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O ACESSO À EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL: Desafios e perspectivas

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Academic year: 2021

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O ACESSO À EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL: Desafios e perspectivas

João Ferreira de Oliveira (UFG) A universalização do acesso à educação superior constitui-se tema emergente, complexo e de fundamental importância para a sociedade brasileira, especialmente se considerarmos o cenário da revolução tecnológica, da globalização e das mudanças no mundo do trabalho, bem como as perspectivas de universalização do ensino fundamental do ensino médio a curto e médio prazos. No Brasil, a democratização do acesso e permanência no ensino fundamental e médio, ampliará excepcionalmente a demanda pelo ensino superior1, o que representa um enorme desafio para o país, especialmente no que tange ao sistema de educação superior, aos modos de organização acadêmica e as modalidades de cursos a serem ofertados2.

Nesse contexto, é preciso reconhecer que o acesso à educação superior no Brasil sempre foi um tema polêmico, especialmente porque confronta, de um lado, perspectivas mais elitistas de contenção do acesso visando, em grande parte, a manutenção do prestígio dos diplomas e o status dos profissionais no mercado de trabalho e, de outro, perspectivas mais populares de ampliação do acesso, o que representa aspirações de largas camadas da sociedade, visando a obtenção de emprego que garanta melhoria nas condições de vida e ascensão social.

Criado em 1911, num movimento de contenção do acesso, o vestibular tinha como objetivo selecionar candidatos “aptos” para o ensino superior. Ele surgiu num momento em que o número de pessoas interessadas em fazer curso superior era maior do que o número de vagas oferecidas pelas IES. Nesse sentido, o vestibular cumpre historicamente o papel de limitar o acesso. É exatamente esse papel que fez dele algo tolerado (como um remédio

1 O Censo da Educação Básica – 2000, registrou um total de 35.717.948 matrículas no ensino fundamental,

sendo 20.211.506 nas quatro primeiras séries e 15.506.442 nas quatro últimas séries. Já o ensino médio contabilizou 8.192.948, enquanto o ensino superior totalizou 2.694.245 matrículas nos cursos de graduação. Em 1999, o número de concluintes do ensino fundamental foi de 2.484.972, enquanto o ensino médio registrou 1.786.827 e o ensino superior 324.734 concluintes.

2 As Instituições de Educação Superior (IES) no Brasil classificam-se, quanto à sua natureza jurídica em

públicas e privadas e quanto à sua organização acadêmica em universidades, centros universitários, faculdades integradas, faculdades, instituições superiores ou escolas superiores. Além disso, a LDB criou a figura dos Institutos Superiores de Educação destinados à formação de professores. Por sua vez, os cursos e níveis da educação superior ofertados são os seguintes: a) cursos seqüenciais (de formação específica e de complementação de estudos); b) cursos tecnológicos; c) cursos de graduação; d) cursos/programas de pós-graduação, incluindo especialização, mestrado (acadêmico e profissional) e doutorado; e) cursos de extensão, oferecidos nos níveis de Iniciação, Atualização, Aperfeiçoamento, Qualificação, Requalificação Profissional e outros. Além dessas instituições e cursos, é preciso lembrar ainda dos cursos emergenciais para formação

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ruim, mas necessário) ou criticado (como mecanismo de exclusão social). Por isso, há aqueles que dizem que o vestibular, ou melhor, que o processo seletivo (conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB) apenas seleciona para as vagas existentes nas IES e, por esta razão, não pode ser responsabilizado pela seletividade social. O vestibular ou processo seletivo estaria, apenas, reproduzindo a seletividade já existente na sociedade e na escola básica. Outros, por sua vez, querem o fim do vestibular ou seu equivalente por entenderem que ele intensifica a discriminação social e produz efeitos danosos sobre as escolas e sobre os sistemas de ensino. Esse tem sido um impasse nos debates educacionais nas últimas décadas.

A LDB (Lei no 9.394/96), confirmou tendência de reforço à autonomia das universidades no tocante às formas de acesso dos concluintes do ensino médio aos cursos superiores, uma vez que essa autonomia tinha sido decretada no governo Collor, em 1990 (Decreto no 99.490/90), num contexto de crítica à “seletividade social promovida pelo vestibular”. Com essa autonomia de seleção, observa-se intensificação do processo de diversificação dos modelos de seleção nas IES, o que não implica no fim do processo de elitização e de seletividade social. Pois, de acordo com estudo realizado pelo sociólogo Simon Schwartzman3 “o número de estudantes nas universidades cresceu 76% entre 1992 e 1999, mas esse aumento não significou o ingresso, na mesma medida, dos menos favorecidos ao 3o grau” (Veja, 5 de junho, 2002, p.113). Conforme o estudo, “a proporção de alunos universitários procedentes da camada dos 20% mais ricos da população aumentou de 67% para 70% no período. Ao mesmo tempo, a presença dos 20% mais pobres sofreu queda de 1,3% para 0,9%”4.

