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Relativização da coisa julgada

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

THAÍS FEITOSA FONTELES

RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL

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THAÍS FEITOSA FONTELES

RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL

Monografia apresentada à Coordenação do Curso de Graduação Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção de grau de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Constitucional e Direito Processual Civil.

Orientadora: Profa. Ms. Janaina Soares Noleto Castelo Branco

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca Setorial da Faculdade de Direito

F682r Fonteles, Thaís Feitosa.

Relativização da coisa julgada inconstitucional / Thaís Feitosa Fonteles. – 2014. 59 f. : enc. ; 30 cm.

Monografia (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2014.

Área de Concentração: Direito Constitucional e Direito Processual Civil. Orientação: Prof. Me. Janaína Soares Noleto Castelo Branco.

1. Coisa julgada - Brasil. 2. Ação rescisória - Brasil. 3. Inconstitucionalidade das leis. 4. Constitucionalidade das leis - Brasil. I. Castelo Branco, Janaína Soares Noleto (orient.). II. Universidade Federal do Ceará – Graduação em Direito. III. Título.

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THAÍS FEITOSA FONTELES

RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL

Monografia apresentada à Coordenação do Curso de Graduação Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção de grau de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Constitucional e Direito Processual Civil.

Aprovada em: ____/____/____

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________ Profa. Ms. Janaina Soares Noleto Castelo Branco (Orientadora)

Universidade Federal do Ceará – UFC

______________________________________________________ Mestrando Arthur Nogueira Feijó

Universidade Federal do Ceará – UFC

______________________________________________________ Mestrando Cristiano de Aguiar Portela Moita

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por ter me dado forças e inspiração para chegar até aqui.

À minha família: minha mãe, meu bálsamo nos momentos difíceis, minha amiga de todas as horas, obrigada por me mostrar o caminho do amor e da verdade, e por ter, incansavelmente, incentivado os meus estudos; meu pai, apaixonado pelo saber, meu exemplo de profissionalismo e de competência, obrigada por me mostrar os encantos do conhecimento, você é meu maior exemplo nessa vida, a vocês dois, o meu maior amor; minha irmã, a pequena que sempre vai estar ao meu lado, não importa o que aconteça, o meu mais amoroso obrigada.

Às minhas avós, Ivone e Auxiliadora, que sempre me incentivaram e, muitas vezes, acreditaram em mim mais do que eu mesma.

Ao meu avô, que, mesmo não estando mais presente, continua vivo em meu coração.

Às minhas tias, Denise e Cláudia, que sempre demonstraram profundo entusiasmo com minhas conquistas.

À minha prima Nanda, que, sempre ao meu lado, torce pelas minhas conquistas e está sempre disposta a me ajudar.

À minha orientadora, profa. Janaína Noleto, pelo grande auxílio no desenvolvimento deste trabalho, mostrando o porquê de ser uma das pessoas mais queridas e respeitadas da nossa Salamanca. Exemplo de pessoa e de excelente profissional que eu levo para o resto da vida.

Ao Arthur e ao Cristiano, o meu especial e sincero agradecimento, por aceitarem prontamente meu convite de participar da Banca Examinadora desta monografia. Obrigada por terem se mostrado solícitos e simpáticos ao convite.

Àquela que desde os meus cinco anos de idade está ao meu lado, dividindo alegrias e tristezas. É difícil imaginar um momento na minha vida em que você não tenha partilhado e, ao longo da minha graduação, em especial no desenvolvimento deste trabalho, não foi diferente. Mary, obrigada por todo o apoio e carinho ao longo desses quase vinte anos de amizade, sem você a vida não seria a mesma.

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lindo de ser. Vivis, obrigada pela sua amizade e por estar ao meu lado sempre e sempre, eu não consigo me imaginar sem o seu cuidado, seu o seu amor.

Àquela que sempre tem um conselho, uma palavra amiga pra me dar e é sempre uma ótima companhia pros minhas ideias. Mari, obrigada pela sua amizade, pelo seu carinho e por todo o companheirismo ao longo de todos esses anos de amizade.

Àquela que torna a minha vida mais divertida, que, com seu jeito bem maluquinho, proporciona-me os momentos mais divertidos possíveis. Rennatinha, obrigada pela sua amizade, por todos os felizes momentos ao seu lado e, principalmente, por esse seu coração enorme, que não se cansa de ajudar as pessoas que ama e faz de tudo para vê-las felizes, obrigada por existir na minha vida e tornar tudo mais agradável.

Àquela que sempre esteve ao meu lado quando precisei e sempre se mostrou uma grande amiga. Sarah, obrigada por ter estado ao meu lado durante toda a faculdade.

Ao Estevão e à Karyna, meus eternos companheiros, mesmo que não estejamos sempre perto fisicamente, nossa amizade vai além da distância e sei o quanto vocês torcem por mim. Ainda vamos viver juntos muitas histórias para contar, pois quero dividir com vocês todas as minhas conquistas.

Àquele que não só na faculdade, mas, nos últimos dez anos, revelou-se muito mais que um amigo, mas um verdadeiro irmão pra mim e me ensinou, dia após dia, o verdadeiro sentido de uma amizade. Murilo, obrigada por todo o companheirismo vivido nesses anos. Essa conquista só faria sentido se fosse ao seu lado. Que nossas mãos continuem sincronizadas para escrever os capítulos dessa vida profissional que nos aguarda, pois sei que ao seu lado tudo é melhor.

Àquele que, ao longo da faculdade, ensinou-me a ver a vida de um jeito diferente, que, com o seu jeito “de boa”, acabou despertando em mim os melhores sorrisos e a alegria de viver de um modo leve. Rodrigo, aliás, Drigo, obrigada pela sua amizade, pelos seus conselhos, pelo seu cuidado comigo e pela sua jeito contagiante de ser. Seria difícil imaginar os últimos anos sem pensar em todos os momentos felizes que compartilhamos. Hoje, tenho a certeza que construímos uma amizade pra vida toda, uma amizade que ultrapassará os muros da nossa faculdade e que ainda nos trará tantos outros sorrisos.

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sensacional, um verdadeiro presente que a faculdade me trouxe e, pode ter certeza, que esses cinco anos de amizade pouco representam frente a tudo que ainda vamos viver juntos.

Àquele que, com certeza, é um dos grandes exemplos que levo da faculdade. Pooh, você é, pra mim, não só um exemplo de competência, de capacidade, mas, principalmente, de pessoa. Você é uma pessoa maravilhosa que eu tenho a honra de ser amiga, espero que eu possa aprender mais e mais com esse seu jeito tão especial de ser e que essa nossa amizade vá muito além dos muros da nossa faculdade.

Aos meus amigos do “Tacando o Pall”, que tornaram esses cinco anos de faculdade muito mais divertidos e me fizeram ter a certeza de que não poderia ter uma turma melhor, amigos que quero levar pra vida inteira.

Aos meus colegas do TRT, que hoje posso chamar de amigos, o mais sincero obrigada. Vocês, além de despertarem em mim um amor ainda maior pelo Direito, proporcionaram-me, durante quase dois anos de estágio, tardes maravilhosas. Vocês realmente são “Feras” e espero tê-los ao meu lado para dividir todas as minhas conquistas.

Às lindas do “Lastfriday”, que, sempre ao meu lado, tornam a vida muito mais divertida e agradável, obrigada por me proporcionarem tanta alegria e estarem ao meu lado nos momentos difíceis.

Às meninas do “R.A.”, que, ao longo desses cinco anos, compartilharam alegrias e tristezas e sempre estiveram comigo quando precisei. Vocês, com certeza, vão para além dos muros da nossa Salamanca.

