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IDENTIDADE, DIVERSIDADE E EXPERIÊNCIA TRANSDISCIPLINAR
Carolina Mary Medeiros1 Jorge Luiz Marques de Moraes2Resumo: O presente artigo objetiva pensar as identidades de gênero na interação com a experiência educacional transdisciplinar. Para isto, parte-se do relato de experiência sobre a elaboração do Núcleo Transdisciplinar de Humanidades [NUTH] do Campus Engenho Novo II e a construção da I Jornada da Diversidade ocorrida no mês de outubro no ano de 2014. Os autores mostram ainda um pouco da trajetória do NUTH e a experiência de construir um projeto pedagógico transdisciplinar, utilizando como pilares as questões da diversidade e identidade, que são temas transversais fundamentais para o entendimento do Outro e da sociedade brasileira na contemporaneidade.
Palavras-chave: Identidade – Diversidade − Transdisciplinariedade.
1 Mestre em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UERJ. Bacharel e
licenciada em História pela UFRJ. Professora em regime de dedicação exclusiva do Colégio Pedro II, do Departamento de História, no Campus Engenho Novo II desde 2004. Membro do Núcleo Transdisciplinar de Humanidades (NUTH), Núcleo Transdisciplinar de Humanidades do Campus Engenho Novo II.
2 Mestre e doutor em Literatura Brasileira pela Faculdade de Letras da UFRJ. Professor em regime de 40h
do Colégio Pedro II, do Departamento de Língua Portuguesa e Literaturas de Língua Portuguesa, lotado no
Campus Engenho Novo II desde 2003. Professor do Colégio Militar do Rio de Janeiro. Autor de As lacunas do Amor – estudos sobre teoria literária, prosa, poema, canção e teatro (Oficina Raquel, 2012) e de
Personagens femininas: confinamentos, deslocamentos (Oficina Raquel, 2014). Membro do (NUTH) do Campus Engenho Novo II.
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84 I - A Formação do Núcleo Transdisciplinar de Humanidades
A elaboração de um Núcleo Transdisciplinar de Humanidades [NUTH] para o
Campus Engenho Novo II nasceu, sobretudo, do interesse de professores de diversas disciplinas em compartilhar práticas, olhares e fazeres pedagógicos. A sala dos
professores é, por inúmeros momentos, espaço de interação. Ali discutimos projetos,
comentamos atividades, compartilhamos ideias, trabalho de alunos, eventos, jornadas,
palestras ou materiais didáticos. Essa prática viva, que já existe em nossa realidade,
passou, a partir da formação do núcleo ao longo do segundo semestre do ano de 2013, a
ganhar novo contorno, vislumbrando novos horizontes.
Os professores do NUTH têm como referência que
a transdisciplinaridade é uma abordagem científica que visa a unidade do conhecimento. Desta forma, procura estimular uma nova compreensão da realidade articulando elementos que passam entre, além e através das disciplinas, numa busca de compreensão da complexidade. Além disso, do ponto de vista humano a transdisciplinaridade é uma atitude empática de abertura ao outro e seu conhecimento (Rocha Filho, 2007, p. 53.).
O projeto em questão se desenvolve, portanto, no âmbito de um escopo transdisciplinar,
pois em última instância acaba por subverter a divisão em disciplinas, compreendendo
que o pensar relacional e crítico constroem no aluno uma visão diferenciada dos saberes.
Trata-se de um coletivo de professores apaixonados pelo seu ofício que, através de
oficinas, projetos e jornadas compartilham suas ideias com os alunos. Profissionais da
educação que entendem que o conhecimento sempre pode ir além de quaisquer divisões
disciplinares.
A perspectiva transdisciplinar em atividades pedagógicas que propomos oferece a
possibilidade de uma série de ganhos importantes. Dentre eles, podemos destacar uma
visão mais horizontal sobre os temas debatidos, bem como o desenvolvimento do
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85 ou indiretamente com várias disciplinas, criamos junto à comunidade escolar a
oportunidade de pensarmos sobre determinadas temáticas de forma horizontal e ampla,
considerando diversos pontos de vista e perspectivas.
