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REGIONAL INTEGRATION THEORIES AND THE SUBNATIONAL STATES

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Academic year: 2019

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As teorias de integração

regional e os Estados

subnacionais

REGIONAL INTEGRATION THEORIES

AND THE SUBNATIONAL STATES

Resumo Este ensaio faz uma revisão das principais correntes teóricas das relações in-ternacionais buscando um instrumental teórico adequado para analisar a participação de um Estado subnacional num processo de integração regional.

Palavras-chaveINTEGRAÇÃOREGIONAL – INTERGOVERNAMENTALISMO – NEO-FUNCIONALISMO – INSTITUCIONALISMO – TEORIASDERELAÇÕES INTERNACIO-NAIS – ESTADOSSUBNACIONAIS – UNIDADESSUBNACIONAIS.

AbstractThis essay reviews the main international relations theories in search of an adequate theoretical instrument to analyze the participation of a subnational State in a regional integration process.

KeywordsREGIONALINTEGRATION – INTERGOVERNMENTALISM – NEOFUNCTIO-NALISM – INSTITUTIONALISM – INTERNATIONAL RELATIONS THEORIES –

SUBNATIONALSTATES – SUBNATIONALUNITS.

MARCELO PASSINI MARIANO Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (CEDEC), São Paulo/SP marcelo-mariano@uol.com.br

(2)

I

NTRODUÇÃO

s processos de integração regional são impulsiona-dos pelos Estaimpulsiona-dos e fazem parte de sua lógica estra-tégica, no entanto, à medida em que evoluem, ge-ram impactos que vão além dos governos nacionais participantes, influenciando o conjunto da socieda-de e especialmente as unidasocieda-des governamentais subnacionais, como as prefeituras e os governos es-taduais. O Mercosul não foge a essa regra. Verifica-mos na atualidade uma preocupação crescente por parte de governadores e prefeitos brasileiros que têm seu cotidiano alterado em conseqüência de decisões tomadas pelas instituições desse processo.

Além da dificuldade de adaptação a decisões sobre as quais muitas vezes não possuem capacidade de influência, essas instâncias governa-mentais se deparam com um outro desafio: como intervir de forma efi-ciente dentro do cenário internacional, tanto no âmbito regional quanto frente à globalização, se ainda não são reconhecidos como atores desse contexto.

No cenário internacional recente – marcado pelas tendências de globalização e de integração regional, assim como de democratiza-ção da gestão governamental –, é fato que os governos subnacionais passaram a ter maior relevância, inserindo-se como atores também no campo das relações internacionais, haja visto as experiências des-ses governos no processo de integração regional da União Européia e da América Latina.1

Essa ampliação da atuação dos governos subnacionais ocorre de di-ferentes modos (exercendo funções de coordenação, articulação, nego-ciação, mobilização e indução dos agentes envolvidos no processo de in-tegração regional) e com intensidade variável. No caso brasileiro, os Es-tados do sul do país, devido à proximidade geográfica, sofrem de forma mais intensa os efeitos da integração regional e possuem maior necessi-dade de adequação a esse novo desafio.

O Estado subnacional é uma organização formal com limites ter-ritoriais, população e funções definidas. “Da perspectiva adotada aqui, o Estado subnacional pode ser visto como um conjunto de elementos in-terdependentes, que integram e fazem a alocação de valores em dada so-ciedade”.2 Ao mesmo tempo, o Estado subnacional é integrante de um

sistema mais amplo, o nacional, que o limita e influencia nessa função. Entendemos que essa esfera estatal está inserida em um sistema mais amplo, sendo, portanto, subsistema político que contribui para a realiza-ção dos objetivos desse sistema. Ao pensarmos numa lógica sistêmica,

1 FUNDAP-CEDEC-PUC, 1998, p. 3. 2 Ibid., p. 3.

O

O

O

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devemos lembrar que o comportamento de uma esfera afeta necessariamente o funcionamento do sistema como um todo.3

Em princípio, portanto, a esfera subnacio-nal é um meio para que o sistema como um todo alcance suas finalidades e as defina. Seu objetivo é prestar serviços à população a que ele se refere, mas também incorpora tarefas que beneficiam o sistema federal e geram produtos políticos.

No Brasil, essa lógica é marcada por uma tendência centralizadora que restringe o grau de autonomia do sistema estadual. A Constituição Federal de 1988 introduziu mudanças nesse ce-nário, ainda não incorporadas plenamente ao fun-cionamento desse sistema. Na verdade, está em discussão a relação entre as esferas nacional e es-tadual e suas respectivas atribuições.

No tocante à política externa e à integração regional, agrega-se a esse cenário um outro ele-mento desconsiderado até o moele-mento: os Esta-dos subnacionais não são consideraEsta-dos pelo di-reito internacional público como atores válidos desse sistema. Portanto, sua participação deve ser realizada por meio das instituições federais com-petentes.

Analisar a participação de um Estado sub-nacional num processo de integração regional ou numa negociação internacional esbarra no pro-blema de qual é o instrumental teórico mais ade-quado para tratar dessa questão, sendo ele uma novidade recente nos estudos e teorias de rela-ções internacionais.

Analisaremos neste ensaio as principais correntes teóricas que abordam o fenômeno da integração regional para iniciar a discussão sobre quais instrumentos analíticos poderiam ser utili-zados.

O

S

D

IFERENTES

E

NFOQUES

A análise de um processo de integração re-gional pode ser feita sob duas óticas: a realista e a idealista.

Na primeira, pensa-se o Estado como um ator único com interesses definidos e, de certo modo, constantes. Os diferentes atores e

interes-ses presentes no campo nacional tendem a perder importância nessa perspectiva. Há uma grande dificuldade para incorporar em suas análises a atuação de um Estado subnacional.

Essa ótica, também conhecida como para-digma Estado-cêntrico, coloca os Estados como atores centrais da política mundial, fazendo uma divisão entre a alta política (questões de defesa, conflitos, política externa etc.) e a baixa política

(questões econômicas, sociais etc.). As questões da alta política são hierarquicamente mais impor-tantes e, assim, a baixa política é posta em segun-do plano. Os Estasegun-dos nacionais são vistos como atores racionais que operam num ambiente inter-nacional anárquico caracterizado pela luta em torno do poder. Isso faz do conflito o aspecto dominante deste paradigma.4

O principal formulador destes traços repre-sentativos do enfoque Estado-cêntrico nas rela-ções internacionais foi Hans Morgenthau, em sua obra Politics Among Nations, tido por muitos autores como o pai do realismo político.

Anos mais tarde, Keneth Waltz, em Theory of International Politics, sistematizou o que veio a ser chamado de neo-realismo ou realismo estru-tural. Esse enfoque assume os pressupostos de Morgenthau, mas apresenta como principal dife-rença em relação ao realismo o fato de consistir num esquema teórico rigorosamente construído baseado na teoria sistêmica da política internacio-nal. Isso possibilitou ao neo-realismo não sofrer as críticas comumente feitas ao realismo, relativas à falta de um instrumental analítico capaz de sus-tentar seus pressupostos.5

O paradigma Estado-cêntrico é conhecido como o modelo clássico das relações internacio-nais ou, ainda, como modelo do ator racional. Esse agente racional, o Estado nacional, possui fins e objetivos (segurança nacional, interesses na-cionais etc.) que devem ser adequados às opções ou aos cursos de ação possíveis. As conseqüências das opções tomadas são avaliadas tendo em conta os custos e benefícios para o alcance de um ob-jetivo. A escolha racional orienta a ação do

Esta-3 Ibid., p. 3.