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RESUMO

Trata-se de estudo que tem por finalidade a análise da polêmica questão da relativização da coisa julgada inconstitucional. Inicia-se o estudo abordando o instituto da res judicata, seus

principais aspectos e sua proteção no ordenamento jurídico pátrio como corolário da segurança jurídica. Examina-se ainda a possibilidade de colisão da segurança jurídica com o outro valor de igual monta, qual seja o da justiça das decisões. Outrossim, aborda-se o princípio da supremacia constitucional como apanágio do Estado Democrático de Direito e a consequente necessidade de conformidade dos atos estatais com os preceitos constitucionais. Analisa-se, ainda, a inconstitucionalidade dos atos dos poderes públicos, com especial enfoque na inconstitucionalidade dos atos jurisdicionais. Parte-se então para o estudo específico da coisa julgada inconstitucional, apresentando seu conceito e os motivos que fundamentam a sua relativização. Analisam-se detalhadamente as espécies de sentenças inconstitucionais, demonstrando como o vício da inconstitucionalidade pode macular uma decisão judicial. Adentra-se, então, na análise da relativização da coisa julgada inconstitucional, apresentando quais são os mecanismos existentes no ordenamento jurídico hábeis a combater tal vício. Por fim, apresenta-se a proposta da doutrina moderna de uma ação rescisória adaptada como meio processual específico para o combate do vício da inconstitucionalidade na decisão judicial transitada em julgado.

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RESUMEN

Se trata del estudio que tiene por finalidad el análisis de la polémica cuestión de la relativización de la res judicata inconstitucional. Se empieza el estudio abordando el instituto

de la res judicata, sus principales aspectos y su protección en el ordenamiento jurídico

nacional como corolario de la seguridad jurídica. Se examina todavía la posibilidad de colisión de la seguridad jurídica con el otro valor de igual importancia, cual sea el de la justicia de las decisiones. Además, se aborda el principio de la supremacía constitucional como característica del Estado Democrático de Derecho y la consecuente necesidad de conformidad de los actos estatales con los preceptos constitucionales. Se analisa, todavía, la inconstitucionalidad de los actos de los poderes públicos, con especial enfoque en la inconstitucionalidad de los actos jurisdiccionales. Se parte entonces para el estudio específico de la res judicata inconstitucional, presentando su concepto y los motivos que fundamentan

su relativización. Se analizan detalladamente los tipos de fallos inconstitucionales, demostrando como vicio de la inconstitucionalidad puede macular un fallo judicial. Se empieza entonces el análisis de la relativización de la rea judicata, presentando cuales son los

mecanismos existentes en el ordenamiento jurídico hábiles a combatir tal vicio. Por fin, se presenta la propuesta de la doctrina de una acción de recisión adaptada como medio procesual específico para el combate del vicio de la inconstitucionalidad en la decisión judicial final.

Palabras-clave: Res judicata. Supremacía constitucional. Res judicata inconstitucional.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 13

2 COISA JULGADA ... 15

2.1 Conceito e linhas introdutórias... 15

2.2 Coisa julgada formal e coisa julgada material ... 17

2.3 Limites objetivos da coisa julgada ... 18

2.4 Limites subjetivos da coisa julgada ... 20

2.5 A proteção à coisa julgada no ordenamento jurídico pátrio ... 22

2.6 A coisa julgada como corolário do princípio da segurança jurídica e o problema da justiça das decisões ... 24

3 INCONSTITUCIONALIDADE DOS ATOS DO PODER PÚBLICO ... 26

3.1 Constitucionalismo: a origem da supremacia constitucional e do controle de constitucionalidade ... 26

3.2 Evolução histórica do controle de constitucionalidade ... 28

3.3 Inconstitucionalidade de leis e atos normativos no Brasil ... 31

3.4 Inconstitucionalidade dos atos do Poder Judiciário ... 32

4 RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL ... 35

4.1 O dogma da coisa julgada e a questão da justiça das decisões ... 35

4.2 Controle constitucional da coisa julgada inconstitucional ... 38

4.3 Espécies de coisa julgada inconstitucional ... 40

4.3.1 Decisão judicial direta e imediatamente violadora da Constituição ... 41

4.3.2 Decisão judicial aplicadora de normal inconstitucional... 42

4.3.3 Decisão judicial que não aplica uma norma constitucional, sob a alegação de suposta inconstitucionalidade desta ... 43

4.3.4 Sentença que dá a lei interpretação incompatível com a Constituição Federal ... 44

4.3.5 Sentença que se torna inconstitucional por superveniência de emenda constitucional .. 44

4.4 Mecanismos processuais para rediscutir a coisa julgada ... 45

4.4.1 Ação rescisória ... 46

4.4.2 Impugnação de sentença e embargos à execução ... 48

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4.4.4 Ação declaratória de inconstitucionalidade do ato judicial (querela nullitatis) ... 51

4.5 Uma nova proposta: ação rescisória adaptada ... 52

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 55

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1 INTRODUÇÃO

Um dos valores buscados pelo ordenamento jurídico brasileiro é o da segurança nas relações, o que significa a busca pela solução dos litígios e, em último grau, a pacificação social. O cidadão, ao procurar a tutela jurisdicional, assim o faz porque tem a garantia de que, ao final do processo, a decisão final será definitiva e, portanto, respeitada.

Nesse sentido, tem-se que a coisa julgada, como corolário da segurança jurídica, é indispensável para a afirmação do próprio Estado, visto que pacificar, através da atividade jurisdicional, sem a garantia da estabilidade das decisões parece-nos impossível.

Diante da notória importância do instituto para o ordenamento jurídico, a coisa julgada sempre gozou de especial atenção sendo, inclusive, constitucionalmente protegida. Com efeito, dispõe o art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal de 1988, que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Nesse diapasão, a res judicata sempre foi vista, pela clássica doutrina, como um instituto intocável, um verdadeiro dogma. No entanto, com a existência de decisões transitadas em julgado que acobertavam flagrantes violações à Lei Maior, a doutrina e a jurisprudência começaram a questionar a autoridade do instituto nos casos de “coisa julgada inconstitucional”.

O princípio da supremacia constitucional, apanágio do Estado Democrático de Direito, representa para o cidadão a garantia de que todos os atos emanados pelo Poder Publico devem guardar conformidade com a Lei Maior. Sendo assim, tem-se que não somente os atos do Poder Legislativo e do Poder Executivo devem encontrar guarida na Carta Magna, mas também os atos do Poder Judiciário, dentre os quais a sentença transitada em julgado.

Nesse sentido, o dogma da coisa julgada vem, pouco a pouco, desconstituindo-se e tem-se, cada vez mais forte, a ideia de que se deve dar precedência aos valores justiça e efetividade sobre o valor segurança. Visto que o próprio art. 5º, XXXV, da Constituição brasileira, consagra o acesso à justiça como um direito fundamental e isso significa não somente a garantia de uma efetiva prestação jurisdicional, mas também a garantia de que a decisão final seja justa, conforme com os preceitos constitucionais.

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organizacional do trabalho está baseada em capítulos e a temática foi desenvolvida com base em pesquisa eminentemente bibliográfica e legislativa-documental.

No primeiro capítulo, estuda-se o instituto da coisa julgada, desde os seus conceitos introdutórios, até a sua proteção constitucional. Aborda-se ainda sua relação com o princípio da segurança jurídica e a possibilidade de colisão com o valor da justiça das decisões.

No segundo capítulo, faz-se uma retrospectiva histórica do constitucionalismo, fenômeno que implantou a ideia supremacia constitucional que, hoje, se tem. Analisa-se ainda a inconstitucionalidade dos atos estatais, com especial enfoque aos atos jurisdicionais.

No terceiro e último capítulo, adentra-se no tema propriamente dito, conceitua-se o fenômeno da coisa julgada inconstitucional, analisando o vício que macula tal espécie de decisão, bem como apresenta quais são os tipos decisões inconstitucionais. Abordam-se, então, quais são os mecanismos existentes no ordenamento jurídico hábeis a combater o vício da sentença transitada em julgado violadora da Constituição e, por fim, apresenta a proposta de criação de uma ação rescisória adaptada como meio de impugnação específico para o combate da coisa julgada inconstitucional.

