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O tratamento da coisa julgada “injusta” no processo civil brasileiro: uma crítica à teoria da relativização atípica da coisa julgada

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FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

PATRÍCIA CAROLINA DE OLIVEIRA KRUSCHEWSKY

O TRATAMENTO DA COISA JULGADA “INJUSTA” NO

PROCESSO CIVIL BRASILEIRO:

Uma crítica à teoria da relativização atípica da coisa julgada

Salvador

2018

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PATRÍCIA CAROLINA DE OLIVEIRA KRUSCHEWSKY

O TRATAMENTO DA COISA JULGADA “INJUSTA” NO

PROCESSO CIVIL BRASILEIRO:

Uma crítica à teoria da relativização atípica da coisa julgada

Trabalho de conclusão de curso de graduação em Direito, Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia, como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Wilson Alves de Souza.

Salvador

2018

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PATRÍCIA CAROLINA DE OLIVEIRA KRUSCHEWSKY

O TRATAMENTO DA COISA JULGADA “INJUSTA” NO

PROCESSO CIVIL BRASILEIRO:

Uma crítica à teoria da relativização atípica da coisa julgada

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, Faculdade de Direito, da Universidade Federal da Bahia.

Aprovado em __ de dezembro de 2018.

Wilson Alves de Souza – Orientador ____________________________ Pós-Doutor em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal).

Universidade Federal da Bahia.

Francisco Bertino Bezerra de Carvalho __________________________ Doutor em Direito pela Universidade Federal da Bahia.

Universidade Federal da Bahia.

Maurício Dantas Goés e Goés _________________________________ Mestre em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia.

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AGRADECIMENTOS

Agradecer é um respiro para as páginas jurídicas que se seguem, porque é exercício da palavra que, no fundo, sempre me foi mais cara – a poesia. Agradeço, então, a meu pai poeta, em 2018 privado de duas partes de seu coração-cacaueiro, e a minha mãe, dedicando-lhes também todo o amor do mundo – e ciente de que, por amor, lerão minhas linhas canhestras sobre processo civil. Agradeço também aos meus irmãos, em especial a Henrique, familiarizado com as dificuldades da vida do em breve bacharel em direito, pelas palavras de incentivo na reta final.

Para os que escolheram partilhar o caminho da vida mesmo sem o vínculo de sangue – os amigos – há também gratidão; aos amigos da Faculdade de Direito, em especial, sou grata por não terem me deixado desistir quando parecia-me o mais lógico diante dos percalços. Deste grupo, faço menções honrosas a três pessoas, que deram contribuições inestimáveis a esta monografia (sem citar seus nomes, esperando que se reconheçam): uma que me ajudou com a revisão, uma que pacientemente discutiu diversos temas correlatos ao trabalho comigo e uma que me presenteou com um livro e algumas ideias.

Ao Gabino Kruschewsky Advogados Associados, especialmente nas pessoas de Eugênio, Gabriela, Michelle e Giovanna, carrego a gratidão pelos ensinamentos e acolhimento dos últimos anos.

Por fim, agradeço ao meu orientador, Prof. Dr. Wilson Alves, não só por ter aceitado o múnus, mas por ter sido o mestre que me fez ter o gosto por um direito processual civil pouco encontrado nos livros, que é o processo comprometido com um ideal de equidade.

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“Y esto es la profundidad de algo: lo que hay em ello de reflejo de lo demás, de alusión a lo demás. El reflejo es la forma más sensible de existencia virtual de una cosa en otra. El sentido de una cosa es la forma suprema de su coexistencia con las demás, es su dimensión de profundidad. No, no me basta con tener la materialidad de uma cosa, necesito, además, conocer el sentido que tiene, es decir, la sombra mística que sobre ella vierte el resto del universo.”

(ORTEGA Y GASSET, 1966, p. 99)

“Os átomos todos dançam, madruga, reluz neblina Crianças cor de romã entram no vagão

O oliva da nuvem chumbo ficando pra trás da manhã E a seda azul do papel que envolve a maçã

As casas tão verde e rosa que vão passando ao nos ver passar Os dois lados da janela

E aquela num tom de azul quase inexistente, azul que não há Azul que é pura memória de algum lugar”

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KRUSCHEWSKY, Patrícia Carolina de Oliveira. O tratamento da coisa julgada “injusta” no processo civil brasileiro: Uma crítica à teoria da relativização atípica da coisa julgada. 75 f. il. 2018. Trabalho de Conclusão de Curso – Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018.

RESUMO

Este trabalho analisa o tratamento dispensado à coisa julgada “injusta” no âmbito do processo civil brasileiro, observando as possibilidades legais para sua desconstituição, observando, ainda, a pertinência da construção teórica da “relativização atípica da coisa julgada”, esboçada doutrinariamente nos últimos 20 anos. Para tanto, foi realizado breve estudo sobre a teoria das nulidades processuais aplicada à sentença e sobre julgado paradigmático a respeito do tema da “relativização atípica”. Esboçadas as premissas, foram sintetizadas as críticas enunciadas ao longo do trabalho, sendo elas, em suma, a ausência de critério definido para “justiça”, em si cláusula aberta, o apelo teórico que se aproxima de construção de relativização pro societate e, por fim, a ausência de enfrentamento, no âmbito da doutrina da relativização da coisa julgada, da circunstância de falibilidade do julgador, o que poderá conduzir a uma injustiça que, por imperativo de segurança jurídica, inevitavelmente terá de se consolidar no tempo.

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KRUSCHEWSKY, Patrícia Carolina de Oliveira. O tratamento da coisa julgada “injusta” no processo civil brasileiro: Uma crítica à teoria da relativização atípica da coisa julgada. 75 f. il. 2018. Trabalho de Conclusão de Curso – Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018.

RESUMEN

Este trabajo analiza el trato dispensado a la cosa juzgada "injusta" en el ambito del proceso civil brasileño, observando las posibilidades legales para su desconstitución, observando, además, la pertinencia de la construcción teórica de la "relativización atípica de la cosa juzgada", esbozada doctrinariamente en los últimos 20 años. Para esto, se realizó un breve estudio sobre la teoría de las nulidades procesales aplicada a la sentencia y sobre juzgado paradigmático acerca del tema de la "relativización atípica". Esbozadas las premisas, fueran sintetizadas las críticas señaladas a lo largo del trabajo, siendo ellas, en suma, la ausencia de criterio definido para “justicia”, en sí cláusula abierta, la exhortación teorica que se acerca de una construcción de relativización pro societate e, finalmente, la ausencia de enfrentamiento, en el ámbito de la doctrina de la relativización de la cosa juzgada, de la circunstancia de falibilidad del juzgador, lo que podría conducir a una injusticia que, por imperativo de seguridad jurídica, inevitablemente tendrá que consolidarse en el tiempo.

Palabras clave: Proceso Civil. Cosa Juzgada. Relativización atípica de la cosa juzgada.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO. ... 9

1 COISA JULGADA: UMA CONSTRUÇÃO. ... 12

1.1 A definição de coisa julgada. ... 13

1.2 Breve histórico da ação rescisória no direito pátrio. ... 19

1.3 A declaração de inexigibilidade da obrigação fundada em norma inconstitucional: problemas de construção. ... 22

2 BREVES E NECESSÁRIAS ANOTAÇÕES SOBRE AS TEORIAS DE INEXISTÊNCIA, INVALIDADE E INEFICÁCIA DA SENTENÇA. ... 26

3 A COISA JULGADA INJUSTA: NOVOS PARADIGMAS DOUTRINÁRIOS. ... 31

3.1 Métodos para relativização atípica. ... 39

4 O REsp 240.712/SP: caso paradigmático. ... 42

5.1 O que seria Justiça?: o eterno debate. ... 52

5.2 O mito do pro societate. ... 60

5.3 A falibilidade do Poder Judiciário e a necessária aceitação desta condição. 64 (À GUISA DE) CONCLUSÃO. ... 69

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INTRODUÇÃO.