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do em busca da maximização dos valores com vistas à realização dos objetivos.6

Pensar a integração regional sob esta ótica é possível, mas esbarra no nível de aprofundamen-to do processo. Esta perspectiva preserva a inte-gridade do conceito de Estado nacional. Portan-to, a integração só pode ser pensada como uma alternativa possível num sistema mundial incerto desde que não crie estruturas supranacionais. É entendida como uma opção temporária do Esta-do face às suas dificuldades de inserção interna-cional. É uma visão mais estática das relações in-ternacionais, não entendendo o Estado e a própria integração enquanto fenômenos em processo. A integração européia é a principal experiência histó-rica que colocou em questão esse tipo de análise.

A perspectiva realista proporciona maior dificuldade para analisar as mudanças acontecidas na política mundial atual, principalmente quando os focos são a cooperação, a ascensão das relações transnacionais e o surgimento de novos atores no sistema internacional. No entanto, permanece como um instrumento central para entender a questão dos conflitos e de disputa de poder nesse cenário.

No caso da ótica idealista, as experiências de cooperação podem ser abordadas partindo-se do pressuposto de que a cooperação entre Esta-dos tende a minimizar o risco de conflito. Nesse sentido, todo processo de integração regional é, em princípio, um tipo de cooperação entre Esta-dos visando regulamentar ou ordenar o contexto internacional. É uma estratégia para melhorar a capacidade individual de lidar com problemas que, isoladamente, não conseguiriam ou enfren-tariam maiores dificuldades.

A cooperação possibilita o estabelecimento de objetivos comuns entre os Estados, conside-rando tanto as pressões nacionais quanto inter-nacionais sobre eles, e permite a constituição de normas e estruturas no seio das quais acordos po-dem ser concretizados. Facilitaria, também, a cria-ção de consenso entre os atores sobre os com-portamentos aceitáveis a serem compartilhados por todos ao promover maior intercâmbio de

in-formações, sendo este um elemento essencial na cooperação, pois ajuda na adoção descentralizada de regras e no estabelecimento de padrões de de-sempenho a serem supervisionados.

As teorias sobre integração regional, em ge-ral, aceitam o pressuposto de Kant sobre a pos-sibilidade de estabelecer em um sistema funda-mentado no estado de natureza algum arranjo institucional promotor da paz. Os Estados têm o dever de sair dessa situação e

fundar uma federação de Estados, segundo a idéia de um contrato social originário, ou seja, uma união dos povos por meio da qual eles sejam obrigados a não se intrometer nos problemas internos uns dos outros, mas a proteger-se contra os assaltos de um inimigo externo; essa federação não institui um poder soberano (...), mas assume a figu-ra de uma associação, na qual os componen-tes permanecem num nível de colaboração entre iguais.7

A integração regional é mais ampla que a cooperação internacional porque pode resultar em novas unidades ou entidades políticas ou, ainda, em uma mudança nessas últimas.8 É a

re-presentação dessa alteração, ao criar algo novo em que pode haver uma transferência formal ou informal de poder decisório para sua estrutura institucional. A integração regional, portanto, não se restringe à esfera governamental ou à co-operação intergovernamental, atinge a sociedade como um todo, gerando interações que fogem ao controle estatal entre grupos de interesse e re-presentantes das sociedades.

A cooperação pode ser uma estratégia con-textualizada e ser abandonada de acordo com a conveniência, enquanto a integração regional é menos flexível. Abandoná-la pode gerar resistên-cias e altos custos para os governos – desde que o processo tenha atingido um determinado patamar de interação entre as sociedades envolvidas –, es-pecialmente quando sua estrutura institucional ga-nha autonomia e legitimidade.

6 ALLISON, 1988.

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Um dos desdobramentos da perspectiva idealista é o enfoque que analisa a ação do Estado na esfera internacional como resultado da ação interna, em que diversos grupos e atores intera-gem e disputam entre si o poder para definir ou influenciar a política externa estatal, assim como seus interesses e objetivos. É um entendimento oposto à idéia desenvolvida pelo paradigma Esta-do-cêntrico, para o qual os Estados são os prin-cipais e únicos atores da política internacional.

Um dos primeiros autores a desenvolver este tipo de análise foi Richard Snyder,9 que na

década de 60 concluiu que o Estado se define pe-los seus órgãos decisórios. Assim, para explicar o comportamento do Estado, é necessário enten-der como esses órgãos definem a situação na qual atuam.

O mesmo tipo de enfoque foi utilizado por Dean G. Pruitt,10 para quem o comportamento

de uma nação pode ser reduzido ao comporta-mento dos formuladores de decisões em política externa. As decisões desses atores são derivadas da definição que fazem a respeito da situação in-ternacional tendo por base: 1. as predições sobre o comportamento futuro de outras nações, 2. as percepções das características básicas de outra nação; e 3. as concepções apropriadas para relaci-onar-se com outra nação.

Nesse ponto, é possível abordar os Esta-dos subnacionais como um Esta-dos atores domés-ticos possíveis. Porém não há uma formulação teórica específica para eles, com conceitos e pressupostos que levem em conta sua especifici-dade: são parte do aparelho estatal, mas não são uma instância burocrática apenas, porque possu-em capacidade decisória, ainda que restrita.

A A

SCENSÃODE

N

OVOS

A

TORES

Robert Keohane e Joseph Nye Jr.11

busca-ram desenvolver um enfoque teórico que acentu-asse a emergência dos atores transnacionais na política mundial, questionando os fundamentos do realismo e do neo-realismo.

Esses autores afirmam que a ascensão das relações transnacionais produz cinco conseqüên-cias para as relações interestatais:12 1. mudança de

atitudes em atores dentro dos Estados; 2. pro-moção do pluralismo internacional através do re-lacionamento entre grupos de interesse nacionais em estruturas transnacionais; 3. criação de depen-dência e interdependepen-dência limitando a ação do Estado nacional; 4. criação de novos instrumen-tos de influência; e 5. surgimento de atores com política externa privada, o que pode provocar al-guma oposição em relação às políticas dos Esta-dos ou aos seus interesses.

Não descartavam a atuação dos governos como sendo os principais atores nas relações in-ternacionais, mas acrescentavam a maior relevân-cia que as organizações transnacionais assumi-ram. Assim, amplia-se a quantidade e a qualidade dos atores que apresentam condições de influen-ciar, de algum modo, a política internacional.

A crítica feita a esse modelo é que os go-vernos sempre prevalecem numa confrontação com atores transnacionais. Keohane e Nye Jr.13

contra-argumentam afirmando que essa afirma-ção apenas focaliza uma situaafirma-ção limite, ou seja, casos extremos de confrontação direta entre go-verno e um ator não-governamental. O impor-tante não é saber quem ganha numa confronta-ção, mas identificar os novos tipos de negociação que, empiricamente, estão presentes nesse tipo de relacionamento e, por conseguinte, têm limi-tado a ação dos governos nacionais.

O fenômeno da ascensão das organizações transnacionais provoca uma maior complexidade aos assuntos referentes à política internacional, em que questões antes entendidas como do-mésticas ligam-se a questões relativas à política mundial, mudando o leque de atores envolvidos e fazendo com que a ação dos governos se altere em virtude da nova disposição de forças. Desse modo, a distinção antes feita pelo paradigma Es-tado-cêntrico entre alta e baixa política não se adapta à nova situação.

9 SNYDER et al., 1963. 10 PRUITT, 1970.

11 KEOHANE & NYE, 1981.

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A interdependência é um conceito típico ideal para explicar as relações entre Estados como algo que ultrapassa as disputas baseadas em ques-tões de força e segurança. O poder permanece como um elemento importante e até central nes-sa análise, porém incorpora outras esferas – eco-nômica, social, ambiental etc. – além da mera-mente militar.14

“A interdependência refere-se a situações caracterizadas por efeitos recíprocos entre países ou entre atores em diferentes países”,15 não

abar-cando necessariamente as relações entre os Esta-dos como um todo e podendo concentrar-se em um aspecto. Este, contudo, influencia a relação como um todo. Outra característica da noção de interdependência é seu aspecto restritivo: é um fenômeno localizado numa região ou na relação entre dois países, não tendo um efeito difundido, como ocorre no caso da globalização, que tem impacto sobre todos os continentes.