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2 COISA JULGADA

Antes de adentrar na questão da coisa julgada inconstitucional e dos mecanismos processuais para a sua relativização, tema central do presente trabalho monográfico, faz-se necessária uma análise criteriosa do instituto da coisa julgada, bem como seu papel e sua importância no ordenamento jurídico para então enfrentar a problemática central.

2.1 Conceito e linhas introdutórias

Sabe-se que a atividade jurisdicional consiste em levar um caso ao Estado-juiz, e este aplicar o Direito ao caso concreto, observando os valores e os princípios esculpidos no ordenamento jurídico brasileiro. Todavia, muitas vezes, através de recursos ou de outro meio de impugnação, esse mesmo Estado-Juiz pode modificar a decisão anteriormente proferida.

Tendo em vista que o cidadão busca a tutela jurisdicional a fim de ter resguardado seu direito para que, posteriormente, possa executá-lo, a discussão acerca da decisão não pode perdurar eternamente, sendo necessário um momento no qual a sentença ganhe contornos definitivos e possa ser executada. Nesse momento, surge, então, o que se chama de coisa julgada.

Para Alexy (apud MARINONI, 2010, p. 56), a coisa julgada seria uma condição

para que o discurso possa ser considerado um discurso jurídico propriamente dito, conforme se observa:

[...] se a discussão jurídica não tiver um termo a partir do qual a decisão não possa ser questionada, não haverá sentido em falar em discurso jurídico nem muito menos em realiza-lo. Ora, um discurso jurídico incapaz de se estabilizar é uma contradição em termos, já que o poder, fundamento do discurso jurídico, imprescinde de recrudescimento. É por isso que um discurso aberto à eterna discursão jamais será um discurso jurídico ou um discurso do poder estatal, mas não tão somente um discurso prático-geral.

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aos efeitos da decisão para qualifica-los e reforça-los em um sentido determinado. Assim, observa-se as palavras de Liebman (2007, p. 40-41):

Não se pode, pois, duvidar que a eficácia jurídica da sentença se possa e deva distinguir da autoridade da coisa julgada; e nesse sentido é certamente de acolher a distinção formulada por Carnelutti entre imperatividade e imutabilidade da sentença; porque é esta imperativa e produz todos os seus efeitos ainda antes e independentemente do fato as sua passagem em julgado. Da premissa há pouco anunciada deriva uma só e necessária consequência: a autoridade da coisa julgada não é efeito da sentença, como postula a doutrina unânime, mas, sim, modo de manifestar-se e produzir dos efeitos da própria sentença, algo que esses efeitos se ajunta para qualifica-los e reforça-los num sentido bem determinado. Caem todas as definições correntes no erro de substituir uma qualidade dos efeitos da sentença por um efeito seu autônomo.

Castelo Branco (2009, p. 46) adverte que, analisando criteriosamente a lição proposta pelo doutrinador supracitado, conclui-se que imutável não é o comando da sentença, mas o seu conteúdo, pois, ainda que o órgão jurisdicional tenha declarado a existência ou a inexistência de determinada relação jurídica, nada impede que, por vontade das partes, caso fortuito ou força maior, venha a ser declarada relação não mais (in)existir. O que seria o caso, por exemplo, de um casal anteriormente divorciado que contrai novas núpcias.

Dinamarco (2009, p. 300) define coisa julgada como a imutabilidade da sentença e de seus efeitos. O autor esclarece que ela só ocorre depois que a sentença se torna irrecorrível, pois, no momento em que é proferida, ela própria e seus efeitos ainda são mera proposta de solução do litígio (sentença de mérito), ou, simplesmente, proposta de extinção do processo (terminativas), visto que ainda é possível a substituição da sentença e alteração do teor do julgamento, em caso de recurso interposto pela parte vencida. Portanto, a coisa julgada só surge quando a decisão judiciária se torna imune a qualquer questionamento futuro, ou seja, quando já não comporta mais recurso.

Com efeito, tem-se que a coisa julgada seria a qualidade da sentença que torna o comando decisório imutável e indiscutível. Theodoro Júnior (2013, p. 567) ressalta ainda que, enquanto a sentença está sujeita a recurso, não passaria de uma “situação jurídica”, o que significa que os efeitos próprios da sentença somente ocorrerão após o transito em julgado, oportunidade na qual o decisório torna-se imutável e indiscutível em razão da formação da coisa julgada.

Por fim, ainda dentro do conceito inicial de coisa julgada, cabe citar o que se convencionou chamar de coisa soberanamente julgada. Conforme leciona Barreto (2006,

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anos para a propositura da ação rescisória sem que tal ação tenha sido proposta. Lançadas essas premissas básicas, passa-se a análise pormenorizada do instituto.

2.2 Coisa julgada formal e coisa julgada material

A coisa julgada, levando-se em consideração a doutrina proposta por Liebman (2007), deve ser considerada em dois aspectos: formal e material (ou substancial).

A coisa julgada formal se forma de maneira endoprocessual, ou seja, não se pode mais rediscutir a relação processual no mesmo processo em que foi proferida a sentença, porquanto não possa mais ser impugnada por recurso. Este seria o momento do trânsito em julgado da sentença. Tendo resolvido ou não o mérito da causa, tornar-se-á imutável e indiscutível. Conforme aponta a doutrina, seria uma espécie de preclusão. Convém ressaltar que coisa julgada formal só é capaz de pôr termo à discussão dentro do mesmo processo, sendo incapaz de impedir que a tal discussão ressurja em outro processo.

A coisa julgada material, por sua vez, é definida pelo próprio Código de Processo Civil (CPC), Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, no seu art. 467, que assim dispõe “denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”. Conclui-se que a coisa julgada material é a indiscutibilidade da decisão tanto no processo em que foi produzida, como em qualquer outro processo. O dispositivo da decisão judicial, cristaliza-se, tornando-se imutável. Dinamarco (2003, p. 12), sobre o aspecto material da coisa julgada, assim disserta:

[...] a coisa julgada material não é instituto confinado ao direito processual. Ela tem acima de tudo o significado político-institucional de assegurar a firmeza das situações jurídicas, tanto que erigida em garantia constitucional. Uma vez consumada, reputa-se consolidada no presente e para o futuro a situação jurídico-material das partes, relativa ao objeto do julgamento e às razões que uma delas tivesse para sustentar ou pretender alguma outra situação.

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Diante do exposto, é forçoso concluir que a coisa julgada formal seria um pressuposto lógico da coisa julgada material, uma vez que não é possível a formação da coisa julgada material, sem que haja a formação da coisa julgada formal, mas é possível a existência apenas da coisa julgada formal, como acontece no caso das sentenças meramente terminativas, que apenas extinguem o processo sem julgar a lide.

Esclareça-se por fim que, nos termos do art. 267, V, do CPC, caso haja a instauração de um novo processo cujo objeto já esteja acobertado pelo manto da coisa julgada material, o feito deverá ser extinto, em razão da existência da coisa julgada material.

Sendo assim, a coisa julgada material funciona como uma espécie de impeditivo processual, o que significa dizer que a sua existência impede que o juiz exerça cognição sobre o objeto do processo. Seria, portanto, uma questão preliminar que deve ser devidamente apreciada. Com efeito, em termos práticos, a coisa julgada material tem como efeito impedir qualquer nova apreciação da coisa já resolvida (CÂMARA, 2012, p. 481).

2.3 Limites objetivos da coisa julgada

Sobre os limites objetivos da coisa julgada, o CPC inicia a regulamentação da matéria pelo art. 468 que preconiza: “a sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas”.

