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Feita a breve reflexão sobre o que é o turismo da paisagem e as suas valências, passarei então à fase prática desta dissertação, na qual proporei um formato de roteiro turístico da paisagem, fundamentado nas conclusões tiradas. Pretende-se encontrar um conjunto de práticas turísticas que permitam ao indivíduo enquanto turista da paisagem, a experiência plena da paisagem enquanto objeto turístico por si mesma. Isto é, que o turista ao percorrer o roteiro da paisagem, projetado segundo os critérios que passarei a descrever em seguida, sinta, no final da sua experiência, que ficou a conhecer bem a paisagem em toda a sua plenitude. Esta não é uma tarefa simples. Descobrir a paisagem não é simplesmente olhar para ela como possa adivinhar o senso comum. Descobrir a paisagem pressupõe, senti-la, experimentá-la metafisicamente e compreender as complexas estruturas do seu sistema natural e cultural e as dinâmicas que resultam entre eles. Assim, retomo a questão determinante sobre a qual se debruça a premissa desta dissertação: Como poderemos proporcionar ao turista da paisagem, a experiência completa da paisagem? Passo então a explicar, organizando e sintetizando os argumentos segundo a reflexão feita nos dois capítulos anteriores. Este processo inclui duas grandes tarefas:

- A primeira, Identificar as diferentes paisagens do território: Diferentes paisagens são diferentes

produtos turísticos na medida em que proporcionam experiências turísticas muito distintas. Cada paisagem tem as suas características próprias, como uma impressão digital, que se materializam em três identidades: Natural, Cultural e Estética. Portanto, é necessário, antes de mais, fazer uma leitura do território e delinear as diferentes paisagens que ele oferece. Para isso temos de fazer uma leitura dos recursos e características do território e compreender a sua história para podermos delimitar as suas zonas homogéneas, ou seja, as diferentes paisagens. Por exemplo, no caso da Região de Lisboa e Vale do Tejo, temos um território especialmente rico em diferentes paisagens com carácter muito distinto como as praias, serras, montados, etc. Cada uma destas paisagens tem as suas identidades próprias que se distinguem pelos seus elementos constituintes e as suas relações. Uma serra terá, talvez, uma floresta densa e uma morfologia acidentada, ao passo que um montado terá uma floresta dispersa e uma morfologia suave. A morfologia e a floresta são dois elementos de paisagem que devem ser lidos à escala do território, com recurso a cartografia, e o diferente carácter com que se apresentam, permite a delimitação das zonas homogéneas. Claro que, ler apenas um elemento ou dois pode ser pouco informativo e, portanto, redutor para a identificação das diferentes paisagens. Deste modo, a informação cartográfica, deverá ser tão rica quanto possível, ou a necessária, e os seus dados deverão ser cruzados entre si de modo a permitir a leitura das relações entre os elementos interpretados. Estas relações, particulares a cada zona constituem as diferentes identidades. São estas identidades o recurso turístico, a essência das paisagens.

- A segunda, escolher os elementos da paisagem para proporcionar ao turista a experiência completa da paisagem: Feitas as delimitações das diferentes paisagens do território, interpretando

as suas zonas homogéneas, passamos a analisar as próprias paisagens, as suas identidades e elementos constituintes em pormenor. Por esta altura, será suposto ter já noção das diferentes identidades das diferentes paisagens do território. A interpretação do próprio espaço deverá ser agora feita no sentido de identificar os elementos que vão proporcionar ao turista a experiência completa do que a paisagem tem para oferecer. Como vimos anteriormente, a paisagem tem para oferecer dois tipos de experiências. A experiência intelectual que inclui a descoberta das identidades natural e cultural e a experiência sensível que inclui a descoberta da identidade estética. Assim, sendo, vou passar a explicar como deverá ser feito o formato de roteiro turístico completo da paisagem para cada uma destas experiências:

Para a experiência Intelectual

- No âmbito da descoberta da identidade natural, a paisagem oferece três experiências

(intelectuais, já que fazem uso do conhecimento inteligível) distintas.

1 – Compreender a identidade natural – Esta surge, talvez, como a mais óbvia. Descobrir a

identidade natural da paisagem é compreendê-la. O turista deverá visitar os diferentes elementos que participam na identidade natural para que possa testemunhar as suas relações e propriedades. O turista deverá ter na posse informação que lhe permita interpretar o seu funcionamento, estudando e pesquisando essa informação por conta própria ou poderá ser-lhe dada por um guia que o acompanhará durante a sua viagem de descoberta. Esta experiência turística tem um carácter educativo forte e faz-se valer em relação ao estudo comum (através de livros, internet, etc.) pelo facto de permitir ao indivíduo testemunhar os processos, como que uma ilustração real que complementa a informação e permite a sua mais fácil, detalhada e objetiva compreensão. Esta experiência, pode ser, por exemplo, ir visitar as linhas de água, ver e compreender a forma como esculpem a morfologia do território, perceber a biodiversidade que a elas está associada, o local onde nascem e desaguam, etc.