Na teoria da interdependência,16 as relações

entre os Estados ocorrem de acordo com um conjunto de regras, normas e procedimentos que regulamentam seus comportamentos e contro-lam seus efeitos. Essas regucontro-lamentações são os regimes internacionais, entendidos tal como fo-ram definidos por Krasner – como princípios, normas ou regras e procedimentos de decisão em relação aos quais convergiriam às expectativas dos atores.17

Essa idéia de regime supõe alguma forma de regulação com um mínimo de aceitação por parte dos países e de obediência às regras acorda-das por eles. É a suposição de que um grupo de atores teria capacidade para definir procedimen-tos a partir de um consenso mínimo específico, no qual a negociação faz parte de uma lógica co-operativa cujo objetivo é a resolução de proble-mas.

Por trás do conceito de regime internacio-nal está implícita a idéia dos Estados como inca-pazes de resolver ou administrar certas questões

de forma isolada, porque a solução estaria fora de seu alcance decisório – como no caso dos proble-mas ambientais, com origem fora do território nacional – ou porque o Estado não pode arcar so-zinho com os custos da solução. “Cada vez mais, os países estão sendo obrigados a aceitar que, em certos campos, a soberania deve ser exercida co-letivamente.”18

Essa limitação na capacidade de solucio-nar autonomamente determinados problemas é um forte estímulo para os países cooperarem, inclusive no caso do Mercosul, cujos partici-pantes optaram pela integração quando perce-beram essa alternativa como uma possível saída para suas dificuldades, no final dos anos 80, em conseqüência da forte crise financeira do mer-cado internacional, que provocou impactos ne-gativos sobre a América Latina como um todo. Um ponto fundamental para entender essa reformulação das estratégias governamentais de intervenção internacional foi a multiplicação dos fenômenos de interdependência, com seus obje-tivos domésticos e externos, assim como os inte-resses governamentais interligados. A interde-pendência influencia os interesses nacionais, que passam a pressionar as esferas governamentais em busca de sua satisfação.19 Ao mesmo tempo,

restringe a capacidade governamental de contro-lar e responder aos eventos de seu interesse, pois muitas vezes eles resultam de políticas de outros Estados.

Uma vez que a autonomia dos Estados está parcialmente limitada pelo fenômeno da interde-pendência, surge um dilema para os formuladores e tomadores de decisão: reafirmar a soberania es-tatal por meio de decisões unilaterais ou formar instituições multilaterais e a elas aderir. “A sobe-rania – princípio pelo qual o Estado tem autori-dade suprema sobre todas as questões atinentes a seu domínio territorial – é a pedra angular do atu-al sistema interestatatu-al.”20

14 Idem, 2000. 15 Ibid., p. 105. 16 Idem, 1989. 17 KRASNER, 1993.

18 COMISSÃO SOBRE GOVERNANÇA GLOBAL,

1996, p. 52.

19 MORAVCSIK, 1994.

20 COMISSÃO SOBRE GOVERNANÇA GLOBAL,

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Algumas teorias passaram a defender a abolição do pressuposto Estado-cêntrico das aná-lises de relações internacionais por considerarem esse conceito muito ligado à idéia de centraliza-ção da autoridade, bastante questionada em con-seqüência do crescimento da interdependência. Outras correntes ainda sustentam a utilização do conceito de soberania, pois diferenciam o Estado das idéias de soberania e territorialidade, definin-do-o como uma estrutura de autoridade política com funções de governança sobre um povo ou espaço. A regulação e reprodução dessa estrutura autoritária pode ou não estar centralizada num único ator:21

o princípio da soberania e as normas que dele emanam devem sofrer adaptações a fim de levarem em conta as novas reali-dades. Os Estados continuam a desem-penhar importantes funções e devem dispor de poderes para cumprir essas funções com eficácia. Mas estas preci-sam se fundamentar no consentimento constante e na representação democrá-tica do povo.22

A internacionalização da autoridade políti-ca possui duas implipolíti-cações na teoria de relações internacionais: aponta para a transformação gra-dual e estrutural do sistema de Estados de Wes-tphalia, passando de mútuo reconhecimento para algum tipo de autoridade, e também para a ten-tativa de solucionar problemas de ação coletiva internacional por meio da criação de identidades coletivas entre as nações, criando um novo pro-blema, que é fazer isso democraticamente.23

Esse novo tipo de relacionamento entre Es-tados limitaria a autonomia política de cada um, mas não ameaçaria a sua soberania formal, porque sua adesão a um ou mais acordos internacionais está inserida nas atribuições de uma nação sobe-rana. Quando os governos assim o fazem, estão reduzindo sua própria liberdade de ação, tendo como contrapartida limitações similares por

par-te de seus parceiros. Ou seja, os governos criam uma cooperação ao aceitar a limitação de sua so-berania operacional, para poder atingir resultados assegurados pela ação dos demais.

A restrição da autonomia é um ônus para os atores envolvidos em uma relação de interde-pendência. De acordo com o poder de cada um e a natureza da relação, serão especificados os cus-tos e os benefícios, assim como a sua distri-buição. Do ponto de vista de Keohane e Nye,24

as relações de interdependência sempre implica-rão em ônus para os envolvidos, não sendo pos-sível especificar se os benefícios do relaciona-mento serão maiores do que seus custos; nada ga-rante que as relações de interdependência signifi-quem benefícios mútuos e eqüitativos, pois eles são desconhecidos a priori. Além disso, as rela-ções de interdependência são geralmente assimé-tricas.

A interdependência assimétrica descreve a realidade das relações internacionais: os partici-pantes sofrem com freqüência limitações, mas, devido à posse de instrumentos mais efetivos, à maior capacidade de projetar poder e a um grau menor de vulnerabilidade, um Estado pode se co-locar dentro do relacionamento de forma mais poderosa e repassar assimetricamente parte de seus custos para o(s) seu(s) parceiro(s).

Para melhor entender esse poder na inter-dependência é preciso diferenciar duas dimen-sões: sensibilidade e vulnerabilidade.25 Supomos

que todos os atores internacionais são sensíveis e vulneráveis aos fatores externos, porém a inten-sidade com que tais fatores externos os atingem é bem diferenciada. Um ator pode ter pouca ou muita sensibilidade, ou vulnerabilidade, o que

de-21 WENDT, 1994.

22 COMISSÃO SOBRE GOVERNANÇA GLOBAL,

1996, p. 53.

23 WENDT, 1994.

24 KEOHANE & NYE, 1989.

25 Os conceitos de vulnerabilidade e sensibilidade são mais

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penderá de algumas de suas características parti-culares.

A sensibilidade é diferente da vulnerabilida-de, manifestando-se quando alguma alteração no panorama externo provoca reações internas. A vulnerabilidade refere-se à capacidade (ou grau dela) de um ator de arcar com o ônus das mu-danças necessárias para enfrentar as alterações ex-ternas. Em termos de custos da dependência, a sensibilidade refere-se à obrigação de pagar o pre-ço imposto pelos efeitos exteriores antes que se-jam alteradas as políticas, enquanto a vulnerabili-dade está ligada à obrigação de um ator sofrer os custos impostos pelos eventos externos depois que as políticas foram alteradas.

A vulnerabilidade é um elemento impor-tante para entender a estrutura política do relacio-namento interdependente. O ator com menor vulnerabilidade aos efeitos externos possui maior poder de barganha nas relações internacionais porque possui uma vantagem: qualquer alteração no seu relacionamento pode representar para ele custos menores que para os demais parceiros.

