do serviço reconhecem perdas que chegam a 40% da água tratada, antes de chegar ao destinatário final. Ao mesmo tempo, as empresas que administram esses serviços devem agir no sentido de conscientizar o consumidor a fim de racionalizar e diminuir o consumo de água. 2.3.2 Condição dos domicílios em relação à instalação sanitária15

Segundo o Censo Demográfico de 1980, os 576.574 domi-cílios localizados na BPCJ apresentavam as seguintes condições em relação à instalação sanitária: 67,9% eram ligados à rede geral de esgoto, 11,3% tinham fossa séptica, 16% possuíam fossa rudimentar, 3% não tinham nenhum tipo de instalação sanitária e 1,6% classifica-vam-se na categoria “outro”.

Dos 50.742 domicílios localizados no Vale do Ribeira em 1980, apenas 12,8% eram ligados à rede geral de esgoto, 23,1% pos-suíam fossa séptica, expressivos 39,3% pospos-suíam fossa rudimentar, 17,4% não possuíam instalação sanitária e 7,2% classificavam-se na categoria “outro”. Os dados revelam portanto a precariedade das condições de saneamento básico no Vale do Ribeira.

Com relação à BPCJ, apesar da região, quando tomada no seu conjunto, apresentar níveis de cobertura da rede de esgotos relativamente altos em relação à média nacional (que é de cerca de 35%), uma análise das áreas urbana e rural mostra situações bastante diferenciadas. No Vale, essas diferenças também são grandes.

Considerando a situação rural e urbana dos domicílios temos que, na área urbana da BPCJ, 77% dos domicílios eram ligados à rede geral de esgoto, 8,9% tinham fossa séptica, 11,9% possuíam fossa rudimentar e apenas 1,3% não tinham instalação sanitária. No

15 A informação sobre a instalação sanitária possui um problema intrínseco relacionado com a qualidade da declaração. Nem sempre o informante tem condições de declarar corretamente qual o destino final do esgoto. Além disso, ocorrem problemas de reclassificação, ou seja, áreas que por uma série de fatores passam a ter características tipicamente urbanas, mas que continuam classificadas como rurais.

(23)

Vale do Ribeira, diferentemente das condições de abastecimento de água, a situação dos domicílios urbanos em relação à instalação sanitária era bastante deficiente em 1980: apenas 22,3% ligavam-se à rede de esgotos, enquanto 32,3% tinham fossa séptica, 30,4% tinham fossa rudimentar, 5,4% não tinham instalação sanitária e 9,1% classi-ficavam-se na categoria outros. Uma das razões que explicam esses números é que grande parte dos municípios do Vale não possuíam (e muitos ainda não possuem até hoje) serviços de rede de esgoto.

Já nas áreas rurais, a condição dos domicílios em relação à instalação sanitária era bastante precária em ambas as regiões. Na BPCJ, apenas 8,5% dos domicílios rurais estavam ligados à rede geral de esgoto, 27,8% possuíam fossa séptica, 43% possuíam fossa rudimen-tar e 13,7% não possuíam instalação sanitária. Porém, é a área rural do Vale do Ribeira que realmente se destacava pela precariedade das condições de instalação sanitária em 1980: 2,2% dos domicílios rurais ligavam-se à rede geral de esgoto, 12,8% possuíam fossa séptica, nada menos que 49,1% utilizavam fossa rudimentar e expressivos 30,6% não possuíam nenhum tipo de instalação sanitária.

De 1980 para 1991, ocorreram algumas mudanças na distri-buição percentual dos domicílios em relação às condições de instalação sanitária, nas duas regiões. Segundo o Censo Demográfico de 1991, dos 899.809 domicílios localizados na Região da BPCJ, 76,8% eram servidos pela rede geral de esgoto, 6,4% utilizavam fossa séptica, 13,1% possuíam fossa rudimentar, 1,1% possuíam vala negra, 1,2% não possuíam insta-lação sanitária e 0,9% eram classificados na categoria outros.

No Vale do Ribeira, com 64.672 domicílios em 1991, 35,3% eram atendidos pela rede de esgoto, 15,4% possuíam fossa séptica, 25,1% possuíam fossa rudimentar, 11,3% eram ligados a vala negra, 9,7% não possuíam instalação sanitária e 2,3% classificavam-se na categoria outros.