2 – Participar noutras realidades naturais – Tal como abordei no sub-capítulo “Pontos de charneira

para outras realidades na experiência intelectual da paisagem”, uma das valências do turismo da paisagem é a de aproximar o indivíduo turista a outras realidades naturais que lhe são alheias. Introduzi a expressão “local de charneira para outras realidades” para classificar um elemento da paisagem que, através da sua experiência e compreensão, permite ao indivíduo sentir que tem algo em comum com outra realidade que lhe é alheia mas contemporânea. Por exemplo, o indivíduo que vive no campo e vai visitar uma paisagem que inclui uma praia paradisíaca, está a viver uma realidade natural que é alheia à sua vida quotidiana. Este sentimento de pertença a algo novo

constitui uma experiência impactante que por mais metafísica que possa parecer, pertence, na verdade, ao domínio do conhecimento inteligível da paisagem. Embora possa parecer uma acepção óbvia, o indivíduo tem de compreender que aquele ar que respira, o sal que se agarra à pele ou a areia em contacto com os pés, são também elementos comuns à praia paradisíaca. Portanto não é uma uma experiência meramente sensível, já que implica a sua cognição intelectual. Assim o nosso camponês, tem em comum com uma praia paradisíaca o ar que respira, o contacto com o sal ou a areia, etc; estes são os elementos da paisagem que constituem os pontos de charneira para outra realidade. O indivíduo nunca teria nada em comum com uma praia paradisíaca se não a visitasse, este é o aspeto central desta abordagem. Ter o conhecimento de que pertence a algo comum com a paisagem em seu redor, pode ampliar a apreciação da identidade estética dessa paisagem, tal como vimos anteriormente, o intelecto pode participar na apreciação estética, embora a experiência intelectual e sensível pertençam a domínios diferentes. Assim, do ponto de vista prático, embora esta seja uma experiência de carácter distinto da do ponto 1, ela advirá, também, da visitação dos sistemas naturais da paisagem e portanto é-lhe simultânea.

3 – Participar noutras identidades naturais passadas – As paisagens são voláteis no tempo. O

tempo exerce o seu efeito nas paisagens transformando os seus elementos, eliminando uns e dando oportunidade a outros para surgirem. À medida que os elementos de uma paisagem se vão transformando, a sua identidade transforma-se também e, assim, surge uma nova geração de paisagem. As paisagens perdidas no tempo já mais se recuperarão. No entanto existem elementos da paisagem que prevalecem nas várias gerações, ainda que com diferentes propriedades e simbolismos. Visitar estes pontos, como grutas, pegadas de dinossauros, árvores notáveis, etc, e compreender os seus contextos em paisagens passadas, constitui uma importante experiência de contacto com outras realidades temporais. É a experiência mais próxima que um indivíduo poderá ter a visitar uma paisagem passada. Estes pontos constituem os locais de charneira para outras realidades; são comuns à paisagem atual, passada e passam, também, a ser comuns ao turista da paisagem. O turista que pisa o mesmo calcário onde pegadas de dinossauro estão gravadas, tem o mesmo chão em comum com estes répteis gigantes. Assim, para proporcionar ao turista a experiência completa da paisagem, deve ser lida e interpretada cada identidade natural de paisagem e fazer o levantamento destes locais de charneira de forte conotação histórica e elevado interesse turístico. O roteiro completo da paisagem deve incluir informação sobre a localização das estruturas e informar o turista acerca dos seus contextos históricos. É importante que o turista usufrua do sentimento de pertença a outra realidade e integre a ideia da sucessão de paisagens no tempo.

- No âmbito da descoberta da identidade cultural, a paisagem oferece, também, três experiências

distintas.

natural, compreender a identidade cultural da paisagem constitui também uma experiência fundamental para se conhecer uma paisagem. A identidade cultural, constitui a componente humanizada da paisagem, como sendo as atividades, populações, monumentos e arquitetura, artes, folclore, etc. Deste modo, para que o turista da paisagem tenha a experiência completa da paisagem, é essencial que este compreenda o funcionamento do homem na sua paisagem. A identidade cultural deverá ser, portanto, interpretada para cada paisagem, procurando conhecer os elementos da paisagem que melhor expressam os valores das populações que habitam nessa paisagem. O turista da paisagem deverá ser apresentado a esses elementos da paisagem que lhe comunicarão os valores daquela cultura. O turista deverá ter informação suficiente para compreender os elementos e ser capaz de os colocar no seu contexto social.