O presente trabalho pretende realizar uma crítica a respeito da teoria da “relativização atípica da coisa julgada”, inovação dentro dos estudos de processo civil que tem ganhado, ao longo dos últimos vinte anos, certa força. Em breves linhas, a doutrina tem definido (a exemplo de Dinamarco [2001], Theodoro, Faria [2002] e Delgado [2001]) a coisa julgada injusta aquela oriunda de decisões de mérito “ofensivas aos princípios da legalidade e da moralidade e atentatórias à Constituição” (DELGADO, 2001). Objetivou-se, portanto, detectar as premissas das quais os teóricos partem para defender tal categoria, de indisfarçável ausência de previsão legal – como o próprio adjetivo “atípica” denota.

Para tanto, fez-se necessário realizar levantamento de bibliografia a respeito de definições de coisa julgada dentro da doutrina de processo civil e suas hipóteses de relativização legalmente previstas no sistema jurídico brasileiro, com o fito de gerar melhor compreensão do instituto da res iudicata. Postas as premissas que norteiam a definição de coisa julgada, passou-se a analisar o que seria a relativização atípica e por que, para os que a defendem, esta seria consentânea com o sistema jurídico brasileiro.

Não se pretende, contudo, transformar, neste trabalho, a coisa julgada em dogma ou equivalente, por enxergar-se absoluta impropriedade em pretender-se sacralizar o instituto. Permeia todo o trabalho, porém, a noção de que distanciar a coisa julgada da noção de dogma não se confunde, no entanto, com a possibilidade de defender sua relativização fora dos ditames legais. O presente trabalho pretende, portanto, ser voz crítica à chamada “teoria da relativização atípica da coisa julgada”, definida por Didier Junior et al (2017, p. 632), como o entendimento doutrinário de que a decisão judicial não se cristaliza quando inquinada por vício de “inconstitucionalidade” ou “injustiça”. Estes vícios permitiriam rescisão/revisão a qualquer tempo, por critérios e modos não previstos em lei.

Sem deixar de reconhecer-se o trabalho daqueles que defendem tal hipótese, impõe-se, aqui, refletir sobre as premissas que sustentam tal teoria, demonstrando-se porque são consideradas equivocadas, máxime à luz das origens desta teoria – como

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se verá, fortemente comprometida com um ideário pro societate que parece ignorar a própria segurança jurídica – e do distanciamento das discussões afetas à filosofia do direito nas conceituações de justiça usadas pelos escritores de processo civil.

Adotando-se como paradigma a noção de justiça como equidade, defendida por John Rawls, tem-se que a justiça possui o papel de “especificar os direitos e deveres básicos e determinar as partes distributivas apropriadas” (RAWLS, 2002, p. 7). Definir justiça e injustiça é, pois, a própria razão de ser do direito – o direito só pode existir onde há conflito e, portanto, injustiça.

O inconformismo é condição da própria existência humana e a abertura de novos caminhos para a impugnação das decisões judiciais, atípicos, em vez de ampliar a possibilidade de justiça e de apaziguamento de conflitos - função da própria jurisdição -, pode, então, acabar por aumenta-los, ao conceder maior discricionariedade ao julgador e ampliar o ativismo judicial – avesso ao Estado Democrático de Direito.

Cai a lanço, então, destacar que, conforme Calamandrei (1962), a coisa julgada não cria presunção ou ficção de verdade, mas sim a irrevogabilidade jurídica de um comando judicial. Qualquer ausência de certeza psicológica do julgador não será transparecida na decisão, que, por sua vez, se revestirá de certeza jurídica, uma vez prolatada. E não poderia ser de outra forma: a jurisdição é indeclinável. As regras de experiência demonstram que seres humanos guardam, em si, questionamentos sobre as decisões que tomam, por vezes às adiando ou mesmo deixando que o tempo por si decida. Tal faculdade, no entanto, não é dada ao Estado, ainda que formado de homens; a vida em sociedade exige respostas e ao Estado incumbiu dá-las, por meio dos poderes constituídos.

Como toda resposta que se espera de um terceiro, ela poderá não ser do agrado do jurisdicionado; na presença de pretensão a ser resistida, é provável que sempre existam as insatisfações dos litigantes e, insatisfeitos, haverá as partes de cogitar se houve injustiça. Como percebe Miranda (1970, p. 240-1), porém, o Estado não promete a procedência da demanda, a sua infalibilidade ou o reexame constante da decisão judicial. O que é prometido como parte da vida em Estado, até mesmo por conta de seu caráter indeclinável, é a tutela jurisdicional.

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A monografia divide-se, então, em cinco principais capítulos, sendo o primeiro destes o levantamento prévio do tratamento dispensado à coisa julgada no Brasil. O segundo capítulo refere-se, então, à detecção dos vícios de existência, nulidade e eficácia da decisão judicial, enquanto o terceiro busca mapear as premissas para a relativização da coisa julgada injusta, com digressão sobre o histórico da difusão da teoria. Esta segunda parte demandou, inclusive, a detecção e sistematização das correntes para a doutrina, já que seus teóricos divergem sobre a localização do vício da coisa julgada. O quarto capítulo, por seu turno, propõe-se a realizar uma análise crítica do REsp nº 240.712/SP, primeiro julgado do Superior Tribunal de Justiça de que se tem notícia que acatou a tese expressamente.

O quinto e último capítulo, concatenando as ideias esboçadas anteriormente, busca tratar de três principais problemas detectados na teoria da relativização atípica da coisa julgada. Para tanto, analisa-se a ausência de critério definido para o próprio conceito de “justiça”, deixando-se, inclusive, de proceder a qualquer diálogo com as construções de teoria da justiça da filosofia do direito, o que redundaria em um casuísmo excessivamente perigoso. Também abordamos a construção de que haveria um interesse da sociedade na relativização atípica, realizando breve comparação com o instituto da revisão criminal, e, por fim, tratamos da condição de falibilidade do Poder Judiciário para demonstrar-se que, na maior parte das ocasiões, a falha de suposta injustiça da decisão judicial redunda por ser convalidada pela ordem jurídica.

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1 COISA JULGADA: UMA CONSTRUÇÃO.

Na teoria geral do processo, cerca-se de mistério a coisa julgada; segundo Moreira (2011, p. 01)

Conforme eloquentemente atesta a vastidão da bibliografia a respeito, poucos temas jurídicos têm merecido dos estudiosos atenção maior que o da coisa julgada. Quem se detiver, porém, no exame do material acumulado, chegará à paradoxal conclusão de que os problemas crescem de vulto na mesma proporção em que os juristas se afadigam na procura das soluções. (grifou-se)

O espanto acima manifestado realmente não é infundado. Há, de fato, uma pletora de trabalhos dedicados a estudar o tema da coisa julgada, imperativo da lei emanada pelo Estado (Chiovenda, 1969), a qual submetemo-nos como parte do contrato social.

Como bem observou Moreira (2011), em “Ainda e Sempre a Coisa Julgada” – sintomático título -, porém, falta também uniformidade a respeito do que é compreendido pelos estudiosos da teoria geral do processo (especificamente, da teoria do processo civil) sobre o que seria a coisa julgada e os efeitos daí decorrentes. Como consequência, recai-se na genérica definição legal de que a coisa julgada é somente a “decisão judicial contra a qual já não cabe mais recurso” – conceito dado pela Lei de Introdução ao Direito Brasileiro em seu artigo 6º (BRASIL, 1942). Este conceito, se muito embora esquematicamente útil e historicamente relevante, hoje pouco serve a uma doutrina de processo civil de fato compromissada com um Estado Democrático de Direito a serviço de todos os cidadãos.

Com efeito, é necessário enfrentar não só o conceito da irrecorribilidade da decisão, mas encarar, também, que o efeito de autoridade que emana da coisa julgada – sem com ela confundir-se necessariamente – é imperativo do Estado e possui sólidas justificações políticas e jurídicas. Muito embora parte da doutrina pareça

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enxergar que a coisa julgada tem recebido tratamento de dogma1, a coisa julgada não é dogma, e nem poderia sê-lo, na medida em que o dogma não se presta a maiores explicações ou justificações. Não se desconhece que, por algum tempo, trabalhou-se a coisa julgada com base em aforismos como “a coisa julgada transforma branco em preto, quadrado em redondo”. Esta, porém, não é a justificação para a formação do instituto da res iudicata; daí porque é importante retomar às suas premissas originárias – justamente para que a coisa julgada com o que ela nunca pretendeu ser.