Para entender o disposto no supramencionado artigo, é necessário, primeiramente, compreender o que significa lide e questões. Nesse sentido, Theodoro Júnior (2013, p. 581) esclarece que lide ou litígio é conflito de interesses a ser solucionado no processo. Questões, por sua vez, seriam os pontos controvertidos envolvendo os fatos e as regras jurídicas debatidas entre as partes. Portanto, conclui o referido autor, pode haver lide sem questões, caso de pura resistência a uma pretensão, e questões sem lide, caso das dúvidas puramente teóricas.

Sendo assim, pode-se concluir que lide é objeto do processo, ou seja, o mérito da causa. Desse modo, nos termos do art. 468 do CPC, a sentença faz coisa julgada nos limites do pedido, ou seja, nos limites do objeto do processo.

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Observando-se os arts. 469 e 470, pode-se concluir, ainda, que somente o dispositivo da sentença transita em julgado. Nesse sentido, Marinoni e Arenhart (2011, p. 645) assim dissertam:

Se este fenômeno incide sobre a declaração contida na sentença, e se essa declaração somente pode existir como resposta jurisdicional, é certo que a coisa julgada atingirá apenas a parte dispositiva da sentença. Realmente, observando-se o relatório e a fundamentação da sentença, nota-se que, em nenhum desses dois elementos, existe propriamente (ainda) julgamento. Neles o magistrado ainda não certifica a vontade do direito que incide sobre o caso concreto, vindo isto a acontecer apenas na última etapa, ou seja, no dispositivo (decisum)

Insta esclarecer ainda que, conforme versa o art. 470 do CPC, a apreciação das questões prejudiciais, que ocorre na fundamentação da sentença, não faz coisa julgada, exceto se tiver existido “ação declaratória incidental”, hipótese em que a decisão dessa questão também será alcançada pela autoridade da coisa julgada. Ressalte-se que tal caso não revela exceção à regra de que somente o dispositivo faz coisa julgada, visto que a apreciação da questão incidental levará a uma decisão, que estará na parte dispositiva da ação paralela.

Ainda tratando dos limites objetivos da coisa julgada, cumpre analisar o art. 474 do CPC que afirma “passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido”. Tal dispositivo versa sobre a chamada “eficácia preclusiva da coisa julgada” ou do também chamado “princípio do deduzido e do deduzível”.

Segundo tal artigo, uma vez que a sentença definitiva é alcançada pela coisa julgada, tornam-se irrelevantes todas as alegações que poderiam ter sido trazidas a juízo e não o foram. Isso ocorre, pois as razões que motivaram aquela decisão não transitam em julgado, mas tão somente a parte dispositiva. Sendo assim, é irrelevante o caminho trilhado pelo raciocínio do juiz para proferir sua decisão e de outro modo não poderia ser, pois não se poderia permitir que a coisa julgada fosse abalada a cada vez que a parte vencida retomasse alguma alegação anteriormente esquecida.

Bueno (2009, p. 390), todavia, adverte que os termos “alegações” e “defesas” utilizados no art. 474 não se confundem com “causa de pedir”, conforme observa-se em suas palavras:

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processual, relaciona-se, unicamente, com as consequências jurídicas que devem ser experimentadas a partir de um dado fato jurídico ou uma série deles. Causa de pedir e argumentos podem até conviver, mas não se confundem, é dizer, para que o magistrado se convença da existência de uma causa de pedir é dado ao interessado valer-se dos mais diversos argumentos, além da produção de prova que se faça relevante e pertinente. Mas, a causa de pedir em si considerada, não é o mesmo que os argumentos de que se vale para seu enfrentamento e vice-versa. Os elementos apontados no art. 474 devem, pois, ser compreendidos como identificadores ou como elementos de comprovação de uma mesma causa de pedir.

Diante das considerações acima, conclui-se que, caso seja alterada a causa de pedir, não haverá óbice para um novo processo, visto que se trata, na verdade, de uma nova demanda. Situação diferente é quando se tem a mesma causa de pedir, apenas com argumentos diferentes. Nesse caso, busca-se, na verdade, infirmar a decisão acobertada pela coisa julgada o que é veemente vedado pelo artigo supramencionado que, conforme se percebe, desempenha papel relevante na preservação das decisões que já transitaram em julgado.

2.4 Limites subjetivos da coisa julgada

Enquanto que no estudo dos limites objetivos da coisa julgada investiga-se o que se submete aos efeitos da coisa julgada, no estudo dos limites objetivos busca definir quem se submete aos efeitos da coisa julgada. Nesse sentido, a coisa julgada pode operar-se inter

partes, ultra partes ou erga omnes.

O sistema brasileiro consagra, como regra geral, a coisa julgada inter partes.

Tal regra, como bem ressalta Liebman (2007, p. 80), é conhecida desde o Direito Romano, onde se afirmava “res inter alios iudicata, aliis non prejudicare”. Defendida pela melhor

doutrina, a regra encontra-se esculpida na primeira parte do art. 472 do CPC, no qual se afirma que “a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros [...]”.

Câmara (2012, p. 491), através de um elucidativo exemplo, apresenta a importância prática desta regra:

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existente não impede que o Sicrano, que foi terceiro em reação àquele primeiro processo, discuta o ponto.

Tal regra tem inspiração também nas garantias constitucionais da inafastabilidade da jurisdição, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, na medida em que, dentro do ordenamento jurídico pátrio, ninguém poderá ser atingido pelos feitos de uma decisão jurisdicional transitada em julgado, sem que lhe tenha sido garantido o acesso à justiça, como um devido processo legal, no qual seja oportunizada a participação em contraditório (DIDIER JR; BRAGA; OLIVEIRA, 2011, p. 429).

Muito embora a afirmação contida no art. 472 do CPC, seja a regra geral, sabe-se que tal regra é incapaz de explicar todos os fenômenos ligados ao limite subjetivo da coisa julgada, de modo que a própria parte final do referido artigo leva à conclusão de que terceiros podem se sujeitar à coisa julgada, ou seja, à imutabilidade do que foi decidido em determinado processo, confira-se: “Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros”.

Bueno (2009, p. 395) esclarece que os “interessados” referidos no artigo não podem ser identificados como verdadeiros terceiros, mas, na verdade, como partes. O mencionado autor explica que tanto é assim que o dispositivo em questão refere-se à figura do “litisconsórcio necessário”, situação em que, por força de lei ou por força do próprio direito material subjacente ao processo, impõe-se uma pluralidade de autores, de réus ou de autores e réus atuem concomitantemente em juízo em um mesmo processo. Sendo assim, a hipótese deve ser compreendida, para todos os fins, como pluralidade de partes e, portanto, não há como recusar a elas o mesmo regime da incidência da coisa julgada, visto que não partes.

Na lição de Marinoni (2011, p. 643), tem-se que:

Terceiro interessado é aquele que tem interesse jurídico na causa, decorrente da existência de alguma relação jurídica que mantém conexa ou dependente, em face da relação jurídica deduzida em juízo. Tal sujeito, em função da existência deste interesse jurídico, é admitido a participar do processo, intervindo quando menos na condição de assistente simples. Já os terceiros indiferentes são aqueles que não mantêm nenhuma relação jurídica interdependente com aquela submetida à apreciação judicial. Não tem interesse jurídico na solução do litígio e, por essa circunstância, não são admitidos a intervir no processo (ao menos na condição de sujeito interessado).

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Contudo, esses efeitos, por óbvio, serão sentidos e recepcionados de forma diversa, conforme a condição do sujeito que o suporta.

Como bem postula Castelo Branco (2009, p. 58), as relações jurídicas não se processam de forma isolada, portanto não se pode negar que, ao lado de toda relação jurídica, existem inúmeras outras que lhe são subjacentes. Sendo assim, quando determinada relação jurídica é levada à apreciação do Poder Judiciário e há uma sentença com trânsito em julgado, os efeitos daí decorrentes podem atingir terceiros indiretamente. Como ressalta a autora, o que não se pode admitir é que o conteúdo de determinada sentença seja imposto a quem é diretamente interessado e não integrou a lide.