Atividades transdisciplinares também buscam ampliar as conexões entre presente
e passado. Os temas propostos partem, grosso modo, de questionamentos e
preocupações na sociedade contemporânea, fazendo maior sentido a uma geração
presenteísta. Além do aprimoramento das funções formais e profissionais da educação,
projetos transdisciplinares contribuem diretamente para a formação cidadã dos alunos,
ampliando o pensamento crítico e a consciência política, no sentido amplo do conceito de
política (FREIRE, 2005; 1993). Além de tais projetos possibilitarem ainda uma
conceituação pedagógica mais dinâmica com o foco na produção do aluno, com maior
possibilidade do uso de mídias, tecnologias e as novas ferramentas da web (ALMEIDA,
2001; BOURDIEU, 1996; CASTELLS, 2003).
A Carta da Transdisciplinaridade (MORIN; NICOLESCU; FREITAS, 1994) foi
produzida no I Congresso Mundial de Transdisciplinaridade, com marcante colaboração
do International Center for Transdisciplinary Research [CIRET] e forte apoio da United
Nations Educational, Scientific and Cultural Organization [UNESCO]. Temos a seguinte
definição do conceito transdisciplinar, em seu artigo 3º: (...) A Transdisciplinaridade não
procura a dominação de várias disciplinas, mas a abertura de todas as disciplinas ao que
as atravessa e as ultrapassa (1994, p.2.).
Em busca da instrumentalização dessa abordagem na educação básica, foi criado,
no Campus Engenho Novo II, o Núcleo Transdisciplinar de Humanidades (NUTH) que
está vinculado à Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa, Extensão e Cultura do
Colégio Pedro II (PROPGPEC). A PROPGPEC com suas diretorias vem contribuindo e
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86 atividades propostas pelo NUTH. O núcleo se estrutura ainda a partir de três linhas
temáticas, com atividades e ações pedagógicas específicas oferecidas aos alunos do 9º
ano do Ensino Fundamental e das três séries do Ensino Médio:
A. Ciências Humanas: ensino e perspectivas – organização de três eixos de atuação.
A primeira composta por oficinas e cursos livres extracurriculares, com ementas
elaboradas por docentes que compõem o NUTH, oferecidos ao corpo discente dos
segmentos fundamental e médio. A segunda consiste na execução de projetos de
Iniciação Científica Jr., exclusivamente voltados para os alunos do Ensino Médio, a partir
das temáticas: Epistemologia, Teorias e Ideologias; Dinâmicas Produtivas, Trabalho e
Economia-Mundo; Política, Território e Sistema Inter-estatal; Alteridade, Organização
Social e Fluxos Culturais. Por fim, no projeto “Ciências Humanas em foco”, visamos inserir o cinema como uma das ferramentas de ensino e objeto de análise das ciências
humanas.
B. Linguagens: tecnologias e saberes – Execução de duas propostas pedagógicas
específicas que se coadunam com a elaboração de material didático impresso e virtual a
serem utilizados pelos discentes do campus Engenho Novo II. São elas: a produção de
materiais didáticos impressos e visuais (dentre eles o projeto sobre arte seqüencial com a
produção de quadrinhos) e a elaboração de um espaço virtual para compartilhar
atividades e materiais produzidos pelos alunos e docentes inscritos.
C. Ciências Humanas: extensão e saberes transdisciplinares – Organização e
articulação de eventos tais como jornadas pedagógicas, palestras, seminários e
simpósios.
Como vimos, sua formação teve início no final do ano de 2013, a partir da iniciativa
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87 aula, tornando o ambiente escolar promovedor e motivador de debates transversais.
Neste início, em que ainda se chamava Laboratório de Humanidades, nosso coletivo era
menor. Contávamos com não mais que 6 ou 7 professores. Elaboramos um conjunto de
reuniões que pudessem orientar nossos interesses e discussões e passamos a
elaboração escrita de um projeto. Atualmente formamos um coletivo de 16 professores
lotados no campus Engenho Novo II, listados abaixo com identificação de suas áreas de
atuação e vínculos departamentais: Adjovanes T. S. de Almeida (História); Aline G. de
Brito (Língua Portuguesa); Beatriz A. de Mattos (Sociologia); Carolina M. Medeiros
(História); Edelson Rocha (História); Eduardo R. Guimarães (Sociologia); Eliane D. de F.
