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Revolução Bolchevique e Conselhos de Fábrica

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Academic year: 2021

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Revolução Bolchevique e Conselhos de Fábrica

Resumo: Os conselhos de fábrica foram uma experiência importante durante o século XX, e sua análise se faz de grande importância para compreensão do contexto histórico do período e da história do movimento operário italiano baseado no internacionalismo da Revolução Bolchevique. A proposta desse artigo é analisar a relação da Revolução Bolchevique e os Conselhos de Turim, da mesma maneira, se propõe a realizar uma análise gramsciana da relação dos conselhos com a cultura socialista.

Palavras-Chave: Gramsci, Conselhos, Cultura Socialista.

Abstract: The factory councils were an important experience during the twentieth century, and their analysis is of great importance for understanding the historical context of the period and history of the Italian labor movement based on the internationalism of the Bolshevik Revolution. The proposal of this article is to analyze the relation of the Bolshevik Revolution and the Councils of Turin, in the same way, it proposes to carry out a gramsciana analysis of the relation of the councils with the socialist culture.

Keywords: Gramsci, Advices, Socialist Culture.

1. Introdução

Gramsci chegou em Turim aos 20 anos, em outubro de 1911. Sua vida foi marcada neste momento em uma relação com o movimento operário, devido o aglomeramento industrial da cidade. O nosso autor foi à Turim também por sua situação econômica, como um aluno muito dedicado conquistou uma bolsa de estudos por meio da instituição beneficente – Colégio Carlos Alberto- que promovera um concurso para alunos que viviam em condições econômicas desfavoráveis do ex- Reino da Sardenha.

Nos escritos de Gramsci é possível compreender sua necessidade de superação do modo atrasado de pensar e viver do povo italiano. Segundo Leonardo Rapone, os momentos do jovem sardo na universidade foram arrastados por dificuldades e penúria de sustento, saúde e incompreensão/conflitos familiares.

Nos escritos juvenis, Gramsci elabora textos com caráter cultural, político e econômico. É possível observar o historicismo e a forma que o autor se coloca contrário à posições naturalistas e mecanicistas, de modo que o debate é realizado em torno da questão

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2 teórico-política. O jovem sardo já se posicionava contrário aos partidos sectários e positivistas, além das correntes particularistas e eleitoreiras.

Foi um dos intelectuais e militantes políticos responsáveis por trazer à luz a experiência dos Conselhos (1919-1920). Entusiasmado com a Revolução Bolchevique e com a possibilidade da revolução espalhar-se pela Europa e para outros países, o jovem sardo iniciou junto de seus companheiros de militância, uma jornada de apoio ao movimento turinês organizado nos Conselhos. Gramsci trabalhou na imprensa socialista do periódico do Partido Socialista Italiano (PSI), e travou inúmeras críticas ao positivismo e ao economicismo, de maneira que cada vez mais afastava-se da influência neo-idealista de Benedetto Croce e aproximava-se de Georges Sorel e de Rosa Luxemburg. Os escritos do autor retratam inúmeros temas que podem ser analisados em nosso tempo, que vai do teatro à política, num percurso entre a história italiana, a economia política, a cultura, a educação, ao fascismo, entre outros.

Como um dos principais pensadores da segunda refundação comunista, Gramsci foi capaz de observar o contexto histórico de sua época, marcado por guerra imperialista e revolução socialista, a fim de traduzir a experiência russa para o norte italiano. Devemos nos lembrar que a Itália se dividia entre o Norte e o Sul em uma relação de submissão, onde concretizava-se um certo atraso industrial na região Sul e um desenvolvimento industrial ao Norte.

2. Gramsci e a Revolução Russa

Lancemos de antemão à questão: A Revolução Russa foi filha da Primeira Guerra Mundial? A guerra imperialista colocou a revolução na ordem do dia e como um dos acontecimentos mais importantes do século XX, porque foi o momento da massa proletária se unir e resistir ao capitalismo e provar que era possível a superação da velha ordem e do velho mundo. Contra a guerra, o proletariado se uniria e demonstraria sua capacidade de organização prática e política conquistando o espaço para a revolução internacional socialista.