Os dados do Censo de 1991 revelam que a porcentagem de domicílios atendidos pela rede de esgoto no Vale aumentou extraordi-nariamente, passando de 12,8% em 1980 para 35,2% em 1991. Contu-do, apesar de todo esse aumento, as diferenças entre as condições de instalação sanitária dos domicílios do Vale em relação aos da BPCJ (e em relação ao conjunto do ESP) ainda eram muito grandes. Em 1991, mais de três quartos (76,8%) dos domicílios da BPCJ eram atendidos pela rede geral de esgoto. Além disso, 36% dos domicílios do Vale do

(24)

Ribeira ainda utilizavam fossa rudimentar ou vala e 15,4% utilizavam fossa séptica em 1991 (na BPCJ essas porcentagens eram respectiva-mente 14,1% e 6,4%). Assim, os dados censitários de 1991 confirmam o Vale do Ribeira como uma das regiões mais carentes em infra-estru-tura de saneamento básico do Estado de São Paulo.

De qualquer maneira, é importante ressaltar a expressiva extensão da cobertura da rede de esgoto no período 80/91 (à semelhan-ça da cobertura de abastecimento de água), nas duas regiões conside-radas. Na BPCJ, a porcentagem de domicílios atendidos passou de 67,9% em 1980 para 76,8% em 1991. Este aumento torna-se ainda mais expressivo se observarmos que, neste período, houve um signifi-cativo aumento populacional, fazendo com que o número de domicílios na Região da BPCJ passasse de 576.574 em 1980 para 899.809 em 1991. Assim, de acordo com estes dados, pode-se estimar que a exten-são da cobertura das redes de esgoto na BPCJ entre 1980 e 1991 foi de cerca de 76,6%.

Já no Vale do Ribeira, a despeito da manutenção de níveis de cobertura de saneamento básico bastante baixos em relação ao restante do ESP, a extensão da cobertura da rede de esgoto foi extraordinária no período 80/91, passando de 6.493 para 22.804 domi-cílios atendidos pela rede de esgoto, um aumento relativo de 251,2%. À semelhança da cobertura de abastecimento de água, a extensão da cobertura da rede de esgoto ocorreu basicamente nas áreas urbanas. Desta forma, a situação dos domicílios rurais em relação à instalação sanitária alterou-se muito pouco no período 80/91, em ambas as regiões.

Assim, fazendo-se a distinção entre áreas urbana e rural, observa-se as que na área urbana da BPCJ, a grande maioria dos domicílios (82,1%) era atendida pela rede de esgoto, 4,74% possuíam fossa séptica, 10,26% possuíam fossa rudimentar, 0,8% eram ligados a vala negra e apenas 0,92% não possuíam instalação sanitária. No Vale do Ribeira, com a grande extensão da cobertura da rede de esgoto nas áreas urbanas, observou-se uma sensível melhora nas condições dos domicílios urbanos em 1991: 57,4% eram servidos pela rede geral de esgoto (contra 22,3% em 1980), 13,2% utilizavam fossa séptica (contra 32,3% em 1980), 11,9% possuíam fossa rudimentar, 11,2% estavam ligados a vala negra e 2,5% não possuíam instalação sanitária (contra 5,4% em 1980).

(25)

Figura 5 INSTALAÇÃO SANITÁRIA NA BPCJ, 1980 Figura 6 INSTALAÇÃO SANITÁRIA NO VALE DO RIBEIRA, 1980 Rede Geral 68% Fossa Rud. 16% Outros 2% Não tem 3% Fossa Sépt. 11% Não tem 17% Fossa Rud. 40% Fossa Sépt. 23% Rede Geral 13% Outros 7%

(26)

Figura 7 INSTALAÇÃO SANITÁRIA NA BPCJ, 1991 Figura 8 INSTALAÇÃO SANITÁRIA NO VALE DO RIBEIRA, 1991 Rede Geral 77% Fossa Sépt. 6% Fossa Rud. 13% Outros 3% Não tem 1% Não tem 10% Fossa Rud. 25% Fossa Sépt. 15% Rede Geral 35% Outros 15%

