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A paisagem enquanto objeto turístico. O caso de estudo da paisagem litoral de Peniche integrada no território da Região de Lisboa e Vale do Tejo

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Academic year: 2021

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O caso de estudo da Paisagem Litoral de Peniche integrada

no território da Região de Lisboa e Vale do Tejo

João Tiago Henriques Amaro

Dissertação para obtenção de Grau de Mestre em

Arquitetura Paisagista

Orientador: Professor Doutor Nuno Lecoq

Júri:

Presidente: Doutor Luís Paulo Almeida Faria Ribeiro, Professor Auxiliar do Instituto Superior de Agronomia da Universidade Técnica de Lisboa

Vogais: Doutor Nuno Joaquim Costa Cara de Anjo Lecoq, Professor Convidado do Instituto Superior de Agronomia da Universidade Técnica de Lisboa

Mestre João Pedro Ferreira da Silva, Arquiteto Paisagista no Instituto Superior de Agronomia da Universidade Técnica de Lisboa

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À minha família, pai, mãe e irmã, que me acompanharam na visita à paisagem litoral de Peniche.

Ao Professor Doutor Pedro Arsénio, pelas ideias que trocámos e bibliografia que me recomendou na fase inicial deste trabalho.

E, claro, ao meu orientador, Professor Doutor Nuno Lecoq, que se disponibilizou, desde o início, a colaborar nesta dissertação, independentemente do dia e da hora.

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A reflexão acerca do conceito de “paisagem enquanto objeto turístico” implica reconhecer as suas componentes assim como o seu valor de uso. De facto, existem duas fases nesta abordagem: primeiro, compreender que “paisagem enquanto objeto turístico” resulta de uma porção do território que abrange três identidades coesas no seu interior: natural, cultural e estética, que se refletem num carácter singular e, segundo, que cada uma dessas identidades pode proporcionar ao turista um conjunto de experiências predeterminadas que lhe permitirão descobrir a paisagem na sua plenitude. Proponho que estas experiências, onze, no total, constituam o modelo teórico da vivência completa de uma paisagem concreta, previamente delimitada, de carácter próprio. Assim, o produto turístico da “paisagem enquanto objeto turístico”, são os seus pontos (os elementos da paisagem) de interesse, devidamente identificados e colocados em contexto através de roteiros, que refletem a sua identidade proporcionando ao turista, sempre que possível, as onze experiências mencionadas. Pretende-se que, finda a viagem, o turista tenha descoberto a paisagem e aquilo que ela representa, isto é, as suas identidades e carácter. A aplicabilidade deste modelo será, então, demonstrada numa paisagem da Região de Lisboa e Vale do Tejo (RLVT), concretamente na região litoral de Peniche.

PALAVRAS-CHAVE: conceito de paisagem, estética da paisagem, turismo, Região de Lisboa e Vale

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Reflecting on the concept of landscape as a tourist product implies recognizing its components as well as their value in use. In fact, there are two phases in this approach: Firstly, understanding that landscape as a tourism product is the result of a portion of land that includes three cohesive identities within its boundaries: natural, cultural and aesthetic, which gives it its unique character; Secondly, that each of these three identities can provide the tourist a set of pre certain experiences that will allow him to discover the landscape in its entirety. I propose that these experiences, eleven in total, constitute the theoretical model of the complete experience of a landscape that is previously delimited and has its own character. The "landscape as a tourism product," presents itself through points (landscape elements) of interest, properly identified and placed in context by suggested itineraries. This points of interest must reflect the identity of the landscape and should provide the tourists the eleven experiences mentioned, whenever possible. It is intended that, at the end of the trip, tourists have discovered the landscape and what it represents, that is, its identities and character. To demonstrate the applicability of this model it will be applied to a landscape of the Lisbon and Tagus Valley Region, specifically the coastal region of Peniche.

KEYWORDS: concept of landscape, landscape aesthetics, tourism, Lisbon and Tagus Valley Region,

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i. Estrutura e objetivo do trabalho... 1

ii. Metodologia para aplicação do modelo teórico de roteiro da paisagem proposto...2

1 A paisagem enquanto objeto turístico...4

2 Experiência intelectual da paisagem...7

2.1 Pontos de charneira para outras realidades na experiência intelectual da paisagem...7

2.2 Consciência ecológica... 12

3 Experiência sensível da paisagem...13

3.1 Mecanismos de apreciação da paisagem...15

3.2 Uma abordagem pessoal à paisagem bela e à paisagem sublime...18

3.3 O sublime enquanto produto turístico...21

4 Formato de roteiro turístico, para experiência completa da paisagem...24

5 Caso de estudo... 30

5.1 Caracterização da Região de Lisboa e Vale do Tejo e suas paisagens...30

5.1.1 Hipsometria... 32

5.1.2 Litologia... 32

5.1.3 Vegetação natural e seminatural e o seu valor ecológico...35

5.1.4 Áreas com interesse para conservação...41

5.1.4.1 As serras... 43 5.1.4.2 Os pauis... 45 5.1.4.3 Os açudes... 47 5.1.4.4 Os estuários... 48 5.1.4.5 Os monumentos geológicos...48 5.1.4.6 A orla costeira... 49 5.1.4.7 As lagoas... 50 5.1.4.8 As ilhas... 51 5.1.5 Ocupação agrícola... 52 5.1.6 Territórios artificializados...53

5.1.7 Paisagens naturais e seminaturais e unidades de paisagem...54

5.1.8 Cruzamento entre as paisagens naturais e seminaturais e as unidades de paisagem...56

5.2 Caracterização da paisagem enquanto objeto turístico...58

5.2.1 A Identidade Natural... 59

5.2.2 A Identidade Cultural... 67

5.2.3 A Identidade Estética... 72

5.3 Limite da paisagem enquanto objeto turístico proposto...73

5.4 Roteiro da paisagem enquanto objeto turístico proposto...74

Conclusão... 81

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Fig.1 Sentimento do sublime na paisagem...23

Fig.2 Contexto geográfico e administrativo da RLVT...30

Fig.3 Carta de hipsometria... 32

Fig.4 Carta de litologia... 33

Fig.5 Carta de vegetação natural e seminatural e o seu valor ecológico...35

Fig.6 Carta de áreas com interesse para conservação...42

Fig.7 Carta de ocupação agrícola... 53

Fig.8 Carta de territórios artificializados...53

Fig.9 Carta de paisagens naturais e seminaturais e carta de unidades de paisagens...54

Fig.10 Carta de cruzamento entre paisagens naturais e seminaturais e unidades de paisagem...57

Fig.11 Ponta do Trovão e os seus registos fósseis...64

Fig.12 Elementos da identidade natural junto ao Cabo Carvoeiro...65

Fig.13 Elementos da identidade natural de Papôa...65

Fig.14 Recursos geológicos do Baleal...66

Fig.15 Praia do Baleal e respetivo cordão dunar...67

Fig.16 Secagem de peixe junto ao Bairro do Visconde...72

Fig.17 Limite da paisagem enquanto objeto turístico proposto...74

Fig.18 Roteiro da paisagem enquanto objeto turístico proposto. Zona continental...75

Fig.19 Bairro do Visconde... 77

Fig.20 Enseada poluída, junto ao Bairro do Visconde...78

Fig.21 Prisão da Fortaleza de Peniche...78

Fig.22 Património edificado em Peniche...78

Fig.23 Roteiro da paisagem enquanto objeto turístico proposto. Zona da Ilha da Berlenga...80

Fig.24 Elementos da identidade cultural da Ilha da Berlenga...81

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INTRODUÇÃO

i. Estrutura e objetivo do trabalho

A presente dissertação surge como uma reflexão sobre o conceito de “paisagem enquanto objeto turístico”, isto é, quando a paisagem em si, e tudo o que ela representa, constitui o próprio recurso turístico. Neste caso a paisagem não é apenas um elemento estético ou cenário de uma região que se contempla, mas, sim, uma porção de território com um carácter próprio onde ocorrem sistemas naturais e culturais que lhe são particulares. Cada paisagem com carácter próprio, que se distingue das demais, constitui potencialmente uma “paisagem enquanto objeto turístico” que tem para oferecer uma identidade natural, uma identidade cultural e uma identidade estética, que lhe são próprias. Assume-se, assim, que atividades turísticas como visitar um monumento, experimentar um prato típico ou outra qualquer atividade de carácter local, constituem, também, a experiência da paisagem, uma vez que, direta ou indiretamente, fazem parte das identidades naturais ou culturais que atribuem caráter a determinada região. Fazer uma leitura do território à luz das ciências do conhecimento, quer sejam estas de índole natural ou humana, permite identificar as diferentes paisagens que o compõem e portanto chegar à sua delimitação.