Trigo (Biologia); Jorge Luís M. de Morais (Língua Portuguesa); Luiza A. J. de Aguiar
(Geografia); Márcia V. Pedro (Informática Educativa); Maria da Glória M. D´Escoffier
(Informática Educativa); Nilo S. D’Ávila Modesto (Geografia); Pedro F. Cazes (Sociologia); Selmo N. da Silva (Sociologia); Victor F. S. Vasconcellos (Língua Portuguesa), e Victor
Benak (Geografia).
De fato, partirmos dessa abordagem de transdisciplinaridade para construir nossa
experiência concreta. Muitas eram as dúvidas e desafios. Dúvida em compreender as
possibilidades e limites em transpor as teorias transdisciplinares, ainda tão incipientes,
para a prática pedagógica real. Neste sentido, foram fundamentais os encontros
presenciais iniciais para a troca de experiências passadas, o compartilhar de angústias e
a reflexão sobre as possibilidades de interação entre os temas disciplinares para a
superação da ideia de compartimentação dos saberes por disciplinas. Entendemos que
esta é ainda uma ideia muito mais contida numa busca de cada um de seus membros do
que uma realidade das atividades de nosso núcleo. Embora nossas preocupações e
objetivos ao propor um projeto transcendam os limites disciplinares, muitos de nossos
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88 conteúdos e conceitos ora de uma, ora de outra disciplina. Queremos dar conta do mundo
real vivenciado pelo nosso aluno. Inserir nossos planejamentos nos dilemas individuais
e/ou coletivos que nossos jovens enfrentam em seu tempo. Ajudá-los a unir informações e
aplicá-las em um projeto maior do que sua formação profissional, ou seja, um projeto de
vida baseado na realização de potencialidades humanas, no reconhecimento de
subjetividades e identidades dos jovens estudantes, assim como na inserção deles em
lutas coletivas que visem ampliar direitos e garantir a cidadania.
Sonho bonito que se sonha junto, certamente, mas que encontra suas barreiras
diante de uma escola que pensa e pauta suas ações pedagógicas ainda de forma
predominantemente disciplinar. Para nós, do Colégio Pedro II, por vezes, unir professores
de dias e departamentos diferentes parece ser muitas vezes um desafio. É preciso
disponibilidade e por isto em maioria somos professores em regime de dedicação
exclusiva. Afirmar esta exclusividade é neste momento um ato político. Parece de fato
muito difícil a uma comunidade escolar e seu corpo docente dispor de tempo de trabalho
para pensar projetos que transcendam os afazeres já grandes do cotidiano da prática
docente. Desta forma, é fundamental não só um regime de dedicação exclusiva, como a
compreensão que estas atividades docentes, sejam elas de pesquisa, ensino ou
extensão, possam estar inseridas e reconhecidas em seus planos de trabalho.
Apesar das limitações, o núcleo é fundado no final de 2013 e tem vida pedagógica
intensa no ano seguinte. Assim, já no ano de 2014, primeiro ano de fato de atuação do
NUTH, percebemos uma ânsia grande de produção. Era visível a vontade de que o
projeto funcionasse e que atendesse a nossa demanda, compartilhada por muitos no
sentido de buscar uma escola cada vez mais participativa e fomentadora de atividades
pedagógicas integradoras. Já em fevereiro, elaboramos as oficinas pedagógicas sobre o
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89 diretamente presente na vivência dos alunos naquele momento. Nada mais propício que o
carnaval. Delimitamos inicialmente um debate que seria ao mesmo tempo histórico,
sociológico e literário.
Convidamos os alunos interessados que se inscreveram de forma voluntária e sem
qualquer vínculo com as avaliações das disciplinas em questão. As oficinas foram
ministradas em dois turnos para que os alunos, em turnos opostos, pudessem participar
sem prejuízo as suas atividades curriculares. Ao final dos encontros, os alunos foram
estimulados a produção de vídeos sobre suas próprias experiências do carnaval carioca,
como observadores dos debates que foram traçados nas oficinas. Participamos ainda da
organização de um baile nos intervalos que precederam ao carnaval, com a participação
da banda formada por alunos e professores e organizada pela equipe de Educação
Musical do Campus. Como o desenvolvimento da linguagem tecnológica faz parte de
nossas linhas de atuação, organizamos espaços virtuais para expormos estas atividades.