5 – Participar noutras realidades culturais contemporâneas por via da identidade cultural material da paisagem – O turismo da paisagem permite ao turista viver culturas que de outra forma

lhe seriam alheias, participando na identidade cultural da paisagem visitada. A experiência da identidade cultural material, enquanto ponto de charneira para outra realidade, é aquela que é simultânea à compreensão da identidade cultural (ponto 4). Isto porque, quando o indivíduo visita uma estrutura, como por exemplo, uma capela, com a finalidade de meramente compreender as suas propriedades e contexto, ele poderá simultâneamente estar já a integrá-la enquanto ponto comum para outra cultura. O indivíduo nesse contexto encontra-se no mesmo local onde a cultura daquela região se materializa através de uma estrutura, que é a capela, ou seja, tem aquele ponto em comum com essa cultura. A capela passa a constituir o ponto de charneira físico para outra realidade cultural. Devo reforçar que a experiência do ponto de charneira para outra realidade e a de mera compreensão e estudo do local constituem experiências diferentes mas simultâneas e, por isso mesmo, distingo-as uma da outra enquanto valências do turismo da paisagem.

6 – Participar noutras realidades culturais por via da identidade cultural imaterial da paisagem – No que respeita ao ponto de charneira para outra realidade através da experiência da identidade

cultural imaterial da paisagem, não basta estar no local onde, por exemplo, se faz uma vindima ou se pisa a uva, para fazer o vinho de forma tradicional, mas é preciso, de facto, participar na atividade. Neste caso, o turista só conseguirá encontrar o ponto comum entre ele e os valores da paisagem visitada se partilhar os mesmos comportamentos da população local da paisagem. Assim se perguntarmos: o que tem um turista oriundo de uma capital urbana, em comum com a realidade cultural de uma paisagem rural vinhateira? Poderemos dizer que terá um comportamento, se participar, por exemplo, na pisa da uva. Assim, a projetar o roteiro turístico completo da paisagem, deverá ser estudada a identidade cultural da paisagem em causa, procurando identificar atividades com forte cariz cultural local, nas quais o turista possa participar. Neste âmbito podem ser incluídas atividades económicas, artísticas, folclóricas etc, conforme a expressão da identidade cultural de cada paisagem.

7 – “Participar” noutras realidades culturais passadas por via da identidade cultural material da paisagem – Esta é a experiência do turismo da paisagem ligada à história do homem. Visitando a

paisagem o turista terá possibilidade de contactar com pontos de charneira para outras realidades culturais que ficaram perdidas no tempo. Isto inclui visitar e compreender o contexto temporal de estruturas construídas pelo homem e que espelham os seus valores em determinada época da sua história. O turista deverá visitar, por exemplo, monumentos arquitectónicos, locais arqueológicos, pinturas rupestres e deverá ter informação acerca do contexto destas estruturas nas suas respetivas realidades culturais que lhes foram contemporâneas. Esta é uma experiência semelhante à do ponto 5, no entanto, aqui, o turista deverá sentir-se transportado para outras épocas familiarizando-se com as suas culturas.

8 – “Participar” noutras realidades culturais passadas por via da identidade cultural imaterial da paisagem – À semelhança da experiência do ponto 6, o indivíduo enquanto turista da paisagem

deverá ter comportamentos, participando em atividades tradicionais locais, que sejam comuns a realidades culturais passadas. Para isso é necessário estudar uma paisagem e procurar compreender o contexto histórico das suas atividades tradicionais. O turista deverá compreender o contexto da atividade que desenvolve não só no âmbito da sua realidade cultural atual mas também o seu significado histórico revendo-se em práticas do antigamente. Esta experiência pode ser simultânea à do ponto 6, já que várias tradições atuais, são na verdade seculares. O modo como se apresentam depende da forma como o turista integra a informação sobre o seu contexto.