A Guerra Imperialista modificou profundamente a vida nos aspectos das relações sociais, diplomáticas, culturais, políticas e econômicas. Havia um capitalismo na economia,

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3 estruturalmente liberal, constitucional e legal centralizado na Europa com o avanço do progresso, assinalado pela tecnologia, artes e ciência, com número crescente da raça humana. Nos curtos-longos anos de desastre humano, de perdas humanas, eis que surgem diversas explicações sobre o período histórico, que abre portas para ideologias nacionalistas, de seio fascista e, contraditoriamente, o proletariado organizado, resgata o marxismo, a ponto de compreender seu papel revolucionário na luta de classes.

Em 1918, passado a euforia da novidade da guerra, Gramsci sistematiza que a guerra é a máxima concentração de indivíduos nas trincheiras e nos quartéis, o que consequentemente, maximiza a concentração da atividade econômica nas mãos da classe dominante e dos dirigentes estatais. Neste mesmo artigo, considera a Revolução Russa, em um dos parâmetros, como consequência da guerra, trazidas também pelo Estado despótico que desejara entrar na guerra com base técnica, mas não forjado na indústria e na fábrica. Todavia,

Quanto maior era o sentimento de debilidade que sentiam antes, no isolamento, e quanto mais se sujeitavam ao despotismo, tanto maior foi a revelação da força coletiva existente, tanto mais intenso e tenaz foi o desejo de conservá-la e de construir com base nela uma nova sociedade. (GRAMSCI, 2004, p. 205). Em meio aos conflitos sangrentos da Guerra Imperialista, a Revolução Russa que estava em andamento desde 1905, culminou na Revolução Bolchevique, em outubro de 1917. A Revolução foi decisiva para a história da humanidade. Há várias perspectivas que analisam este processo histórico. A Revolução de Outubro produziu o maior movimento operário organizado de toda a história moderna. O programa da Revolução Bolchevique como então compreendido foi de proclamar e organizar um sistema alternativo que superasse o capitalismo.

A Revolução Russa, ou, mais precisamente, a Revolução Bolchevique de outubro de 1917, pretendeu dar ao mundo esse sinal. Tornou-se portanto tão fundamental para a história deste século quanto a Revolução Francesa de 1789 para o século XIX. (HOBSBAWM, 1995, p. 62).

A Rússia do século XIX era um país atrasado e absolutista feudal, composto em sua maioria pelo campesinato e por diversos povos que habitavam o território. Em primeiro momento, nota-se que a industrialização e desenvolvimento do capitalismo na Rússia ocorreram por indução do Estado feudal- absolutista, o mesmo criou vagarosamente um proletariado e uma burguesia nova/industrial. Mesmo em um país atrasado, as forças produtivas, de modo dialético se desenvolviam, aumentavam e acirravam a luta de classes,

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4 portanto, abriu espaço para um processo revolucionário.

A revolução russa marcou positivamente a vida de Gramsci. Mesmo com notícias censuradas pelas autoridades militares, o jovem sardo viu a revolução desde o começo como uma revolução proletária -- antijacobina -- que não possuía um caráter burguês, diferente da revolução francesa. Para o autor, a Rússia foi capaz de efetuar uma nova ordem baseada em um programa universal e capaz de mobilizar as consciências para uma finalidade, e não apenas com uma minoria impondo algo à maioria. No escrito Notas sobre a revolução russa, de 29 de abril de 1917, no jornal Il grido del popolo, notamos o caráter antijacobino de Gramsci, influência de Sorel, que posteriormente será modificado nos Cadernos do Cárcere.

A Revolução Russa ignorou o jacobinismo. A revolução teve de abater a autocracia, não teve de conquistar a maioria com a violência. O jacobinismo é um fenômeno puramente burguês: ele é característico da revolução burguesa na França. (GRAMSCI, 2004, p.101).

O jacobinismo é uma categoria histórico-interpretativa na obra de Gramsci, tanto nos Escritos Políticos, quanto nos Cadernos. Nos anos em Turim, o autor foi um crítico do jacobinismo e o identificava como um modo puramente burguês de se fazer política. Na obra Carcerária de Gramsci, poucos são os temas que sofreram alguma modificação de fato. No entanto, foi o caso da categoria de jacobinismo, que tornou-se uma categoria necessária para explicar o significado de partido político, de forma que se revelara como uma metáfora da imagem da vontade coletiva organizada, ligada junto a ideia de partido enquanto príncipe moderno, que representa a vontade coletiva organizada.