2.5 A proteção à coisa julgada no ordenamento jurídico pátrio

O ordenamento jurídico pátrio, a par da importância da coisa julgada, coloca-a como instituto jurídico que integra o conteúdo do direito fundamental à segurança jurídica, estando consagrada expressamente no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal de 1988, que afirma “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Na organização constitucional, observa-se que tal norma encontra-se esculpida no título “Dos direitos e Garantias Fundamentais” e, de acordo com o art. 60, § 4º, IV, da Carta Magna, os direitos e garantias individuais são insuscetíveis de emendas tendentes à abolição.

Realizando uma interpretação literal do inciso constitucional, verifica-se que a coisa julgada somente é protegida contra o legislador, senão veja-se o que afirma o texto constitucional: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.”.

Todavia, tal análise deve ser feita com cautela, e uma interpretação literal não se mostra o meio mais adequado de analisar a norma em epígrafe, pois, muito embora só haja menção à lei, é patente que a Constituição brasileira não quis liberar o administrador e o juiz para a desrespeitarem. Nesse sentido, são elucidativos os esclarecimentos feitos por Marinoni (2010, p. 68-69):

(24)

exatamente porque aquele que a produziu, não existiria a segurança indispensável ao Estado de Direito.

Com efeito, tem-se que a redação do art. 5º, XXXVI, não se refere apenas ao fato de que a lei não pode reformular situação já acobertada pelo manto da coisa julgada, mas que nenhuma lei infraconstitucional poderia ir de encontro ou desproteger a coisa julgada.

Diante desse cuidado constitucional com a coisa julgada, há quem fale no “princípio constitucional da coisa julgada” que seria a impossibilidade absoluta de modificação daquilo que foi decidido no caso concreto, ainda que contrarie à Constituição Federal, caso tenha exaurido o prazo da rescisória, e ainda como cláusula pétrea, tendo em vista o teor do art. 60, §4º, IV, da Carta Política, que veda emenda constitucional tendente a abolir os direitos e garantias fundamentais (CASTELO BRANCO, 2009, p. 58-59).

Todavia, conforme esclarece Castelo Branco (2009, p. 59-60), não pode prosperar o dogma da coisa julgada. Pois, uma vez que a doutrina e a jurisprudência admitiram a recepção do instituto da ação rescisória, pela Constituição Federal de 1988, reconheceram que, no sistema brasileiro, o chamado “princípio da coisa julgada” não tem caráter absoluto. Cabe ressaltar ainda que princípios se caracterizam justamente pela possibilidade de sofrer ponderação quando em choque com outros. Sendo assim, a própria afirmação da existência de um princípio constitucional da coisa julgada já o predispõe à ponderação em caso de colisão com os demais princípios de mesma hierarquia com vistas a garantir a unidade constitucional.

Nesse sentido, Dinamarco (2003, p. 10) ensina que “o processo deve ser realizado e produzir resultados estáveis tão logo quanto possível, sem que isso se impeça ou prejudique a justiça dos resultados que ele produzirá”. Nesse diapasão, o referido autor ressalta que nenhum princípio constitui um objetivo em si mesmo e todos eles, conjuntamente, devem valer-se como mecanismos de melhor proporcionar um sistema processual justo, capaz de efetivar a promessa constitucional de acesso à justiça, entendida esta no seu sentido amplo, qual seja o de produzir resultados justos.

Outrossim, conforme ressalta Marinoni (2010, p. 70), é preciso esclarecer que o fato de legislação infraconstitucional prever hipóteses em que a coisa constitucional possa ser desconstituída não significa que ela não esteja protegida pela Constituição Nesse sentido, tem-se as observações de Silva (2013, p. 438-439):

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ou tornar ineficaz) a coisa julgada. Mas pode prever licitamente, como o fez o art. 485 do Código de Processo Civil, sua rescindibilidade por meio de ação rescisória.

Nesse diapasão, conclui-se que é preciso uma análise cautelosa se aquilo que se protege constitucionalmente é o instituto da coisa julgada in abstracto ou a coisa julgada

no caso concreto. Pois, caso se considere que o constituinte impediu que a legislação infraconstitucional prejudicasse o instituto, a ação rescisória, por óbvio, não poderia subsistir no ordenamento jurídico brasileiro, visto que relativiza a coisa julgada nas hipóteses previstas no art. 485 do CPC.

Sendo assim, uma vez que a doutrina e a jurisprudência admitem a possibilidade de relativização do julgado por meio da ação rescisória, a única interpretação possível do teor do art. 5º, XXXVI, da Carta Magna, é a de que, com vistas a preservar o princípio da segurança jurídica, o constituinte quis que a lei infraconstitucional modificadora da disciplinada coisa julgada tivesse o condão de modificar o teor da sentença transitada em julgada em determinado caso concreto. Portanto, qualquer mudança no tratamento do instituto que possa resultar no seu enfraquecimento ou venha a alargar o rol de hipóteses de ataque ao julgado, desde que respeitado o princípio da segurança jurídica, é constitucional, a exemplo da rescisória, não produzindo, todavia, efeitos sobre os casos julgados anteriores a alteração legislativa (CASTELO BRANCO, 2009, p. 61-62).

2.6 A coisa julgada como corolário do princípio da segurança jurídica e o problema da justiça das decisões

Um dos valores buscados pelo ordenamento jurídico é o da segurança nas relações jurídicas, que constitui fator relevante para a solução de litígios e consequentemente para a pacificação social. Para Luhmann e Ferraz Jr (apud DINAMARCO, 2003, p. 12),

“a tomada de uma decisão, com vitória de um dos litigantes e derrota do outro, é para ambos o fim e a negação das expectativas e incertezas que os envolviam e os mantinham em desconfortável estado de angústia”.

(26)

O referido autor esclarece ainda que o Estado de Direito, devido à ampla latitude de objetivos, trata-se de um sobreprincípio, o qual se correlaciona com vários outros princípios que incorporam os seus fins. Esses princípios, por sua vez, são reveladores do seu conteúdo e, desta forma, constituem os seus fundamentos. Um desses princípios seria o da segurança jurídica, o qual pode ser analisado tanto na dimensão objetiva, como na subjetiva. No plano objetivo, a segurança jurídica recai sobre a ordem jurídica objetivamente considerada, ou seja, importando a irretroatividade e a previsibilidade dos atos estatais. Já no plano subjetivo, observa-se a segurança jurídica do ponto de vista dos cidadãos em face dos atos do Poder Público, aparecendo ai o princípio da confiança, como garantia de que os atos estatais devem proporcionar aos cidadãos, titulares de expectativas legítimas. Com efeito, tem-se que, na dimensão objetiva, a coisa julgada tutela o princípio da segurança jurídica assegurando que as decisões judiciais são definitivas e imodificáveis. Já na dimensão subjetiva, a coisa julgada seria um ato de proteção da confiança legitimamente depositada pelos cidadãos nos atos de poder.

Conforme demonstrado acima, a coisa julgada seria um corolário da segurança jurídica e, por esta razão, sempre gozou de especial proteção no ordenamento jurídico pátrio. Todavia, Dinamarco (2003, p. 13) ressalta que o valor da segurança jurídica nas relações não é absoluto no sistema, nem o é, portanto a garantia da coisa julgada, visto que ambos devem conviver com um outro valor de primeiríssima grandeza, qual seja o da justiça das decisões judiciárias, constitucionalmente tutelado mediante a garantia de acesso à justiça (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988).

Explica o autor supracitado, que tal preocupação tem levado a doutrina moderna a levantar a bandeira de um correto e razoável dimensionamento do poder da coisa julgada, relativizando o significado dessa garantia constitucional, visto que não seria é legítimo eternizar injustiças a pretexto de evitar a eternização de incertezas.