Posto isto, a pergunta que se pretende esclarecer com a presente tese, é esta: Qual deverá ser a experiência plena de turismo da paisagem para que um indivíduo enquanto turista sinta que de facto descobriu a paisagem nas suas várias componentes? Por exemplo, se um indivíduo entrar num museu de arte, terá, à partida, um objectivo com a sua visita, quer seja a de se deleitar com belas obras de arte como, talvez, descobrir novos autores ou conceitos. Terá, certamente, uma expectativa em mente. Aplicando estes pressupostos à paisagem, ou seja, tomando uma paisagem como objeto turístico por si só, tal como é o museu de arte, qual deverá ser o objetivo do turista na sua intenção de visita e quais as suas expectativas? Por outras palavras, ainda, qual o produto turístico de uma paisagem quando é o seu carácter que constitui o objeto turístico?

Seguidamente, interessou, sobretudo, encontrar um modelo teórico de roteiro turístico universal, que proporcionasse ao turista a experiência das várias valências e componentes de uma paisagem e lhe permitisse descobrir o carácter da paisagem para a qual o roteiro foi projetado. Foi proposto que a experiência mais completa possível de uma paisagem passe pela descoberta das suas identidades natural, cultural e estética, através de onze tipos de experiências turísticas diferentes, que podem ser de cariz intelectual ou sensível. De facto, descobrir as identidades natural e cultural de uma paisagem, implica compreender as suas propriedades e funcionamento, logo, proporcionando experiências do domínio intelectual. São as ciências do conhecimento que colocam os elementos da paisagem relativos a cada uma destas identidades no seu contexto, conferindo-lhes valor de uso

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turístico . Por outro lado, a identidade estética, é a componente da paisagem que se apreende pela via dos sentidos, proporcionando as experiências sensíveis, nomeadamente do belo e do sublime. Para usufruir de todas estas experiências que uma paisagem pode potencialmente oferecer, previstas no modelo teórico de roteiro proposto, o turista terá de visitar pontos de interesse (elementos da paisagem com interesse turístico) previamente estudados, que constituem a expressão das várias identidades da paisagem, ou seja, do seu carácter. Uma paisagem extremamente rica poderá potencialmente proporcionar todas as onze experiências turísticas enumeradas, no entanto, uma paisagem menos rica em elementos, que não deixa, por isso, de ter um carácter próprio, não tem de oferecer todas estas.

Nos dois últimos capítulos o modelo teórico de roteiro da “paisagem enquanto objeto turístico” foi, então, posto em prática, incidindo no território da Região de Lisboa e Vale do Tejo como caso de estudo e, depois, concretamente na região litoral de Peniche, segundo a metodologia que será descrita seguidamente.

ii. Metodologia para aplicação do modelo teórico de roteiro da paisagem proposto

Pôr em prática o modelo teórico proposto implica conhecer e analisar as diferentes paisagens mas, para isso, é necessário saber identificá-las primeiro, no território. No caso deste trabalho, a análise incidiu sobre a Região de Lisboa e Vale do Tejo. Esta região é particularmente rica em paisagens de caráteres singulares, que constituem, potencialmente, interessantes objetos turísticos. Identificar as paisagens excecionais deverá ser feito com recurso a dados cartográficos que permitam ler e interpretar o território. Concretamente, foi utilizada informação relativa à hipsometria, litologia, vegetação natural e seu valor ecológico, ocupação agrícola, paisagens naturais e seminaturais, unidades de paisagem (Cancela d’Abreu, Correia & Oliveira 2004), território artificializado e zonas com interesse para conservação, proveniente de diversas fontes, devidamente identificadas, e processada em software QuantumGis. Esta informação permitiu conhecer a localização aproximada das diferentes paisagens no território e adivinhar o seu caráter.

A segunda fase da aplicação do modelo teórico do roteiro incidiu sobre a região litoral de Peniche. É nesta fase que, efetivamente, o roteiro é elaborado para a paisagem concreta. Por motivo de falta de disponibilidade de tempo e de páginas para a elaboração deste trabalho, foi escolhida apenas uma paisagem do território da RLVT. No entanto, o processo desenvolvido na leitura e interpretação do caráter da paisagem e consequentemente projeção do seu roteiro, pode ser aplicado a qualquer uma outra paisagem do território. A escolha pela região litoral de Peniche prendeu-se com a intenção de demonstrar que o limite das “paisagens enquanto objetos turísticos” não corresponde aos limites das “unidades de paisagem” conforme descritos e inventariados no trabalho elaborado para a DGOTDU (Cancela d’Abreu, Correia & Oliveira 2004). De facto, a paisagem litoral de Peniche insere-se na

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unidade de paisagem número 71, que abrange quase toda a Região Oeste. No entanto, considero que a Região Oeste, inclui uma grande diversidade de paisagens com caráteres próprios, distintas das demais, como é o caso da paisagem litoral de Peniche.

Procedeu-se à leitura e interpretação dos elementos da região litoral de Peniche de modo a compreender as suas identidades natural, cultural e estética locais. Esta tarefa foi feita com recurso a revisão bibliográfica acerca dos recursos turísticos da região assim como da sua história natural e cultural. Esta fase não dispensa, também, a visita ao local para, sobretudo, apreender a componente sensível da paisagem. O caráter da paisagem, revela-se, então, com maior rigor, permitindo a delimitação da “paisagem enquanto objeto turístico”. Os elementos que melhor representam as identidades da paisagem e permitem a experiência do seu caráter, nas suas várias expressões, são selecionados e integrados no roteiro turístico, então, projetado.

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1 A paisagem enquanto objeto turístico

A discussão em torno do conceito de paisagem não é recente nem unânime. De facto, existem quase tantos conceitos de paisagem quanto pensadores que sobre eles refletiram. Todos os diferentes conceitos são, no entanto, válidos. De facto, a elaboração de um conceito, não serve para mais do que atribuir coerência à análise de um objeto de estudo. Assim, por exemplo, uma simples pedra da calçada pode ser um pedaço de pavimento para um arquiteto paisagista, um calcário para um geólogo, um cubo para um matemático ou um conjunto de átomos para um cientista. Esta p luralidade conceptual aplica-se também, e especialmente, à paisagem.

Para Simmel (1993) referirmo-nos a “bocado de Natureza é, na verdade, contraditório”; uma vez que Natureza é uma entidade holística, as suas porções ao alcance da nossa perceção terão um termo próprio, as paisagens. Martin Seel (2004) refere-se a paisagem como “unidade sem todo”, enquanto uma porção de Natureza, una nos seus elementos, dotada de uma propriedade estética singular, que lhe é própria. Já Rimbert (1973) defende que paisagem corresponde sobretudo a uma ideia, uma representação subjetiva e pessoal, que um determinado espaço projeta na mente de cada um. Vários outros autores abordam a paisagem enquanto resultado do conjunto dos processos dinâmicos e inter-relacionais, naturais e culturais, que se refletem num determinado território e lhe atribuem um carácter próprio (Naveh & Lieberman 2013; Teles 1985).