A expansão dos blocos econômicos é, en-tão, um reflexo das pressões provocadas pela as-simetria de poder no plano internacional, aumen-tando os riscos econômicos e políticos dos países que permanecem fora dessa estrutura de blocos e solapando a possibilidade do país optar por per-manecer independente. Isso fez com que Estados em desenvolvimento, geralmente pouco propen-sos a investir em instituições internacionais, pro-curassem apoiá-las.

O Mercosul é outro exemplo relevante. Por um lado, os compromissos que as-sumimos limitam nossa capacidade de decidir unilateralmente – este é um re-sultado incontornável, e por vezes até desejável, do aprofundamento das rela-ções internacionais. Assim, arranjos como o Mercosul e a União Européia restringem a autonomia individual dos países que deles participam. Por outro lado, além dos benefícios que advêm desses processos nos campos econômi-co-comercial, político, social e cultural,

eles aumentam nossa capacidade de agir de forma autônoma, e com maior peso, em nossas relações com o resto do mun-do e até mesmo aqui nas Américas.26

Os processos de integração regional criam sempre alguma forma de institucionalização para coordenar seu desenvolvimento. O Mercosul não é uma exceção. Desde o início, montou uma estrutura decisória para a negociação entre seus participantes, sejam eles representantes do setor estatal ou do privado.

Há uma distinção entre instituição multila-teral e processo de integração regional, pois em-bora o último seja uma instituição internacional multilateral, sua finalidade é bem diferente. Uma instituição multilateral é criada para viabilizar uma determinada finalidade – promoção da paz, controle nas relações econômicas etc. – garantin-do previsibilidade nas relações entre nações para um determinado aspecto. Um processo de inte-gração regional, no entanto, ultrapassa esse obje-tivo, ao pressupor alterações nos Estados partici-pantes e não somente a cessão de soberania, mas a possibilidade de criação de um poder suprana-cional.27

Em resumo, temos que a existência da in-terdependência afetou a política internacional e o comportamento das nações, significando para o Estado uma perda de seu status de ator domi-nante, e praticamente único, da política mundial; o poder estatal foi obscurecido pelo surgimento de novos atores internacionais, como as corpo-rações multinacionais, os movimentos sociais transnacionais e as organizações internacionais. Todavia, apesar de sua existência, os Estados permanecem como os únicos capazes de con-trolar e regular as relações transnacionais e inte-restatais.

T

EORIA

N

EOFUNCIONALISTA

A teoria neofuncionalista foi utilizada para explicar processos de integração, principalmente

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o europeu, no seu início. Para os neofuncionalis-tas, integração “significa o processo de transfe-rência das expectativas excludentes de benefícios do Estado-nação para alguma entidade maior”.28

Isso ocorreria quando todos os tipos de atores “parassem de se identificar e os seus benefícios futuros inteiramente com seus próprios gover-nos nacionais e suas políticas”.29 Essa nova

iden-tificação, no entanto, não é entendida como uma tentativa de estabelecer um novo modo de vida, mas de garantir a continuidade de um velho.30

Haas31 identifica quatro motivações básicas

para uma integração regional:

• desejo de promover a segurança numa dada região, realizando a defesa conjunta contra uma ameaça comum;

• promover a cooperação para obter desenvol-vimento econômico e maximizar o bem-estar; • interesse de uma nação mais forte em querer controlar e dirigir as políticas de seus aliados menores, por meio de persuasão, de coerção ou de ambos;

• a vontade comum de constituir a unificação de comunidades nacionais numa entidade mais ampla.

Esse autor reconhecia que nem todas as alianças regionais resultam em integração de mercado. A integração poderia se traduzir numa força armada unificada mais ampla, capaz de deter um inimigo que, isoladamente, não se-ria possível barrar. Essa era uma preocupação presente nos primórdios da União Européia, cujos integrantes sentiam-se ameaçados pela União Soviética. Contudo, com o fim da Guer-ra Fria, esse tipo de motivação (temor de um ataque militar) foi perdendo espaço para uma nova forma de ameaça: a competição econômi-ca dentro de um mundo globalizado.

De acordo com a teoria neofuncionalista, os processos de integração seriam impulsionados

a partir de um núcleo central – chamado funcio-nal – formado pelos governos que dão início às negociações, por serem atores com capacidade e poder para assumir um compromisso desse tipo e fazer com que a sociedade o respeite. Em outras palavras, a integração é impulsionada pelo núcleo funcional constituído pelos governos e as buro-cracias especializadas para formular sua estratégia política. A capacidade decisória estaria concentra-da nesses atores.

Tendo como ponto de partida a iniciativa burocrático-estatal, o processo iria se esparra-mando (spillover) para a sociedade, criando uma dinâmica de reações, demandas e respostas. A idéia contida no conceito de spillover32 é a de

que a integração, ao se aprofundar, mobiliza grupos de interesses existentes na sociedade contra ou a favor do processo. A sociedade não se limita apenas a respeitar os acordos feitos en-tre os governos, buscando formas de melhor intervir e participar das negociações. Esse inte-resse proporciona ao processo de integração uma dinâmica própria, tornando-o menos de-pendente da vontade política dos governos.

O spillover supõe a existência do núcleo funcional com capacidade autônoma de provocar estímulos integracionistas, incorporando, ao lon-go do tempo, novos atores e setores relevantes.33

Esse fenômeno ocorre quando políticos e elites percebem que a integração pode produzir mais benefícios econômicos do que sacrifícios e ten-tam por isso influenciar suas instituições centrais. O núcleo funcional atrai apoio e amplia o processo ao passar para os políticos e para as eli-tes dominaneli-tes essa percepção positiva da coope-ração. A conversão de grupos anteriormente in-diferentes ou hostis à integração para a posição de defensores resulta dos sucessos alcançados que, por sua vez, reforçam o entusiasmo,

apre-28 HAAS, 1964, p. 710. 29 Ibid., p. 710. 30 HAAS, 1963. 31 Idem, 1956.

32 O termo spillover não possui uma tradução teórica

especí-fica; por isso será sempre usado em inglês; seu significado está ligado à idéia de derramamento, de algo que começa num determinado ponto e transborda.

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sentando maiores expectativas e novas demandas, fatores que são mobilizadores do processo. 34

Diante do aumento de interesse dos grupos organizados, a teoria neofuncionalista conclui que o spillover pressiona pela criação de uma bu-rocracia voltada para administrar as questões re-ferentes à integração, de preferência com caráter supranacional, pois dessa forma poderia aparar diferenças nacionais e entre os diversos grupos setoriais que se sentem ameaçados. Soluções de cunho regional facilitariam a aplicação de políticas compensatórias, ao diluir os custos das mesmas no conjunto do bloco econômico, apesar de exigir maior capacidade de coordenação e cooperação entre os países. Ou seja, o spillover influencia a es-trutura institucional ao explicitar sua incapacidade de atender às novas demandas e realidades.

O spillover pode ocorrer de forma au-tomática se o entendermos como algo que ocorre porque os atores participantes tomam determinadas decisões políticas para beneficiar coletivamente seu bem-estar econômico. O au-tomatismo não implica ausência de conflito, de dificuldades nas negociações e retrocesso tempo-rário no processo; sugere, apenas, que esses ele-mentos levarão a futuras decisões adaptativas.

Em uma sociedade, existe uma multiplici-dade de valores e interesses que não são necessa-riamente homogêneos ou aceitos por todos. O posicionamento e a opinião de um ator perante um tema são determinados pelos grupos com os quais se identifica (e seus respectivos valores) e pelos demais membros de seu grupo, especial-mente as lideranças, que funcionam como catali-sadores de preferências já existentes.35

A racionalidade de uma ação é determinada por interesses materiais (o indivíduo opta ou age como um consumidor utilitarista, pensando em obter o máximo benefício com o menor custo) e por valores que chamaremos de culturais, deter-minados pelos diferentes papéis que os indivíduos

exercem no interior de uma sociedade e que nem sempre são coerentes entre si.