(27)

Na área rural da BPCJ, onde, como se observou, houve uma redução do número de domicílios entre 1980 e 1991, a situação em relação à instalação sanitária continuava relativamente defi-ciente em 1991: apenas 13,1% dos domicílios eram atendidos pela rede de esgoto, 26,7% possuíam fossa séptica, 47,1% possuíam fossa rudimentar, 3,4% utilizavam vala negra e 5% não possuíam insta-lação sanitária. Do mesmo modo, a área rural do Vale do Ribeira continuava apresentando uma condição extremamente precária em 1991: apenas 3,6% dos domicílios eram servidos pela rede geral de esgoto, 19% possuíam fossa séptica, 44% ainda utilizavam fossa rudimentar, 11,3% possuíam vala negra e 20,1% ainda não pos-suíam instalação sanitária.

Por fim, é importante observar que a expansão das redes de coleta de esgotos na maioria dos municípios da Região da BPCJ elevou consideravelmente a carga poluidora orgânica de origem do-méstica. Como os índices de tratamento de esgoto são muito baixos em quase todos os municípios, isto implicou num grande aumento da carga poluidora despejada diretamente nos rios da região (Consórcio, 1992). Novamente verifica-se, no caso da Região da BPCJ, o paradoxo de que quanto melhores os indicadores de qualidade de vida urbana (no caso, a extensão do serviço de coleta de esgotos), mais rapidamente se aproxima o limite em termos de disponibilidade de recursos natu-rais (na situação em apresentada, dos recursos hídricos).

No caso do Vale do Ribeira, um ponto importante a salien-tar é que dos 22 municípios que compõem a região, apenas 2 possuem algum sistema de tratamento de esgotos, o que faz com que os domicílios sejam responsáveis por cerca de 99% da carga poluidora orgânica da região (CETESB, 1994).

Aqui também se manifesta um conflito: a população ex-pressa cada vez mais fortemente seu anseio pela expansão dos serviços de saneamento, sem possuir uma visão clara do que significou nos últimos tempos, em termos ambientais, a expansão desses serviços. Não há dúvida de que a ampliação do serviço de coleta de esgotos é fundamental para a melhoria da qualidade de vida da população, seja em termos de saúde, seja em termos de conforto ambiental. Entretan-to, a política de saneamento não pode ser apenas mais uma política setorial de um órgão governamental específico. Não adianta coletar os esgotos e despejá-los a jusante da sede do município. É necessária, e urgente, uma integração da gerência do serviço de saneamento com

(28)

as políticas ambientais em sentido mais amplo – inclusive adotando uma perspectiva mais regionalizada para essas políticas. Nesse senti-do, a construção das redes de esgoto deve estar atrelada à construção concomitante de estações de tratamento de esgotos, evitando assim que ocorra um efeito cumulativo da poluição conforme o curso d’água segue seu caminho natural.

2.4 Recursos naturais e questões ambientais

O Vale do Ribeira, formado pelo rio Ribeira do Iguape, é uma área pobre e subdesenvolvida que ocupa 24.980 km2 (61% dessa

área em São Paulo e 39% no Paraná). O Vale, região serrana que compreende a costa, inclui as maiores porções intactas da Mata Atlântica e 200 km de litoral com estuários, lagunas, mangues e praias. A área tem mantido sua qualidade primitiva devido principalmente a seu isolamento do desenvolvimento característico do resto de São Paulo, embora a capital regional, Registro, esteja a somente 191 km da Cidade de São Paulo. Com uma população ainda marcadamente rural, o Vale se caracteriza por uma economia de subsistência. A população economicamente ativa se dedica principalmente à pequena agricultura e à extração de produtos florestais. Os parâmetros sociais e demográficos coincidem com este perfil econômico: a mortalidade infantil, os recursos hídricos e o tratamento dos esgotos, a habitação e os níveis de escolaridade apresentam todos uma imagem contrastan-te com a região da BPCJ. Frencontrastan-te ao desenvolvimento acelerado das outras regiões do Estado, a população local exige agora suas próprias oportunidades de crescimento econômico e aspira aos mesmos padrões de consumo e qualidade de vida.