Daí porque, também, a bem da verdade, parece-nos mais adequada a expressão “caso julgado”, também utilizada na Lei de Introdução ao Direito Brasileiro (LINDB) – alterado o caso, ou seja, os contornos da relação, tem-se novo caso, nova possibilidade de julgamento, na medida em que estará presente nova causa de pedir. A expressão “coisa julgada”, se muito embora não possa ser tecnicamente vista como incorreta, na medida em que é tradução literal do latim res iudicata, parece revestir o instituto de certo caráter de objeto, Santo Graal da jurisdição, o que não deve subsistir, sob pena de que incorra em premissas equivocadas. Nada obstante esta breve consideração, para facilitar a compreensão do leitor parece-nos o melhor caminho adotar a já difundida expressão “coisa julgada”.

1.1 A definição de coisa julgada

Define-se tradicionalmente a coisa julgada como sendo a decisão judicial contra a qual não cabe mais recurso (tendo, pois, ocorrido trânsito em julgado), seja pela força da preclusão temporal, seja pelo esgotamento dos meios de impugnação disponíveis.

Enrico Tullio Liebman (1945, p. 49), por seu turno, define a coisa julgada como a “indiscutibilidade ou imutabilidade da sentença e de seus efeitos”, o que aumentaria a eficácia decorrente de todo e qualquer pronunciamento judicial válido – na medida em que o pronunciamento judicial é, também, ato de Estado. Desta noção discrepam

1 Neste sentido, podemos, a título de exemplo, citar a obra de Medina Wambier, de 2003,

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outros nomes da doutrina do direito processual civil, citando-se como exemplo de Pontes de Miranda (1970, p. 310), para quem não é característica da coisa julgada a imutabilidade de seus efeitos, na medida em que o direito material poderá, posteriormente, alterar os contornos da relação jurídica. O que se reveste de caráter de imutabilidade é, em verdade, a decisão judicial, cujo substrato de direito material poderá, posteriormente, ser alterado conforme se desenvolva a própria relação fática e jurídica entre as partes.

Tão importante quanto a compreensão do que é a coisa julgada é a compreensão de quais são seus limites, objetivos e subjetivos. Pontes de Miranda (1974, p. 157) aponta, inicialmente, o limite temporal da coisa julgada: segundo este, ela fixa um estado da realidade posta nos autos cotejada com a lei em vigor àquele momento, dado a interpretação mais consentânea entre fato e direito na sentença. Como limite espacial da coisa julgada, Miranda (1974) aponta os limites do território estatal, na medida em que a soberania do Estado para impor coisa julgada restringe-se aos restringe-seus limites. Quanto ao objeto, limita-restringe-se a coisa julgada aos pedidos deduzidos e reconhecidos em sentença, sem, contudo, ter o juiz força para mudar os fatos – daí porque os fatos provados em uma sentença podem considerar-se não provados em outra (MIRANDA, 1974).

Toda sorte, para revestir-se a decisão deste efeito de imutabilidade, optou o legislador pela utilização de um sistema preclusivo (conforme artigos 507 e 473 dos Códigos de Processo Civil de 2015 e 1973, respectivamente), compreendendo-se preclusão como a perda da faculdade processual. A coisa julgada forma-se, então, quando resta preclusa a faculdade de recorrer, seja pela consumação do tempo, seja por terem sido atingidos todos os limites para impugná-la. Outro ponto importante de preclusão no processo é, segundo Chiovenda (1969, p. 372), a estabilização da lide, quando resta preclusa a faculdade de adicionar novos elementos ao litígio, ainda que com a anuência da outra parte. Tratam-se, assim, de dois pontos cruciais para a posterior formação da coisa julgada.

Impõe-se, no entanto e desde logo, distinguir a coisa julgada dos efeitos da sentença; trata-se de confusão contra a qual vozes como Giuseppe Chiovenda e Enrico Liebman, processualistas italianos de grande influência no Brasil a partir da

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década de 1940, já se insurgiram; contudo, persistem as confusões doutrinárias a respeito do tema. No dizer de Liebman (1945, p. 15),

Hoje não se fala de coisa julgada senão para usar uma forma elíptica, afim de designar a autoridade da coisa julgada (arts. 1.350 e 1.351 do Cód. Civil Italiano). Ora, essa expressão, assaz abstrata, não pode e não é de referir-se a um efeito autônomo que possa estar de qualquer modo sozinho; indica pelo contrário a força, a maneira com que certos efeitos se produzem, isto é, uma qualidade ou modo de ser deles.

Neste sentido, inclusive, vale rememorar Carnelutti apud Liebman (1945, p. 35), para quem a imperatividade e a imutabilidade (no sentido de indiscutibilidade) da sentença distinguem-se: a imperatividade da sentença pode dar-se antes mesmo de seu trânsito em julgado, independendo deste, devendo apenas gozar de legitimidade – como qualquer outro ato estatal dependeria de ser legítimo para ser eficaz (LIEBMAN, 1945). A imutabilidade-indiscutibilidade, por seu turno, decorre do trânsito em julgado, ocasionando, assim, a formação da coisa julgada.

Não nos parece acertada, portanto, a redação dada pelo texto legal de que a coisa julgada se reveste de efeito de imperatividade, tendo “força de lei” nos limites da lide (conforme artigos 287, 468 e 503 dos Códigos de Processo Civil de 1939, 1973 e 2015, respectivamente). A um, porque este efeito é decorrente da própria decisão judicial, do império (expressão aqui utilizada na acepção latina de imperium) do Estado, exercido pelo Poder Judiciário. A dois, porque, conforme Miranda (1970, p. 251) a sentença não derroga a lei para as partes; sua força é estatal, mas emana de agente político distinto daquele que produz a lei.

Brevemente distinguidos efeito da sentença e coisa julgada, cumpre notar que a

res iudicata, no direito romano, assumiu um critério de ordem prática, ainda hoje

presente: segundo Chiovenda (1969), sua autoridade faz-se necessária para que a vida social possa fluir de modo mais pacífico e seguro, imprimindo-se certeza à fruição e gozo dos bens da vida outrora postos em juízo. A autoridade da coisa julgada é, ademais, apta a produzir todos os seus efeitos perante àqueles que a ela se sujeitam

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(via de regra, as partes do processo, havendo exceções pontuais a esta regra, como a coisa julgada oriunda da ação coletiva).

Trata-se, portanto, de instituto de ordem eminentemente prática, em cuja origem no direito romano buscava-se tão somente a apaziguamento social: o trânsito em julgado tem a capacidade de convalidar os vícios de nulidade da sentença. Moreira (2007) aponta, também, que a atividade do Poder Judiciário seria vã, sem atingir os fins pretendidos, se o resultado ficasse submetido a eternas rediscussões.

A justificação política da coisa julgada é, então, aparentar verdade aos cidadãos estranhos à lide (Chiovenda, 1969, p. 371), mas não encontra na afirmação de uma suposta verdade dos fatos a sua justificativa jurídica. Dentro de tal justificação política, inclusive, vale salientar que também não corresponde à realidade a afirmação de que a coisa julgada possui como limite subjetivo “fazer lei” somente “entre as partes”. Trata-se de visão dotada de carga excessivamente privatista e que ignora por completo a realidade de que submeter um conflito à jurisdição significa admitir se submeter ao império do Estado. De fato, a sentença, segundo Chiovenda (1969), prevalece entre terceiros, obrigados a reconhecer a relação jurídica existente entre A e B decorrente do pronunciamento judicial.

Terceiros não podem ser prejudicados pela coisa julgada – o que não significa que a res iudicata não possua qualquer efeito para estes, já que tal compreensão afastaria o imperativo da soberania estatal que do caso julgado decorre. Não discrepa desta compreensão Liebman (1945), segundo quem a sentença produz, sim, efeitos perante terceiros, lhes sendo, contudo, lícito combate-los acaso por ela sejam prejudicados.