No caso dos Estados, seus valores e inte-resses são determinados pelo conjunto de valores dos diversos grupos existentes em sua sociedade. Cada grupo possui uma ideologia formada pelos valores compartilhados por seus membros. Quando eles são transformados em ações, tor-nam-se interesses. Portanto, quando diferentes grupos compartilham os mesmos interesses, na verdade estão compartilhando uma série de valo-res que lhes permite a aproximação e a coopera-ção, embora possuam e persistam diferenças en-tre eles.

A cooperação também possibilita uma aco-modação entre as perspectivas e as conveniências dos participantes. Para Haas,36 os interesses

pre-sentes em uma sociedade ou defendidos por um Estado não são permanentes, alterando-se ao longo do tempo e de acordo com as mudanças ocorridas no interior das elites e dos grupos or-ganizados. Há, assim, uma amenização dos con-flitos e uma limitação natural ao uso da força, porque as divergências podem se acomodar ao longo do tempo. Segundo esse autor, as decisões ou opções dos atores variam de acordo com suas aspirações, mas também conforme o contexto no qual os indivíduos estão envolvidos.

De modo geral, todos os grupos pertencen-tes a um país compartilham os chamados valores nacionais, intimamente ligados à cultura prepon-derante e presentes na sociedade, considerada como o elemento central da identidade dos indivíduos a ela pertencentes. Essa idéia é funda-mental para a noção de Estado-nação, pois per-mite pensar o Estado como uma associação que pretende preservar a ordem para todos os grupos de interesse existentes em seu interior e cujas re-gras devem ser respeitadas por todos.

Para os Estados democráticos, as regras são determinadas ou resguardadas por um grupo de políticos (normalmente o partido ou aliança par-tidária que venceu a eleição) que atua conforme os interesses dos grupos que lhe dão sustentação, sem deixar de considerar o restante da sociedade.

34 Esse seria um movimento de realimentação, em que cada

objetivo atingido implica novas demandas, que por sua vez produzem mais realizações, e assim por diante.

(11)

Para Haas,37 as decisões políticas dos governos se

originam do casamento desses múltiplos interesses. A maior interação entre as sociedades po-deria influenciar as opiniões e percepções de seus cidadãos sobre sua realidade dentro do panorama nacional,38 ao mesmo tempo em que novos

mi-tos, símbolos e valores seriam criados comunitaria-mente, favorecendo a ação conjunta. Esses novos códigos valorativos de comportamento dariam le-gitimidade às mudanças sociais em andamento. Para os sindicatos europeus, por exemplo, os te-mores possibilitaram uma melhor articulação. Nesse caso, o apoio à integração foi feito sob uma condição defensiva: a integração deveria tra-zer benefícios e melhorar as condições de vida dos trabalhadores.

Os autores neofuncionalistas aceitam o pressuposto de que os diversos grupos organiza-dos presentes numa sociedade possuem interes-ses diferenciados em relação às questões de polí-tica externa. Segundo Haas,39 podemos classificar

esses grupos em cinco categorias, de acordo com o grau ou a intensidade de seu interesse e a pre-ocupação com essas questões:

• grupos permanente e diretamente ligados às questões de política externa, como exportado-res e importadoexportado-res, repexportado-resentantes de organiza-ções internacionais etc.;

• grupos cuja principal função é a realização de demandas nacionais, mas que também devem estar atentos ao cenário externo porque, em inúmeras ocasiões, a consecução de seus obje-tivos depende de resultados em negociações externas (por exemplo, centrais sindicais, as-sociações comerciais etc.);

• grupos interessados apenas nos problemas ge-rais da formulação de política externa, como é

o caso das organizações cívicas e educacionais etc.;

• grupos geralmente preocupados apenas com as questões domésticas, mas que ocasional-mente se interessam por uma determinada questão de política externa;

• grupos que somente se interessam por ques-tões internacionais em momentos de crise e emergências. Esse grupo engloba a maior par-te da população.

Essa classificação aponta para o fato de que a maioria da sociedade não se interessa pelos temas relativos à política externa, a não ser quando eles passam a ter implicações diretas em sua vida. Se olharmos para o caso do Mercosul, verificamos a veracidade dessa afirmação, pois conforme esse processo se aprofunda e origina impactos nos dife-rentes grupos e classes sociais, aumentam o interes-se e a preocupação da comunidade nacional em re-lação ao seu andamento e suas conseqüências.

O interesse de Haas40 pela questão da

inte-gração econômica reside na sua potencialidade de proporcionar conhecimentos sobre o processo de formação de comunidades no âmbito interna-cional. A verdadeira integração somente é possí-vel quando o critério subjetivo das expectativas de certas elites é satisfeito. Se as elites41 mais

im-portantes da região têm suas expectativas conver-gindo com as demandas e os benefícios decorren-tes da integração, surge uma mobilização que movimenta e sustenta o processo. Os estreitos vínculos entre elites ou importantes organizações nacionais (como partidos políticos, sindicatos, associações profissionais, organizações religiosas e outras instituições semelhantes) são essenciais para uma integração regional ampla.

Por outro lado, se os setores-chave (do nú-cleo funcional, especialmente) percebem ou acre-ditam que seus benefícios futuros com a integra-ção serão menores, o processo tende a retroceder, podendo haver desintegração.

Outro importante pressuposto da teoria neofuncionalista para o sucesso da integração é a democratização do sistema político. A existência

37 Ibid.

38 Um dos efeitos das relações transnacionais é o aumento da

sensibilidade entre as sociedades e, com isso, uma alteração no relacionamento entre os Estados. Essa ação sobre a sensibilidade das nações resulta na alteração dos comportamentos dos grupos domésticos constituintes de sua sociedade que, ao serem expos-tos ou entrarem em contato mais intenso com outras socieda-des, modificam suas formas de atuação e questionam coisas anteriormente aceitas e reconhecidas como válidas.

39 HAAS, 1956.

40 Idem, 1963.

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da democracia permite aos diferentes grupos so-ciais a participação no processo de integração, possibilitando o seu aprofundamento e facilitan-do a sua propagação e manutenção. A democra-cia, segundo os neofuncionalistas, é essencial para a ocorrência do spillover. Os neofunciona-listas acreditam que o spillover é obtido quando os governos são capazes de garantir a continui-dade dos ganhos para os segmentos beneficiados porque eles dão sustentação e apoio à integração. E, ao mesmo tempo, quando elaboram políticas compensatórias para os prejudicados, evitando sua mobilização e oposição, que poderiam criar empecilhos, dificultando o andamento das nego-ciações e limitando o seu aprofundamento.

Os grupos participantes devem receber compensações para equilibrar os possíveis efeitos deletérios da integração. Uma perspectiva futura de receber algo em troca do sacrifício presente es-timula o apoio de grupos inicialmente desfavore-cidos. Entretanto, essa situação somente pode se concretizar se os governos criarem um espaço institucional para a participação.

A teoria neofuncionalista supõe que a inte-gração econômica requer mais do que a remoção de barreiras administrativas e fiscais ao comércio, levando a uma politização do processo. “Integra-ção pode ser concebida como envolvendo a poli-tização gradual dos propósitos dos atores”.42

Politização é a ampliação da agenda de negocia-ção para temas desconsiderados anteriormente ou considerados não-pertinentes, significando maior delegação de soberania para o centro de-cisório da integração.

A conclusão lógica da teoria neofunciona-lista sobre o spillover é a da necessidade de criação de uma burocracia voltada para administrar as questões referentes à integração, de preferência com caráter supranacional. Isso permitiria aparar diferenças nacionais, e também entre os diversos grupos setoriais que se sentem ameaçados. Soluções de cunho regional facilitariam a aplica-ção de políticas compensatórias, ao diluir os cus-tos das mesmas no conjunto do bloco

econômi-co, apesar de exigirem maior capacidade de coor-denação e de cooperação entre os países.