Os materiais das oficinas, fotos, vídeos e debates traçados encontram-se registrados no
site http://www.ocarnavalcarioca.blogspot.com.br/.
Nos meses de abril e maio organizamos a “(des)comemoração” dos 50 anos do golpe militar de 1964 que resultou na implantação do Estado Autoritário. Se não há o que
comemorar, não se pode nem deixar esquecer nem deixar de enfatizar as disputas que
permearam e ainda permeiam as narrativas dessa história nos encontros com a memória.
Desta forma, promovemos um amplo debate sobre o tema, através de oficinas
pedagógicas (organizadas de forma semelhante à experiência das oficinas sobre o
carnaval carioca), contando com palestras de convidados que vivenciaram o período,
fazendo parte do movimento estudantil dos anos 1960 e 1970, como Wladimir Palmeira e
Silas Ayres. Os debates em mesas redondas, bem como as palestras também podem ser
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90 de artigos e textos de alunos que participaram de um concurso literário sobre o tema da
ditadura militar no Brasil foram transformados em livro virtual que se encontra hoje em
processo de finalização.
Em agosto, como desdobramento dos debates acerca do período militar brasileiro,
o NUTH organizou um seminário para os alunos do 3º ano do Ensino Médio sobre a
resistência de setores da Igreja Católica à ditadura militar. O seminário contou com a
participação de ex-clérigos e atuantes nos movimentos contra a repressão militar nos
anos 1970 e 1980, como o advogado André de Paula e o professor e filósofo Marcos de
Dios. Registramos o evento sobre os 50 anos do golpe militar no site já mencionado.
Nossa intenção tem sido ampliar não só eventos pedagógicos como jornadas,
seminário e palestras, mas o debate sobre temas transversais e transdisciplinares em
oficinas pedagógicas, grupos de estudos, participação de eventos que possam dar
visibilidade a esse desafiante trabalho e ao mesmo tempo nos colocarmos nele em favor
de um importante debate para pensar novos caminhos de uma educação plural,
democrática e cidadã.
II - Jornada da Diversidade e Identidades3
A diversidade, característica inquestionável
dos seres humanos, tem sido tema de inúmeras
pesquisas nos últimos anos. Muito se tem
pensado e pesquisado sobre nossa sociedade foi,
dentro da longa duração da história, formada por
um hibridismo amplo. Diferentes contribuições
culturais, nunca isentas de relações de poder e dominação que se estabeleceram durante
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91 o processo histórico, fazem parte das misturas entre o branco colonizador europeu, os
diferentes grupos indígenas aqui encontrados e a enormidade de diversos grupos
culturais e linguísticos de negros africanos trazidos pelo comércio transatlântico de
escravos.
No caso da diversidade étnico-racial, contamos no âmbito escolar com um grande
reforço no sentido de melhor entendermos debatermos a diversidade. A cultura africana
foi incorporada oficialmente ao currículo do ensino brasileiro desde que a Lei nº 10.639 de
09 de janeiro de 2003 foi sancionada e alterou a Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996,
que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, “para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira” e dá outras providências e da assinatura da Resolução nº 1 de 17 de junho de 2004 que
instituiu as Diretrizes Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o
Ensino e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Entendemos que os estudos sobre a África
não representam somente o outro continente, mas um repensar de nossa própria
historicidade.
É dever da escola promover a pluralidade. Nesse sentido, festejar o respeito às
diferenças é, antes de tudo, compreender que, no encontro das variantes, a soma é mais
do que bem-vinda. Variantes estas que não são somente étnico raciais, mas incluem
importantes dilemas da sociedade brasileira em torno das questões de sexualidade e
gênero. Trabalhar simultaneamente a problemática de gênero, da diversidade sexual e
das relações étnico-raciais, ou seja, abordar em conjunto a misoginia, o machismo a
LGBTfobia e o racismo não é apenas uma proposta absolutamente ousada, mas oportuna
e necessária. Neste repensar de nossa historicidade, a escola é sem dúvida um espaço
privilegiado. Nas escolas, a diversidade existe e se expressa, embora muitas vezes
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92 diferentes origens étnicas, religiosas, econômicas, de gênero e sexualidade. Identidades
não prontas e absolutas em suas definições, mas em construção também na interação
com o Outro, com a diferença. Nesse contexto, a escola vem revelando dificuldades em
lidar com a diversidade e tem, muitas vezes, contribuído para a perpetuação de
desigualdades, principalmente, de ordem racial e de gênero, fomentando assim o racismo
e o sexismo presentes na sociedade brasileira.