(27)

3 INCONSTITUCIONALIDADE DOS ATOS DO PODER PÚBLICO

3.1 Constitucionalismo: a origem da supremacia constitucional e do controle de constitucionalidade

Para que se possa entender a ideia de superioridade normativa da Carta Magna, é necessário que se faça uma análise da origem histórica da concepção de Constituição que se tem hoje.

Mendes e Branco (2011, p. 45) apontam que a atual concepção de Constituição tem sua origem nos ideais que inspiraram a Revolução Francesa e a Revolução Americana do século XVIII, senão veja-se as palavras exatas dos autores:

Se a noção de que certas leis se destinguem das demais pelo seu objeto especial – a organização do próprio poder – pode retroagir a pensadores e práticas da Antiguidade, a ideia de Constituição, como a vemos hoje, tem origem mais próxima no tempo e é tributada de postulados liberais que inspiraram as Revoluções Francesa e Americana do século XVIII. É daí que surgem os atributos da Constituição como instrumento orientado para conter o poder, em favor das liberdades, num contexto de sentida necessidade de preservação da dignidade da pessoa humana.

Tais constituições foram elaboradas sob a inspiração dos ideais de racionalidade que norteavam o Iluminismo do século XVIII, bem como sob o ideal da valorização da liberdade formal e do individualismo, portanto tinham uma orientação liberal. Tais diplomas versavam sobre a organização do Estado e sobre a forma de exercício e de transmissão de poder, além do que, através da enumeração de direitos e garantias individuais, disciplinavam a limitação do poder do Estado.

Canotilho (2012, p. 51), no entanto, ressalva que o movimento constitucional gerador da Constituição em sentido moderno teve, na verdade, várias raízes localizadas em horizontes temporais diacrónicos e em espaços geográficos e culturais diferenciados e não seria apropriado se falar em um único movimento constitucional:

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O autor supracitado ainda ensina que o constitucionalismo pode ser visto sob dois sentidos: como uma técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos ou como uma acepção histórico-descritiva.1

Tomando a acepção histórico-descritiva proposta por Canotilho, Castelo Branco (2009, p. 68) define o constitucionalismo como um fenômeno histórico-cultural de passagem do Antigo Regime para a Modernidade que surgiu, essencialmente, para privilegiar os interesses dos Estados burgueses, visto que, dentro de um contexto em que se afloravam as ideias como direitos individuais dos cidadãos, princípio da separação de poderes e representação política, o Estado burguês precisava de um instrumento para institucionalizar seus ideais e, enfim, romper com o absolutismo monárquico, tal instrumento seria a Constituição. Sendo assim, conforme conclui a autora, a ideia de supremacia constitucional é uma decorrência lógica do contexto em que nasceu o constitucionalismo.

Nesse mesmo sentido, têm-se também os ensinamentos de Mendes e Branco (2011, p. 46) que concluem:

A assertiva de que a Constituição tem valor de norma – e de norma suprema do ordenamento jurídico-, se hoje passa por um truísmo, é, na realidade, um produto do pensamento constitucionalista, que culmina uma sucessão de registros de inteligência sobre o tema, muitas vezes desencontrados. O prestígio jurídico da Constituição, no momento presente, é resultado da urdidura de fatos e ideias, em permanente e intensa interação recíproca.

Conforme explicam Souza Neto e Sarmento (2012, p. 22), a supremacia constitucional se impõe por meio de dois institutos jurídicos importantes, quais sejam: a rigidez da Constituição, que determina um processo mais rígido para a alteração das normas constitucionais, e o controle de constitucionalidade dos atos normativos que permite a invalidação dos atos que contrariem a Constituição.

(29)

Para Barroso (2012, p. 24), a rigidez constitucional seria, na verdade, um pressuposto do controle do próprio controle de constitucionalidade, visto que para que possa figurar como parâmetro, como paradigma de validade de outros atos normativos, a norma constitucional precisa ter um processo de elaboração diverso e mais complexo do que aquele gerador das normas infraconstitucionais. Pois, se e assim não fosse, não existiria a distinção formal entre a espécie normativa objeto de controle e aquele em face da qual se dá o controle. Conclui-se ainda que, se as leis infraconstitucionais fossem criadas da mesma maneira que são criadas as normas constitucionais, em caso de contrariedade, ter-se-ia a revogação do ato anterior e não o controle de sua constitucionalidade.

Com efeito, para que se possa entender bem o controle de constitucionalidade, faz-se necessário um apanhado de sua evolução histórica, pois, só após a compreensão desse processo, será possível analisar o controle de constitucionalidade da coisa julgada, objeto do presente trabalho monográfico.

3.2 Evolução histórica do controle de constitucionalidade

A Constituição, mesmo dotada de supremacia, não está imune a abusos e violações, tanto por parte do legislador ordinário como das autoridades públicas em geral. É exatamente ai que reside a razão de ser do controle de constitucionalidade, qual seja: proteger a carta magna. Portanto, o controle de constitucionalidade nada mais é do que um instrumento de garantia da supremacia constitucional, visto que não bastaria que as normas constitucionais fossem hierárquica e formalmente superiores às leis em geral se não existisse um instrumento para ser acionado em casos de violação à ordem suprema do Estado (BULOS, 2009, p. 110).

Canotilho (2012, p. 887) ressalta que foi a partir do Estado Constitucional que se passou a ter importância a defesa ou garantia da Constituição, veja-se:

(30)

Muitos são os modelos de fiscalização de constitucionalidade, como por exemplo, o francês, o alemão, o espanhol, o brasileiro, dentre outros. No entanto, sistemas de controle de constitucionalidade das leis ou atos normativos só há dois, quais sejam: o americano e o austríaco (BULOS, 2009, p. 116).

Castelo Branco (2009, p. 70) relata que foi, nos Estados Unidos, nos primórdios do século XIX, mais precisamente em 1803, que nasceu o sistema americano de controle de constitucionalidade: o judicial review. No julgamento do clássico caso Marbury versus

Madson, a jurisprudência norte-americana atribui ao Judiciário a competência para julgar

todas as causas oriundas da Constituição.

Marbury v. Madison, portanto, foi a decisão que inaugurou o controle de

constitucionalidade no constitucionalismo moderno, deixando consolidados o princípio da supremacia constitucional e, consequentemente, a subordinação de todos os Poderes estatais aos ditames constitucionais. Tal decisão também firmou a competência do Judiciário como intérprete final da Lei Maior, podendo invalidar os atos que lhe contravenham. Na medida em que se distanciou no tempo da conjuntura turbulenta na qual foi proferida e das circunstancias específicas do caso concreto, ganhou maior destaque, passando o ser celebrada universalmente como o precedente que consolidou a prevalência dos valores permanentes da Constituição sobre a vontade circunstancial das maiorias legislativas (BARROSO, 2012, p. 32).

Conforme ensinam Souza Neto e Sarmento (2012, p. 27), de acordo com o sistema norte-americano, o controle de constitucionalidade (judicial review) poderá ser

exercido por todo e qualquer juiz que esteja diante de um caso concreto. Sendo assim, o controle é classificado como difuso, visto que pode ser exercido por todo e qualquer órgão do Poder Judiciário, e concreto já que só pode ocorrer no julgamento de algum litígio intersubjetivo. Porém, seguindo a linha do common law, apesar de proferidos em casos

concretos, os precedentes judiciais naquele país são vinculantes, tornando-se obrigatórios para todos os órgãos do Poder Judiciário quando apreciarem a mesma questão, vinculando inclusive a Administração Pública.

(31)

Como ressalta Bonavides (2008, p. 309), a ideia de construir um órgão jurisdicional que enfeixasse toda a competência decisória – a chamada jurisdição concentrada- partiu de Hans Kelsen e se positivou na Constituição Austríaca de 1920. Resultando assim, o chamado sistema austríaco de controle da constitucionalidade, exercitado pela “via principal” e concentrado em um órgão de cúpula.

