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Aquisição de Exaustividade em Crianças Falantes de Português Europeu

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Academic year: 2021

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Textos Selecionados, XXVIII Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística, Coimbra,

APL, 2013, pp. 637-654, ISBN: 978-989-97440-2-8

de português europeu

1

Stéphanie Dias Vaz

2

Centro de Linguística da Universidade Nova de Lisboa Faculdade de Ciências Sociais e Humanas

Universidade Nova de Lisboa

Abstract

This study’s main objective is to see how children native speakers of European Portuguese acquire exhaustivity.

This study compiles results previously obtained in Vaz (2010a, b) with a new study for universal quantification structures. For each test, 60 children were tested divided in three age groups (3, 4 and 5 years) and 20 adults as the control group.

The results indicated that there is a significant difference between 4 and 5 year olds and that exhaustivity is associated with syntactic structure, even though it interacts with pragmatic factors. We concluded that exhaustivity is acquired at a different rate across structures (simple questions > universal quantification > clefts > multiple wh-questions), which we attribute to the varying complexity each display. Our results are in accordance with results found in other languages.

Keywords: acquisition, exhaustivity, questions, clefts, universal quantification.

Palavras-Chave: aquisição, exaustividade, interrogativas, clivadas, quantificação

universal.

1. Introdução

Vários autores têm mostrado que existe desenvolvimento linguístico relativamente ao valor de exaustividade associado a determinadas estruturas linguísticas: crianças de 3 e 4 anos aceitam leituras não exaustivas para estruturas que, na gramática adulta, estão associadas a exaustividade, tais como interrogativas múltiplas, estruturas clivadas e estruturas de quantificação universal. O desenvolvimento de um estádio de interpretações não exaustivas para um estádio de interpretações exaustivas pode ser explicado como um efeito de desenvolvimento pragmático ou gramatical (cf. Schulz & Roeper, 2011).

Neste trabalho, na sequência de estudos realizados para outras línguas (cf. Schulz & Penner, 2002; Grebenyova, 2006; Schulz, 2010; Heizmann, 2007; Schulz & Roeper, 2011; e.o.), descrever-se-á os resultados obtidos com três estudos experimentais que procuram

1

Este trabalho foi maioritariamente desenvolvido no âmbito da dissertação de mestrado de Stéphanie Dias Vaz (Vaz 2012), sob orientação de Maria Lobo.

2 Mestre em Ciências da Linguagem pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – Universidade Nova de Lisboa, Bolseira de

Investigação do Centro de Linguística da Universidade Nova de Lisboa, no âmbito do projeto ‘Dependências Sintáticas dos 3 aos 10’ (PTDC/CLE-LIN/099802/2008), financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia.

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638

determinar se as crianças falantes nativas de português europeu, dos 3 aos 5 anos, atribuem interpretações exaustivas a estruturas interrogativas, estruturas clivadas e estruturas de quantificação universal (com todos e com cada).

2. Estruturas que envolvem Exaustividade

Nos sistemas gramaticais das línguas humanas, determinadas estruturas parecem determinar valores de exaustividade, isto é, valores que recobrem todos os indivíduos correspondentes a uma determinada variável. As interrogativas múltiplas, alguns tipos de estruturas clivadas e o quantificador universal todos, por exemplo, determinam leituras exaustivas. Assim, uma frase como Todos os meninos estão de pé só é verdadeira se a propriedade “estar de pé” se aplicar exaustivamente aos indivíduos que estão no domínio de restrição do quantificador todos, i.e. os meninos, num determinado contexto pragmático, e será falsa numa situação em que um menino está sentado.

As estruturas interrogativas múltiplas têm também a propriedade de exigir respostas

exaustivas em muitas línguas3. Em português, uma interrogativa como Quem comeu o

quê?, com dois pronomes interrogativos, exige como resposta todos os pares de indivíduos

que satisfaçam o valor das variáveis numa determinada situação discursiva (cf. Costa, 1998): a mãe (comeu) a banana; o pai (comeu) a maçã; a avó (comeu) a laranja. As leituras que dão origem a pares exaustivos são chamadas leituras de listas de pares (‘pair-list readings’, PL), por oposição às leituras em que é dado apenas um par (‘single-pair readings’, SP).4

Para as interrogativas simples, é frequentemente o contexto pragmático que determina a obrigatoriedade ou inadequação de uma interpretação exaustiva. (cf. Lobo & Vaz, 2012)

Algumas estruturas clivadas (ou pseudoclivadas) têm também a propriedade semântica de determinarem interpretações exaustivas. Comparemos as seguintes frases:

(1) a. Quem comeu o bolo foi o avô. b. O avô comeu o bolo.