Como educadores, acreditamos ser nosso ofício contribuir na luta contra esta
realidade ainda tão desigual, alimentada por estereótipos construídos por diferentes
grupos sociais que atingem diretamente os jovens. Desta forma, preconceitos de todos os
tipos são construídos e fomentados nas discussões familiares, nos diferentes tipos de
mídias, tornando cada vez mais real uma juventude que lida de forma muitas vezes
perversa com a diversidade. Como interferir neste campo de disputas entre o eu e o
outro? Como aproximar o diferente sem inferiorizá-lo? Será que nunca faremos senão confirmar e reafirmar estereótipos nas escolas e alimentar o preconceito? Foi em busca
destas respostas que elaboramos as jornadas da Diversidade. Vejamos:
Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino. Somente a mediação de outrem pode constituir um indivíduo como um Outro. Enquanto existe para si, a criança não pode apreender-se como sexualmente diferenciada. Entre meninas e meninos, o corpo é, primeiramente, a irradiação de uma subjetividade, o instrumento que efetua a compreensão do mundo: é através dos olhos, das mãos e não das partes sexuais que apreendem o universo. (BEAUVOIR, 1967, p. 9-10). Esse texto impactante de Beauvoir, que parece ter chocado setores mais
reacionários e conservadores da sociedade brasileira ao aparecer na prova do Exame
Nacional do Ensino Médio [ENEM] de 2016, não é novo. Como também não é uma
novidade para o ambiente escolar as dificuldades em se tornar homens e mulheres.
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93 psicólogo norte-americano, diferenciava sexo e gênero, estabelecendo que
diferentemente das características anatômicas e biológicas que diferem os sexos feminino
e masculino, o conceito de gênero remete aos significados sociais, culturais e históricos
associados aos sexos (GROSSI, 1998). Ele chegou a esta conclusão estudando crianças
inter-sexo. Porém, a categoria gênero se amplia à formação das identidades de variações
múltiplas entre os espectros do que se entende como feminino e do que socialmente se
define como masculino.
O binarismo tradicionalmente imposto pelo senso comum nunca deu conta dessa
diversidade, quase sempre perceptível e vivenciada no ambiente escolar. Importante
ressaltar ainda que gênero e sexualidade são categorias diferentes. Ambas presentes no
ambiente escolar. É interessante perceber todo o debate que se trava atualmente entre
setores mais reacionários e organizados da sociedade brasileira que visam extinguir os
debates de gênero e sexualidade na escola. E a nós, professores, que estamos direta e
diariamente presentes no ambiente escolar, parece óbvio ser esta uma tarefa hercúlea e
impossível. Sexualidade e gênero fazem parte da formação de adolescentes e jovens. É
um debate que invade a escola e não o oposto. Não debatemos gênero nas escolas
porque achamos, nós professores, particularmente agradável o debate, mas porque
entendemos ser esta uma das grandes demandas dos alunos. Para o aluno, parece claro
que o conhecimento é válido quando usado para compreensão do indivíduo, suas ações,
suas identidades e sua interação diante da realidade social.
Como agir no mundo, ter um ofício, tornar-se um ser político e atuante ou um
profissional competente sem antes saber o que se é. Construir-se como indivíduo,
compreender-se, se identificar a partir das possibilidades de gênero, se posicionar diante
de sua orientação sexual é tarefa complexa e fundamental de cada aluno e não se
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94 por isto, a Constituição Federal Brasileira estabelece estas dimensões como funções da
escola, trazendo em seu artigo 205 como objetivo primeiro da educação o pleno
desenvolvimento das pessoas e a sua capacitação para o exercício da cidadania.