Conforme Miranda (1974, p. 159), inclusive, no que tange aos limites subjetivos da coisa julgada, esta atinge somente as partes do processo (MIRANDA, 1974, p. 159) – previsão encapsulada, na legislação processual vigente atualmente, no artigo 506 (“A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros”). Não há contradição jurídica entre a demanda de A contra B e a de A contra C com resultado que pareça contraditório logicamente e nem o juiz vincula-se. Questão diversa é a dos efeitos reflexos, estes sim aptos a serem produzidos contra terceiros – por exemplo, a sentença contra um devedor que reduz seu patrimônio

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líquido atinge, a seu modo, o credor que não integrou a lide, mas juridicamente não lhe prejudica porque não lhe retira o direito de credor (MIRANDA, 1974).

Do ponto de vista jurídico, justifica-se a coisa julgada como imperativo de lei emanado pelo Estado; é dizer, a coisa julgada representa o ápice da função estatal de dizer o direito (jurisdictio). Segundo Almedigen apud Chiovenda (1969, p. 371), ainda, o fundamento jurídico da coisa julgada

[...] não está na necessidade de segurança jurídica: está na santidade do Estado e na sapiência do seu escol: está na necessidade de venerar nos órgãos de suas leis (os juízes) a própria justiça personificada, a própria ratio loquens, que os cidadãos devem reconhecer no Estado como órgão da vida jurídica...

Depreende-se daí, portanto, que a coisa julgada se origina na própria noção de soberania do Estado, sendo também parte fundamental do contrato social – o que importa em, também, segurança jurídica. Ofertar à decisão judicial um manto de certa imutabilidade – relativo, como se verá, sem que tal fira a lei – é, então, renúncia necessária ao bom funcionamento da vida em sociedade.

Em sentido semelhante está Moreira (2007, p. 245), ao afirmar que a garantia da coisa julgada tem caráter irrenunciável: não há validade na declaração do vitorioso de que este admite seja a questão submetida duas vezes à apreciação do Poder Judiciário. Não se desconhece, porém, a possibilidade de transacionar sobre o direito após a formação da coisa julgada. Trata-se, porém, de outra questão: considera-se aqui como garantia irrenunciável a decorrente da própria coisa julgada. Ainda que as partes possam, dentro dos limites da lei, transacionar sobre os direitos que sentença passada em julgado lhes reconhece, não podem acordar desconstituindo a coisa julgada.

De toda sorte, diante das justificações para a coisa julgada, não se poderia, portanto, cogitar de coisa julgada “injusta”; a res iudicata não pretende auferir justiça ou injustiça, acerto ou desacerto do magistrado. A pretensão à prestação jurisdicional não se confunde com a pretensão à sentença de procedência. Se o fosse, a jurisdição não poderia ter caráter indeclinável para o Estado (MIRANDA, 1970, p. 240-1), porque

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a qualquer um seria possível procurar o Poder Judiciário para albergar demandas com a ausência de qualquer razoabilidade ou substrato fático.

A coisa julgada observa, desde sua origem histórica, tão somente a um critério objetivo: o Estado, provocado, disse o direito, na figura de seus magistrados, aplicável à situação e há um limite para o cabimento da insurgência contra esta decisão. Por esta razão, somente ao direito público poderia pertencer o instituto da coisa julgada (LIEBMAN, 1945); mais que isso: somente à lei é dado pretender atingi-la após sua formação.

De outro lado, é também certo que o sistema não é – e está longe de ser – infalível; assim, os sistemas jurídicos oriundos da tradição de civil law tendem a prever meios para impugnar o que é, devido à força da coisa julgada, em tese imutável. Segundo Miranda (1969), surgem os recursos da possibilidade de erro do julgador. Não sendo suficiente o reexame dentro do mesmo processo, instaura-se nova ação – a revisão criminal ou a ação rescisória, a depender se o substrato da coisa julgada consiste em direito material penal ou não.

Com efeito, guarda em si o juiz, agente estatal, sua carga de humanidade; daí porque parece-nos essencial a percepção de Calamandrei (1962), segundo quem, na atividade judicante, a incerteza psicológica do julgador, uma vez proferida a sentença, reveste-se de certeza jurídica. Está na incerteza psicológica a margem de erro – o Poder Judiciário não prometeu, afinal, ser infalível (MIRANDA, 1970) - e é por ela existir que o sistema recursal é imprescindível ao Estado Democrático de Direito – a susceptibilidade ao erro do Judiciário, porque formado por pessoas, é realidade inexorável da qual não se poderá escapar.

Nada obstante qualquer discussão sobre incerteza psicológica do julgador e certeza jurídica do julgado, há uma certa gravidade na desconstituição da coisa julgada, na medida em que esta tem sua razão de ser unicamente na necessidade de revestir de autoridade-imutabilidade o pronunciamento estatal), as hipóteses para tanto são legalmente restritas, com incidência de prazo decadencial para exercício da faculdade. No sistema jurídico brasileiro, o meio de impugnação da coisa julgada é, tradicionalmente, a ação rescisória, com origem histórica também no direito romano, de acordo com Pontes de Miranda (1976, p. 89), conforme se observará adiante.

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1.2 Breve histórico da ação rescisória no direito pátrio

A ação rescisória é solução juridicamente prevista há longínquos tempos, originando-se no direito romano; conforme Didier Junior, Braga et al (2017), trata-se de síntese de variados meios de impugnação das sentenças desenvolvidos e teorizados ao longo da história da civilização contemporânea.

O instituto pressupõe, no direito brasileiro, tão somente o trânsito em julgado, sem que seja discutida se o autor da rescisória poderia ou não ter interposto mais um recurso, porquanto não se indague negligência da parte interessada – basta que já não se haja mais prazo para recorrer (MIRANDA, 1976). Não há, portanto, interesse de agir em ação rescisória proposta quando inocorrente o trânsito em julgado.

Cabe observar que a ação rescisória inaugura nova via processual, na medida em que se exerce novo direito de ação; o recurso, por sua vez, estende a relação jurídica-processual prévia, necessitando apenas questionar-se em que medida devolvem o conhecimento da matéria e se a decisão recorrida é, desde o momento de sua prolação, eficaz (MIRANDA, 1976).

No sistema do direito romano, a primeira das formas de impugnação da decisão judicial foi a restitutiones, inicialmente ligada à própria dimensão de rescindibilidade do negócio jurídico, instituto que se prestava a suspender a execução e manter-se o

status quo. Também se desenvolveram os conceitos de rescindere, com efeitos reais

e ex tunc, e revocare, de efeitos pessoais e ex nunc (MIRANDA, 1976); embora as duas palavras sejam confundidas e ambas se refiram à possibilidade de desconstituição do ato jurídico (decisão judicial), não representam os mesmos efeitos.

As Ordenações Afonsinas (1446) consolidaram textos legais anteriormente usados no Reino de Portugal, nos quais mencionava-se que seria rescindível a sentença que estivesse manifestadamente contra a forma de direito objetivo (MIRANDA, 1976) – a subjetividade não era, portanto, posta em questão. Nas Ordenações, utilizou-se da distinção entre sentença nula e inexistente já prenunciada pelo direito romano; só está sujeito à rescisão aquilo que existe no universo jurídico. Segundo Pontes de Miranda (1976), ainda, a palavra “revogação”, no sentido dado

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pelos romanos à desconstituição-revocare, continua a ser registrada, desaparecendo, contudo, nas Ordenações Manuelinas (1513). Vale observar, desde já, que os pressupostos para a propositura da ação rescisória nas Ordenações Afonsinas são, em essência, semelhantes aos utilizados hoje no direito brasileiro.

As Ordenações Manuelinas (1513) e Filipinas (1603) não apresentam modificações substanciais em texto aos aspectos consolidados pelas Afonsinas; surgiram na doutrina, porém, alguns questionamentos, tais quais se a sentença rescindível transitaria em julgado e se estaria sujeita a preclusão. Relata Miranda (1976) que a doutrina da época teria notado, com o transcurso do tempo, que a sentença nula, inexistente, não necessita de rescisão ou revogação: o trânsito em julgado – apto a conceder validade - é condição sine qua non para cogitar-se de sua rescindibilidade.