3 Grebenyova (2006) e Schulz & Roeper (2011) referem variação interlinguística quanto a vários aspetos associados às interrogativas

múltiplas: as interrogativas múltiplas são admitidas numas línguas, mas não noutras; existe variação quanto à posição ocupada pelos constituintes interrogativos; existe variação quanto à exigência de leituras exaustivas.

4

Como discutido em Schulz & Roeper (2011), existem contextos em que as interrogativas múltiplas exigem respostas singulares: interrogativas-eco ou interrogativas que incidem sobre um evento único como Quem bateu em quem primeiro?. Contudo, nas restantes situações, é exigida uma resposta exaustiva e é excluída uma resposta plural não exaustiva.

(3)

639

A primeira frase, uma pseudoclivada, só é legítima se mais ninguém tiver comido bolo, ao passo que (1b), uma declarativa simples, continua a ser verdadeira se houver outros indivíduos para além do avô que tenham também comido bolo.

A exaustividade está geralmente associada a determinadas estruturas que envolvem uma relação operador-variável. É discutível qual a origem das leituras exaustivas. Alguns autores consideram que são determinadas pragmaticamente (e.g. van Rooij, 2004), outros autores consideram que é uma propriedade gramatical das estruturas, codificada sob a forma de um traço formal num operador (cf. Roeper et al., 2007; Heizmnann, 2007). As estruturas que condicionam leituras exaustivas envolveriam um operador semelhante a um quantificador universal, o que prediz que estas diferentes estruturas sejam adquiridas em estádios de desenvolvimento semelhantes.

3. Aquisição de Estruturas

3.1. Aquisição de estruturas interrogativas

Schulz & Roeper (2007) e Schulz & Roeper (2011) consideram as predições feitas pelas análises semânticas e pragmáticas da exaustividade associada a interrogativas para a aquisição da linguagem e, defendem que as crianças, no processo de aquisição partem de

um valor por defeito [específico]5 para as interrogativas, dando relevância a três

componentes indispensáveis para uma aquisição bem sucedida de exaustividade: contexto discursivo, propriedade escondida [+variável] e marcadores lexicais para leituras singulares ou exaustivas. Estes autores destacam e formulam duas hipóteses de aquisição

de exaustividade: uma hipótese pragmática e uma hipótese do traço formal6.

Estes autores predizem que a aquisição de exaustividade seja mais tardia em interrogativas múltiplas do que nas interrogativas simples porque as interrogativas múltiplas são mais complexas por envolverem o mapeamento entre diferentes conjuntos (cf. Lobo & Vaz, 2012).

3.2. Aquisição de estruturas clivadas

Heizmann (2007) desenvolve um estudo experimental que investiga a aquisição de exaustividade em estruturas clivadas, comparando-a com a aquisição de exaustividade em interrogativas, em crianças de língua materna inglesa. A autora relaciona as estruturas

5

Schulz & Roeper (2011) modificam um pouco esta análise e tratam a interpretação de pronomes-wh em fases iniciais de aquisição como uma constante e não como uma variável.

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640

clivadas, as interrogativas e as estruturas de quantificação universal, que envolvem todas, uma variável quantificacional.

Tal como mostrado em Lobo & Vaz (2012), Heizmann verifica que o número de respostas não exaustivas dadas pelas crianças se reduz substancialmente por volta dos 5 anos e que as taxas obtidas para as clivadas são semelhantes às que foram obtidas para as interrogativas. As crianças reconhecem a especificidade das estruturas clivadas, associando-lhes mais frequentemente leituras exaustivas num contexto pragmático equivalente ao das frases simples, em que essa leitura não é obrigatoriamente desencadeada.

3.3. Aquisição de estruturas de quantificação universal

Os quantificadores “todos/todas” e “cada” são quantificadores universais e, por isso, estão associados a leituras exaustivas. Contudo, têm propriedades específicas.