Para Gramsci, a revolução russa foi capaz de destruir o autoritarismo e substituir por um sufrágio universal que também se estendia às mulheres, além da importância sobre a liberdade para o desenvolvimento das consciências. Dessa forma, os russos não eram jacobinos por terem um ideal para a maioria, e não para poucos, sendo, portanto, a instauração de uma nova consciência moral.

Mas, sabemos que não somente a revolução foi responsável por criar essa liberdade no país em que foi realizada a transição. De modo geral, o povo russo foi o grande beneficiário do processo de transformação social, mas os eventos foram além do Oriente e alcançou o leste Europeu, parte da América Latina e também da Ásia.

E mais uma vez, a luz vem do Oriente e se irradia sobre o velho mundo ocidental, que se espanta com isso e só sabe retrucar com os banais e tolos chistes de seus jornais venais. (GRAMSCI, 2004, p.104).

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5 A Rússia teve uma experiência fracassada com os Sovietes em 1905, no processo de revolução burguesa. Os Sovietes voltaram em 1917, em Petrogrado e deu rumo à revolução de Outubro. O proletariado sempre busca maneiras de organizar-se contra os ataques do Capital. Tanto na Alemanha, como na Hungria e na Italiana, os conselhos tomaram formas diferentes devido suas singularidades e esboçaram a capacidade de organizar o proletariado junto à cultura socialista e para uma organização do processo produtivo, que agora determinava uma finalidade, sendo possível o desenvolvimento da consciência de classe rumo à consciência universal.

2. Os Conselhos de Fábrica

Quando as massas necessitam se organizar, os sindicatos e os partidos normalmente são as primeiras opções. No entanto, os Conselhos surgiram por diversas vezes conforme o partido ou o sindicato não tiveram condições de organizar as consciências para uma transformação social que envolvesse o desaparecimento das relações de classe e também a destruição das instituições burguesas, sendo uma delas o Estado. Mas, os Conselhos não queriam apenas destruir as instituições e o Estado.

Os Conselhos surgem da necessidade de organizar as classes subalternas e o proletariado para a criação de uma democracia operária que desemboca no Estado operário. Para o autor, uma das principais tarefas é criar esses organismos para que trabalhem nas consciências a cultura socialista por meio da disciplina de proletários e camponeses. O trabalho a ser feito pressupõe organização e propaganda, além de aumentar o poder para as instituições de fábricas.

Gramsci inicia o debate sobre os Conselhos nos anos de 1919-1920, em Turim. O PSI e a Confederazione Generale del Lavoro (CGL) não apoiaram o movimento operário turinês. No 1º de maio de 1919, Angelo Tasca, Umberto Terracini, Palmiro Togliatti e Antonio Gramsci fundaram o periódico de cultura socialista L’Ordine Nuovo. A proposta era dar voz aos operários e também aos Conselhos, dessa maneira, discutir os possíveis rumos que a revolução bolchevique tomava em solo italiano.

Um dos principais artigos jornalísticos da época, datado em 21 de junho de 1919, denominado como Democracia Operária, retrata a esfera do estímulo do pensamento à ação, de maneira que fica clara a questão da práxis interligada com a teoria. As questões levantadas

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6 por Gramsci são: como é possível dominar as forças sociais que a guerra desencadeou, como discipliná-las e lhes deixar desenvolver-se para completar-se e fundar um Estado operário, e claro, como ligar isto com o tempo presente e também satisfazer as necessidades do proletariado indo além da proposta menchevique da CGL?

As questões colocadas por Gramsci o levaram para o desenvolvimento da sua teoria político de Estado e de Partido até os Cadernos. Esses pontos não surgiram em 1919, são questões que podem ser analisadas a partir dos Escritos Políticos de 1910, fato que marca o afastamento de uma ideologia neoidealista para uma teoria própria de marxismo. O que nos interessa, portanto, é compreender que o escrito Democracia Operária é um escrito que vai além de dar voz ao proletariado, é ume escrito de estratégia política que reflete sobre a possibilidade dos Conselhos darem forma à transição socialista e organizarem um trabalho comum e solidário.

