• Nenhum resultado encontrado

Meio Ambiente ou Ambiente Inteiro?

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2020

Share "Meio Ambiente ou Ambiente Inteiro?"

Copied!
5
0
0

Texto

(1)

Resumo: mesmo que o paradigma ecológico seja de natureza sistêmica, é comum o uso de pensamentos mecanicistas, com mode-los de fragmentação no discurso vigente, feito a crença moral de que os indivíduos devem fazer apenas “a sua parte”. Esquece-se assim que a parte expressa as necessidades do todo, e que uma pessoa também acumula em si as vontades historicamente nela determinadas.

Palavras-chave: meio ambiente, fragmentação, pseudopro-blema, historicidade

é infinito, detalhadamente incalculável. É o que se pode traduzir por espí-rito. O mais vil humano ainda é maior que uma coisa, qualquer coisa. Dizer, no entanto, que uma camisa vale infinitamente menos do que aquele que a veste não basta. A diferença entre um homem e uma coisa por certo existe, mas não pra muitos. A camisa não vai saber qual é, claro. Entretanto, uma pessoa esquecer-se disso é ignorar justamente a competência que lhe quali-fica, que veste o ser de seu caráter humano. Esquecimento ou abandono, há aí duas formas extremas de se fazer desumanidades consigo e com os outros: reduzindo o homem à condição de coisa; ou elevando-o acima de todas as coisas, como se tudo e todos não pertencessem a uma grande história cole-tiva, e o indivíduo não tivesse nenhuma característica comum aos semelhantes da mesma cultura, nem absolutamente nada em relação ao meio-ambiente em que vive e viveu. O que há de trivial entre a pequenez e a soberba hoje se disfarça no lugar comum do marketing ecológico em defesa do

meio-E

m agosto de 2004, escrevi, num poema, que a grandeza de uma pedra está no seu tamanho, mas no ser humano não. Por menor que seja, ele

Will Goya

MEIO AMBIENTE

(2)

ambiente: a crença e má-fé de que meio-ambiente não é mais que o verde das árvores, plantas etc, o azul dos rios e mares, o colorido dos répteis, anfíbios, outros, mais a invisibilidade do ar e dos microorganismos. Todavia, há duas perguntas: ...e a cultura, física e abstrata, as casas e edifícios, o universo mental e mundial das redes de TV e computadores, o trânsito e os estádios de fu-tebol lotados de gente, violência, amor e ansiedades? Isso tudo que nos per-passa e envolve acaso seria menos importante ou menos meio-ambiente? Acho que muitos confundem meio-ambiente com a metade de um ambiente.

Com excesso, há muitos livros e discursos já bem conhecidos sobre a barganha do ser pelo ter, que retalhou a unidade do espírito no sofrimento de farrapos humanos, uns por ter, muitos por não ter, mas quase todos pela escolha de não se serem... Desde os antigos filmes americanos, onde nascer era ser igual e as exceções sempre eram corrigidas com a magia da vontade de vencer, até o cinema atual, em que os bandidos são charmosos e a bruta-lidade é apenas um combustível de diversão, o marketing provou ser, à maioria das pessoas, o valor mais importante de que o ser humano é capaz. Marketing pessoal virou sinônimo de personalidade própria. Nada mudou, aparente-mente. As análises freudo-marxistas da contra-cultura (Erich Fromm, Marcuse, Adorno etc) foram recicladas, diminuídas, falseadas e envernizadas com aquilo que faz o ouro brilhar. Viraram frases doces, bonitas, de efeito e auto-ajuda, contra o materialismo, feito mel no gume da faca. Hoje estão sendo vendidas para a nova geração de religiosos do amor-próprio e do sucesso profis-sional. Bom... é importante sempre dizer isso, mas eu estou cansado da repe-tição e não vou continuar.