Na sequência da Convenção Europeia da Paisagem, assinada em Florença no ano de 2000, a paisagem adquire uma figura jurídica, de definição comum em âmbito europeu, que passa a ser um objeto reconhecido, alvo de medidas de valorização, conservação, gestão e planeamento concretas. Assim passa a constar no Decreto n.º 4/2005 ( D.R. n.º 31, Série I-A de 2005-02-14), artigo 1º, alínea a) : «Paisagem» designa uma parte do território, tal como é apreendida pelas populações, cujo carácter resulta da acção e da interacção de factores naturais e ou humanos;

Definir o que é a “paisagem enquanto objeto turístico” é uma tarefa tão ou mais complexa do que definir o que é a própria paisagem em si. Isto porque, abordar a “paisagem enquanto objeto turístico”, envolve reconhecer não só a sua complexidade intrínseca mas, também, a sua relação com o turista, isto é, os tipos de experiência turística que advêm da descoberta da paisagem. Nos próximos capítulos proporei 11 experiências através das quais se pode descobrir a “paisagem enquanto objeto turístico” mas, antes disso, importa, para já, desconstruir o processo de descoberta da paisagem em duas dimensões: intelectual e sensível. De facto, para que o turista consiga ter uma experiência completa da paisagem, terá de viver a sua dimensão intelectual, compreendendo as suas dinâmicas, descobrindo as suas componentes, culturais e naturais, à luz das ciências do conhecimento mas,

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também, terá de sentir a paisagem, deixar-se envolver pela sua metafísica oferecendo-se à experiência estética do belo e do sublime.

No âmbito da descoberta intelectual da paisagem, aquela que constitui a compreensão das propriedades e dinâmicas da paisagem, existem duas grandes componentes: a compreensão da Natureza, que inclui os processos naturais e a compreensão da cultura, intimamente ligada ao Homem e aos seus valores. Destas duas componentes fazem parte um conjunto alargado de fatores, que se relacionam entre si, participando em consonância para a constituição do carácter da respetiva paisagem. Assim, passarei a referir-me à identidade natural de uma paisagem, como um todo inteligível que resulta de processos naturais, característicos de determinado território, que, independentemente de interagirem ou não com o homem, lhe são autónomos, isto é: a geologia, a morfologia, o clima, os biótopos, as linhas de água, etc. Por outro lado, a identidade cultural será o todo inteligível que resulta da manifestação de uma cultura local, incluindo as atividades económicas, legislativas, arte, tradições, gastronomia, senso comum, etc.

Ainda no que concerne à identidade cultural, podemos distinguir identidade cultural material e identidade cultural imaterial, correspondendo, o primeiro, às estruturas e, o segundo, aos comportamentos, que são produto dos valores de uma população. Assim, por exemplo, um monumento é um elemento constituinte da identidade cultural material, ao passo que, uma tradição ou um saber-fazer, pertencem ao domínio imaterial da identidade cultural da paisagem. Fazer esta distinção entre ambos os domínios da identidade cultural é importante para a reflexão que se seguirá, mais à frente, acerca dos pontos de charneira para outras identidades.

Tanto uma como outra identidade, natural e cultural, são particulares a determinada paisagem, como se de uma impressão digital se tratasse. Estas identidades pertencem ao domínio intelectual porque, para as compreender, é necessária a sua leitura e interpretação pelas várias ciências do conhecimento. São estas que atribuem à paisagem legibilidade, conferindo-lhe valor de uso enquanto produto turístico (Queirós, 2011, p. 177). A Geologia e a Geomorfologia revelam-nos a diversidade de património geológico e os monumentos naturais. A Biologia e a Botânica revelam-nos a biodiversidade e os seus biótopos. Já a História, Sociologia, Antropologia, permitem-nos contextualizar o património construído, a arte, tradições, etc. No entanto, existe, para além destas duas identidades, uma terceira, que dispensa a leitura e interpretação das ciências do conhecimento, já que a sua apreensão funciona por via dos sentidos. Trata-se da identidade estética da paisagem, pertencente ao domínio sensível, do belo e do sublime.

Devo referir, no entanto, a importância que o conhecimento da identidade cultural e natural de uma paisagem (descoberta intelectual) pode ter no reconhecimento da sua identidade estética (descoberta sensível). O debate filosófico no âmbito da estética em relação à influência que o conhecimento

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intelectual tem sobre a apreciação estética, é controverso. Carlson(1995) propôs que o conhecimento cientifico tem um papel fundamental para a completa apreciação estética da Natureza. O autor defende que a apreciação estética inclui um processo de ampliação das coisas através do conhecimento, isto é conhecer o seu contexto sobre as várias perspectivas que as modelaram. Uma obra de arte, por exemplo, só seria possível apreciar esteticamente na sua plenitude, sabendo o contexto histórico e cultural que a originou, o conceito por trás da representação, as ideias e intenções do artista. Ora, no caso da Natureza, que é livre de intencionalidade, a ampliação que lhe é concedida é feita à luz das ciências do conhecimento. Saito (1998), segue a mesma linha cognitivista de Carlson mas defende uma apreciação estética da Natureza fundamentada na história que a Natureza tem para contar de si mesma. Opõe-se à visão pictórica, em que Natureza só é bela se servir para ser representada num quadro (objeto humano) ou visão associacionista, em que a Natureza só é bela quando é associada a algum feito humano ou tem alguma conotação histórica ou cultural, por exemplo, uma oliveira que é bela porque a associamos a um evento bíblico. Saito propõe que apreciemos a Natureza pelo que ela é. No entanto, a Natureza rege-se por princípios próprios alheios aos esquemas de funcionamento do homem e, por isso, somos obrigados a humanizar a Natureza para a conseguir compreender. Neste sentido, as ciências do conhecimento ou até o folclore particular a determinada população são meios cognitivos válidos para interpretar a Natureza, conhecer a sua própria história e portanto atingir a sua apreciação estética completa. No fundo trata- -se da Natureza a ser ela mesma, traduzida em linguagem humana. Saito descarta ainda que certo conhecimento sobre a Natureza tenha efeito na sua apreciação estética, como por exemplo, da estrutura molecular dos elementos, já que se distancia daquilo que os sentidos conseguem captar.

Será então razoável assumir que descobrir a identidade estética de uma paisagem, exija trabalho intelectual, já que a compreensão participa na apreensão estética? De facto, apenas a descoberta das identidades cultural e natural, exige um trabalho consciente e intelectual. Trata-se de ler a paisagem à luz das ciências do conhecimento e portanto o trabalho intelectual é ativo. Já a descoberta da identidade estética, que aprofundarei nos capítulos seguintes, é assimilada por via dos sentidos e constitui uma experiência metafísica. O conhecimento, como vimos, segundo alguns autores, pode participar na experiência estética, no entanto, o indivíduo, não tem sobre ele uma intenção. O conhecimento atribui significado aos sentidos, sendo que o indivíduo que aprecia o objeto estético, não faz um esforço intelectual. Portanto, o intelecto toma um papel passivo; está lá, mas o sujeito não faz dele um uso consciente na apreciação estética. Por exemplo, quando gostamos de uma pessoa a nossa perceção da sua beleza tende a transformar-se positivamente. O fundamento dessa alteração da perceção e consequentemente valorização estética, tem um fundamento intelectual. De facto, o que aconteceu foi que conhecemos a pessoa, gostámos da sua personalidade, compreendemos o seu funcionamento e por ele sentimos afinidade. Essa compreensão tem influência na nossa apreciação estética da pessoa, no entanto não é racional. Essas informações exercem a sua influência na perceção, no entanto não as evocamos deliberadamente durante a apreciação. No

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capítulo “experiência sensível da paisagem” debruçar-me-ei com mais pormenor sobre este aspeto e farei uma sugestão de como o intelecto “passivo” pode ter um papel relevante no sentimento do belo e do sublime.

Em suma, refiro-me “paisagem enquanto objeto turístico” a qualquer porção de território circunscrito, que abrange uma identidade natural, cultural e estética, coesas, que lhe imprimem um carácter particular e se oferecem ao turista, através de um conjunto de experiências determinadas (ver página 25), nos elementos da paisagem que constituem pontos de interesse pelo seu valor turístico, ecológico, patrimonial ou estético.