Esta exigência hoje precisa levar em conta a preservação dos recursos naturais do Vale. A Mata Atlântica, que vai desde Rio Grande do Norte até Rio Grande do Sul, está hoje reduzida a menos de 5% da sua extensão original. Com uma biodiversidade mais amea-çada que a da Floresta Amazônica, a Mata Atlântica é atualmente o objeto de campanhas de preservação, entre elas o Programa sobre Homem e a Biosfera, da UNESCO. Como resultado do movimento ambientalista, a região compreende atualmente uma grande quanti-dade de áreas naturais protegidas, nas quais se incluem uma área natural tombada (Maciço de Juréia), três áreas de proteção ambiental, uma área de relevante interesse ecológico, uma área de proteção

(29)

especial, quatro estações ecológicas e cinco parques estaduais. (Ver Tabela x para uma comparação entre as duas regiões). Esta situação reflete uma crescente conscientização ecológica entre os formadores de opinião de São Paulo. Estas diversas áreas protegidas, cada uma das quais com suas limitações de acesso e de atividade econômica, representam obstáculos para os pequenos agricultores que vivem de produtos florestais. Constituem obstáculos para os planos de desen-volvimento dos governos locais, que procuram tirar este bolsão de pobreza de sua estagnação secular.

O conflito em relação ao destino do Vale do Ribeira surge destes dois processos simultâneos. A última região incorporada à economia avançada de São Paulo expressa suas exigências em uma época caracterizada pela conscientização ambiental das classes urba-nas média e alta. Atualmente, quando o desenvolvimento adquire a

Quadro 1

UNIDADES DE CONSERVAÇÃO AMBIENTAL NAS BACIAS DO RIO PIRACICABA E DO VALE DO RIBEIRA

Unidades de Conservação BPCJ Vale do Ribeira

Área total 15.625 km2 17.072 km2 nº unidades extensão km2 nº unidades extensão km2

Área de proteção ambiental 1 3.879 3 7.274

Parques estaduais – – 5 5.570

Estações ecológicas – – 4 878

Percentual das áreas

das unidades de conservação em relação às bacias

24,8 80,4

Percentual das áreas

das unidades de conservação

em relação ao Estado 1,6 5,5

Fonte: Inventário Ambiental do Estado de São Paulo, Série Documentos – Secretaria de Estado do Meio-ambiente, 1992.

(30)

condição de direito humano básico e as pressões locais para o desen-volvimento do Vale ameaçam a integridade deste tesouro ecológico, exige-se que o debate sobre o desenvolvimento passe a considerar como fundamental a dimensão ambiental. O movimento ambiental, que transformou uma grande parte do Vale em áreas protegidas e restrin-giu seu destino econômico, segue pressionando a favor da ampliação destas áreas. Mas, talvez o conflito entre desenvolvimento e preserva-ção não seja insolúvel. Os partidários do desenvolvimento sustentável preparam atualmente projetos de extração de produtos florestais e de ecoturismo.

O desenvolvimento sustentável implica pelo menos duas dimensões econômico-ambientais que a história guardou para esta região:

• conservação de florestas naturais, para conservação de ecossistemas em estado natural, guardando a completa diversidade de espécies que elas contêm. Através de cuidadosos planos de manejo dessas áreas, deve ser pos-sível combinar proteção, produção sustentável e outros valores de usos sociais e econômicos, como recreação, educação, pesquisa e turismo;

• recursos florestais genéticos, para preservar recursos genéticos de especial valor, que não são guardados ade-quadamente em áreas protegidas convencionais. Uma importante característica na conservação genética é que o material preservado poderá ser usado, como sementes ou germoplasma, para melhorar a produtividade, quali-dade ou resistência a pragas e doenças de culturas ou de criação de animais domesticados.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente texto priorizou a situação demográfica e as condições de saneamento, com algumas informações sobre recursos naturais (florestais), para poder (1) esclarecer os conflitos inerentes à questão população e meio-ambiente e (2) refinar nossa capacidade de análise desta questão.