“Todos” admite leituras coletivas ou distributivas, ao passo que “cada” só permite leituras distributivas, podendo ser mais complexo para as crianças e mais próximo de estruturas que implicam emparelhamento. Para além disso, “todos/todas” está morfologicamente marcado para género e para número, ao passo que “cada” é invariável e singular.

Segundo Duarte & Oliveira (2003), o quantificador “cada” tem uma leitura distributiva, é atribuído distributivamente a cada um dos elementos do conjunto, ao passo que o quantificador “todos” pode ter uma leitura distributiva e/ou coletiva (também designada “leitura grupal” em Peres (1992)), dependendo do contexto, tipo de predicado e existência, ou não, de outro tipo de quantificador na frase.

A aquisição de propriedades de quantificadores tem sido objeto de inúmeros estudos, usando diferentes metodologias, começando por Inhelder & Piaget (1964).

No que se refere à aquisição de estruturas de quantificação universal foram observados diferentes tipos de dificuldades, que passam por: i) dificuldades na leitura de exaustividade; ii) dificuldades no domínio de restrição do quantificador; iii) dificuldades nas leituras coletivas vs. distributivas (cf. Brooks & Braine, 1996; Roeper, Strauss & Pearson, 2006, entre outros). No entanto, neste artigo, não abordarei esse assunto.

3.4. Síntese

Como vimos, segundo os diferentes estudos, a exaustividade é uma propriedade sujeita a desenvolvimento linguístico, que é adquirida nas crianças por volta dos 5 anos de idade.

(5)

641

Existem propriedades gramaticais, associadas às estruturas que desencadeiam exaustividade, que as crianças terão de adquirir, sendo difícil explicar o fenómeno apenas com base em propriedades pragmáticas.

Os três tipos de estruturas estudadas (estruturas interrogativas, estruturas clivadas e estruturas de quantificação universal) estão associados a exaustividade. Contudo, estas diferentes estruturas não têm as mesmas propriedades sintáticas e semânticas. As estruturas interrogativas e as estruturas clivadas envolvem movimento A-barra visível, podendo determinar uma maior complexidade comparativamente com outras estruturas. Para além disso, como referem Heizmann (2008) e Schulz & Roeper (2011), as interrogativas múltiplas são mais complexas do que as interrogativas simples, uma vez que exigem o mapeamento entre dois conjuntos. Também de acordo com Heizmann (2008), as estruturas clivadas envolverão a comparação entre dois conjuntos. Nas estruturas com quantificadores universais, a criança terá de determinar o domínio de restrição do quantificador e o tipo de interpretação semântica (mais ou menos distributiva) que cada quantificador induz. Na generalidade dos estudos, mostra-se que, no que se refere à aquisição de exaustividade, as crianças de 5 anos parecem aproximar-se dos adultos, embora nalguns casos não sejam ainda completamente adultas.

4. Estudo Experimental

4.1. I - Estruturas Interrogativas 4.1.1. Hipóteses

Se a exaustividade for um traço gramatical e não pragmático, eventualmente sujeito a desenvolvimento, espera-se que, em resposta a interrogativas (simples ou múltiplas), as crianças passem de respostas singulares para respostas exaustivas e que haja poucas respostas plurais não exaustivas.

Se o processamento de duas variáveis quantificacionais for mais complexo do que o de uma só, implicando o mapeamento entre dois conjuntos, espera-se que as crianças tenham mais dificuldades nas interrogativas múltiplas do que nas interrogativas simples.

4.1.2. Metodologia

Para estudar a aquisição de exaustividade em interrogativas, foi aplicado um teste desenvolvido por Petra Schulz no âmbito do projeto europeu COST A33 (cf. Lobo & Vaz,

(6)

642

2012). O teste7 continha diferentes condições: i) interrogativas simples de sujeito com pronomes interrogativos simples (quem) que induziam respostas exaustivas plurais – 8 itens; ii) interrogativas duplas que induziam respostas exaustivas (quem – o quê) – 8 itens; iii) interrogativas triplas que induziam respostas exaustivas emparelhadas (quem – o quê –

a quem; quem – o quê – onde) – 4 itens; iv) controlos – interrogativas simples (4 itens),

duplas (4 itens) e triplas (2 itens) que induziam respostas singulares.

Apresentam-se, de seguida, exemplos de itens usados para cada condição.