Todo processo de integração, segundo a análise neofuncionalista, possui duas alternativas, ou tendências institucionais, no seu sistema de-cisório: a intergovernamental e a supranacional. A primeira

se dá pela presença de instrumentos decisó-rios onde os Estados participantes atuam através de representantes e onde não exis-tem instituições comuns que possuam po-deres acima dos Estados nacionais. A buro-cracia administrativa é reduzida e a dinâmica do processo gira em torno de um mínimo denominador comum. No caso da organi-zação supranacional, o relacionamento de interesses é mais amplo. Além dos repre-sentantes governamentais, incorpora-se ao processo outros atores relevantes das socie-dades envolvidas e a dinâmica decisória ten-de a adquirir mais autonomia com relação aos Estados nacionais. A burocracia admi-nistrativa, neste caso, é ampliada e busca-se o incremento de um interesse comum.43

A supranacionalidade surgiria como conse-qüência do aprofundamento da integração e do

spillover. Sua existência representaria a irreversi-bilidade do processo e garantiria sua perpetuação. Quanto aos aspectos políticos, representa o mo-mento em que a sociedade adquire um espaço efetivo de intervenção na integração e que os go-vernos já não controlam mais o andamento das negociações.

A participação não é suficiente para pressio-nar os governos a fornecerem compensações aos grupos negativamente afetados. Eles próprios de-veriam, segundo Haas, promover uma atuação conjunta, baseada em uma lógica supranacional. Essa lógica possibilitaria a formação de uma nova coalizão com interesses regionais e não mais liga-da às questões estritamente nacionais, pois have-ria um novo centro de fidelidade. “Os negociado-res governamentais e altos funcionários que ope-ram à margem das pressões políticas e da

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sabilidade democrática obtêm uma simpatia mútua com mais facilidade do que os grupos res-paldados pela massa.”44

Foi nessas suposições que os neofuncio-nalistas centraram a atenção em suas análises sobre a integração na Europa. Acreditavam que o interesse gerado nos vários setores econômi-cos promoveria inevitavelmente o spillover até atingir o conjunto da sociedade (inclusive aqueles grupos ou indivíduos não interessados em ques-tões de política externa), criando instituições que consolidariam a integração e garantiriam a irre-versibilidade do processo.

A integração européia não apresentou essa linearidade prevista, sendo permeada por momen-tos de retrocesso acompanhados por negociações fundamentadas em barganhas intergovernamen-tais. O spillover também não correspondeu às ex-pectativas, não sendo uma constante no proces-so. Apenas criou uma estrutura institucional su-pranacional incapaz, por muito tempo, de impul-sionar uma dinâmica própria e imprimir seu ritmo à integração. Essa inadequabilidade das análises neofuncionalistas gerou uma série de crí-ticas ligadas, principalmente, a dois pontos: • ao seu determinismo, porque o

neofuncionalis-mo entendia os processos de integração coneofuncionalis-mo movimentos lineares e progressivos, passando necessariamente por determinadas etapas; • à sua ênfase na questão do spillover na

integra-ção.

Nesse mesmo sentido caminhou a autocrí-tica feita por Haas, que apontou como os três principais problemas da teoria neofuncionalista as suposições de que: um modelo institucional definido marcaria os resultados da integração; o processo teria uma única direção; e o incremen-talismo seria a principal forma de tomada de de-cisão.45

Se esses supostos neofuncionalistas não se verificaram, parte de sua argumentação permane-ceu válida para outras correntes teóricas, como o institucionalismo, que também se refere à

inte-gração como um tipo de resposta política produ-zida pelos Estados modernos ao crescimento da interdependência. Partindo dessa constatação, o neofuncionalismo chega a outras conclusões, igualmente incorporadas por outras teorias: o es-tudo da integração regional deve estar vinculado à análise do processo de interdependência inter-nacional,46 sendo a integração considerada como

um regime internacional. Essa idéia neofunciona-lista de interdependência internacional foi reto-mada posteriormente por Keohane e Nye, que teorizaram a questão tentando explicar um mun-do ainda em mudança. Para eles, as explicações não podem fundamentar-se numa causa única, devendo contemplar uma série de fatores para, a partir deles, formular algum tipo de conclusão; a integração requer explicações que considerem as diferentes formas de evolução desse processo, as-sim como os diversos tipos de institucionalização e resultados que podem ser produzidos. Isso im-plica uma visão mais ampla da integração, forma-da por quatro dimensões básicas:

• a amplitude geográfica compreendida por esse regime internacional, ou seja, o seu alcance fí-sico;

• a hierarquia dos temas dentro da agenda de ne-gociação e de coordenação de políticas; • os tipos de instituições que realizam a tomada

de decisão, a implementação e o fortalecimen-to do processo;

• o direcionamento e a magnitude dos ajustes políticos realizados nacionalmente em conse-qüência da integração. Esse elemento ajuda a compreender e a medir o modo como se rea-liza, no plano interno, a distribuição dos confli-tos (entre os grupos afetados positiva e negati-vamente) e como são feitas as compensações e barganhas entre os próprios Estados.

A T

EORIA

I

NSTITUCIONALISTA

Geralmente, as análises sobre o sistema in-ternacional referem-se a ele como representando uma situação de anarquia ou como um estado de natureza em que a guerra é um elemento

cons-44 HAAS, 1963, p. 287.

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tante ou, pelo menos, latente. Essa interpretação é questionada pela teoria institucionalista, que ad-mite a descentralização do poder (portanto, uma anarquia) mas também verifica uma tendência institucionalizante.

A perspectiva institucionalista aborda os impactos provocados pelas instituições externas sobre a ação estatal e as causas das possíveis mu-danças nas primeiras. A presença de instituições internacionais no sistema político mundial influ-encia o comportamento dos governos47 e é

cen-tral para analisar a cooperação entre Estados, ao supor que os arranjos institucionais afetam, e às vezes condicionam, as ações governamentais, por terem impacto sobre:

• os fluxos de informação e as oportunidades de negociação;

• a habilidade dos governos em controlar o cumprimento dos compromissos tanto seus quanto dos demais; isso acaba dando credibi-lidade aos comprometimentos assumidos; • as expectativas em torno dos acordos

interna-cionais, pois elas tendem a se tornar mais po-sitivas.

Para o institucionalismo, “a habilidade dos Estados em se comunicar e cooperar de-pende das instituições elaboradas pelos ho-mens, que variam historicamente e tematica-mente na sua natureza (com respeito às políti-cas por elas incorporadas) e na sua força (em termos do grau em que suas regras estão clara-mente especificadas e rotineiraclara-mente obedeci-das)”.48

Essa teoria supõe que os atores possuem pelo menos alguns interesses comuns, entenden-do a cooperação como uma forma de obter po-tencialmente ganhos. Outro pressuposto refere-se à influência das instituições sobre o compor-tamento dos Estados, imaginando uma variação constante nas instituições, com conseqüências sobre as ações estatais.

Keohane define o termo instituições como sendo “um conjunto de regras permanentes e

co-nectadas (formal ou informal) que definem os papéis comportamentais, limitam a ação e com-partilham expectativas”.49 As instituições

inter-nacionais podem ser subdivididas em três tipos: • intergovernamentais formais: entidades criadas

pelos Estados com capacidade de monitora-mento das atividades e de reagir a elas. São organizações burocráticas com regras especí-ficas. Podem ser incluídas neste tipo as organizações não-governamentais transnacio-nais;

regimes internacionais: esse tipo de instituição possui regras claras acordadas pelos governos sobre algumas questões das relações internacio-nais. São instituições que tratam de especifici-dades e, portanto, não dão conta da totalidade nem pretendem isso;

convenções: instituições informais que supõem a existência de regras implícitas e o comparti-lhamento de expectativas entre os participan-tes. Basicamente, representam valores aceitos e respeitados pelos atores internacionais na condução de suas ações. Esses valores são mu-táveis. As convenções são o ponto de partida para as relações entre os Estados na esfera in-ternacional porque estabelecem o consenso mínimo que permite o diálogo e a interação.