2 Experiência intelectual da paisagem

2.1 Pontos de charneira para outras realidades na experiência intelectual da paisagem

As três identidades (natural, cultural e estética) da paisagem são extremamente voláteis no tempo e é, por isso, que o fator tempo tem um papel fundamental na constituição do carácter uma paisagem. Uma paisagem é uma metamorfose. Os seus elementos naturais, morfologia, até a relação do Homem com a Natureza variam no tempo. Portanto, quando descobrimos uma paisagem apenas lhe podemos reconhecer as suas três identidades, natural, cultural e estética que nos são contemporâneas. As outras identidades passadas da paisagem, pelas quais um território se metamorfisou ao longo do tempo, não podem ser experimentadas. Estão perdidas para sempre. Recorde-se que a identidade da paisagem é a relação e dinâmicas que se estabelecem entre os seus elementos. Logo, lê-se como um todo. Por mais antiga que se apresente uma paisagem, com inúmeros elementos de carácter histórico, o seu reconhecimento é sempre feito à luz de um contexto atual. Por exemplo, imaginemos uma paisagem com um castelo medieval no topo de uma colina. Ao experimentarmos essa paisagem podemos reconhecer-lhe o carácter histórico e sentirmo-nos transportados para outra época, no entanto, aquela paisagem não é a mesma que existia na época medieval. A morfologia do terreno terá possivelmente mudado, a vegetação deverá ser outra, as estradas, caminhos e linhas de água terão esculpido e marcado o terreno de formas diferentes etc. Até mesmo somente pela simples relação que o indivíduo estabelece com o castelo, a paisagem já não poderia ser a mesma. Na idade medieval o castelo significava, para os indivíduos que lhe eram contemporâneos, uma estrutura que representava sobretudo um meio de defesa, já para o indivíduo moderno, o mesmo castelo constitui um objeto histórico, um monumento que testemunha a história e, portanto, deve ser preservado. Ou seja, esta metamorfose da simbologia do castelo, origina, só por si, diferentes identidades culturais e possivelmente estéticas, logo, resultando em diferentes paisagens.

Em suma, um indivíduo experimenta paisagens distintas se os elementos que a compõem são sucedidos por outros, como é o caso de uma espécie que dá lugar a outra ou um monumento que é

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erguido ou se o simbolismo intrínseco dos elementos for sucedido por outro. Estes dois processos são simultâneos no tempo e irreversíveis, pelo que, mais uma vez, uma paisagem passada, não pode voltar a ser experimentada como um todo. Ainda assim, é através do contacto e compreensão dos elementos da paisagem atual, aquela cujas três identidades estão vivas (natural, cultural e estética), que o indivíduo pode ter a experiência mais aproximada possível a outras realidades temporais. Ilustro este raciocínio com um exemplo, lançando uma questão:

O que tem o leitor desta dissertação em comum com um dinossauro? Neste instante ocorrera ao leitor que nada tem em comum com um dinossauro, depois, reformulara melhor o seu pensamento e concluíra, talvez, que são ambos feitos da mesma substância; animais de carne e osso. Mas animais de carne e osso são uma grande percentagem das criaturas do reino animalia e, portanto, constatara que essas características pouco determinantes são na busca por algo em comum com um dinossauro. De facto, ser feito de carne e osso, tem tanto de comum com um dinossauro como com pequeno rato de laboratório. O leitor decide pesquisar mais sobre dinossauros na tentativa de os descobrir melhor, de se aproximar deles, de lhes tentar reconhecer algo em comum consigo mesmo e, assim, poder responder à questão que lhe coloco com mais eficácia. O leitor propõe-se a estudar o melhor livro sobre dinossauros, a assistir a filmes e documentários sobre o assunto e até vai, inclusivamente, visitar museus para ver os fosseis de dinossauros bem de perto. Mas, no final, a questão mantém-se e nem depois do cometimento a que se sujeitara o leitor, a resposta lhe parece de elaboração simples. Suponha agora, o leitor, que decide embarcar num roteiro da paisagem que o levará aos mais impressionantes monumentos naturais da Região de Lisboa e Vale do Tejo. Dos vários lugares incríveis que constam nesse roteiro, um deles, é o Monumento Natural das Pegadas dos Dinossáurios da Serra de Aire. O leitor encontra-se neste momento nesse preciso local a contemplar, a poucos centímetros dos seus pés, uma grande pegada de saurópode que compõe um longo trilho que testemunha a passagem destes repteis gigantes. E é, nesse momento, que a resposta à questão inicial lhe surge, numa elaboração simples. Com efeito, por mais livros que lesse, mais filmes que visse, mais museus que visitasse, a resposta não lhe seria possível já que a sua conceção requer não só estudo mas, também, experiência da paisagem. Na verdade, por mais que aprendesse sobre dinossauros, continuaria sem ter nada em comum com estas criaturas mas, agora, ali, naquele local, tem algo em comum mais essencial do que a própria substância de carne e osso. Tem aqueles calcários mesozóicos, o chão que pisa.

Ora é com este exemplo prático que pretendo demonstrar a primeira valência do turismo da paisagem no seu âmbito intelectual. De facto, é somente através da experiência da paisagem real e da compreensão dos elementos que constituem a sua identidade que o turista terá oportunidade de encontrar o ponto de charneira entre várias realidades que lhe são distantes temporalmente. O indivíduo enquanto turista da paisagem nunca poderá experimentar a paisagem primitiva contemporânea aos dinossauros já que as suas identidades já não existem. No entanto, através dos

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elementos constituintes das identidades atuais, lidos e interpretados à luz das ciências do conhecimento, o indivíduo pode encontrar o ponto comum com outras realidades materializadas em paisagens, agora, desaparecidas. A paisagem conserva em si o testemunho do tempo. É necessário decifrar a identidade natural e cultural da paisagem à luz das ciências do conhecimento para lhe reconhecer os elementos de carácter histórico ao mesmo tempo que é preciso visitá-los, estando lá, para descobrir o ponto de charneira de realidades passadas.

Ainda no âmbito desta noção de elemento da paisagem, que permite o ponto comum com outras realidades alheias ao indivíduo turista da paisagem, existem ainda duas experiências relevantes que não poderia deixar de referir. Trata-se da aproximação a outras realidades contemporâneas mas distantes natural e culturalmente.

Ilustrando com um exemplo extremo, temos um indivíduo que vive nas imediações de um deserto, habituado à paisagem árida e plantas carnudas que encontraram nos processos evolutivos a sua subsistência àquele clima árido. Este indivíduo está, portanto, habituado a viver uma paisagem com uma identidade natural muito particular; para ele, uma floresta húmida, frondosa, representa uma realidade natural absolutamente distinta daquela que vive habitualmente. Se este indivíduo se expuser a fotografias de florestas, filmes com ação em florestas ou mesmo estudar tudo o que os livros lhe possam ensinar sobre esta identidade natural de paisagem, o máximo que o indivíduo poderá atingir é a concretização de uma conceção aproximada, eventualmente bastante precisa, do que a floresta húmida poderá ser. No entanto, conceber um conceito sobre uma realidade é uma experiência redutora quando comparada com a vivência da realidade. Isto porque a vivência da realidade, não só permite o estímulo dos sentidos e, portanto a experiência estética, mas também porque existe uma intelectualização de ponto comum (ponto de charneira) a uma nova realidade. Neste caso, floresta húmida, os pontos de charneira para a outra realidade de identidade natural, poderão ser elementos como o ar que se respira ou a humidade que se sente em contacto com a pele. Assim, se colocarmos a pergunta: o que é que um indivíduo que vive nas imediações de um deserto teria em comum com uma floresta húmida frondosa? Enquanto turista da paisagem, teria, seguindo com o mesmo exemplo, o ar que respira ou o contacto com a humidade. Estes pontos de charneira colocam o indivíduo no contexto de outra realidade, produzindo nele, um sentimento de pertença que se atinge por via intelectual, isto é, compreendendo esses pontos à luz das ciências do conhecimento. Não se trata de uma experiência metafísica, dessa tratarei no próximo capítulo, mas da compreensão de que, neste caso, aquele ar que se respira ou a humidade que se sente, são elementos particulares à identidade natural daquela paisagem.