Observamos que devido aos resultados da influência bolchevique na Europa, e principalmente na Itália, sendo a experiência do Biennio Roso, a última experiência dos Conselhos na Europa, o Estado socialista não era apenas uma possibilidade, mas existia potencialmente. O texto de Gramsci propunha articular entre si as instituições e subordiná-las, também centralizar o poder para substituir o Estado burguês e criar uma democracia operária. Na Itália, o PSI e a CGL foi capaz de aglomerar as massas, não foram capazes de organizar o proletariado para alcançar algo maior do que as reformas e a satisfação das carências e das necessidades do ser humano.

É preciso dar uma forma e uma disciplina permanentes a essas energias desordenadas e caóticas, absorvê-las, articulá-las e potenciá-las; é preciso fazer da classe proletária e semi-proletária uma sociedade organizada em que se eduque, que obtenha experiência, que adquira uma consciência responsável dos deveres que incumbem às classes que chegam ao poder de Estado. (GRAMSCI/2004). Para Gramsci, o Partido e o Sindicato não se identificavam com a construção do Estado operário. O Partido deveria continuar sendo o órgão de educação comunista que harmoniza e é capaz de conduzir as forças sociais organizadas do proletariado e do campesinato, a fim de elaborar um campo de disputas para a construção de uma hegemonia dos subalternos. As instituições da sociedade devem se organizar e articular nas diversas atividades para se vincular num sistema que absorva toda a classe trabalhadora.

Os Conselhos em Turim foram capazes de dar uma nova roupagem ao movimento operário devido sua ação de ocupar as fábricas e deixar os patrões do lado de fora. A

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7 produção de mercadorias passou a ser disciplinada e fez com que as comissões internas -- órgãos da democracia operária --, limitassem o poder dos capitalistas e desempenhassem funções de controle da produção. A sugestão de Gramsci é que a palavra de ordem se torne “Todo o poder de Estado aos conselhos operários e camponeses.”

Um tal sistema de democracia operária (complementado por organizações equivalentes de camponeses) daria uma forma e uma disciplina permanente às massas, seria uma magnifica escola de experimentação política e administrativa, englobaria as massas até o último homem, habituando-as à tenacidade e à perseverança, que necessita de uma firme coesão se não quer ser destruído e escravizado. (GRAMSCI/2004).

Lembramos que o artigo de Gramsci por ora analisado, tem como proposta essencial uma reflexão ao pensamento que leve à ação prática. A solução para as questões que foram colocadas no início, estabelece um percurso que leva ao resultado da prática comunista, que nada mais é do que a discussão em comum, capaz de modificar as consciências e dotá-las de ativismo e de entusiasmo.

Quem quer o fim deve também querer os meios. A ditadura do proletariado é a instauração de um novo Estado, tipicamente proletário, no qual confluem as experiências institucionais da classe oprimida, no qual a vida social da classe operária e camponesa se torna sistema difundido e fortemente organizado. Este Estado não se improvida: os comunistas bolcheviques russos trabalharam durante oito meses para divulgar e tornar concreta a palavra de ordem “todo o poder aos sovietes”; e os operários russos conheciam os sovietes desde 1905. (GRAMSCI/2004).

A construção da hegemonia dos subalternos tem ampla relação com a modificação de ideologias das classes dominantes que por vezes norteiam o senso comum das classes dominadas. A relação da cultura se encaixa justamente quando pensada a eficácia da ideologia enquanto materialização e organização das relações políticas. A burguesia constrói sua ordem no sentido político, enquanto efeito ideológico, a ordem se naturaliza e perde sua historicidade, pois é eternizada e se evita o caráter central da ordem: que é a questão classista, ou seja, se é burguesa ou operária, respectivamente, se é para poucos ou se é de todos. Por vezes, os partidos e os sindicatos negam essa ordem e o Estado ético, que está acima da luta de classes, se torna uma aspiração política que possui a esperança de se tornar para todos. Os partidos e principalmente os sindicatos com seu caráter contratualista, acaba por renegar a luta de classes na prática e não vê alternativa para substituir o caráter da ordem.