Interrogativas simples:

Quem é que está a andar de bicicleta? Resposta esperada:

Menina Menino

Interrogativas duplas:

Quem é que está a pintar o quê? Resposta esperada:

Pai – parede Menino – cadeira

Interrogativas triplas:

Quem é que está a mostrar o quê a quem? Resposta esperada:

Mãe – sol – menina Menino –borboleta – pai

4.1.3. Participantes

O teste foi aplicado a 60 crianças falantes de português como língua materna, sem perturbações de linguagem ou cognitivas diagnosticadas, que frequentavam o Centro Social de Quinta do Anjo. As crianças estavam divididas em 3 grupos, de acordo com a faixa etária – 3, 4 e 5 anos. Participaram também no estudo 20 adultos, que constituíram o grupo de controlo.

7 O teste era precedido de um pré-teste de controlo de vocabulário, de forma a assegurar que a criança reconhecia os objetos

representados nas imagens e relevantes nas respostas às interrogativas, e de uma imagem de apresentação das personagens e incluía ainda uma segunda parte com interrogativas simples com morfema interrogativo morfologicamente marcado para plural (quais). Estes itens pretendiam verificar se a existência de marcas de plural induzia mais facilmente respostas exaustivas, à semelhança do que acontece com o marcador de exaustividade alles do alemão, inexistente em português. Para o presente trabalho, estes dados não serão considerados.

(7)

643 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%

Simples Duplas Triplas 64,40% 14% 10% 76,30% 20% 25% 99,40% 71% 70% 100% 99% 96% 3 anos 4 anos 5 anos Adultos 4.1.4. Resultados

Gráfico 1: Resultados globais por faixa etária para interrogativas simples, pares e triplas.

Os resultados no gráfico acima apresentado permitem-nos verificar que existe um efeito de desenvolvimento do grupo dos 3 para os 4 mas, sobretudo, dos 4 para os 5 anos e ainda que a aquisição de exaustividade em interrogativas simples é mais precoce do que em interrogativas múltiplas.

De forma a verificar a hipótese de que a exaustividade corresponde a um traço formal e não a uma estratégia pragmática, foram também analisadas as outras respostas dadas pelas crianças.

Gráfico 2: Tipos de respostas (incluindo a resposta alvo) na condição de interrogativas pares nas faixas etárias 3, 4 e 5

anos.

Estes resultados, bem como a análise das respostas dadas às condições de controlo (em que algumas crianças respondem só com o sujeito ou só com o objeto), permitem observar que a propriedade de exaustividade é independente da propriedade de dar respostas emparelhadas e que a criança pode não conseguir combinar as duas. Mostram ainda que a capacidade de dar respostas emparelhadas (interpretando adequadamente os diferentes morfemas interrogativos) é adquirida mais tarde do que a capacidade de dar respostas exaustivas (todos os sujeitos ou todos os objetos).

Observámos também que a percentagem de respostas a “plural de pares”, ou seja, resposta a mais do que um par mas não exaustivo é muito reduzida.

(8)

644 4.2. II - Estruturas Clivadas

4.2.1. Hipótese

Se a exaustividade nas clivadas for condicionada pela estrutura gramatical e não determinada pragmaticamente, espera-se que as crianças excluam leituras não exaustivas nas clivadas mais vezes do que nas frases simples.

4.2.2. Metodologia

Para testar se as crianças associavam às estruturas clivadas leituras exaustivas, foi construído um teste tendo por base o proposto por T. Heizmann (2007), que usava uma tarefa de juízo de valor de verdade (cf. Lobo & Vaz, 2012).

Foram incluídas as seguintes condições: i) Estruturas clivadas não exaustivas de sujeito – 4 itens; ii) Estruturas clivadas não exaustivas de objeto – 4 itens; iii) Estruturas clivadas exaustivas de sujeito – 4 itens; iv) Estruturas clivadas exaustivas de objeto – 4 itens; v) Itens de controlo de resposta “sim” de sujeito – 3 itens; vi) Itens de controlo de resposta “sim” de objeto – 3 itens; vii) Itens de controlo de resposta “não” de sujeito – 3 itens; viii) Itens de controlo de resposta “não” de objeto – 3 itens. (cf. Lobo & Vaz, 2012)

Após se ter testado, numa fase piloto, diferentes tipos de estruturas clivadas, optou-se por usar estruturas pseudoclivadas (Wh... SER x), que revelaram ser mais naturais no contexto em causa.