Finalmente, o turismo da paisagem permite ainda a aproximação a outras realidades culturais. Considero que a IDENTIDADE cultural da paisagem não é exatamente a mesma coisa que a REALIDADE cultural da população que reside nessa paisagem. Os valores de uma dada população

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fazem parte da sua realidade cultural; estes valores, por sua vez, fundamentam um conjunto de ações e, essas sim, têm a sua expressão na paisagem. A identidade cultural da paisagem (reflexo dos valores e ações no território) é, portanto, o reflexo de uma realidade cultural (os próprios valores e comportamentos), patente numa dada porção de território. Nessa porção de território, não se vêem os valores das populações mas sim o seu resultado, materializando-se por meio de ações. Ou seja, experimentado uma paisagem é possível interpretar os valores que tiverem na sua génese. Ora, para encontrar os pontos de charneira entre o indivíduo enquanto turista da paisagem, e outras realidades culturais (valores e comportamentos particulares a dado território), é necessário que se considerem dois tipos distintos de experiência da identidade cultural da paisagem. Para melhor compreender quais são estas experiências e os seus respetivos pontos de charneira, é necessário que façamos a distinção entre identidade cultural material e imaterial da paisagem. Comecemos por considerar a identidade cultural imaterial da paisagem, aquela que inclui as artes, tradições, o folclore, os saberes das populações, a gastronomia, as suas atividades económicas e métodos de trabalho. Através da experiência desta identidade cultural imaterial da paisagem, qual poderá ser o ponto de charneira entre o indivíduo enquanto turista da paisagem e a realidade cultural da paisagem que visita? Afinal, poderemos considerar que são os valores que a sustentam? Talvez seja possível, mas não necessariamente, como passarei a explicar:

Diferentes populações, que se regem conforme valores distintos, adotam comportamentos e formas de agir que têm impactos singulares na sua paisagem. É esta riqueza de valores, patentes nas diferentes populações de um território, que resulta na enorme variabilidade de identidades culturais nas diversas paisagens. Durante o processo de descoberta de uma paisagem e de compreensão da sua identidade cultural, o indivíduo enquanto turista da paisagem, poderá, ou não, integrar uma parte dos valores da população que reside nessa paisagem. Neste caso, poderíamos considerar esses valores eventualmente integrados, o ponto de charneira para essa outra realidade cultural que lhe seria, de outro modo, alheia. Se perguntássemos ao turista o que tinha ele em comum com aquela cultura, ele poderia responder: uma parte dos seus valores. No entanto, essa não é condição necessária. O turista, poderá, ou não, integrar os valores que fundamentam a identidade cultural que visita. Pode simplesmente compreender o funcionamento da paisagem, particularmente a sua identidade cultural, sem que isso afete o seu esquema de valores. Deste modo, apenas podemos considerar os comportamentos (não os valores), enquanto pontos de charneira para uma realidade cultural distinta. Se um indivíduo, enquanto turista da paisagem, experimentar uma atividade, participar numa tradição característica ou até aderir a uma gastronomia particular a uma determinada identidade cultural de uma paisagem, está, portanto, a experimentar um ponto de charneira para outra realidade. Neste caso, compreende-se que as motivações por trás de um comportamento não estejam necessariamente relacionadas com a integração de valores locais. O turista poderá experimentar essas atividades por, por exemplo, mera curiosidade. Assim, se perguntarmos a um turista que esteja a participar numa atividade particular à população de uma paisagem, o que tem ele

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em comum com a realidade cultural dessa mesma paisagem, ele poderá responder com toda a segurança: um comportamento, independentemente da motivação que o sustenta. Este ponto de charneira permite ao turista participar numa identidade cultural imaterial da paisagem contemporânea mas também contextualizar-se noutras identidades culturais de paisagem que lhe são distantes no tempo. Muitas atividades tradicionais são seculares, sobrevivendo à sucessão das identidades de paisagem que foram participando na história de um local. Experimentar uma atividade comum com uma população passada, residente numa paisagem que já não existe, constitui um ponto de charneira para outras realidades temporais.

Relativamente à experiência do domínio material da identidade cultural da paisagem, o ponto de charneira para outra realidade cultural, é outro. Desta vez, passa a ser a experiência de um objeto físico; uma estrutura construída fundamentada nos valores da cultura visitada. Esta estrutura pode ser, por exemplo, uma casa com uma arquitetura particular, um lugar com um significado especial, por exemplo, de cariz religioso, um monumento, etc. Se um indivíduo visitar, por exemplo, uma capela local, que faz parte dos costumes de uma população que tem uma cultura particular, está a encontrar um ponto de charneira para outra realidade cultural. Se perguntarmos ao turista, nessas circunstâncias, o que tem ele em comum com a cultura daquela paisagem, ele poderá responder, que tem aquele ponto geográfico, aquele chão que pisa. Aquele turista, encontra-se portanto, no mesmo local onde aquela cultura particular se manifesta, através de um elemento material que faz parte da identidade cultural da paisagem.

Sintetisando: a paisagem é composta por vários elementos, como estruturas arquitetónicas, tradições, árvores, biótopos, eventos geológicos etc. A relação entre esses elementos e as suas dinâmicas constituem as identidades natural, cultural e estética. A identidade cultural e natural é interpretada à luz das ciências do conhecimento. São, portanto, as ciências do conhecimento que estudam os elementos da paisagem como parte integrante de uma identidade e lhe atribuem os seus contextos em realidades que podem ser distantes no tempo, ou distintas ecologicamente e culturalmente. Compreender o contexto dos elementos e experimentá-los constitui um lugar de charneira para outras realidades. Uma experiência rica de turismo da paisagem, deverá proporcionar ao indivíduo informação que lhe permita a compreensão das identidades natural e cultural das paisagens que visita, e roteiros para que este possa encontrar os pontos de charneira para essas outras realidades. Para isso é necessário fazer uma análise do território procurando diferenciar as suas zonas homogéneas, ou seja, as diferentes paisagens, aquelas que terão identidades características semelhantes. Cada zona homogénea constitui uma paisagem singular, com identidades próprias, que deverá ter uma abordagem particular sob o ponto de vista do turismo da paisagem. Deverá ser feita uma leitura dos seus elementos integrantes de modo a distinguir quais têm interesse turístico e permitem ao indivíduo encontrar o ponto comum com outras realidades que lhe são alheias.

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2.2 Consciência ecológica

Viver a paisagem permite compreender os processos ecológicos e testemunhá-los in loco. O turismo da paisagem tem, então, um potencial especial para educar o indivíduo turista da paisagem para as dinâmicas do ambiente e, sobretudo, abrir a sua consciência de que a sustentabilidade das paisagens depende da relação saudável entre a sua identidade natural e identidade cultural. No que respeita à ética da paisagem, um dos grandes problemas do homem moderno, é a ideia de que a sua existência e a Natureza, pertencem a domínios diferentes. Para o homem moderno, a Natureza surge como um aparte de si mesmo de tal modo que é objeto de espiritualização (Castelo, 2011). A velha antagonia entre campo e cidade, a visão romântica de Natureza como uma entidade pura e virgem por oposição à ideia do homem enquanto produtor de artificialidade, são conceitos ideológicos que fazem parte do senso comum do Homem moderno.

É importante educar as populações para o impacto que têm no ambiente, fazendo-as compreender que fazem parte de um todo, que resulta das relações entre as pessoas e os sistemas naturais. Já Patrick Geddes (1892), importante urbanista e sociólogo do século XIX, educava a população de Edinburgo para o funcionamento da sua paisagem fazendo excursões à Outlook Tower, uma torre que servia de observatório para todo o território. Desta torre os visitantes tinham uma vista privilegiada para a sua cidade e conseguiam distinguir as diferentes atividades económicas que se desenrolavam ao longo do território, tirando partido dos recursos naturais particulares a diferentes zonas da paisagem, como os rios para pesca, as suas margens para a agricultura, a montanha para as atividades florestais e mineiras etc. Educar as populações para a ecologia, fazendo-as testemunhar o funcionamento do ambiente tem um impacto especial para a abertura de consciências; é o concretizar do “só acredito se vir”.

Educando as populações através do turismo da paisagem, levando-as por roteiros que, tal como a Outlook tower, permitam um ponto de vista e uma experiência privilegiada sobre o funcionamento do território, é possível modelar a sua forma de agir para com o ambiente. Com efeito, terão consciência de que a sua atitude perante a paisagem pode perturbar o equilíbrio das identidades da paisagem e que isso significa num processo auto destrutivo. É importante que o indivíduo, enquanto turista, possa descobrir os recursos naturais da paisagem e as atividades que em torno deles se desenrolam; recursos esses com expressão cultural, que obrigaram a métodos de exploração particulares, tradicionais ou não, que participam nos folclore locais e chegam a modelar os valores da vida social; que ditam a forma como as populações se instalaram e evoluíram no território, desde uma grande cidade com origem num rio, de onde extraía a sua subsistência, a uma aldeia remota que nos seus primórdios se instalou no topo de um monte para sua proteção. Agir sem consciência ecológica, será negligenciar tudo isto.