A diversidade, seja de gênero, étnico-racial ou sexual, foi, portanto, uma grande
preocupação dos professores do NUTH. Para dar vazão a todo este debate, propusemos
as jornadas da diversidade. A Jornada da Diversidade teve sua primeira e bem sucedida
iniciativa no ano de 2013. Foi elaborada e organizada integralmente pela equipe de
Língua Portuguesa do Campus Engenho Novo II, sob a coordenação pedagógica do
professor Jorge Luiz M. de Moraes. No ano de 2014, com a entrada do professor à
equipe do núcleo, o NUTH incorporou a organização da jornada. O evento concorreu e foi
contemplado em dois editais, sendo um da Direção de Cultura e outro da Direção de
Pesquisa, lançados pelo Colégio Pedro II, ambos vinculados á Pró-reitoria de
Pós-Graduação, Pesquisa, Extensão e Cultura (PROPGPEC). Desta forma, nesta nova
edição, e primeira do NUTH, a Jornada da Diversidade contou com o apoio muito
bem-vindo da PROPGPEC para a produção e divulgação do evento, bem como com o apoio
da Direção do Campus Engenho Novo II para sua organização e concretização.
Abaixo, listamos algumas atividades realizadas durante a I Jornada da Diversidade
do NUTH e as respectivas fotos:
Uma Flor para Zuzu:
Tributo a Zuzu Angel. 1º ano do Ensino Médio, escadaria do hall no prédio principal. Os alunos produziram roupas inspirados na história de Zuzu Angel. Esta atividade, em parceria com a Professora Gisela Viana, integra o grupo de “Moda e Arte”.
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Cine-debate sobre diversidade sexual – turmas do 9º ano, sala de
aula. A atividade contou com apoio de alunos do Curso de Cinema da Universidade Federal Fluminense [UFF], que apresentaram um curta-metragem sobre sexualidade.
Recreio Cultural: apresentação de
grupo de ciranda no pátio, reunindo a comunidade escolar. A atividade foi organizada pelas professoras Márcia Schiavo, de Artes Visuais, e Beatriz Arosa, de Sociologia, e contou com a participação dos alunos com ritmos e danças populares.
Afroreggae – Projeto “Além
do Arco Íris” – 3º ano EM. Auditório do Campus. Atividade com a participação do grupo “Além do Arco-íris”, da ONG Afroreggae destinado a construir encontros, debates, orientação profissional e um pré-vestibular comunitário para transgêneros em situação de necessidades sociais.
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Oficina de boneca Nanaorí – Turmas
do 8º ano, sala de aula. Esta atividade contou com a participação dos alunos na produção de bonecas tipicamente africanas. Antes da produção das bonecas, os alunos tiveram contato com a cultura local e o sentido de produção deste artesanato na comunidade.
Oficina de coco, dança de roda e percussão – Turmas do 8º ano,
quadra poliesportiva. Nesta oficina os alunos experimentaram danças de tradição afro-brasileira como o coco, o jongo e a dança de roda.
Desfile de Beleza Negra – hall do prédio central. O Desfile da Beleza Negra é feito a
partir da participação dos alunos negros da escola, no sentido de ampliar a dimensão da beleza tradicionalmente branca, presente nas. É fundamental para a construção da identidade do aluno negro se entender como capaz e igualmente belo. Esta atividade visa desconstruir padrões de beleza produzidos numa realidade social racista e contribuir para a auto estima dos alunos. Além de discutir também questões de gênero, como exemplifica a foto, com um aluno que preferiu desfilar de saia (GOLDENBERG, 2002).
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Palestra: A constituição dos sujeitos da ação na complexidade do território: Considerações gerais sobre o Movimento Negro. Prof. Dr. Adrelino Campos (Uerj) – Turmas do 2º ano do Ensino Médio, sala de aula.
Oficina de Jongo e Maculelê com o grupo de Cultura Popular “Quilombismo” –
Turmas de 7º ano, Quadra poliesportiva. Mais uma atividade pensada no sentido da experimentação e vivência pelos alunos das tradições e culturas popular e afro-brasileira.
Recreio Cultural: Rodão cultural
de Danças Populares com a participação de todos no comando do Grupo “Quilombismo” Pátio do Campus.