A importância das instituições internacio-nais está na sua influência sobre os interesses dos Estados, na sua capacidade de promover ações que, de outra maneira, parecem impensáveis e na forma como alteram os custos das alternativas (encarecendo as opções autônomas). Essa im-portância não é condicionada pelo grau de insti-tucionalização.

As instituições influenciam as ações e opções dos Estados porque, segundo o institucio-nalismo, aceita-se o suposto de que as lideranças governamentais realizam um cálculo de custo-benefício para suas ações. As ações humanas tam-bém provocam alterações nas instituições, tendo, por sua vez, fortes efeitos sobre o comportamen-to dos Estados.

47 KEOHANE, 1989.

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A base para a integração está dada quando duas condições são cumpridas:50

1. quando os atores possuem alguns interesses em comum, havendo expectativa quanto à possibi-lidade de ganhos com a cooperação;

2. quando a variação no grau de institucionaliza-ção se refletir no comportamento dos Esta-dos, pois as instituições internacionais não são fixas, estando em constante mutação ao longo do tempo.

A partir daí, o seu sucesso ou fracasso de-penderá do arranjo institucional a ser criado pelos integrantes do processo, sendo o acordo sobre a estrutura da integração resultante das suas opções.

A análise institucionalista permite, em últi-ma instância, entender quais são os canais de re-presentação das demandas emergentes da socie-dade que irão influenciar a formulação da política externa. Estamos introduzindo um elemento re-lativamente novo nas teorias de relações interna-cionais, que é a intervenção de grupos de interes-se no processo de tomada de decisão governa-mental.

Até pouco tempo atrás, considerava-se que decisões como a da formação de blocos econô-micos eram influenciadas somente pelas ações das elites sociais, enquanto o restante da socieda-de exerceria um papel passivo. Essa postura está sendo gradualmente revista, principalmente no caso europeu, pois tornou-se cada vez maior o envolvimento de grupos organizados na tomada de decisão.51

Essa crescente importância está ligada à ne-cessidade dos governos de ampliar a sustentabili-dade da integração, garantindo o aprofundamen-to do processo e a efetividade de algumas medi-das dependentes da adesão da sociedade. Para que a sociedade se envolva mais, é preciso criar espa-ços de participação dentro da própria estrutura institucional.

As representações da sociedade são os gru-pos de interesses e os representantes políticos di-retamente envolvidos na coordenação da integra-ção e no seu processo decisório. Na Europa, essa arregimentação social está bastante evoluída, se comparada ao que se verifica em torno do Mer-cosul, em que essa participação ainda é restrita.

As estruturas burocráticas que efetiva-mente participam e coordenam a integração são atores decisivos porque influenciam de fato as decisões, a partir de seus próprios objetivos en-quanto organizações. Sua influência é determi-nada pelo que esperam e idealizam como sendo o seu papel no andamento da integração.

A T

EORIA

I

NTERGOVERNAMENTALISTA

A teoria intergovernamentalista supõe que os Estados são atores dotados de uma certa racio-nalidade e cujo comportamento reflete as pressões sofridas internamente, vindas de grupos presentes na sociedade e de pressões externas criadas pelo próprio ambiente internacional.

Quando nos referimos à ação racional do Estado, estamos supondo que ele é minimamente racional, sendo capaz de formular um conjunto de fins e objetivos com algum grau de ordena-mento quanto à sua importância e de criar parâ-metros para a tomada de decisões. O aspecto ra-cional desse tipo de ação encontra-se no fato de as decisões governamentais não serem aleatórias, porque os governos possuem capacidade de ava-liar as diferentes alternativas e de decidir segundo os custos e benefícios que a decisão representa.52

O intergovernamentalismo considera esse modelo de comportamento racional do Estado como a base para a discussão dos constrangi-mentos produzidos pelas preferências nacio-nais. O conflito e a cooperação internacional são processos com dois estágios sucessivos: pri-meiro, os governos definem um conjunto de interesses; em seguida, barganham entre si no intuito de realizá-los.

Por serem atores racionais e egoístas, os Estados procurariam sempre atingir altos níveis

50 Ibid.

(16)

de satisfação e de ganhos individuais com o me-nor custo possível. Essa é uma forma utilitarista de entender a lógica pela qual as nações tomam suas decisões e fazem suas escolhas. Todavia, de algum modo, esse utilitarismo seria a via que possibilita a cooperação, ao eliminar parcial-mente a preocupação de cada um com os gan-hos dos outros. Esse é um ponto importante na fundamentação do pessimismo da teoria realis-ta em relação à cooperação: o receio dos possí-veis ganhos de seus parceiros graças à coopera-ção inibe o ator de cooperar.

Sob a ótica liberal das relações internacio-nais, a cooperação é considerada um meio eficaz para a consecução dos objetivos do Estado, ou seja, a promoção do bem-estar interno. Não im-porta muito quanto benefício os demais obtive-ram ou obterão. Certamente, quando os ganhos alheios desestabilizam a balança de poder entre os países, os custos da participação tornam-se maio-res do que os da não-participação, e assim a coo-peração perde sentido.

De qualquer forma, segundo essa teoria, não cooperar pode ser mais prejudicial que coo-perar e não receber o esperado porque, com a não-cooperação, os governos perdem a possibili-dade de obter ganhos que não conseguiriam iso-ladamente, mesmo que sejam menores do que os dos demais participantes.

Os intergovernamentalistas e os neofunci-onalistas apontam para o fato de a integração ter impactos sobre as sociedades envolvidas, princi-palmente nos aspectos econômicos, afetando os interesses dos grupos que as compõem, sejam eles organizados ou não. Essas teorias conside-ram prudente relativizar esses efeitos a fim de evi-tar uma situação em que a sua oposição pudesse impedir ou obstaculizar o andamento do processo. Os governos são constantemente coagidos a encontrar soluções para os problemas e impac-tos negativos decorrentes da integração. Ao mes-mo tempo, suas ações devem estar coordenadas com os demais países para evitar desentendimen-tos prejudiciais ao avanço e ao aprofundamento do processo. O aprofundamento do processo de integração cria novas demandas de coordenação

política entre os países envolvidos, como conse-qüência da maior interação. Esse fato pode ser ve-rificado no Mercosul, cuja agenda de negociações gradativamente foi ampliada, conforme o proces-so avançou.

Para os intergovernamentalistas, quando surge no interior de um processo de integração um auto-estímulo (que os neofuncionalistas cha-mariam de spillover) para sua manutenção, resul-tante da participação mais efetiva da sociedade e, principalmente, dos grupos econômicos, haven-do uma realimentação automática, criam-se vín-culos mais sólidos e aumentam a interdependên-cia e a necessidade de cooperação. Identificamos nesse aspecto um dos principais estímulos para o sucesso e a continuidade da integração.

O intergovernamentalismo53 não é uma

teo-ria específica de integração regional tal como foi a neofuncionalista, é um modelo teórico de rela-ções internacionais que pode ser aplicado em ca-sos de integração regional. Está baseado em suposições sobre o papel do Estado numa coo-peração multilateral. É uma perspectiva histórica e estática para explicar as influências dos interes-ses nacionais sobre os resultados da política de integração. Para essa teoria, a integração não pro-voca alterações nos Estados participantes.

Discordamos desse suposto, pois acredita-mos que a integração regional distingue-se da coo-peração multilateral justamente pelo fato de pro-mover mudanças significativas nos Estados en-volvidos. Assim, consideramos o intergoverna-mentalismo como uma teoria parcial, útil para explicar as principais barganhas na integração, mas não o processo em si.