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Dar a oportunidade ao turista da paisagem de conhecer as atividades do homem inseridas no seu ambiente permite-lhe adquirir consciência das dinâmicas entre identidade natural e cultural, da sua interdependência e do valor das suas ações e atitudes na manutenção deste equilíbrio. Mas é, também, igualmente importante que o indivíduo reconheça as feridas da paisagem, de modo a integrar o resultado de um sistema desequilibrado e as suas consequências. Confrontá-lo com a realidade de um problema para que lhe surja a necessidade de evitar outros semelhantes. Os males ambientais do mundo em dados, revelam-se apenas ideológicos no senso comum. As pessoas têm uma ideia de que o mundo se está a degradar, há dados, artigos, fotografias que ilustram essa realidade, no entanto, saber que o mundo se está a degradar (formação de uma ideia) e, efetivamente, ver o mundo a degradar-se (testemunhar uma realidade), produz urgências diferentes na necessidade de resolver os problemas. Deste modo, o roteiro completo da paisagem deverá levar o turista a explorar a paisagem no sentido de conhecer as suas valências mas, também, as suas fragilidades de potencial turístico como grandes lixeiras, pedreiras abandonadas, zonas industriais e os seus efeitos poluentes, etc.

Conhecer a paisagem é importante para que o indivíduo sinta por ela afinidade. De facto, conhecer bem um objeto é uma condição sine qua non para amá-lo. Não se ama algo que não se conhece profundamente bem. Tal como na relação entre pessoas, considero que esta premissa também seja válida para as paisagens. No capítulo “Experiência sensível da paisagem” explorarei o potencial máximo desta noção (afinidade pela paisagem e o sublime, página 19), adaptada à apreciação estética da paisagem. Ainda assim, também o conhecimento e compreensão das identidades cultural e natural da paisagem, por via intelectual, produz um efeito de aproximação entre o indivíduo enquanto turista e a paisagem. Compreender a história e funcionamento de uma paisagem pode, e provavelmente vai, contribuir para que o turista construa uma afinidade especial pelo lugar e assim o queira proteger.

3 Experiência sensível da paisagem

Muito antes do conceito de paisagem existir já a Natureza era tópico central no debate filosófico sobre a problemática do belo. Platão, o pioneiro filósofo a deixar um legado sobre a questão “o que é belo?”, (Fontes, s.d.) tinha uma visão muito objectivista acerca da estética. O belo era o bom, o verdadeiro, o ordenado, culminando no perfeito. Para o filósofo, a beleza era inerente às coisas, existindo nelas mesmas, demarcando-se do mundo sensível, existindo, porém no campo das ideias (Costa, 2008). Quer isto dizer que a beleza não poderia ser sujeita aos juízos de cada um mas que existiria um ideal de beleza que seria imaginado, uma ideia de perfeição. As coisas belas são belas, nisso não há discussão, sendo, no entanto, tanto mais belas quanto mais se aproximarem desse ideal, que tinha como referência a ordem e harmonia totais. Citando Platão (Timeu, 27b-30a) -

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desordem à ordem, considerando que a ordem era sob todos os aspetos preferível. - torna-se clara esta ligação intrínseca entre o belo, o bem e a ordem. Este “conjunto das coisas” que Deus ordenou, referido na citação, é o cosmos. O cosmos é tudo, uma entidade holística que pertence ao mundo das ideias. O cosmos é apenas uma ideia, porque não é assimilável, não é uma realidade palpável, no entanto, a sua porção real, assimilável, a Natureza, é. A Natureza era portanto entendida como ideal máximo de beleza, não por apelar à sensibilidade mas porque representava uma unidade de coisas perfeitamente ordenadas, somente captada por via intelectual (Serrão, 2015).

Independentemente dos ensaios platónicos, pioneiros no debate filosófico sobre a estética, e das outras teorias do belo que se lhe seguiram, é interessante verificar que o exercício de reflexão do belo é, pelo menos, tão antigo como a Grécia clássica e que no seu centro se encontra a profunda admiração pela Natureza. A corrente objetivista da estética na filosofia perdurou durante vários séculos mas não resistiu aos ditames do homem da Idade Moderna. Damos aqui um grande salto histórico para o Renascimento (início no século XIV-XV), movimento que visou o ressurgimento da cultura clássica greco-romana, cortando violentamente com todas as ligações à sociedade medieval que lhe antecedeu. O movimento do Renascimento corresponde a uma época de mudança de paradigma económico, caracterizado pela transição do feudalismo para o capitalismo que deu azo a toda uma nova classe burguesa abastada com poder de compra para investir em arte, cultura e educação. Se, até então, o homem Medieval se regia por valores Cristãos de referência, o homem do Renascimento, acreditando na sua capacidade de se superar enquanto indivíduo intelectual, embora conservando um certo cristianismo convencional, procura desenterrar os princípios clássicos, inspirados pelos autores pagãos. A afirmação pessoal que viria a despoletar a conceção antropocêntrica, coloca o homem no centro do universo. A humildade e espírito de serviço à comunidade são valores desvalorizados, dando lugar ao individualismo e hedonismo. Artistas que, até então, eram considerados como meros artesãos prestadores de serviços, tinham agora liberdade para dar espaço à sua capacidade criadora e se transformarem em verdadeiros “Génios” intelectuais (Ferrão, 1997). No âmbito da filosofia, mais concretamente no ramo da estética, esta mudança de paradigma abriu as portas para outros pontos de vista, nomeadamente correntes subjetivistas da estética, em que o “gosto” se tornava uma categoria válida. Admitia-se que cada indivíduo fizesse uma apreciação do que era estético, consoante os seus sentimentos, sem pretender regular o juízo alheio.

No século XV a pintura atinge o seu naturalismo pleno. A representação da Natureza volta a ter lugar, sobretudo nas obras Italianas, por inspiração clássica, onde os personagens eram muitas vezes representados num ambiente cénico com a Natureza a cumprir um papel relevante. Uma porção de Natureza, representada num quadro, que até então não era mais do que isso mesmo, uma cópia de uma parcela de território, passa a ser alvo de um conceito representativo. O termo paisagem, surge então no final do século XV pela transformação da palavra francesa pays em paysage e italiana

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paese em paesaggio, para designar a representação pictórica de espaços naturais (Serrão 2011). O termo paisagem tornou-se posteriormente um lugar comum nas línguas neolatinas transpondo-se para o mundo real, passando a definir também, a porção de Natureza à vista de um observador. Nascido da pintura Renascentista, o termo paisagem, ficou, deste modo, aliado a um conceito pictórico e de experiência da Natureza real observável. No entanto, como era típico da Modernidade, também foi sujeita ao interesse das várias ciências do conhecimento enquanto fenómeno natural, sendo alvo de exame direto pela cartografia, geografia física, topografia e elementos naturais modeladores (Serrão 2011).

Se procurarmos o termo paisagem no dicionário da língua portuguesa, encontramos duas definições, introduzidas no século XVI com origem nesta aceção Renascentista. Uma diz respeito à Natureza observável, que finda num horizonte limitado pelo alcance de um ponto de vista e a outra, claro está, de uma representação pictórica de uma porção de território. Paisagem, no entanto, representa um conjunto de conceitos muito mais abrangentes e mesmo transversais a outras áreas do conhecimento, para ser definida de forma tão redutora. Mas, mesmo debruçando apenas no ramo da estética, abordar a paisagem como pedaço de Natureza que se admira somente por um ponto de vista, pode ser igualmente limitativo. De facto, quando um indivíduo se encontra numa paisagem, ele é estimulado multi sensorialmente e, até mesmo, o campo de visão encontra uma envolvência de 360º, por oposição a uma perspetiva unidirecional, como a entrada no dicionário parece sugerir. Rosario Assunto (1971), refere-se à paisagem como uma “finitude aberta”, isto porque, ainda que a ideia de limite e horizonte sejam intrínsecas ao conceito de paisagem, o céu imprime-lhe um carácter infinito e, até mesmo o solo, que corresponde a uma barreira física, transparece uma ideia de prolongamento da Natureza. Paisagem deve ser, portanto, considerada uma entidade muito mais abrangente e global, do que uma porção de Natureza que se limita a ser enquadrada (Lima 2007).