Interessa-me mais tratar daquela segunda forma de desumanidade, maquiada em verde: o pseudodiscurso ecológico da fragmentação. Como fi-lósofo, quero publicar o oculto, não o que se esconde – ao contrário –, mas o que se nos escancara à face, quando estamos de olhos fechados. É que o ponto cego da moral dos covardes está em reduzir a complexidade da vida a somente dois lados: os bons e os maus, facilitando o entendimento e mentindo à si mesmos. Entre os totalmente bons ou totalmente maus existe contexto, difi-culdades de compreensão e julgamento, e uma história para ser ouvida, com várias versões. A lógica, que é um esforço de enfrentar argumentos diferentes, concluir e novamente rever as idéias, permanecendo no diálogo aberto, é maquiavelicamente substituída pelo conceito de óbvio. Funciona assim: “eu estou certo e quem discorda, é lógico que está errado!”. Confundir lógico com óbvio é pura maldade. De resto, na conveniência do artifício, o mundo cheio de problemas em que se vive é o inimigo, não o conjunto do qual o eu faz parte. Lembrando Sartre, “o inferno são os outros!”. Como dizem, este mundo está

(3)

perdido (não eu!). Ecologista, ou qualquer outro, que reclama das ações erra-das que existem no mundo, sem incluir no mesmo peso o julgamento da própria preguiça das reformas, do que afinal está falando? Quem ainda não conhece o filósofo espanhol Ortega Y Gasset, da primeira metade do século XX, pre-cisa saber o que ele diz: “eu sou eu e as minhas circunstâncias. Se não as salvo, não me salvo eu”. Viver é coexistir. Dentro e fora de mim são perspectivas da mesma realidade vivida. Fragmentar a vida é matá-la.

A parte sem o todo é uma abstração, uma licença teórica e temporária pra pensar melhor. Por exemplo: o que é um bolo de chocolate? Um conjunto de ovos, farinha de trigo, leite etc, ajuntados? Não, simplesmente. A mistura e o calor redefinem a dimensão do novo objeto. Não é mais um conjunto, é uma nova concepção em que mais importa o tipo, a intensidade, a fusão, o compro-metimento, a energia empregada etc da relação entre as partes do que o valor específico e isolado de cada uma. Neste caso, a diferença entre a mera soma de coisas e a existência de um objeto único e complexo se verifica também no sabor. E o que é um menino de rua? Que outra forma de concebê-lo sem avaliações psicológicas, fisio-orgânicas etc em relação direta com o tráfico de entorpecen-tes, a economia desajustada, a política nacional, a ausência de espiritualidade urbana etc etc? Um ser específico é uma forma específica de relação.

Como justificar os tantos frutos de uma árvore frondosa senão pela necessidade de sobrevivência ecossistêmica dela mesma frente aos animais, insetos que a fertilizam nas floradas e espalham suas sementes, garantido a continuidade da espécie? Dizer que uma floresta é o que é também depende de fatores políticos, pois se ela ferir interesses econômicos deixará de ser o que é. Ora, dito isso, a tradicional definição escolar de um vegetal lenhoso (se me lembro bem como aprendi na infância) – composto de caule, rami-ficações e folhagens bem à cima do solo, mais raízes –, não é mais suficiente para defini-la. Árvore é um conjunto de relações variáveis e interdependentes entre si mesmas e em relação ao meio externo, seja de natureza biológica ou artificial. E isso de tal maneira difícil de simplificar que qualquer um destes componentes, quando alterado, age de alguma forma sob os demais. Enten-dido assim, o ecossistema de uma floresta é mais que a quantidade isolada de plantas que nela habita. Logo, não posso simplesmente retirar ou plantar uma árvore, sem um estudo das considerações de impacto no meio-ambien-te em questão. Igualmenmeio-ambien-te, da mesma forma é que devo pensar quando tam-bém intenciono escrever um livro e ter um filho. Complicado?