(31)

Os conflitos existem em todos os níveis. Em termos con-ceituais ou ideológicos, o desenvolvimento terá que contemplar a preservação dos recursos naturais. Isto implica, entre outras coisas, na alocação de determinadas atividades econômicas a determinados espaços geográficos. Se a alocação observada hoje resulta de uma lógica dos interesses econômicos, ao longo da história do país, o esgotamento das fronteiras (em São Paulo, como no país em geral) e a degradação e escassez de recursos naturais reservam ao poder público um papel forte para esta alocação no futuro.

A base urbano-industrial, com o desenvolvimento humano associado a ela, na Região BPCJ é peça fundamental para o progresso do país. O fato de acarretar prejuízo ambiental pode gerar medidas corretivas ou mitigadoras, mas este desenvolvimento não será desfeito somente por causa desse prejuízo. A beleza e a biodiversidade preser-vadas no Vale do Ribeira, por outro lado, são preciosas para a sociedade em grande parte porque não foram preservadas em outras regiões. De um lado, os interesses econômicos terão que ser subordinados a uma harmonização dos valores da sociedade, que neste caso inclui a preser-vação do ambiente natural do Vale. Por outro lado, os custos e a responsabilidade de implementar estes valores – como são da socieda-de maior – terão que ser compartilhados por esta sociedasocieda-de. Não são de responsabilidade da população local, unicamente. Dessa forma, cabe a sociedade maior, não somente decretar a preservação mas também desenvolver alternativas econômicas para a população que habita a região.

No que diz respeito aos recursos hídricos, o conflito se manifesta de diversas maneiras. Como a água não é um recurso ilimitado, as atividade econômicas terão que ser pensadas em função da sua disponibilidade, e como parte da matriz de uso de qualquer região. Algumas atividades intensivas no uso de água não serão adequadas para a BPCJ. Buscar a qualidade da água, como elemento da qualidade de vida da população, implica em perseguir simultanea-mente a purificação e distribuição da água e o tratamento dos efluentes domésticos. Caso contrário, a coleta de esgotos continuará a contribuir para a degradação dos recursos hídricos, poluindo a água que poderia ser usada para abastecimento.

Há, então, conflitos entre regiões para acesso à água e conflitos em torno das “vocações” que a sociedade mais ampla reserva para estas regiões. Há também conflito entre a demanda por serviços

(32)

de coleta de esgoto e os impactos da implementação desses serviços sobre a qualidade e a quantidade da água destinada ao consumo, principalmente considerando-se a ineficiência, ou inexistência, do tratamento desse esgoto. E, finalmente, há conflitos entre os valores imediatos e os de longo prazo quanto ao bem-estar da população: como conciliar as necessidades de hoje com a garantia de atendimento das necessidades de amanhã?

Estes conflitos, longe de constituírem obstáculos insupe-ráveis, indicam a politização da questão ambiental. Ao sair do reino das utopias, dos valores estéticos e das preferências pessoais, passando para o reino da política, a questão ambiental assume uma importância fundamental nas discussões sobre desenvolvimento. A explicitação desses conflitos, esboçada aqui, pode contribuir para identificar os agentes e os valores em jogo. Apenas através da explicitação dos conflitos e da busca da negociação será possível conciliar os interesses resumidos na rubrica de “população e ambiente”. O volume de popu-lação apropriado para uma determinada região; a distribuição rural-urbana desta população; o equilíbrio entre volume demográfico, de-mandas de recursos naturais e padrões de produção e consumo só serão adequadamente abordados se os interesses em conflito forem especificados e colocados claramente para a opinião pública. Em cada um dos exemplos mencionados, resta um grande trabalho de elabora-ção e detalhamento destes conflitos. Esperamos, neste texto, ter feito uma contribuição inicial a este trabalho.

(33)

4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CETESB. Relatório de qualidade das águas interiores do Estado de São Paulo. São Paulo: CETESB, 1978-1992.

CONSÓRCIO Intermunicipal das Bacias dos Rios Piracicaba e Capi-vari. Programa de investimentos para recuperação e proteção das bacias dos rios Piracicaba e Capivari – relatório para identificação. São Paulo, 1992.