3.1 Mecanismos de apreciação da paisagem

Estar na paisagem é ser abrangido por ela do ponto de vista dos vários sentidos, ser seu participante. Mais uma vez, interessa demarcar a paisagem como objeto pictórico para a valorizar como objeto estético que se vivencia e não somente se observa. Este pressuposto é, aliás, ponto chave no debate filosófico sobre a existência de não somente uma estética mas, sim, de várias. Observar um quadro de uma paisagem e estar efetivamente numa paisagem a admirá-la, correspondem a duas experiências muito distintas. Mario Sanchez (1945) descreve, o que considera serem, os vários componentes que participam na experiência estética da paisagem real como: Luz e cor, céu, grandeza horizontal e grandeza vertical (planície e montanha que lhe conferem magnanimidade), forma do terreno (morfologia), movimento (patente não só no deslocamento físico como o vento ou a água mas, também, temporal, os dias e as noites ou as estações), a vida e, por fim a cultura (expressa pela intervenção do Homem). Também Rosário Assunto (1971) participa neste debate,

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acrescentando que as componentes estéticas como a cor, luz e movimento mas também os cheiros, sons e temperatura nos são agradáveis porque as associamos a condições vitais. Isto é, agradam- -nos as sensações que associamos às de habitats ideais para a geração de vida.

Eugenio Turri (2011, p.167), procura justificar o conceito de paisagem como um elo de ligação entre o Homem e a Natureza, no sentido em que funciona de interface entre as suas interações. O autor usa a analogia da paisagem enquanto peça de teatro, em que o Homem é, simultâneamente, o seu participante mas, também, observador. Isto significa que, enquanto participante, o homem constrói a paisagem e deposita nela os seus valores, resultando numa identidade que fica patente no território. Como participante na peça, fica também sujeito às “deixas” da Natureza, que exercem sobre ele as suas forças modeladoras. Paisagem é, portanto, o resultado observável das imposições do Homem sobre a Natureza mas, também, da Natureza sobre o Homem. Esta relação permite ao Homem colocar-se num papel privilegiado enquanto observador de si mesmo, já que, por intermediário da paisagem, consegue apreender o significado das suas ações e, consequentemente, da sua história e valores. De facto, só na categoria de espectador, o Homem consegue ter consciência do seu agir enquanto transformador da Natureza.

A paisagem, enquanto espelho do homem, reflete todo o seu conjunto de valores nas várias categorias sociais, económicas, jurídicas e espirituais. Este conjunto de elementos encontra o seu fundamento numa série de comportamentos que constituem uma ética que, com o passar do tempo, se transforma numa estética (Andreotti, 2012). É natural que esta estreita relação entre homem e paisagem tenha uma forte influência na forma como cada indivíduo apreende a paisagem a nível estético. Uma paisagem que resulte da expressão de determinados valores comuns a um determinado indivíduo, será, à partida, mais bela no seu entender.

Jacobs (2006, cap. 4) na sua dissertação The production of mindscapes, enumera um conjunto de abordagens, sob o ponto de vista da psicologia, defendidas por vários autores, procurando tentar perceber a razão pela qual preferirmos determinadas paisagens em detrimento de outras. Considero o seu levantamento particularmente interessante para esta análise da apreciação estética da paisagem, pelo que passo a sublinhar, de forma muito sintetizada, as ideias principais:

- A teoria do estímulo, que se fundamenta na ideia de que a presença ou ausência de estímulos influenciam a sensação de prazer de um indivíduo. Se alguém for muito estimulado, com intensidade e continuamente, achará certamente prazeroso que esses estímulos desapareçam. Tal acontece numa situação de chegada a casa, depois de um dia intenso de trabalho. Por outro lado, quando um indivíduo se encontra numa situação de ausência de estímulos, achará prazeroso que outros estímulos lhe sejam oferecidos. Isto é, por exemplo, uma situação de contemplação de um mesmo objeto, até entrar em monotonia, e desejar passar a contemplar outro. É esta relação ideal entre

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estímulo e prazer que nos faz preferir uma paisagem em relação a outra.

- A teoria da “prosperação e refúgio” vai ao encontro do trabalho de Rosário Assunto (1971), já referido anteriormente (página 15), defendendo que a apreciação estética de uma paisagem está relacionada com processos evolutivos. Teremos maior gosto por uma paisagem que oferece condições ideais para a prosperação de vida, ou seja, quanto mais se aproximar daquilo que consideramos, mesmo que inconscientemente, um habitat ideal.

- A teoria do processamento da informação, vai também um pouco ao encontro da ideia de habitat ideal mas analisa os padrões e matrizes que o território apresenta. Segundo esta teoria, tendemos a preferir paisagens que apresentem uma matriz que transmita coerência e maximize o nosso potencial de reconhecimento do território. Ao mesmo tempo a matriz deverá ser complexa o suficiente para convidar à exploração. Esta teoria fundamenta-se nos argumentos de que para sobrevivermos num território temos de ter consciência do que se passa ao nosso redor mas, por outro lado, satisfazer o desejo por explorar que é tão vital à condição de ser humano.

- A teoria da geografia humana fundamenta-se, ao contrário das teorias anteriores, em aspetos

sócio-culturais. Aborda a relação entre o indivíduo e a paisagem que inspira valores com os quais ele se identifica. Esta questão foi analisada com mais demora na página anterior.

- A teoria das imagens da Natureza parte do pressuposto que cada indivíduo integra uma imagem

diferente daquilo que a Natureza é. Algumas pessoas têm, por exemplo, uma imagem da Natureza enquanto uma região virgem (por exemplo, uma floresta recôndita) enquanto que outras têm uma imagem de Natureza associada a espaço funcional (por exemplo, um parque que oferece a possibilidade de atividades de lazer). Um estudo demonstrou que cada indivíduo tem tendência para achar mais bela, a paisagem que se aproxima da sua imagem da Natureza.

- A teoria histórica baseia-se na ideia de que o valor que atribuímos à Natureza tem influencia do

contexto histórico. Em tempos primitivos o homem poderia entender certas paisagens naturais como inóspitas, locais insalubres ou de refúgio para predadores. Com a passagem dos tempos o Homem foi desvendando a Natureza e ultrapassando os seus receios. Certos períodos históricos, romancearam a Natureza, já outros, não lhe atribuíram a devida importância, influenciando o pensamento que lhe é contemporâneo.

O conjunto destas teorias acerca da apreciação estética da paisagem inclui experiências de diversos tipos. Umas estão meramente associadas ao prazer físico dos estímulos que a paisagem proporciona aos sentidos, outras com perceções primitivas de memórias filogenéticas ancestrais e, outras ainda, fundamentadas em associações intelectuais. Neste último caso, temos, por exemplo, um indivíduo

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que reconhece espelhados na identidade estética da paisagem, valores comuns aos seus. Ora esta associação pressupõe compreensão, para além de sensação, o que pode causar alguma confusão entre experiência sensível e intelectual da paisagem. Ainda assim, embora o intelecto possa desempenhar um papel na apreciação estética da paisagem este toma um papel passivo, (ao contrário do que acontece na experiência intelectual da paisagem) participando na experiência estética da seguinte forma: o indivíduo sente a paisagem através dos sentidos. Essas sensações podem ser agradáveis ou desagradáveis. Sensações agradáveis produzem experiências estéticas. Algumas sensações são aprazíveis fisiologicamente, como por exemplo a temperatura tépida. A outras atribuímos significados. O intelecto participa no significado que atribuímos às sensações e consequentemente na sua classificação enquanto aprazíveis ou não. Assim, embora o intelecto desempenhe uma função no reconhecimento da identidade estética, não é evocado conscientemente, pelo que a experiência se classifica como sensível. Por exemplo, um indivíduo apreende uma identidade estética que consiste num monte com uma casa isolada. Ainda no âmbito dos valores, ele poderá achar aquela paisagem atrativa porque se identifica com os valores de vida em comunhão com Natureza, liberdade, de isolamento em relação ao resto do mundo, de inconformação talvez, etc, que a ela associa. Ora esta associação de valores não lhe exigirá nenhum trabalho introspetivo de cariz intelectual, ela surge automaticamente, atribuindo significado aos sentidos e desencadeando a experiência estética. Neste caso, o sentido estimulado foi a visão, que reconheceu a imagem da identidade estética da paisagem apreendida e à qual o indivíduo atribuiu significado. No entanto, todos os sentidos são estimulados pela identidade estética de paisagem onde o indivíduo se encontra e, também a esses estímulos, o indivíduo atribui significados. É natural, no entanto, que sendo a visão o principal sentido do homem, seja através desta que constrói as primeiras e principais perceções da paisagem.