Quem queima uma floresta inteira pra plantar capim e não vê preju-ízos rapidamente futuros no lucro da permuta, além de mau é burro. Crítica já bem conhecida. O que me preocupa é outra coisa, a falsa e perigosa idéia

(4)

que ouço muito: “a gente tem que fazer (exclusivamente) a nossa parte”, deixando o resto para o mundo dos outros. Se eu faço algo a respeito, cer-tamente é porque o meio em que vivo e o que as outras pessoas fizeram, de certo ou errado, me motivaram a isso, provocaram-me uma resposta pessoal. Com honestidade, é a crise do mundo que fala através do meu sofrimento e, pela minha inteligência e vontade, busca uma solução conjunta. Qual-quer solução é o acúmulo de toda a história do pensamento que evoluiu a sociedade e me educou, permitindo-me hoje pensar como penso.

Não existem ações isoladas, existem consciências tacanhas e egoístas que vaidosamente privatizam as lutas coletivas e as conquistas da humani-dade, sem nenhuma gratidão. Estas se acovardam em seus pequenos gestos, grandes de orgulho. Crêem que a maior parte do que ainda há para ser feito pertence aos outros. Todavia, não descobriram que quando alguém dá o máximo de si, não faz apenas uma parte, faz tudo. O máximo da vida é tudo. Porque o amor é o que une os seres para o bem comum, quem atingiu pleno amor pela vida, alcançou o mundo inteiro. Momento em que um homem reconhece-se herdeiro, irmão e agente da humanidade.

Indivíduo e totalidade não se confundem, mas também não se sepa-ram: distinguem-se. Se tudo tem o seu próprio tamanho, é bom não esque-cer, como a poucos é sabido: o todo é maior que a soma das partes que o constituem. O todo é integração, sempre maior que tudo. Não é de pedaços que um homem é feito, salvo é claro, o maldito Dr. Frankenstein. Razão disso, também o “meio” ambiente não é apenas o colorido verde das matas não-urbanas desenhado no marketing ecológico, mas tudo o que existe em minha volta, inclusive eu. ‘Meio-ambiente é tudo o que me permite pelo lado de fora definir meus limites internos, quem eu sou, e ao mesmo tempo me força o livre-arbítrio a tomar decisões que afetarão meu lado externo’. Como um desejo ao seu propósito, pensar é causar, viver é coexistir. Resol-ver problemas é atualizar as mudanças da história.

Eu e(m) meu meio, como assim me definindo, peço a Deus que eu seja ao mundo como um pomar. Dar muitos frutos, sem olhar a quem, pela simples necessidade em ser generoso, conforme me ensinou a natureza das plantas e dos bons homens. Que eu possa ainda doar-me tanto que não saiba mais quem é o autor da doação, senão a vida que se dá a todos nós. Ser por inteiro e não meio ambiente.

Abstract: exactly that the ecological paradigm is systemic in nature, is common the use of mechanist thoughts, with models of fragmentation in

(5)

the current discourse, made the moral belief of that the individuals must only make “its part”. The part is forgotten express as soon as the needs of the whole, and that a person also accumulates in itself wills it historically determined.

Key words: environment, fragmentation, systemic thinking

WILL GOYA

Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Goiás. Filósofo clínico pelo Instituto Packter/POA.

Referências

Documentos relacionados

[r]

Neste tipo de situações, os valores da propriedade cuisine da classe Restaurant deixam de ser apenas “valores” sem semântica a apresentar (possivelmente) numa caixa

Analysis of the saliva proteome from patients with head and neck squamous cell carcinoma reveals differences in abundance levels of proteins associated with

Numa primeira fase do trabalho pretendeu-se verificar, através de simulação eletromagnética no software FEKO, como variavam a frequência de ressonância, a impedância de entrada,

instrumentos técnicos mais adequados e para decidir das estratégias concretas a pôr em prática". O Relatório de Estágio apresenta-se então como um documento

Esta desconfiança pode ser resultado de uma experiência passada com os genéricos, na qual o utente experimentou alguma reação adversa (possivelmente devida a algum

Este estágio despertou-nos para a realidade profissional e a importância do papel do farmacêutico como profissional de saúde, contribuindo, não só para a

Este sistema, resultante da colaboração entre a Glintt e o sector farmacêutico, permite não só realizar todos os processos inerentes ao normal funcionamento da farmácia,