Quanto à preclusão, naqueles sistemas jurídicos tratava-se de faculdade a ser exercida a qualquer tempo, por expressa previsão legal de alegabilidade “a todo tempo”, muito embora parte da doutrina advogasse pela limitação de trinta anos oriunda do direito romano (MIRANDA, 1976).

A legislação brasileira de 1850 (Reg. nº 737), segundo Miranda (1976), possuía grave defeito de ordem técnica, posto que estabelecia que a sentença seria anulada por apelação, revista, embargos à execução ou ação rescisória. O texto legislativo reestabeleceu, então, problema que, a seu modo, já houvera sido dirimido: a sentença rescindível não é nula posto que, uma vez passada em julgado, produz efeitos e só os cessa quando do trânsito em julgado da decisão de mérito em ação rescisória.

Em 1890, por seu turno, já durante o Brasil República, o Decreto nº 763 fez surgir duas correntes, que se dividiam entre defender se as Ordenações Filipinas, ao lado do Reg. nº 737, houvera sido parcialmente revogada ou se prosseguia disciplinando,

in totum, a questão da ação rescisória; o entendimento mais comum nas Cortes fora

o primeiro.

Durante o período da República estabeleceu-se, também, o princípio da autodesconstituição das sentenças judiciais (MIRANDA, 1976), segundo o qual a sentença rescindível só o será perante o mesmo órgão de Justiça que a proferiu. Tal noção foi, inclusive, positivada pela Constituição dos Estados Unidos do Brasil de

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1946. Diversa, porém, a situação das sentenças nulas ou inexistentes, eis que, por não passarem em julgado, necessitam apenas de declaração de inexistência, feita por qualquer juízo. Estas questões são, inclusive, “indeformáveis” (MIRANDA, 1976, p. 114) pela legislação originária, dada a sua consagração na constituição – repetida também na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Os Códigos de Processo Civil de 1939 e 1973 possuem diversas semelhanças no tocante ao tratamento da ação rescisória, registrando-se, contudo, ampliação do rol legal no Código de 1973. O Código de 1939 possuía previsões semelhantes às registradas nos ordenamentos anteriores, na medida em que era rescindível a sentença proferida pelo juiz “peitado, impedido ou incompetente racione material”, por ofender coisa julgada ou contra a disposição literal de lei ou, ainda, baseada em prova declarada como falsa em sentença criminal (BRASIL, 1939), tendo a Lei nº 70/1947, incluído, ainda, a previsão de falsidade comprovada nos próprios autos da ação rescisória (BRASIL, 1947). Curiosamente, havia previsão expressa, no artigo 800, que “a injustiça da sentença e a má apreciação da prova ou errônea interpretação do contrato não autorizam o exercício da ação rescisória” (BRASIL, 1939). Aplicava-se o prazo de 5 (cinco) anos, previsto no artigo 178, §10, VIII, do Código Civil de 1916.

O Código de Processo Civil de 1973 ampliou o rol de cabimento da ação rescisória, resgatando algumas previsões legais suprimidas pelo Código de 1939, como a do artigo 485, incisos III e IX, da decisão resultante de dolo da parte vencedora ou de colusão entre as partes e fundada em erro de fato, respectivamente. O prazo decadencial, neste regime, era de dois anos, conforme artigo 495, contados do trânsito em julgado da decisão a ser rescindida. O Enunciado de Súmula nº 401 do Superior Tribunal de Justiça, editado em 2009 (BRASIL, 2009), dirimindo controvérsia jurisprudencial a respeito do prazo, previu que o prazo deveria ser contado da última decisão do processo, ainda que esta não fosse de mérito; este entendimento foi posteriormente positivado, no âmbito do Código de Processo Civil de 2015.

Por seu turno, o Código de Processo Civil de 2015, prevê, então, duas espécies para relativização da coisa julgada, a saber: a já conhecida ação rescisória e a declaração de ineficácia de título executivo decorrente de decisão proferida em controle de constitucionalidade realizado pelo Supremo Tribunal Federal. A ação

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declaratória de inexistência2 não é, a rigor, meio de relativização da coisa julgada, mormente porque, se eivado de causa para sua inexistência, o ato judicial não transitou em julgado de fato – só ocorre trânsito em julgado do que é juridicamente existente enquanto pronunciamento jurisdicional. A ação anulatória, prevista no artigo 966, §4º, da Lei nº 13.105/2015, refere-se aos “atos de disposição de direito” (como, por exemplo, a transação feita sobre o direito litigioso, a outorga de procuração e substabelecimento, arrematação e adjudicação na execução [THEODORO JUNIOR, 2017, p. 873-4]), não havendo, aí, qualquer cisão do ato decisório em si – daí porque esta ação não prejudica de forma alguma a coisa julgada.

Como inovação no tocante ao tratamento da ação rescisória no Novo Código de Processo Civil, registramos a inclusão da possibilidade de cabimento da actio

rescisória em violação “manifesta” à norma jurídica – em substituição à anterior

disposição, que elencava como requisito a violação “literal”. Há, também, previsão de rescisão em caso de contrariedade a decisão de controle concentrado ou difuso de constitucionalidade. A contagem do prazo, em caso de rescisória fundada em prova nova (artigo 966, VII), é excepcional em relação aos outros incisos, na medida em que será contado a partir da descoberta da nova prova e será de cinco anos, embora as outras hipóteses possuam prazo de apenas dois anos.

1.3 A declaração de inexigibilidade da obrigação fundada em norma inconstitucional: problemas de construção

A declaração de inexigibilidade do título executivo surge pela primeira vez no sistema jurídico brasileiro no início dos anos 2000, em reforma realizada por meio de medida provisória (!). Trata-se da MP 2.180-35, de 24 de agosto de 2001 (BRASIL,

2 Registram-se, na prática forense, diversas denominações para a ação que ataca alguns defeitos no plano de existência da sentença, tais e quais a “ação declaratória de nulidade” – não se declaram nulidades, se decretam nulidades – ou “ação declaratória de inexistência” – nome que compreendemos mais correto. Outra boa saída seria a utilização da expressão latina querela nullitatis, na medida em que o instituto visava atacar o juridicamente

inexistente. Para o que é nulo, o meio de impugnação é a ação rescisória. Esta temática será abordada um pouco mais demoradamente no capítulo 2 do trabalho.

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2001a), que em seu artigo 10 acrescentou o parágrafo único ao artigo 741 – que tratava dos embargos à execução fundada em sentença para consignar ser inexigível a obrigação fundada em “lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal” (BRASIL, 2001a).

Não se poderia deixar de observar que a norma parece padecer de grave vício formal, na medida em que, se muito embora a relevância, não se vislumbra a “urgência” apta a ensejar a sua inclusão no mundo jurídico por meio do instituto da medida provisória.

Tanto não havia urgência que a norma, após seu decaimento por sua não conversão em lei, somente tornou a ser repetida em 2005 – quatro anos depois – quando da edição da Lei nº 11.232, de 22 de dezembro de 2005 (BRASIL, 2005), que realizou profunda reforma no sistema de execução do processo civil brasileiro, instituindo a figura do cumprimento de sentença nos próprios autos. Esta lei repetiu a previsão do art. 10 da MP 2.180-35/2001, acrescentando-a ao cumprimento de sentença e ao novo capítulo, dedicado aos embargos à execução contra a Fazenda Pública.

O Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) passa a acrescentar a possibilidade de que esta declaração de inexigibilidade do título fundado em norma posteriormente inconstitucional tivesse seu fundamento não só nas decisões de controle concentrado, mas também de controle difuso (BRASIL, 2015).

A declaração de inexigibilidade do título executivo, contida no art. 525 do Novo Código de Processo Civil, não ataca, em si, a coisa julgada, mas permite sua relativização na medida em que a obrigação contida no título executivo judicial deixa de ser exigível porque fundou-se em norma que, no crivo do controle de constitucionalidade realizado pelo Supremo Tribunal Federal, foi tida por inconstitucional antes mesmo do trânsito em julgado da decisão; trata-se da hipótese do art. 525, §12º, CPC.