Barroso (2012, p. 41) também destaca o papel de Kelsen na introdução do controle de constitucionalidade na Europa, senão veja-se:

Hans Kelsen foi o introdutor do controle de constitucionalidade na Europa, através da Constituição da Áustria, em 1920, aperfeiçoado com a reforma constitucional de 1929. Professava ele uma visão doutrinária bem diversa daquela que prevaleceu nos Estados Unidos com a instituição do judicial review. [...] Para Kelsen, o controle de constitucionalidade não seria propriamente uma atividade judicial, mas uma função constitucional, que melhor se caracterizaria como atividade legislativa negativa. Idealizador do controle concentrado em um tribunal constitucional, considerava que a lei inconstitucional era válida até que uma decisão da corte viesse a pronunciar sua inconstitucionalidade. Antes disso, juízes e tribunais não poderiam deixar de aplica-la. Após a decisão da corte constitucional, a lei seria retirada do ordenamento jurídico.

Com base nas premissas expostas até aqui, percebe-se que há muito mais diferenças dos que semelhanças nos sistemas de controle americano e austríaco. O modelo norte-americano é tipicamente judicial, pois o controle é exercido pelos próprios órgãos do Poder Judiciário. Já a Áustria, também optou por um órgão jurídico, mas não judicial, visto que o Tribunal Constitucional que, neste modelo, é encarregado exclusivamente do controle de constitucionalidade, não pertence ao Poder Judiciário, muito embora exerça função tipicamente jurisdicional (CASTELO BRANCO, 2009, p. 71).

Por fim, cabe esclarecer que os modelos de controle constitucionalidade adotados pelos diversos países do mundo, dentro de suas especificidades, derivam dos dois sistemas apresentados de modo que, em cada um deles, é possível encontrar raízes do sistema americano, do sistema austríaco ou até mesmo dos dois sistemas. Nas palavras de Bulos (2009, p. 120):

(32)

Feitos esses esclarecimentos iniciais sobre o surgimento do controle de constitucionalidade, passa-se à análise do modelo brasileiro de controle de constitucionalidade, para então adentramos na questão do controle de constitucionalidade da coisa julgada.

3.3 Inconstitucionalidade de leis e atos normativos no Brasil

O sistema de controle de constitucionalidade brasileiro é, na verdade, uma junção de elementos de diferentes sistemas. Conforme leciona Castelo Branco (2009, p. 72), até meados da década de 1960, no Brasil, só havia o controle difuso de constitucionalidade, baseado no modelo norte americano. No entanto, através da emenda constitucional n. 16 de 6 de dezembro de 1965, chega ao Brasil o controle concentrado de constitucionalidade.

A partir daí, o modelo se tornou mais complexo, tendo sido introduzidos o controle abstrato e o controle concentrado de constitucionalidade, inspirados na matriz kelseniana, que passou a conviver lado a lado com o controle concreto e difuso, numa espécie de sistema misto (SOUZA NETO; SARMENTO, 2012, p. 29).

Todavia, como bem ressalta Castelo Branco (2009, p. 72), cabia somente ao Procurador-Geral da República fazer a representação ao Supremo Tribunal Federal (STF). Sendo assim, o controle abstrato não desempenhava um papel relevante. Tal cenário, no entanto, foi modificado com a promulgação da Constituição Federal de 1988 que ampliou significativamente o rol de legitimados, além de prever diversos tipos de ações diretas.

Souza Neto e Sarmento (2012, p. 30) esclarecem que atualmente o Brasil continua tendo um sistema misto de controle de constitucionalidade, mas é possível enxergar o predomínio do controle concentrado e abstrato. Tal fato se deve, conforme explicam os autores, à amplitude do leque de órgãos e de entidades que podem ajuizar ações diretas no STF, bem como a abrangência de temas tratados na Constituição. De modo que é improvável que medida que suscite alguma polêmica não venha a ser questionada perante a corte.

Por fim, ainda com esteio nas lições dos autores, conclui-se que, devido a eficácia

erga omnes e efeitos vinculantes em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário, tem se

(33)

3.4 Inconstitucionalidade dos atos do Poder Judiciário

Conforme abordado anteriormente, o movimento constitucionalista implantou a ideia de que a Constituição é a lei maior do Estado Democrático de Direito e que todo o regramento infraconstitucional deve estar em conformidade com os preceitos dela irradiados.

O estado de direito é, portanto, um estado constitucional. Pressupõe a existência de uma Constituição normativa estruturante de uma ordem jurídico-normativa fundamental vinculativa de todos os poderes públicos. A Constituição confere à ordem estatal e aos atos dos poderes públicos medida e forma. Por essa razão, a lei constitucional é uma verdadeira ordenação normativa fundamental dotada de supremacia, a chamada supremacia da Constituição, e é nesta supremacia normativa da lei constitucional que o primado do direito do estado de direito encontra uma primeira e decisiva expressão.

O vínculo de subordinação ao princípio da supremacia constitucional, portanto, é pressuposto basilar do Estado de Direito, visto que tal subordinação está ligada a vontade estatal estruturada na concepção orgânica e assentada nos valores sociais, econômicos, jurídicos e sociais que lhe dão conformidade (NASCIMENTO, 2003, p. 9).

Nesse diapasão, Kelsen (2006, p. 103), com a sua clássica teoria do escalonamento da ordem jurídica, concebeu o Direito como um sistema hierarquizado de normas jurídicas, onde a Constituição ocupa a mais alta posição, servindo de fundamento de validade de todas as demais normas. O doutrinador esclarece que o ordenamento jurídico não é um sistema de normas regularmente ordenadas, colocadas lado a lado, mas um ordenamento escalonado de várias camadas de normas jurídicas. A unidade do sistema se deve justamente a esse escalonamento, visto que as normas encontram seu fundamento de validade na norma maior, qual seja a Constituição. Nas palavras do autor:

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Portanto, tem-se que, na cúspide do ordenamento jurídico, encontra-se a Constituição e, como bem afirmou Silva (2013, p. 48), “o princípio da supremacia requer que todas as situações jurídicas se conformem com os preceitos e princípios da Constituição”.

Diante do exposto, não restam dúvidas de que todas as normas infraconstitucionais devem estar em consonância com os preceitos da Carta Magna, todavia, faz-se necessário esclarecer que o princípio da supremacia constitucional é mais amplo que o princípio da constitucionalidade das leis e exige, na verdade, que todos os atos do estado devem estar em conformidade com a Lei Maior. Nesse sentido, são esclarecedores os ensinamentos de Canotilho (2012, p. 246):

O princípio da conformidade dos actos do estado com a Constituição é mais amplo que o princípio da constitucionalidade das leis. Ele exige, desde logo, a conformidade intrínseca e formal de todos os actos dos poderes públicos (em sentido amplo: estado, poderes autónomos, entidades públicas) com a Constituição (art. 3º/2). Mesmo os actos não normativos diretamente densificadores de momentos políticos da Constituição – atos políticos – devem sujeitar-se aos parâmetros constitucionais e ao controle (político ou jurídico) da sua conformidade com as normas da Constituição [...]

Sobre os atos do Estado, Cintra, Grinover e Dinamarco, (2010, p. 44) ensinam que o Estado, dentre outras funções, possui a função jurídica e que, através dessa função, regula as relações intersubjetivas através de duas ordens de atividades, distintas, mas intimamente relacionadas, quais sejam: a legislação e a jurisdição. A legislação, conforme esclarecem os autores, estabelece normas que, segundo a consciência dominante, devem reger as mais variadas relações. A jurisdição, por sua vez, ocorre quando o Estado busca a realização prática daquelas normas em caso de conflitos entre as pessoas e declara, de acordo com o caso concreto, qual preceito é pertinente ao caso concreto.