- No âmbito da descoberta das relações entre identidade cultural e natural, a paisagem oferece as

seguintes experiência:

9 – Contextualização e consciencialização ecológica pela positiva – Esta experiência advém da

compreensão e testemunho das relações simbióticas entre a Natureza e as populações que coabitam na mesma paisagem. O resultado desta experiência da paisagem é a consciencialização do turista da paisagem para a ideia de sistema total, do qual o homem e a Natureza fazem parte. Esta valência do turismo da paisagem, permite ao turista integrar a ideia de que o homem e a Natureza pertencem, não a domínios distintos mas a um todo e que, só preservando a paisagem, o turista se poderá preservar a ele mesmo ou às suas gerações futuras. Esta experiência poderá ser proporcionada levando o turista aos locais onde, por exemplo, as populações extraem os seus recursos da Natureza de forma sustentável como por exemplo salinas, sistemas agrícolas pastoris, a extração da cortiça, etc.

10 – Contextualização e consciencialização ecológica pela negativa – À semelhança do ponto

de atitudes ecológicas, no entanto, neste caso, a experiência que se proporcionará ao turista da paisagem, tem uma conotação negativa. Entende-se que, ao testemunhar e compreender o impacto de ações negligentes para com o ambiente, o turista integre, não o que pode vir a perder na paisagem (ponto 9) mas o que já perdeu. Assim, o turista deverá ser apresentado às “feridas“ da paisagem como pedreiras, lixeiras, zonas industriais abandonadas, etc.

- No âmbito da descoberta da Identidade estética da paisagem, a paisagem oferece a seguinte

valência:

11 – O sentimento do belo e do sublime – O turista da paisagem vive a experiência estética através

da perceção da identidade estética da paisagem. A identidade estética é o carácter sensível da paisagem. No âmbito da apreciação estética o indivíduo pode sentir o belo e o sublime, sendo este último o êxtase da experiência estética. O sublime pode ser proporcionado através da experiência da identidade estética da paisagem. Propus uma noção de sublime da paisagem, que se fundamenta na aproximação metafisica que o indivíduo sente a determinada paisagem. O indivíduo projeta na paisagem as suas ideias, os seus valores e o seu passado de tal modo que quando se depara com uma identidade estética com a qual se identifica, poderá potencialmente ir ao encontro do sentimento do sublime. Assim, idealmente o turista deveria ter oportunidade de escolher quais as paisagens que gostaria de visitar, ou seja, aquelas pelas quais, à partida, sente afinidade. Para isso, mais uma vez, será necessário fazer uma leitura do território de modo a identificar as diferentes zonas homogéneas de paisagem que ele contempla. Depois, dentro de cada paisagem, o turista deverá ser levado aos locais onde a identidade estética da paisagem revela o seu carácter com especial expressão. Por exemplo, uma identidade estética de paisagem litoral que se caracteriza por elementos como a presença do mar, areia, escarpas, dunas, atividades náuticas, pesca, etc, terá o seu carácter potenciado nos locais onde estes elementos se apresentam com mais intensidade. Isto é, onde o mar se apresenta com mais vastidão, o areal com especial extensão, as escarpas com maior altura etc. Trata-se, portanto, de interpretar quais as características físicas particulares a cada elemento da paisagem e procurar oferecer ao turista os elementos que apresentam essas características com maior expressão. Esses são os locais da paisagem onde os sentidos são mais estimulados e a identidade estética da paisagem apresenta a expressão máxima do seu carácter.

A análise da paisagem enquanto objeto turístico implica descobrir, não o que a paisagem é, isso deixamos para o longo debate da definição da paisagem, mas o que ela tem para oferecer ao turista da paisagem. Deste modo abordei a paisagem segundo uma porção de território que se distingue das demais pelas suas três identidades: Natural, Cultural e Estética. O conjunto destas três identidades forma um todo que o turista reconhece como uma paisagem homogénea. Descobrir essa paisagem homogénea, implica descobrir as suas três identidades e, para isso, propus as onze experiências distintas anteriormente enumeradas.

Embora se pretenda com esta análise a aproximação do roteiro completo da paisagem enquanto objeto turístico, com aplicação universal a todos os tipos de paisagem, a verdade é que, antes de constituirmos uma paisagem enquanto objeto turístico, devemos ter em conta o seu potencial de interesse para o turista da paisagem. Isto é, do ponto de vista do mercado, não faz sentido oferecer roteiros de paisagens nos quais o turista reconhece pouco interesse, mesmo que a paisagem visada apresente, à partida, uma forte expressão das suas identidades natural, cultural e estética. Portanto, embora este formato de roteiro turístico possa ser aplicado a todo o tipo de paisagens, pode não fazer sentido que assim o seja.

No último capítulo desta dissertação passarei a demonstrar a aplicabilidade deste conceito de roteiro turístico completo da paisagem, a uma das paisagens da Região de Lisboa e Vale do Tejo mas, para isso, terei primeiro de fazer uma leitura das características do território e do seu potencial para turismo da paisagem.

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