Apresentamos, de seguida, exemplos de itens usados nas diferentes condições. Para uma sequência de imagens como a seguinte, podiam ser usadas diferentes frases-teste em que o elemento relevante era o objeto.

Experimentador: Olha! É um avô com um pincel. E eu quero saber o que ele vai

fazer! Oh! Olha uma cadeira, uma mesa e uma jarra. O avô vai pintar alguma coisa. [Condição de clivada de objeto não exaustiva]

Fantoche: Ah…o que o avô pintou foi a mesa. RE: NÃO

[Condição de clivada de objeto exaustiva]

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645

Para uma sequência de imagens como a seguinte, podiam ser usadas diferentes frases-teste, em que o elemento relevante era o sujeito.

Experimentador: Olha! É um avô, uma menina e um príncipe. E eu quero saber o que

eles vão fazer! Oh! Está aqui uma cadeira, uma menina, um príncipe e um avô. Alguém vai ficar de pé.

[Condição de clivada de sujeito não exaustiva]

Fantoche: Ah…quem ficou de pé foi o príncipe. RE: NÃO

[Condição de clivada de sujeito exaustiva]

Fantoche: Ah…quem ficou de pé foi a menina e o príncipe. RE: SIM

[Condição de controlo não]

4.2.3. Participantes

Os testes foram aplicados a um conjunto de 20 adultos, que constituiu o grupo de controlo, e a 62 crianças divididas em três grupos, de 20 crianças cada, de acordo com a faixa etária: 3, 4 e 5 anos de idade.

As crianças eram falantes monolingues de português europeu, sem perturbações cognitivas ou linguísticas diagnosticadas e frequentavam a mesma instituição que no estudo anterior.

4.2.4. Resultados

Gráfico 3: % de acerto nas condições de clivadas não exaustivas e exaustivas.

O gráfico acima permite verificar que há um efeito de desenvolvimento dos 4 para os 5 anos de idade: as crianças de 3 e 4 anos aceitam maioritariamente leituras não exaustivas para as estruturas clivadas, tendo percentagens de acerto que rondam os 40%, ao passo que

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%

Não exaustivas Exaustivas 41,25% 96,87% 44,37% 97,50% 78,13% 97% 91% 100% 3 anos 4 anos 5 anos Adultos

(10)

646 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%

Respostas 'sim' não exaustivas Controlo 'sim' 58,75% 92,50% 55,63% 95,83% 21,88% 96% 9% 91% 3 anos 4 anos 5 anos Adultos

as crianças de 5 anos rejeitam adequadamente leituras não exaustivas para as clivadas em 78% dos casos. Os adultos têm resultados acima dos 90%.

Gráfico 4: % de respostas ‘sim’ (falhas) nas condições de clivadas não exaustivas e na condição de controlo ‘sim’

(acertos).

Os resultados mostram que existe uma diferença assinalável entre as duas condições (frases simples e estruturas clivadas). Enquanto as crianças não rejeitam leituras não exaustivas para as frases simples com taxas superiores a 90%, a aceitação de leituras não exaustivas associada a estruturas clivadas é bastante inferior em todas as faixas etárias, havendo um efeito de desenvolvimento dos 4 para os 5 anos. Estes resultados mostram que, apesar de tudo, as crianças reconhecem a especificidade das estruturas clivadas, associando-lhe mais frequentemente leituras exaustivas num contexto pragmático equivalente ao das frases simples, em que essa leitura não é obrigatoriamente desencadeada. Para além disso, o facto de alguns adultos terem rejeitado leituras não exaustivas para frases simples (9%) mostra que eles são mais sensíveis do que as crianças às condições pragmáticas da situação.

4.3. III - Estruturas de quantificação universal 4.3.1. Hipóteses

Se as crianças dominarem a quantificação universal, reconhecendo que os quantificadores universais envolvem todos os elementos de um conjunto, espera-se que rejeitem leituras não exaustivas com os quantificadores ‘todos’ e ‘cada’ (situação com sujeito extra).

Se as crianças tiverem dificuldades na definição do domínio de restrição do quantificador, espera-se que rejeitem indevidamente os contextos em que existe um objeto extra.

Se as crianças tiverem mais dificuldade na interpretação de leituras distributivas (que envolvem a consideração de cada um dos elementos) do que na de leituras coletivas,

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647

espera-se que obtenham piores resultados com ‘cada’ do que com ‘todos’ e que obtenham piores resultados nas leituras distributivas do que nas leituras coletivas de ‘todos’.