Acaso o controle de constitucionalidade ocorra após o trânsito em julgado da decisão exequenda, conforme art. 525, §15º, CPC, no entanto, deverá ocorrer a

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propositura de ação rescisória, cujo prazo decadencial será contado a partir do trânsito em julgado da decisão de controle de constitucionalidade.

Neste sentido, andou bem Moreira (2011) ao distinguir a coisa julgada (res

iudicata) da autoridade de coisa julgada (autorictas res iudicata) e da eficácia do

pronunciamento judicial. A coisa julgada forma-se, segundo o autor, com o esgotamento – preclusão – dos meios de recurso, enquanto a sua autoridade advém da imutabilidade que acompanha o recurso. A eficácia, por seu turno, subordina-se, por vezes, ao trânsito em julgado, havendo hipóteses legais nas quais sua eficácia pode ser antecipada; no caso do art. 525, §12º e §15º, porém, a eficácia é perdida após, sem que seja atacada a existência ou a validade.

A solução, embora não perfeitamente adequada em nosso sentir, parece minimamente consentânea com o sistema jurídico brasileiro na medida em que a declaração de inconstitucionalidade, realizada por conduto do controle concentrado de constitucionalidade, possui efeitos ex tunc – ou seja, retroativos. De outro lado, não se negam que, enquanto não declarada a inconstitucionalidade, a decisão lastreada em lei inconstitucional produz efeitos – até mesmo porque, como já dito, o pronunciamento judicial reveste-se de autoridade imediata. Daí porque, uma vez admitida qualquer possibilidade de declaração de inexigibilidade de um título judicial, parece-nos acertada a opção legislativa pela modulação dos efeitos da coisa julgada baseada em norma posteriormente declarada inconstitucional.

A questão mais problemática neste instituto é que ele parece ignorar um dos pilares da noção de coisa julgada, que é o fato de que o resultado da lide reflete a situação jurídica à época da solução da lide. Mesmo nas relações jurídicas de trato continuado, a coisa julgada não impede a modificação posterior do substrato fático ou legal daquela relação, o que poderá ensejar nova lide sem que haja, aí, qualquer ofensa à coisa julgada3. Esta é, inclusive, a previsão do artigo 505, I, do Código de Processo Civil de 2015.

3 Neste ponto, inclusive, destacamos entender não ser da melhor redação legislativa possível a compreensão expressa no artigo 15 da Lei nº 5.478/1968 (Lei de Alimentos) segundo a qual a decisão judicial sobre alimentos não transita em julgado. Ora, se a revisitação do tema dos alimentos só é possível em caso de modificação da situação financeira das partes, a decisão transita em julgado, porque a lide conterá novo substrato

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Outro ponto importante para uma compreensão crítica decorre do próprio tamanho da Constituição brasileira, que conta com 250 artigos, mais os 114 referentes ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – que, a julgar pelo constante exercício do Poder Constituinte derivado, hoje pouco possuem de efetivamente transitórias. Em uma constituição tão extensa, que versa sobre tantas temáticas, qualquer coisa poderá ser arguída como inconstitucional, inclusive matérias não atinentes às garantias fundamentais do cidadão ou à organização do Estado – estas, sim, indubitavelmente merecedoras da proteção que (em tese) gozam.

Toda sorte, mesmo esta hipótese de inconstitucionalidade da norma que lastreia a decisão judicial encontra no sistema jurídico brasileiro impõe limite e sujeição a prazo decadencial (peremptório, fatal, sem interrupção e sem suspensão) até mesmo para a relativização da decisão judicial que contraria a Constituição, uma das mais graves ofensas à ordem jurídica. A construção, ainda que receba, imerecidamente ou não, críticas dogmáticas, possui previsão legal: o que se cogitar, então, da relativização atípica da coisa julgada, na medida em que o próprio nome adotado pela doutrina denota a não previsão em lei?

fático e/ou legal – ou seja, novo pedido e nova causa de pedir. No mesmo sentido, destaca-se Neves (2018) e Didier Junior et al (2017).

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2 BREVES E NECESSÁRIAS ANOTAÇÕES SOBRE AS TEORIAS DE INEXISTÊNCIA, INVALIDADE E INEFICÁCIA DA SENTENÇA

Para uma melhor compreensão das premissas das quais partiremos para analisar a teoria da “relativização atípica da coisa julgada”, faz-se necessário observar, também, que a sentença pode estar eivada de vícios, convalidados ou não pelo trânsito em julgado, atacáveis ou não por conduto da ação rescisória. Neste sentido, importa perceber que o problema da coisa julgada via de regra não está, em si, na coisa julgada, mas na decisão judicial.

A coisa julgada é atributo de imutabilidade da sentença contra a qual já não cabe mais recurso (LIEBMAN, 1945). Se vício de injustiça há, está no conteúdo da decisão judicial, não na coisa julgada que se formou, assim como, se vício de injustiça há em um direito adquirido, este está contido no teor do próprio direito, não em sua aquisição. O ato juridicamente inexistente é aquele que não possui certos requisitos, tidos pela lei como essenciais à sua formação (SOUZA, 2016); Mello (2007) aponta que, na falta deste elemento, não se materializa o suporte fático4 que permitiria a entrada do fato no mundo jurídico. Conforme Passos (2002), o ato juridicamente inexistente não produz efeitos não porque a lei assim decidiu, mas porque, no universo jurídico, ele simplesmente não existe; não possui, portanto, potência para produzir efeitos jurídicos. Isto distingue-se de existir no mundo material ou ter uma certa eficácia prática. Por exemplo, a “sentença” relativa à lide não instaurada não existe juridicamente, o que não significa que não exista, no mundo material, não haja um pedaço de papel, assinado ou não por um juiz, que contém um texto que se denominou “sentença” ou que, munido deste papel, alguém tentará executar esta “decisão judicial”.

4 Para conceituar suporte fático, recorremos ao próprio Mello (2007, p.41): Quando aludimos a suporte fáctico estamos fazendo referência a algo (= fato, evento ou conduta) que poderá ocorrer no mundo e que, por ter sido considerado relevante, tornou-se objeto da

normatividade jurídica. Suporte fáctico, assim, é um conceito do mundo dos fatos e não do mundo jurídico, porque somente depois que se concretizam (= ocorram) no mundo os seus elementos é que, pela incidência da norma, surgirá o fato jurídico e, portanto, poder-se-á falar em conceitos jurídicos.

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De acordo com o atual Código de Processo Civil, são requisitos da sentença o relatório (síntese da demanda)5, a fundamentação (razões de decidir, ou seja, fundamentos de fato e de direito) e o dispositivo (síntese da decisão) – em previsão semelhante ao registrado nos Códigos de 1973 e 1939. Embora parte da doutrina compreenda que há apenas nulidade na sentença que falte tais requisitos, a legislação é expressa ao expor os três itens como da forma da sentença, razão pela qual compreendemos que, ausentes, dão causa à inexistência e a suposta “decisão” será apenas um fato material, inapto a produzir verdadeiros efeitos jurídicos. A sentença proferida em relação processual não instalada (por exemplo, por ausência de citação ou por incapacidade de ser parte) também não é sentença, bem como a “sentença” proferida por quem não é juiz (PASSOS, 2002). Inexistindo sentença, inexistirá coisa julgada – o inexistente não passa em julgado, pelo só fato de não existir enquanto ato jurídico.

Neste sentido, inclusive, sinalizamos parecer-nos de má técnica a denominação comumente encontrada na jurisprudência de “ação anulatória”6 para atacar a sentença juridicamente inexistente. A confusão provavelmente advém do termo latino querela

nullitatis, sendo certo que, em latim, nullus equivale a inexistente (MIRANDA, 1976).

Em nosso regime, porém, inexistência não se confunde com nulidade. Se, por exemplo, a citação não ocorreu, a relação jurídica não se formou e, por isso, não há processo e não há sentença.