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Intervenção Rafuko - Turmas do 2º
ano do Ensino Médio, auditório. Rafuko é um militante que age nas diferentes mídias, com uma linguagem bem jovem, chamando atenção para o combate à LGBTfobia.
Apresentação de performance com posterior debate com o coletivo feminismo de 3∕4 – 1º ano Ensino Médio,
auditório. O coletivo feminismo de 2/4 é composto exclusivamente por alunos de variados campi do Colégio Pedro II. Esta atividade foi organizada e desenvolvida pelos alunos para discutir a questão do machismo na escola.
Transcrevemos aqui algumas atividades realizadas durante a jornada, para
oferecer uma melhor dimensão da variedade de temas abordados, sob formatos
diferenciados, para séries e turmas variadas e em espaços diversos do ambiente escolar.
A intenção foi ocupar, no sentido amplo do termo, a escola a partir da temática da
diversidade. As escolhas de atividades pedagógicas foram feitas a partir de reuniões do
coletivo e levaram em consideração as necessidades de discussões sobre o tema, bem
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99 pensamos em proporcionar e construir junto aos alunos experiências que transcendessem
ao debate oral e a palestras. Não que estes formatos não sejam importantes para a
proposta em questão, sendo, assim, obviamente contemplados. Mas, ainda dentro de
uma perspectiva da transdisciplinaridade, acreditamos ser preciso que as propostas
pedagógicas sejam capazes de não só contextualizar, mas também concretizar e
globalizar. Assim, acreditamos na necessidade de inserção da intuição, imaginação, da
sensibilidade e do corpo na transmissão do conhecimento. Neste sentido, temos
atividades pedagógicas em que o aluno possa experimentar esta diversidade cultural
brasileira com apresentações musicais e oficinas de dança e música. Ainda dentro desta
perspectiva da experimentação, inserimos oficinas de elaboração de bonecas africanas,
bem como performances de grupos compostos por alunos da própria comunidade escolar
como o recreio cultural com apresentação do bumba-meu boi por alunos do Ensino
Fundamental do campus e a performance seguida de debate proposto pelo grupo
feminino “feminismo de 3∕4”, formado por alunas do Ensino Médio do campus.
Os convidados para o evento também foram pensados a partir da mesma
perspectiva. Visando integrar ainda mais a realidade social do aluno ao tema proposto,
convidamos palestrantes para discutir a realidade do funk, bem como a questão da
homofobia tão presente nas redes sociais. Contaremos ainda com a cobertura jornalística
da webrádio “Interativa”. A Interativa é uma iniciativa da equipe de língua portuguesa que desde 2013 vem elaborando junto a alunos do campus uma rádio comunitária para
cobertura dos eventos da escola, bem como para propor debates e discussões relevantes
para a comunidade escolar. No ano de 2014, a webrádio “Interativa” foi incorporada ao NUTH e vem acompanhando todos os eventos desenvolvidos pelo núcleo. Mais
informações sobre a rádio, bem como os programas elaborados e a cobertura de eventos
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100 Essa primeira jornada teve uma grande repercussão na comunidade escolar. A
participação dos alunos foi muito expressiva, demonstrando o que já sabíamos, ou seja,
esta discussão é uma importante demanda da comunidade escolar.
Referências
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101
IDENTITY, DIVERSITY AND TRANSDISCIPLINARY EXPERIENCE
Abstract: The present article aims at offering a discussion about the interactions among the gender-related identities and a transdisciplinary educational experience with regard to young students in basic education. As a starting point, this study relates the foundation of the Transdisciplinary Center of Humanities [NUTH] at Campus Engenho Novo II, Colégio Pedro II, and the First Workshop of Diversity (I Jornada da Diversidade) of NUTH which took place on October 2014. The authors briefly describe both the trajectory of NUTH and the construction of a transdisciplinary pedagogical project, having as references the themes of diversity and identity. These are cross-cutting themes worthy of consideration when developing students’ critical thinking and political consciousness, emphasising the relevance of acknowledging the Other within the Brazilian society in contemporary times.
Keywords: Identity – Diversity − Transdisciplinarity.
Recebido em: 25/05/2016 Aprovado em: 30/06/2016