4.3.2. Metodologia

Para verificar a aquisição de exaustividade em estruturas de quantificação universal preparou-se uma tarefa de compreensão, através da metodologia de juízo de valor de verdade. Tal como no teste de estruturas clivadas, a tarefa dos participantes consistia em avaliar se uma frase dita por um fantoche era adequada à imagem apresentada (picture

verification task). Foram usadas as seguintes condições8:

Quantificador “Todos”: i) Estruturas exaustivas em contexto de leitura coletiva– 6 itens; ii) Estruturas exaustivas em contexto de leitura distributiva – 6 itens; iii) Estruturas exaustivas em contexto de leitura coletiva com objeto extra – 3 itens; iv) Estruturas exaustivas em contexto de leitura distributiva com objeto extra – 3 itens; v) Estruturas não exaustivas (associadas a contexto de leitura coletiva) – 4 itens; vi) Estruturas não exaustivas (associadas a contexto de leitura distributiva) – 4 itens.

Quantificador “Cada”: i) Estruturas exaustivas em contexto de leitura coletiva – 6 itens; ii) Estruturas exaustivas em contexto de leitura distributiva – 6 itens; iii) Estruturas exaustivas em contexto de leitura coletiva com um objeto extra – 3 itens; iv) Estruturas exaustivas em contexto de leitura distributiva com um objeto extra – 3 itens; v) Estruturas não exaustivas (associadas a contexto de leitura coletiva) – 4 itens; vi) Estruturas não exaustivas (associadas a contexto de leitura distributiva) – 4 itens; vii) Estruturas não exaustivas (associadas a contexto de leitura singular) – 4 itens

viii) Itens de controlo de resposta “sim” – 8 itens

ix) Itens de controlo de resposta “não”– 4 itens

A escolha dos quantificadores ‘todos/todas’ e ‘cada’ foi feita com base nas propriedades específicas de cada um destes quantificadores. ‘Todos’ admite leituras coletivas ou distributivas, ao passo que ‘cada’ só permite leituras distributivas, podendo ser mais complexo para as crianças e mais próximo de estruturas que implicam

8

(12)

648

emparelhamento. Para além disso, ‘todos/todas’ está morfologicamente marcado para género e para número, ao passo que ‘cada’ é invariável.

A ordem de apresentação dos itens foi aleatorizada.

Apresentamos, de seguida, exemplos de itens usados nas diferentes condições.

“Todos”

Fantoche: Todos os meninos estão a pintar um quadro.

i) [Condição que permite uma leitura coletiva exaustiva]

RE: SIM

ii) [Condição que permite

uma leitura distributiva

exaustiva] RE: SIM

“Cada”

Fantoche: Cada menina está a segurar num balão.

i) [Condição não exaustiva

(associada a uma

leitura coletiva)] RE: NÃO

ii) [Condição não exaustiva

(associada a uma

leitura distributiva)] RE: NÃO

iii) [Condição não exaustiva (associada a uma leitura singular)] RE: NÃO

4.3.3. Participantes

O teste foi aplicado a 60 crianças falantes de português como língua materna, sem perturbações de linguagem ou cognitivas diagnosticadas, que frequentavam o Jardim de infância Pequenada Feliz em Camarate e o Jardim de infância S. Pedro em Torres Novas. As crianças estavam divididas em três grupos de 20, de acordo com a faixa etária – 3, 4 e 5 anos. O grupo de controlo foi constituído por 20 adultos.

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649 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100% Estrutura Não Exaustiva (leitura distributiva) -"todos" Estrutura Não Exaustiva (leitura distributiva) -"cada" Estrutura Exaustiva (leitura distributiva) -"todos" Estrutura Exaustiva (leitura distributiva) -"cada" 3 anos 4 anos 5 anos Adultos 4.3.4. Resultados

Gráfico 5: % de acerto nas condições não exaustivas e nas condições exaustivas em contexto de leitura coletiva com o

quantificador “todos”.