Assim sendo, em nosso sentir, a coisa julgada inexistirá, portanto, em duas principais situações. A primeira delas é a própria inocorrência de decisão judicial, por ausência dos caracteres da essência do ato – aqui compreendidos como a declaração judicial, a forma de sentença, o agente estatal (julgador investido pelo Estado) e o objeto (resolução do litígio). A segunda dessas circunstâncias é a própria ausência do requisito do trânsito em julgado – ou seja, a preclusão para recorrer, seja por esgotamento das vias, seja pela perda do prazo recursal previsto em lei. A existência

5 Neste particular, vale destacar que a Lei nº 9.099/95 (BRASIL, 1995) dispensa o relatório como requisito da sentença.

6 A ação anulatória prevista no Código de Processo Civil visa atacar outras espécies de atos. Para breves comentários sobre esta ação, remetemos ao tópico 1.2 do trabalho.

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de relação jurídica de trato continuado não dá azo à não formação de coisa julgada e compreendemos que esta ocorra nessa espécie de relação7.

Em tese, nenhuma atitude é necessária para desconstituir o que não existe, porque o que não existe não precisa ser desconstituído. Pode a inexistência jurídica ser, então, declarada ex officio, por meio da ação declaratória de inexistência, na via recursal, incidentalmente, por mandado de segurança ou habeas corpus8, a qualquer tempo ou grau de jurisdição (SOUZA, 2016).

Há, porém, a questão da eficácia prática a ser considerada. Conforme Miranda (1955), o poder poderá ser jurídico – efeito de fato jurídico - ou fático – derivado do arbítrio. Ora, a sentença poderá ser inexistente juridicamente, mas, na realidade dos fatos, absolutamente nada impedirá alguém de tentar executá-la; este poder não é jurídico, é fático, oriundo do antijurídico (SOUZA, 2016)9. Cabe, então, ao jurídico declarar sua impossibilidade de exequibilidade, pelo só fato de não existir na dimensão da juridicidade.

No tocante à invalidade da sentença, esta ocorrerá uma vez que, presentes os requisitos para a existência, estes encontrem-se inquinados de algum vício ou estejam ausentes os elementos complementares (SOUZA, 2016). Pressuposto da invalidade

7 Conforme tópico 1.3 deste trabalho.

8 O habeas corpus visa proteger a liberdade de locomoção, que poderá ser restringida não só pela prisão. A única previsão de prisão civil é a do devedor de alimentos, conforme a Constituição Federal, tendo o Enunciado de Súmula Vinculante 25 do Supremo Tribunal Federal afastado a possibilidade de prisão do depositário infiel.

9 Tomemos por exemplo a (não se pode deixar de notar, infeliz) decisão, da lavra do Doutor Djalma Moreira Gomes Júnior, da 2ª Vara de Mococa/SP, que deferiu tutela antecipada, em sede de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público de São Paulo, para compelir o Município de Mococa a realizar laqueadura tubária compulsória em mulher hipossuficiente, dependente química, posteriormente confirmada por sentença e cassada por acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (SÂO PAULO, 2018). Diversos são os problemas deste feito, destacando-se, entre eles, a ausência de qualquer fundamentação para a decisão – o que tornaria a sentença inexistente juridicamente – ou mesmo a não nomeação de defensor público ou dativo para a mulher que sofreria as consequências da esterilização compulsória – o que também tornaria o processo juridicamente inexistente, por não perfectibilização da relação processual, dado o caráter inquestionavelmente indisponível do direito. Nada obstantes quaisquer formulações jurídicas e a interposição de recurso pelo Município de Mococa, nenhuma delas pôde, de fato, impedir a consumação da triste realidade, que somente podemos entender que nada tem de jurídica, mas sim de arbítrio estatal: a mulher foi submetida à laqueadura, com fortes indícios de seu não consentimento quanto ao procedimento.

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da decisão judicial é, então, a existência desta (PASSOS, 2002, p. 128), ou seja, a concretização do suporte fático (MELLO, 2008, p. 4). A deficiência do suporte fático, por falta de elemento complementar ou por imperfeição de um de seus elementos atinge o plano da validade ou da eficácia, conforme for a previsão legal (MELLO, 2007); conforme Miranda (1955, p. 88), “entrou no mundo do direito sem poder entrar”. Cabe anotar que a invalidade do ato impõe a ele a pena de nulidade, dependendo, porém, de sua decretação para produzir efeitos – seja por meio da arguição das partes, seja por sua decretação de ofício (SOUZA, 2016, p. 510) – e da demonstração do prejuízo – valerá neste particular o princípio do não há nulidade sem prejuízo (PASSOS, 2002).

Toda nulidade, no entanto, pode ser convalidada na sistemática do direito processual civil, seja pela prática de ato que a supra, seja pelo decurso do tempo, justamente devido ao advento da coisa julgada, que impõe o efeito de imutabilidade da sentença. Não pode ser transposta à sistemática do direito processual, portanto, a previsão do artigo 169 do Código Civil, segundo o qual o negócio jurídico eivado de nulidade absoluta não se convalida e não pode ser confirmado – somente convertido, conforme o artigo 170 do Código Civil. Dada a existência do sistema de preclusões, o vício convalida, podendo, se previsto em lei, ser possível o ajuizamento da ação rescisória dentro do prazo decadencial (SOUZA, 2016).

Algumas preclusões, de lege lata, operam-se dentro do curso do processo, como a arguição da incompetência relativa e da existência de convenção de arbitragem, que depende de provocação da parte em contestação – trata-se de matéria de exceção -, conforme artigo 337, incisos II e X, §5º e §6º, do Código de Processo Civil. Outras, por seu turno, podem ser arguídas a qualquer tempo no curso do processo, agindo o trânsito em julgado, no entanto, como posterior mecanismo de convalidação. Para atacar tal vício da sentença, far-se-á necessário o ajuizamento de ação rescisória somente se a hipótese se encaixar também no rol legal de cabimento, sujeita a prazo decadencial.

Por fim, a eficácia é compreendida como a “irradiação do fato jurídico” (MIRANDA, 1955, p. 3); a ineficácia é ausência de potência para produzir efeitos. No

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caso da sentença ineficaz, existirá10, mas não consegue produzir os efeitos que pretendia quando prolatada. Há, então, uma situação jurídica ou de fato que impede a produção destes efeitos; assim sucede com as sentenças não publicada, sujeita a apreciação de recurso com efeito suspensivo ou que condena em pagamento de quantia certa com a insolvência do devedor exsurgindo no curso do cumprimento de sentença (SOUZA, 2016).

10 Mas não será necessariamente válida, conforme Mello (2007, p. 102), na medida em que não há correlação absoluta entre os planos da validade e da eficácia. O nulo, por exemplo, pode findar por produzir efeitos até ter sua nulidade decretada; assim sucede com a sentença nula prolatada por juízo absolutamente incompetente, por exemplo.

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3 A COISA JULGADA INJUSTA: NOVOS PARADIGMAS DOUTRINÁRIOS.

Nada obstantes as justificações para a existência da coisa julgada, com qualidade de autoridade-imutabilidade, parte da doutrina processualística brasileira tem advogado a existência de hipótese de relativização atípica da coisa julgada, que se daria quando esta for “injusta”; citam-se, como exemplos, autores de renome como José Augusto Delgado, ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça, Cândido Rangel Dinamarco, Humberto Theodoro Junior e Juliana Cordeiro (DIDIER JUNIOR, 2017), e, ainda, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina.

Neves (2018) identifica duas atípicas formas para a relativização da coisa julgada, a saber: a relativização da coisa julgada inconstitucional e a relativização da coisa julgada injusta. A primeira corrente refere-se à possibilidade de afastamento de decisões de mérito baseadas em norma posteriormente considerada inconstitucional, enquanto a segunda refere-se às sentenças que produziriam “extrema injustiça, em afronta clara e inaceitável a valores constitucionais essenciais ao Estado democrático de direito” (NEVES, 2018, p. 897). O mero erro, por seu turno não daria azo à relativização atípica porque a segurança jurídica se sobrepõe à justiça da decisão, não restando claro, contudo, o que seria “mero erro” (NEVES, 2018, p. 902) – trata-se de conceito tão amplo quanto o de justiça.