3.2 Uma abordagem pessoal à paisagem bela e à paisagem sublime

O belo e o sublime são duas categorias do estudo filosófico da estética, fundamentando-se, no entanto, em princípios muito distintos. Kant foi, talvez, o pensador mais influente no estudo da separação entre o belo e o sublime. Deste modo, ainda que, pessoalmente, tenha uma visão alternativa do que possa resultar num sentimento de sublime em relação à paisagem, considero importante sintetizar alguns aspetos fundamentais da teoria kantiana a este respeito.

O juízo estético do belo, resulta da contemplação desinteressada de um objeto que dá prazer. Quando não temos nada a ligar-nos a um objeto, não sentimos por ele nenhum desejo de posse e, ainda assim, apreciamos as suas propriedades intrínsecas, consideramo-lo belo. Pressupõe-se, neste caso, que o objeto em causa tenha um carácter limitado, que o possamos projetar na nossa imaginação e que sobre ele tenhamos total consciência da sua existência. É um sentimento, portanto, onde o indivíduo tem sobre o objeto uma apreensão plena dos sentidos. Ao vislumbrarmos

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uma côr, podemos achá-la bela, o mesmo se pode passar com uma flor ou, até, uma paisagem.

A experiência do sublime, por sua vez, transcende o indivíduo, suscitando sobre ele a capacidade máxima de sentir. No âmbito da estética da Natureza, Kant propôs o sublime terrível. Este é um sentimento que resulta de uma simbiose entre a profunda admiração e o temor por um objeto que se apreende como um todo mas não tem forma. Isto é, por exemplo, o universo, o oceano, o abismo, a montanha, o enorme poder de uma tempestade. Todas estas entidades provocam no indivíduo uma consciência da sua pequenez e impotência perante a magnanimidade da Natureza. A ideia de infinito está geralmente presente no objeto estético do sublime, uma propriedade impossível de conceber intelectualmente, através da razão, e consequentemente causadora de um certo desconforto, provocando sentimentos de prazer e desprazer. É esta ambiguidade de sentimentos que causa no indivíduo um confronto com os seus limites sensíveis e o leva ao sublime. É importante referir que o indivíduo que experimenta o sublime deve estar numa posição de segurança perante o objeto estético já que a insegurança com a própria vida anula a capacidade de apreciação estética.

Será feita, agora, uma abordagem com um cunho mais pessoal, relativamente a uma perspetiva do que considero ser uma forma de sentimento de sublime associada à contemplação da Natureza. Esta abordagem à apreciação estética da paisagem tem como princípio a “teoria da geografia humana”, descrita por Jacobs (2006) mas prende-se com a categoria do sublime, já que o que se pretende justificar é um tipo de sentimento transcendente; com a grandeza com que Kant o descreve mas com a ausência do fator temor. Kant atribui ao objeto do sublime uma infinitude, que é intrínseca ao próprio objeto e exterior, portanto, ao indivíduo que o observa. O sublime é uma resposta a essa infinitude, impossível de conceber intelectualmente e, portanto, causadora de uma ambiguidade de sentimentos de prazer e desprazer. Nesta minha abordagem pessoal, a resposta emocional a uma infinitude impossível de conceber, é também propriedade do sentimento do sublime. No entanto, esta infinitude é, ao contrário da perspetiva de Kant, intrínseca não ao objeto estético mas ao observador. Trata-se de uma infinitude pessoal, uma forma de o indivíduo se confrontar com a sua essência mais primária e individual e a querer superar, como que tentando transpor a sua própria individualidade. Este é o momento em que o indivíduo não é capaz de ser mais do que é, atingindo a sua capacidade de “ser”. Este é o momento do sublime, a apoteose da própria existência.

Para melhor poder explicar em que se fundamenta esta premissa, gostaria de começar por ilustrar o que entendo ser a essência de alguém; ou seja, aquilo que o indivíduo tem de mais pessoal, com o seguinte exemplo: Duas pessoas, amigas de infância, cúmplices, que conhecem a vida uma da outro como se fosse a sua; que partilham todas as suas vivências e experiências pessoais uma com a outra. Duas pessoas que sempre desabafaram os seus problemas, que riem juntas quando estão felizes, que conseguem prever as reações uma da outra a determinados eventos. Por vezes, uma está confusa e a outra, de tão bem a conhecer, aconselha-a com a solução exata. Outras vezes, é o

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contrário. Acreditam elas que se conhecem tão bem uma a outra como a elas próprias. Diriam até que conhecem melhor a outra pessoa do que a elas próprias. Será isto possível? Será possível alguém entregar-se de tal modo a outra pessoa que deixaria de ser eu e passaria a ser nós? Não. Há algo que uma delas nunca saberá da outra. Isto porque existe a essência do sujeito é intransmissível. A essência é o sentimento que resulta do processo de contemplação de algo, que em cada um é mais singular do que a impressão digital. As vivências triviais, do dia-a-dia, por exemplo, também constituem uma experiência individual. A verdade é que duas pessoas podem não sentir (e o mais provável é que não o sintam) da mesma maneira, a experiência de abrir a porta de casa, ou atar um sapato. No entanto, o sentimento que estas experiências proporcionam é de baixa complexidade e pode ser comunicado. Se me for bem descrito, consigo adivinhar com bastante precisão o sentimento alheio que se despoletou ao fazer uma tarefa trivial. Por outro lado, o processo de contemplação tem origem em emoções tão complexas e nas suas relações, que os sentimentos que daí resultam são impossíveis de prever e traduzir em palavras. Duas pessoas nunca irão sentir a contemplação de uma paisagem de modo igual nem compreender o que o outro sentiu. Mais ainda, será tanto mais difícil prever o que um indivíduo está a sentir, quanto maior for a sua contemplação por um objeto estético. Por exemplo: alguém olha para uma flor e a acha-a bonita. Esse alguém tenta descrever-me o seu sentimento ao ver a flor. Eu poderei ter uma ideia aproximada de como será esse sentimento mas nunca saberei como é exatamente. Se esse alguém estiver a apreciar uma paisagem que muito lhe diz e a considerar sublime, por mais que me descreva o sentimento, eu não conseguirei conceber intelectualmente como o outro indivíduo o está a sentir. Ora a flor é um objeto de belo e a paisagem um objeto de sublime. Ambos proporcionam ao indivíduo um confronto com a sua essência mas apenas com a paisagem ele atinge o potencial máximo de encontro com a sua individualidade; a capacidade máxima de contemplar; a capacidade máxima de sentir. Mas porque é que uma paisagem será à partida um objeto estético com mais potencial de induzir o sublime do que uma flor? Porque é uma paisagem um objeto estético tão poderoso? Esta é uma questão essencial à qual proponho responder, enumerando 3 fatores; Valores, Passado, Ideias:

1º, o indivíduo projeta na paisagem os seus valores - volto a fazer referência ao conceito de

paisagem como teatro (Turri, 2011) uma analogia que compara a relação do homem com a paisagem como uma peça de teatro na qual o homem é tanto participante como observador (ver página 16). O homem intervém na paisagem segundo os seus valores e, por isso, mesmo vê-se espelhado nela. Deste modo, é natural que um determinado indivíduo aprecie a estética de uma paisagem, que é resultado de uma ética com a qual se identifica.

2º, o indivíduo projeta na paisagem o seu passado - a paisagem surge como um conjunto de

símbolos intimamente ligados ao passado de um indivíduo; a um dado contexto histórico relevante a nível pessoal que causa nostalgia. Por exemplo, alguém que viveu a sua infância junto ao mar (pressupondo que foi uma infância completa e feliz) terá, à partida, uma relação mais íntima com a

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