Os resultados apresentados no gráfico 5 permitem-nos fazer as seguintes observações: Nas condições não exaustivas, há um salto de desenvolvimento do grupo dos 4 para os 5 anos: as crianças mais novas aceitam leituras não exaustivas do quantificador “todos” (taxa de acerto de 63,75%, no grupo de 3 anos e, taxa de acerto de 58,75% no grupo dos 4 anos), o que quase não acontece no grupo dos 5 e no grupo dos adultos (taxa de acerto de 90%, no grupo de 5 anos e, taxa de acerto de 99% no grupo de controlo).

Gráfico 6: % de acerto nas condições não exaustivas e nas condições exaustivas em contexto de leituras distributivas com o

quantificador “todos” e com o quantificador “cada”.

O gráfico 6 permite-nos fazer as seguintes observações acerca das condições não exaustivas e condições exaustivas associadas a contexto de leituras distributivas:

Nas condições não exaustivas, verifica-se que há um salto de desenvolvimento do grupo dos 4 para os 5 anos e que os resultados são piores com ‘cada’ do que com ‘todos’ para todas as faixas etárias. Também alguns adultos e crianças de 5 anos aceitam as condições não exaustivas com ‘cada’. ‘Cada’ determina a consideração de cada um dos elementos

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%

Estrutura Não Exaustiva (leitura coletiva) Estrutura Exaustiva (leitura coletiva) 63,75% 91,67% 58,75% 99,17% 90% 95% 99% 93% 3 anos 4 anos 5 anos Adultos

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650

individualmente: os sujeitos parecem ser menos sensíveis à presença de sujeitos extra. ‘Todos’, pelo contrário, mesmo na leitura distributiva, implica a consideração da totalidade dos elementos. Alguns adultos e crianças de 5 anos aceitam as condições não exaustivas com ‘cada’.

Gráfico 7: % de acerto nas condições não exaustivas (associadas a contexto de leitura distributiva, leitura coletiva e leitura

singular) com o quantificador “cada”.

Globalmente, estes resultados permitem verificar que: i) Há um salto de desenvolvimento dos 4 para os 5 anos.

ii) As crianças mais novas, 3 e 4 anos, não estão a tratar ‘cada’ como um quantificador universal, uma vez que aceitam leituras singulares de ‘cada’.

iii) Os adultos nem sempre atribuem leituras exaustivas a ‘cada’ distributivo, o que estará relacionado com o facto de ele determinar a consideração de cada um dos elementos individualmente.

iv) Comparando o conjunto de condições não exaustivas, todas as faixas etárias obtiveram melhores resultados quando as condições foram associadas a contextos de leituras coletivas.

4.4. Conclusões

Os resultados das crianças portuguesas confirmam, assim, os resultados obtidos para outras línguas: as crianças, aos 5 anos de idade, já dão respostas exaustivas. De acordo com Schulz & Roeper (2011), numa fase inicial, as crianças interpretarão um operador interrogativo como uma constante e não como uma variável, atribuindo-lhe respostas singulares. Só quando reconhecem o valor do operador é que passam a dar respostas exaustivas. Contudo, o facto de as crianças passarem de um estádio singular para um estádio exaustivo numa situação pragmática que requer respostas exaustivas mostra que as crianças também dominam as condições pragmáticas da situação.

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100% Estrutura Não Exaustiva (leitura coletiva) Estrutura Não Exaustiva (leitura distributiva) Estrutura Não Exaustiva (leitura singular) 3 anos 4 anos 5 anos Adultos

(15)

651

Retomando as hipóteses colocadas em 4.1.1. podemos, perante os resultados, afirmar que a primeira hipótese é confirmada, uma vez que se observou que, no desenvolvimento da exaustividade em estruturas interrogativas (simples e múltiplas), as crianças passam de respostas singulares para respostas exaustivas, havendo poucas respostas plurais não exaustivas. A segunda hipótese colocada também se confirmou pois verificou-se que o processamento de duas variáveis quantificacionais demonstra ser mais complexo do que o de uma só, implicando o mapeamento entre dois conjuntos, as crianças têm mais dificuldade nas interrogativas múltiplas (pares e triplas) do que nas interrogativas simples (cf. Gráfico 1).

Através do estudo nas estruturas clivadas conseguimos perceber que a exaustividade nas crianças começa a surgir desde os 3 e 4 anos de idade, mas é mais significativa aos 5 anos, dependendo do desenvolvimento individual de cada criança.