Desse modo, uma questão continua posta, apesar dessa autonomia de seleção: como tornar democrático o acesso e a permanência no ensino superior? Um desafio permanente para as IES continua a ser o de construir processos seletivos que contribuam para essa democratização do acesso e para a melhoria da qualidade de ensino. No entanto, como vislumbrar essa mudança quando os princípios de igualdade de oportunidade, de demonstração das capacidades e de livre concorrência continuam a ser claramente indicados como balizadores para as novas formas de seleção, conforme explicita o Parecer no 95/98 do Conselho Nacional de Educação (CNE)?

3 O estudo baseia-se em informações levantadas pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)

do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

4 De acordo com o Censo da Educação Superior - 2000, as vagas oferecidas nos cursos de graduação

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Em geral, nos processos seletivos para o ingresso no ensino superior existentes no país, o ideário das aptidões e capacidades naturais está na base da seleção dos melhores. Os critérios bio-psicológicos justificam as diferenças individuais, mesmo considerando alguma determinação de natureza sócio-econômica-cultural. Há, em geral, um processo de naturalização da seleção por meio da idealização de processos seletivos considerados mais isentos e mais justos em relação ao princípio de igualdade de condições para acesso. Prevalecem os critérios naturais de aptidão e de inteligência, em detrimento das variáveis ou condicionantes sócio-econômicos de seleção. Assim, mesmo numa sociedade marcada pela heterogeneidade e pela desigualdade prevalece a competição livre e aberta dos talentos e capacidades.

Além disso, é preciso lembrar ainda que, nos moldes atuais, nenhum processo seletivo poderá ampliar as vagas existentes nas IES. A democratização do acesso implica certamente nova fase de expansão do ensino superior público e gratuito no país, algo de difícil concretização no cenário atual levando-se em conta que o governo vetou artigo do Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado pela Lei no 10.172/01, que visava “ampliar a oferta de ensino público de modo a assegurar uma proporção nunca inferior a 40% do total das vagas, prevendo inclusive a parceria da União com os Estados na criação de novos estabelecimentos de educação superior”. Na verdade, o governo vetou nove sub-itens do Plano que promoviam alterações ou ampliavam recursos financeiros para a educação, sendo que cinco deles se referiam diretamente à educação superior, indicando claramente que não há intenção em incrementar os recursos para educação, em particular para o ensino superior, especialmente para aquele mantido pela União.

Na realidade, as políticas de educação superior implementadas no Brasil, nos últimos anos, consubstanciam expansão acelerada do sistema por intermédio da diversificação da oferta, do crescimento das matrículas no setor privado e da racionalização dos recursos nas IFES, que permita ampliação de vagas a custo zero, sobretudo nas universidades federais5. Objetiva-se também maior articulação dos currículos de formação com as demandas do mercado e maior controle da educação superior, por meio de amplo e diversificado sistema de avaliação, que ordene as tomadas de decisão em termos de gestão e do estabelecimento de políticas governamentais.

matrículas 2.694.245 e os concluintes 324.734. Assim, foi de 3,5 a relação inscrições/vaga no vestibular, sendo 9,8 na esfera federal, 10,1 na esfera estadual, 2,1 na esfera municipal e 2,0 na rede privada.

5 Nos últimos anos observa-se crescimento acentuado nos indicadores acadêmicos das universidades federais,

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A ausência dos itens vetados no PNE parece consubstanciar ainda mais o processo de mercantilização da educação superior em curso no país, à medida em que favorece o crescimento do setor privado e induz as IFES, em geral, a assumirem perfil mais empresarial quanto à obtenção de recursos financeiros para sua manutenção e desenvolvimento, bem como elimina aportes financeiros para manter ao menos o patamar de 40% das vagas no setor público, como indica o PNE, uma vez que o setor privado já responde por cerca de 70% das matrículas nos cursos de graduação..

Parece evidente que a perspectiva de democratização do acesso à educação superior no Brasil não poderá se efetivar sem uma ampliação dos investimentos da união e dos estados na oferta desse nível de ensino, bem como sem um aumento dos gastos públicos na educação básica e nas diferentes modalidades de educação e ensino6. Sem esses recursos dificilmente será possível cumprir, também, o estabelecido no art. 47, § 4º da LDB, que obriga as IES públicas à oferecerem, “no período noturno, cursos de graduação nos mesmos padrões de qualidade mantidos no período diurno”. Por isso, pode-se afirmar que a efetiva democratização do acesso à educação superior passa mais pela pressão da sociedade no sentido da ampliação de vagas, sobretudo nas IES públicas, do que pela definição de formas e modelos alternativos de seleção.