As análises intergovernamentalistas con-centram sua atenção nas negociações e barganhas promovidas pelos Estados no processo de inte-gração. Sob essa perspectiva, o Estado é um ator independente buscando atingir um objetivo. A integração é uma forma de cooperação ou de co-ordenação política para ajustar o comportamento desses atores às preferências prévias dos mesmos. Alguns autores, como Moracvsik e Hoffman,

(17)

tendem a integração regional como um regime que reduz significativamente os custos de transa-ção de seus integrantes e possui caráter legal, isto é, capacidade de aplicar sanções.

Essas análises são influenciadas pelas teorias dos jogos, especialmente pelo modelo de Putnam54

do two-level games, em que os Estados atuam si-multaneamente em duas arenas: a doméstica e a internacional. As estratégias de uma esfera devem levar em conta as da outra. A teoria do two-level games supõe que toda atuação estatal internacio-nal envolve dois processos de negociação: um voltado para os atores externos e o outro, para os domésticos. O pressuposto dessa teoria é que os acordos e compromissos assumidos internacional-mente necessitam de apoio interno para serem efe-tivamente implantados e, nesse sentido, os gover-nos são obrigados a negociar no âmbito nacional para criar uma base de sustentação que permita essa implementação. As relações externas de um país são muito mais dinâmicas e complexas por-que supõem um diálogo constante em duas fren-tes e a acomodação permanente dos interesses.

O intergovernamentalismo está embasado em três elementos essenciais: o comportamento racional do Estado, a formação da preferência na-cional e a negociação interestatal.

C

OMPORTAMENTO

R

ACIONAL DO

E

STADO

A noção de comportamento racional do Estado significa que os custos e benefícios da in-terdependência econômica são os primeiros ele-mentos determinantes das preferências nacionais e resultam da existência de diferentes coalizões internas em conflito porque disputam o poder no âmbito nacional.

O interesse nacional emerge dessas dispu-tas políticas e entendê-las é uma condição para a análise da interação estratégica dos países. Os conflitos internacionais e a cooperação são pro-cessos de dois estágios: primeiro, os governos definem os interesses; em seguida, barganham

entre si para concretizar os objetivos determi-nados. Esse aspecto é resquício da teoria neo-funcionalista, ao supor que toda integração possui internamente um processo preliminar e constante de identificação das divergências e dos conflitos, tornando-se uma negociação per-manente de objetivos sobre os quais será formu-lado o interesse comum. O intergovernamenta-lismo considera o modelo de comportamento ra-cional do Estado a base para a discussão dos constrangimentos produzidos pelas preferências nacionais.

As inibições dos Estados para a adoção de uma postura cooperativa dentro da perspectiva li-beral das relações internacionais são o receio de serem ludibriados pelos seus parceiros e de que os benefícios a serem recebidos sejam menores do que o custo de cooperar. Quanto à incerteza em relação aos parceiros, ela oscilará de acordo com o grau de concordância entre eles: quanto maior o ônus a quem agir deslealmente e quanto maiores as retaliações a esse tipo de atitude, me-nor ela será.

A forma mais eficiente de estimular a co-operação seria tornar a relação entre os atores mais durável e fazer com que os custos de deixar de participar sejam mais altos do que os de con-tinuar participando. Essa teoria adota uma noção básica da teoria dos jogos: a repetição do

jogo promove a cooperação ao criar parâmetros entre os jogadores, por meio da experiência re-petida, de quais seriam as possíveis atitudes de seus parceiros. Isso facilita a tomada de decisão e permite, ao longo do tempo, diminuir as des-confianças, porque fornece uma previsibilidade mínima quanto ao comportamento alheio.

F

ORMAÇÃODA

P

REFERÊNCIA

N

ACIONAL

Esse processo identifica os benefícios po-tenciais da coordenação política entre governos nacionais, sendo essa interação uma resposta po-lítica às pressões internas. Na formulação teórica sobre a formação da preferência nacional, o in-tergovernamentalismo aponta para o fato de as prioridades estatais e suas políticas serem

(18)

minadas pelos políticos, que fariam parte de uma

liderança dentro do governo nacional, cujas identidades e propostas são ecos da sociedade ci-vil. As pressões mais importantes sobre a políti-ca externa estão identifipolíti-cadas com os grupos so-ciais relevantes, com a natureza de seus interes-ses e com sua relativa influência na política in-terna. Tudo isso varia com o tempo, o lugar e o tema tratado e de acordo com os custos e bene-fícios esperados por todos.

Para os intergovernamentalistas, esses sig-nificados ou interesses compartilhados nacio-nalmente representam a primeira fase do proces-so de cooperação, concretizando-se com a cha-mada formação de uma preferência nacional. Essa primeira etapa identifica os benefícios potenciais da coordenação política na segunda fase, a da interação entre os Estados, quando são definidas as possíveis respostas políticas às pressões inter-nas. Essa teoria supõe que os fins governamentais na política externa seguem as pressões domésti-cas dos grupos sociais, cujas preferências seriam agregadas pelas instituições políticas nacionais.

O interesse nacional emergiria dos confli-tos políticos entre os grupos sociais, com o ob-jetivo de obter maior influência política. O in-teresse nacional também é influenciado pela for-mação de coalizões nacionais ou transnacionais e pelas novas alternativas políticas incorporadas pelos governos de acordo com o momento.

Utilizando o modelo de Rogowski,55

pode-se avaliar os possíveis impactos das variá-veis externas nos processos políticos domésti-cos e, inversamente, qual o papel da política terna na determinação dos posicionamentos in-ternacionais, e entender o estímulo à participa-ção por parte da sociedade. Esse autor afirma que, diante das possibilidades de maior exposi-ção ao comércio internacional, formam-se coa-lizões sociais de acordo com a capacidade de os atores competirem nessa nova situação de aber-tura econômica. Há, nesse modelo, duas variá-veis causais: os fatores de produção e as varia-ções nos níveis de exposição comercial. Esta

úl-tima reflete uma série de condicionantes muito ligados com a capacidade competitiva.

Rogowski baseia sua tese numa adaptação, para a política, do teorema econômico de Wol-fang Stopler e Paul Samuelson. Conforme esse teorema, um país exporta bens que utilizam in-tensivamente fatores de produção de relativa abundância em relação à distribuição internacio-nal e importa os que ele possui com relativa es-cassez.

Os detentores de fatores de produção be-neficiados em cada uma dessas situações procu-rariam traduzir sua situação econômica em ter-mos políticos, mediante o aumento de sua in-fluência no processo decisório. Esse modelo te-órico sugere que coalizões tendem a se formar de acordo com as flutuações do comércio den-tro de um processo histórico, cujos resultados são, em última instância, conseqüência das esco-lhas e do comportamento dos diferentes atores. Para o intergovernamentalismo, isso ocorre porque os grupos articulariam suas preferências, a serem posteriormente agregadas pelos gover-nos56 cujo interesse central é sua manutenção no

poder, e para isso usam a força, no caso dos regi-mes autoritários, ou atendem às demandas, quan-do são democracias. A relação Estaquan-do-sociedade torna-se o elemento central de toda a análise: sen-do o interesse sen-dos governos permanecer no po-der, nas sociedades democráticas, eles precisam do apoio de uma coalizão que lhes dê sustenta-ção, baseada em partidos, grupos de interesse e burocracias, cujas opiniões são transmitidas dire-ta ou indiredire-tamente por meio das instituições de-mocráticas e das práticas de representação políti-ca. Como resultado dessa interação interna, surge um conjunto de interesses e de finalidades nacio-nais que é apresentado pelos Estados nas negocia-ções internacionais.

A maior interação entre as sociedades pode influenciar as opiniões e percepções de seus ci-dadãos sobre sua realidade no panorama nacio-nal, ao mesmo tempo em que novos mitos, sím-bolos e valores são criados comunitariamente

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