CUNHA, J. M. Mobilidade populacional e expansão urbana: o caso da

Região Metropolitana de São Paulo. Campinas : IFCH/UNICAMP, 1994. 311p. (Tese de doutorado).

FUNDAÇÃO IBGE. Censo Demográfico, 1970, 1980 e 1991. ---. Contagem Populacional de 1996.

FUNDAÇÃO SEADE. Novo retrato de São Paulo. São Paulo: SEADE,

1992.

---. Anuário Estatístico de São Paulo. São Paulo: SEADE, 1994.

HOGAN, D. J. Crescimento demográfico e meio-ambiente. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 8, n. 1/2, p. 61-71, 1991.

---. (forthcoming). Environmental Constraints to Urban Growth in the Piracicaba River Basin. In: HAMMARSKJÖLD, M., HOGAN, D. (Eds.). Population and environmental vulnerabilities.

Stock-holm: Latin American Institute, 1997.

---, CARMO, R. L., RODRIGUES, I. Migração e crescimento popu-lacional na Bacia do Piracicaba-Capivari. Caderno 1, Qualidade

Ambiental e Desenvolvimento Regional nas Bacias do Piracicaba e Capivari. NEPAM, 1997.

---, RODRIGUES, I. A., CARMO, R. L. O novo padrão migratório e os impactos sobre os recursos hídricos – as Bacias dos Rios Piraci-caba e Capivari. Travessia, São Paulo, Ano X, n. 28, p. 27-33,

(34)

HOGAN, D. J. Mobilidade e meio-ambiente. Anais do Encontro

Nacio-nal sobre Migrações. Curitiba: ABEP-IPARDES, 1998.

KOWARICK, L. A espoliação urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra,

1983. 205p.

RODRIGUES, I. A. Áreas naturais sob proteção. Estabelecimento e

avanços nas medidas de conservação ambiental. Um estudo no Vale do Ribeira-SP. Campinas: IFCH/UNICAMP, 1995. 117p. (Tese de Mestrado).

---, CARMO, R. L. Migração e Processo de Urbanização nas Bacias dos Rios Piracicaba e Capivari, nos períodos 1970-1980 e 1980-1991. In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIO-NAIS, 10, 1996, Caxambu. Anais... Belo Horizonte: ABEP, 1996.

p. 917-942.

SECRETARIA DE ESTADO DO MEIO-AMBIENTE. Inventário Am-biental do Estado de São Paulo. São Paulo, 1992. (Série Documen-tos).

ZIMMERMANN, G. O município no sistema tributário: os Municípios Paulistas e o caso de Campinas. In: A interiorização do desenvol-vimento econômico no Estado de São Paulo (1920-1980). São

Paulo: Fundação SEADE, v. 1, n. 3, 1988.

WORLD BANK. World Development Report. Washington: World Bank,

Referências

Documentos relacionados

En combinant le moment fléchissant (repris par les hourdis) et l’effort tranchant (repris par les âmes), il a aussi observé une très faible interaction. En 2008,

São considerados custos e despesas ambientais, o valor dos insumos, mão- de-obra, amortização de equipamentos e instalações necessários ao processo de preservação, proteção

Crisóstomo (2001) apresenta elementos que devem ser considerados em relação a esta decisão. Ao adquirir soluções externas, usualmente, a equipe da empresa ainda tem um árduo

Pretendo, a partir de agora, me focar detalhadamente nas Investigações Filosóficas e realizar uma leitura pormenorizada das §§65-88, com o fim de apresentar e

Sabe-se que a produtividade e a satisfação dos colaboradores esta ligada a sua qualificação profissional e treinamentos recebidos no ambiente de trabalho ou em cursos apoiados

Assim, além de suas cinco dimensões não poderem ser mensuradas simultaneamente, já que fazem mais ou menos sentido dependendo do momento da mensuração, seu nível de

crianças do pré́-escolar e dos seus determinantes, assim como a avaliação do efeito de um programa de escovagem diária na escola no estado de saúde oral (índice

Os instrutores tiveram oportunidade de interagir com os vídeos, e a apreciação que recolhemos foi sobretudo sobre a percepção da utilidade que estes atribuem aos vídeos, bem como