As inovações de seleção não têm conseguido alterar o panorama de seletividade social, uma vez que elas não modificam o paradigma de escolha elitizante existente no país. A LDB não trouxe efetivamente nenhuma ruptura com o padrão de seleção instituído que privilegia os candidatos com maior capital econômico e cultural. Continua, desse modo, a seleção baseada nas aptidões e capacidades naturais que, historicamente, tem assegurado que o ensino superior, sobretudo, os cursos de maior prestígio social e de melhor qualidade, sejam destinados a uma elite econômica e culturalmente favorecida.

Como reconhece o Conselho Nacional de Educação (CNE), em relação aos condicionantes sócio-econômicos, “as diferenças se revelam já no momento da escolha das carreiras, isto é, na inscrição para o concurso, e não somente após a classificação dos candidatos que lograram aprovação” (Parecer no 95/98). De qualquer forma, segundo o ministro da educação, “o ensino superior deve continuar sendo seletivo, isto é, destinado aos mais capazes” (Souza, 1999, p.30). Para o ministro, todavia, a “seleção não pode implicar discriminação”, o que estará resolvido, segundo ele, se os processos seletivos obdecerem ao

6 Um dos subitem vetados do PNE (item 10.3, subitem 4)dizia respeito exatamente a elevação, na década, do

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princípio constitucional da igualdade de condições para acesso segundo a capacidade de cada um (Art. 206, inciso I, e art. 208, inciso V, da Constituição Federal de 1988).

Em que pese o relativo papel dos processos seletivos na democratização do acesso à educação superior, devemos reconher que esses modelos de seleção podem intensificar a reprodução e a seletividade social, bem como podem interferir na organização escolar e no projeto formativo do ensino médio. Por isso, temos o desafio de integrar as IES públicas, particularmente as universidades, ao esforço coletivo de valorização e resgate da escola pública e de reconhecimento da educação como direito em seus diferentes níveis e modalidades de ensino. Nesse sentido, devemos pensar em processos seletivos que contribuam efetivamente para a construção da educação pública e da sociedade democrática que queremos, o que significa que devem romper com os fundamentos que favorecem a seletividade social.

De um modo geral, é preciso reconhecer que a elevação da qualificação geral da população brasileira constitui-se aspecto basilar numa sociedade e numa economia baseada cada vez mais na educação e no conhecimento. De um lado, portanto, coloca-se o desafio de atender a demandas econômicas e sociais heterogêneas por educação superior e, de outro, a necessidade de ampliar significativamente a produção de conhecimento que contribua para o bem estar coletivo e para construção da sociedade futura.

Por isso, as perspectivas de universalização da educação superior no Brasil implicam, no momento, dentre outros fatores, na: a) retomada da discussão dos vetos ao PNE, que ampliava os recursos dos fundos públicos para a educação, particularmente, para educação superior; b) mudança da lógica de expansão do sistema, que privilegia o crescimento do setor privado e, portanto, a privatização da oferta; c) melhoria da qualidade do ensino na educação básica, visando ampliar consideravelmente as possibilidades de acesso dos alunos advindos das escolas públicas; d) ampliação do programa de crédito educativo para estudantes com baixo poder aquisitivo, visando atingir, no mínimo, “30% da população matriculada no setor particular”, como indicava item vetado do PNE; e) ampliação da oferta de ensino pós-médio, incluindo “formação em áreas técnicas e profissionais” e a criação de modalidade de curso universitário intermediário voltado para a formação acadêmica geral, que contribua para atingir, pelo menos, “30% da faixa etária de 18 a 24 anos” até o final da década da educação permitindo, assim, a continuidade dos estudos após o ensino médio; f) reforço e ampliação do papel das universidades públicas, especialmente das federais, na formação de quadros profissionais, científicos e culturais, na

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investigação e pesquisa acadêmica, na busca de soluções para os problemas da sociedade brasileira e no desenvolvimento científico e tecnológico do país.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Lei no 9.393/96, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília – DF, Diário Oficial da União, 1996.

CONSELHO Nacional de Educação. Conselho Pleno. Parecer no CP 95/98, aprovado em 2 de dezembro de 1998. Brasília – DF, 1998.

MINISTÉRIO da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. Sinopse Estatística do Ensino Superior de Graduação - 2000. Brasília – DF, MEC/INEP, 2001.

_____. _____. Plano Nacional de Educação – PNE. Brasília – DF, MEC/INEP, 2001. OLIVEIRA, João F. Liberalismo, Educação e Vestibular: movimentos e tendências de seleção para o ingresso no Ensino Superior no Brasil a partir de 1990, Goiânia, MEEB/FE/UFG, 1994 (Dissertação de Mestrado).

SOUZA, Paulo Renato. Mais igualdade na educação. Folha de S. Paulo. São Paulo, 6 out. 1999.

Referências

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