Retomando a hipótese apresentada em 4.2.1. verificamos que a exaustividade nas estruturas clivadas é condicionada pela estrutura gramatical e não determinada pragmaticamente, uma vez que as crianças excluem leituras não exaustivas nas clivadas mais vezes do que nas frases simples (cf. Gráfico 4.). Contudo, conseguimos perceber que a exaustividade pode não depender exclusivamente de propriedades gramaticais, mas também de propriedades pragmáticas (ou talvez da própria situação experimental), uma vez que os adultos rejeitaram algumas frases simples (9%) por não serem exaustivas, quando, em princípio, nada na estrutura condicionaria a exaustividade.

Dos resultados obtidos, no estudo das estruturas de quantificação, podemos concluir que as crianças de 5 anos dominam a quantificação universal, pois caso contrário não reconheceriam que os quantificadores universais envolvem todos os elementos de um conjunto, nem rejeitariam leituras não exaustivas com os quantificadores “todos” e “cada” em situação de sujeito extra.

A hipótese 5, em que as crianças teriam dificuldades na definição do domínio de restrição do quantificador, não se confirmou, uma vez que, em geral, não se observaram grandes dificuldades nas condições que envolviam objetos extra.

Por fim, as crianças apresentaram mais dificuldade na interpretação de leituras distributivas (que envolvem a consideração de cada um dos elementos) do que na de leituras coletivas: obtiveram piores resultados com o quantificador “cada” do que com o quantificador “todos” e nas leituras distributivas do que nas leituras coletivas de ”todos”.

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5. Comparação da aquisição de exaustividade nas três estruturas

No seguinte gráfico, podemos observar os resultados obtidos para o Português Europeu nas estruturas de quantificação (considerando apenas as condições que induziam respostas negativas – condições não exaustivas associadas a leituras distributivas com o quantificador “todos”), nas interrogativas simples, nas interrogativas múltiplas (duplas e triplas) e nas estruturas clivadas (condições que induziam respostas negativas – contextos não exaustivos). Deve ter-se em conta, contudo, que, no caso do português, as crianças testadas nas diferentes estruturas não foram as mesmas (apenas o foram no caso das interrogativas simples e múltiplas).

Gráfico 8: Resultados obtidos nas diferentes estruturas (interrogativas, clivadas e quantificação universal) para o

Português Europeu.

Neste gráfico podemos observar que as interrogativas simples são, de longe, a estrutura em que a exaustividade é adquirida mais cedo. Verificamos que dentro de cada faixa etária existem diferenças entre as três estruturas e comparando as estruturas pelas faixas etárias observamos que existe um desenvolvimento progressivo.

6. Conclusões finais

Deste estudo podemos concluir que: i) Existe desenvolvimento linguístico relativamente ao valor de exaustividade associado a determinadas estruturas linguísticas, nomeadamente, estruturas interrogativas, estruturas clivadas e estruturas de quantificação universal com “todos” e com “cada”; ii) Existe efeito de desenvolvimento dos 4 para os 5

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anos na aquisição de exaustividade nas diferentes estruturas; iii) Embora a exaustividade pareça ser determinada sobretudo gramaticalmente nas diferentes estruturas, ela interage com aspetos pragmáticos, o que é visível no comportamento do grupo de controlo, que é por vezes mais sensível do que as crianças às condições pragmáticas da situação experimental; iv) O ritmo de aquisição da exaustividade não é idêntico nas diferentes estruturas (1º estruturas interrogativas simples> 2º estruturas de quantificação universal> 3º estruturas clivadas> 4º estrutura interrogativas múltiplas), o que poderá dever-se à maior complexidade associada a algumas das estruturas: as interrogativas múltiplas exigem emparelhamento, para além de exaustividade.

Referências

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Vaz, S. D. (2010b.) Relatório de Estágio curricular em Ciências da Linguagem. Centro de Linguística da Universidade Nova de Lisboa.

Imagem

Gráfico 1: Resultados globais por faixa etária para interrogativas simples, pares e triplas
Gráfico 3: % de acerto nas condições de clivadas não exaustivas e exaustivas.
Gráfico  4: %  de  respostas  ‘sim’  (falhas)  nas  condições  de  clivadas  não  exaustivas  e  na  condição  de  controlo  ‘sim’
Gráfico  5: %  de  acerto  nas  condições  não  exaustivas  e  nas  condições  exaustivas  em  contexto  de  leitura  coletiva  com  o  quantificador “todos”
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