Bulos (2009, p. 90) explica que o ato jurisdicional, do mesmo modo que o ato administrativo e legislativo, pode conter o vício da inconstitucionalidade. Para tanto, exemplifica com o caso da decisão judicial proferida por autoridade constitucionalmente incompetente que viola, direta ou indiretamente, a Constituição, bem como quando há uma decisão que, baseada em norma inconstitucional, agride o conteúdo da Carta Magna.

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Castelo Branco (2009, p. 77) ressalta que inclusive o próprio sistema processual previu mecanismos hábeis à realização do controle de constitucionalidade da decisão judicial, quais sejam: o agravo de instrumento, a apelação, o recurso extraordinário e a ação rescisória.

Todavia, como esclarece a autora, uma vez que se forma a coisa julgada, e tendo transcorrido o prazo decadencial para a propositura da ação rescisória, não existe no ordenamento jurídico um instrumento de combate à coisa julgada inconstitucional, a não ser pela vida dos embargos de execução (art. 741, parágrafo único, do CPC), mas que nem sempre é cabível, o que, no sentir da autora, representa uma diferença de tratamento entre os atos dos três Poderes, visto que o controle de constitucionalidade dos atos do Executivo e do Legislativo não preclui.

Diante do exposto, conclui-se que, assim como os demais atos do Estado, o ato jurisdicional também deve estar em conformidade com a Constituição para ser considerado válido, visto que a Constituição é a lei maior e fundamento de validade para todos os atos do Estado.

(36)

4 RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL

4.1 O dogma da coisa julgada e a questão da justiça das decisões

A coisa julgada, conforme fora abordada no capítulo inicial, é um instituto de extrema relevância, visto que um dos valores buscados pelo ordenamento jurídico é o da segurança nas relações jurídicas, que constitui fator fundamental para a solução de litígios e consequentemente para a pacificação social. Desta feita, conforme concluído anteriormente, a coisa julgada é indispensável para a afirmação do próprio Estado.

Devido a sua importância, a res judicata foi vista, durante muito tempo, como

um instituto intocável no ordenamento jurídico, como destaca Câmara (2003, p. 183-184), a coisa julgada era tida como algo inquestionável, um verdadeiro dogma, insuscetível de qualquer discussão. O referido autor destaca inclusive a clássica frase doutrinária que afirma “a sentença que passa em julgado é havida por verdade” e relata ainda que:

A coisa julgada sempre foi, pois, vista como uma espécie de dogma incontestável. Uma vez esgotadas as possibilidades de impugnação da sentença, seu conteúdo se tornaria imutável e indiscutível, não como razão de justiça, mas como um imperativo político, destinado a estabilizar as relações jurídicas, conferindo-lhes segurança. Deste modo, ainda que o resultado do processo não correspondesse ao que seria correto conforme o direito, ou seja, ainda que fosse errada e injusta a sentença, seu conteúdo tornaria imutável e indiscutível, impondo-se o resultado do processo coercitivamente, e se tornando impossível qualquer nova discussão a respeito do que já fora definitivamente julgado. (CÂMARA, 2003, p. 183)

No entanto, diante da existência de decisões transitadas em julgado que acobertavam flagrantes injustiças, a doutrina passou a discutir a possibilidade de relativizar o referido instituto. Castelo Branco (2009, p. 83) esclarece que o contexto da crise pós-moderna, juntamente com a injustiça latente de algumas decisões judiciais passada em julgado foram o estopim para se intensificar a discussão acerca da coisa julgada, instituto até então sacramentalizado. Seguindo essa linha, Kelsen (1986, p. 139), desmitificando o dogma da coisa julgada, assim disserta:

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legislativo. Pois, coisa julgada existe só num sentido relativo, não num estrito, e, num sentido absoluto; e praticamente mal significa outra coisa que executabilidade da decisão.

Como ressalta Dinamarco (2003, p. 13), foi nesse contexto que a doutrina começou a despertar para a necessidade de repensar a garantia constitucional e o instituto técnico-processual da coisa julgada, pois, como bem aponta o autor, “não é legítimo eternizar injustiças a pretexto de evitar a concretização de incertezas”.

José Augusto Delgado foi um dos primeiros a defender tese da relativização da coisa julgada, em voto proferido na 1ª Turma do C. STJ2, o ministro afirmou “ser impossível a coisa julgada, só pelo fundamento de impor segurança jurídica, sobrepor- se aos princípios da moralidade pública e da razoabilidade nas obrigações assumidas pelo Estado”.

No entanto, a tese não é aceita por todos os setores da doutrina e há quem seja contra a relativização do instituto temendo a sua má utilização, nesse sentido, disserta Nery Júnior (2004, p. 510):

De nada adianta a doutrina que defende essa tese pregar que seria de aplicação excepcional, pois, uma vez aceita, a cultura jurídica brasileira vai, seguramente, alagar os seus espectros – vide mandado de segurança para dar efeito suspensivo a recurso que legalmente não o tinha, que, de medida excepcional, se tornou regra, como demonstra o passado recente da história do processo civil brasileiro -, de sorte que amanhã poderemos ter como regra a não existência da coisa julgada e como exceção, para pobres e não poderosos, a intangibilidade da coisa julgada.

Em resposta à parte da doutrina que é contra a relativização da res judicata por

temer a aplicação desregrada do instituto, Dinamarco (2003, p. 36) expõe de forma clara que a proposta é a sua aplicação de forma excepcional apenas nos casos extraordinários:

A linha proposta não vai ao ponto insensato de minar imprudentemente a autoridade da res judicata ou transgredir sistematicamente o que a seu respeito assegura a Constituição Federal e dispõe a lei. Propõe-se apenas um trato extraordinário destinado a situações extraordinárias com o objetivo de afastar absurdos, injustiças flagrantes, fraudes e infrações à Constituição – com a consciência de que providências destinadas a esse objetivo devem ser tão excepcionais quanto é a

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ocorrência desses graves inconvenientes. Não me move o intuito de propor uma insensata reversão, para que a garantia da coisa julgada passasse a operar em raros casos e sua infringência tomasse regra geral.

Todavia, mesmo que seja algo de utilização excepcional, a teoria da relativização da coisa julgada deve ser vista com cautela, na medida em que, conforme aponta Castelo Branco (2009, p. 83), relativizar a res judicata indubitavelmente compromete o conteúdo da

segurança jurídica. Esclarece a autora que a ideia de que uma sentença definitiva, prolatada ao fim de um processo que se submeteu regularmente ao devido processo legal, não produza os efeitos decorrentes da declaração de um direito afeta sobremaneira a confiança do cidadão no sistema estatal de resolução de litígios.

Com efeito, conclui a autora, “o que há, no caso julgado inconstitucional, é a colisão de dois princípios – justiça, tida aqui como a conformidade dos atos estatais com a Constituição e a segurança” (CASTELO BRANCO, 2009, p. 85).

Nessa linha, Couture (apud CÂMARA, 2003, p. 183) esclarece que, muito embora a segurança das decisões seja a razão de ser do próprio Direito, muito mais o é a busca da realização da justiça, razão pela qual, diante de um conflito entre esses dois princípios, a segurança há de ceder espaço para a busca da justiça:

Certo é que na sistemática do direito a necessidade de certeza é imperiosa; toda a matéria do controle da sentença não é outra coisa, como procuramos demonstrar, senão uma luta entre as exigências da verdade e as exigências da certeza. Uma maneira de não existir do direito seria a de não se saber nunca em que consiste. Entretanto, a verdade é que, ainda assim, a necessidade de certeza deve ceder, em determinadas condições, ante a necessidade de que triunfe a verdade. A coisa julgada inconstitucional não é de razão natural. Antes, a razão natural pareceria aconselhar o contrário: que o escrúpulo de verdade fosse mais forte que o escrúpulo de certeza; e que, sempre, em face de uma nova prova, ou de um novo fato fundamental e antes desconhecido, se pudesse percorrer de novo o caminho já andando, a fim de reestabelecer o império da justiça.

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