A primeira corrente, como se verá adiante, ganhou certo respaldo legal, na medida em que o Código de Processo Civil de 2015 incorporou a previsão de seu anterior, incluída por reformas, de declaração de inexigibilidade de título, já relatadas acima. A segunda corrente tem, no entanto, encontrado mais dificuldades para se firmar dentro do sistema positivo, muito embora tenha crescido na doutrina. Ao consagrar expressamente uma teoria de declaração de inexigibilidade do título executivo lastreado em norma inconstitucional, impondo prazo para rescisão, no artigo 525 do NCPC, a bem da verdade é possível até mesmo cogitar que a teoria foi rechaçada pelo legislador, na medida em que este prossegue fazendo opções por prazos decadenciais para a desconstituição do caso julgado.

Na definição de um dos principais doutrinadores sobre a relativização da coisa julgada injusta, compreende-se a categoria “coisa julgada injusta” como aquela

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oriunda de decisões de mérito “ofensivas aos princípios da legalidade e da moralidade e atentatórias à Constituição” (DELGADO, 2001). Por ofender a ordem jurídica, uma decisão enquadrada nesta hipótese a segurança jurídica não deveria prevalecer, a fim de “prevalecer o sentimento do justo e da confiabilidade nas instituições” (DELGADO, 2001).

Contrapõe-se, porém, o posicionamento de Moreira (2007), para quem não corresponde à realidade do sistema jurídico a proposição de que não se poderiam eternizar injustiças para evitar a eternização de incertezas (THEODORO JUNIOR

apud MOREIRA, 2007). A opção brasileira é, em verdade, a de evitar, fazendo-se

ressalvas expressas e tidas como razoáveis pelo próprio legislador, novas cogitações a respeito da justiça ou injustiça. Prossegue o autor aduzindo, ainda, que, acaso um ou outro caso conduzam à “eternização de alguma injustiça, esse é o preço que o ordenamento entendeu razoável pagar como contrapartida da preservação de outros valores” (MOREIRA, 2007, p. 247).

No mesmo sentido, inclusive, está Miranda (1976, p. 648), para quem a técnica legislativa escolhe o recurso para que não se forme coisa julgada e a ação rescisória para a coisa julgada porque compreende que algumas situações necessitam de prazos maiores para impugnação, mesmo que já não haja mais a possibilidade de recurso. A legislação não opta, contudo, por deixar a incerteza pairar sobre a decisão judicial por longo ou indefinido tempo.

Não se pode ignorar que a “injustiça” repulsa o homem médio. Por outro lado, também não é dado olvidar-se que a justiça é, em si, relativa – porque dota-se de uma carga subjetiva -, ou que o próprio sistema, ao adotar uma limitação para a faculdade de recorrer ou optar por prazos decadenciais para o ajuizamento da ação rescisória, opta, em dado ponto, pelo valor segurança em contraposição ao valor justiça.

Conforme leciona Didier Junior et al (2017), a tese da relativização atípica da coisa julgada injusta foi primeiramente defendida por José Augusto Delgado, ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça, a partir de análise de casos concretos nos quais entendia por necessária a revisão da “carga imperativa da coisa julgada” (DIDIER JUNIOR et al, 2017, p. 632) em situações nas quais se distancia o comando judicial da moralidade, legalidade, razoabilidade, proporcionalidade ou com a própria realidade dos fatos.

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Trata-se, porém, de histórico inadequado à questão. O primeiro esforço rastreado no sentido de teorizar a relativização atípica da coisa julgada injusta foi, em verdade, o empreendido por Humberto Theodoro Junior. Este autor sinaliza ter trazido, também, a noção em parecer apresentado à Procuradoria Geral do Estado de São Paulo (PGE-SP), que resultou em acórdão paradigmático do Superior Tribunal de Justiça – tratava-se do Recurso Especial nº 240.712/SP (THEODORO JUNIOR; FARIA, 2002). Trechos desse parecer estão, inclusive, contidos no artigo de Delgado (2001). O julgamento despertou, de fato, atenção dentro da doutrina de processo civil brasileira, para o tema, tendo Humberto Theodoro Junior e Juliana Cordeiro de Faria escrito sobre a temática em 2002, referenciando-se ao parecer feito para a PGE-SP, e Cândido Rangel Dinamarco feito o mesmo ainda em 2001, reportando-se ao julgamento do Recurso Especial nº 240.712/SP, da relatoria de José Augusto Delgado.

De toda sorte, um dos primeiros esforços acadêmicos para sistematizar o tema é, de fato, o de José Augusto Delgado (2001, p. 22). Em artigo escrito em 2001, este autor sinalizou que o sistema deve preocupar-se com a questão da coisa julgada instaurada nas sentenças “injustas, violadoras da moralidade, da legalidade e dos princípios constitucionais”.

Nestes primeiros trabalhos não se registra, contudo, um esforço consistente para definir objetivamente quais critérios para enquadrar-se uma decisão judicial nestas adjetivações. Delgado (2001), em seu primeiro texto acadêmico sobre o tema, baseado em sua experiência enquanto juiz de direito e ministro do Superior Tribunal de Justiça, apresenta, de fato, uma lista, não exaustiva, que, em nosso sentir, não se sustenta. Conforme Moreira (2007, p. 254-5),

Ao que tudo faz crer, cabe aditar, os meios de controle previstos no ordenamento positivo são suficientes para atingir o fim visado. Os exemplos (confessadamente excepcionais) que se costumam invocar para fundamentar a proposta de “relativização” ou tem sabor meramente acadêmico, ou não permitem juízo seguro, pela sumariedade dos dados que se ministram; conhecimento mais profundo das espécies poderia talvez revelar a possibilidade de dar remédio adequado à situação sem infringir o ordenamento positivo.

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O rol trazido por Delgado (2001) tem, portanto, um certo sabor de “argumentação ad terrorem” (MOREIRA, 2007, p. 254), o que, sinalizamos com respeito, não consideramos razoável11. Muito se cogita, mas, na realidade prática, a possibilidade de que alguns dos exemplos dados possam a vir a de fato serem uma sentença exarada pelo Poder Judiciário e confirmada em grau de recurso é, a bem da verdade, remota12. Outros exemplos, no entanto, demonstrados em linhas resumidas, parecem comportar um tratamento já dentro do previsto pela lei. Hipóteses distintas merecem tratamentos distintos – não se poderia cogitar que a decisão que condena a dar um pedaço da própria carne (exemplo contido em Dinamarco [2001] e Delgado [2001]) possa receber o mesmo valor da sentença proferida com base em prova falsa, porque o bem da vida ofendido por uma decisão que obriga ao pedaço da carne é a integridade física – direito humano. Problemas jurídicos diferentes merecem, afinal, soluções jurídicas diferentes.

São trazidos por Delgado (2001) exemplos de sentença “injustas” que, em verdade, já são admitidas pelo sistema jurídico desde as Ordenações Afonsinas (1446) como passíveis de rescisão, a exemplo da decisão baseada em fato falso ou em testemunho feito sob perjúrio. Cita, também, o autor diversos exemplos de sentença que seriam injustas e contrárias à Constituição; observa-se, porém, que,

11 Melhor qualificação merecem as hipóteses levantadas por Wambier, Medina (2003), que trazem como exemplos passíveis de relativização a qualquer tempo a coisa julgada em ofensa à coisa julgada e a de “pedido não feito e decidido; pedido feito e não decidido” (WAMBIER, MEDINA, 2003, p. 78). Registramos, por isso mesmo, a existência de

controvérsia doutrinária, não abordada neste trabalho, quanto à sentença dada em ofensa à coisa julgada, embora esta seja, por lei, passível somente de ação rescisória. Embora as conclusões alcançadas por estes autores possam ser discutíveis, inegavelmente os exemplos possuem maior razoabilidade.

12 Por imperativo de honestidade intelectual, notamos que a sentença citada no capítulo 2, da lavra de Djalma Moreira Gomes Júnior, da 2ª Vara de Mococa/SP, posteriormente cassada por acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (SÂO PAULO, 2018), parece, infortunadamente, ser oriunda de um desses róis que Moreira (2007, p. 254) denominou de “argumentação ad terrorem”. Como já esboçamos, porém, o caso, em nosso sentir, merece tratamento distinto do dado pela “teoria da relativização atípica da coisa julgada” acaso não mais houvesse prazo para recorrer e, a bem da verdade, interposto recurso, não foi

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