Os conselhos são necessários para organizar a economia e a política juntas, de modo dialético e diferente da forma que o sindicato realiza – já que ele não é baseado na vida fabril, mas na vida salarial que age como um mercado profissional-. O Conselho de Fábrica é uma

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8 instituição de caráter público, já o Partido e o Sindicato, segundo Gramsci, são associações de caráter privado.

No Conselho, o operário torna-se parte da fábrica como produtor. Entretanto, no partido e no sindicato o operário ingressa de modo voluntário e assina um compromisso, de modo contratual, que pode ser rompido quando for conveniente e desejado. “O exemplo de Turim era para nós emblemático; e, por isso, num de nossos artigos, Turim foi apresentada como a forja da revolução comunista italiana.” (GRAMSCI, 2004, p. 406).

É de suma importância compreender o papel do partido no Biennio Rosso, principalmente quando pensamos sobre a práxis dessa organização. Segundo Gramsci, O PSI, órgão da classe operária italiana, deveria agir -ter realizado meios- para a conquista do Estado operário mediante o poder dos conselhos de fábrica. O comunista sardo escreveu diversos artigos críticos sobre as tarefas a serem realizados pelo PSI, para uma possível aproximação concreta da experiência soviética e da Internacional, fundamentado em pensar a revolução socialista.

A concepção da III Internacional era de que a luta de classes deveria estar para a instauração da ditadura democrática do proletariado, que triunfou contra a ideologia de democracia burguesa e reformista. Os partidos adquiriram cada vez mais um perfil revolucionário e internacionalista, os sindicatos, por sua vez, encarnavam a tática do oportunismo.

Dessa forma, Gramsci entendia que o Partido deveria educar o proletariado para organizar seu poder e servir de poder armado para o domínio da classe burguesa. Ou seja, a tarefa do partido deveria ser de organização e apoio aos conselhos de fábrica e aos interesses revolucionários.

organizar poderosa e definitivamente a classe dos operários e dos camponeses em classe dominante, zelar para que todos os organismos do novo Estado desempenhem efetivamente uma ação revolucionária e romper com os direitos e as velhas relações inerentes ao princípio da propriedade privada. (GRAMSCI, 2004, p.295).

O que Gramsci demonstra é que essa ação é destrutiva e implica o controle do Estado que deve ser seguida por uma obra de criação de produção, pois nenhuma sociedade se sustenta sem a produção e não é possível realizar o comunismo nas condições em que a Itália encontrava-se após cinco anos de guerra, em um intenso abismo econômico. Surge novamente nos escritos do autor, o papel do sindicato, pois são “eles que deverão realizar a

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9 socialização, iniciar uma nova ordem de produção, na qual a empresa se baseie não na vontade de lucro do proprietário, mas no interesse solidário da comunidade social (...)” (GRAMSCI, 2004, p.296).

Como visto, a experiência dos sovietes espalhou-se por inúmeros locais na Europa e no Oriente, dando forma à revolução socialista internacionalista. Cada país teve sua particularidade devido à questões políticas, econômicas, geográficas e culturais. A Itália, por sua vez, conquistou durante o Biennio Rosso, a possibilidade de dar concretude ao início de um período revolucionário, marcado pela influência russa e alemã, de cunho proletário, a fim de dar voz às classes subalternas por intermédio do L’Ordine Nuovo e de combater o patronato, o sindicato e o partido, que agiam com oportunismo e não à favor do programa máximo do proletariado.

3. Conselhos de Fábrica e Cultura Socialista

A questão que nos interessa nesse último item do texto é a relação da cultura socialista com a organização dos operários nos Conselhos de Turim. Qual é a cultura que segundo Gramsci, deveria fazer parte da vida do proletariado e como isto indica uma estratégia para a conquista do Estado burguês dirigida pelo Partido revolucionário que tem como embrião os Conselhos? Essa teoria foi elaborada por Gramsci e pelos jovens de L’Ordine Nuovo nos anos entre 1919-1920. Mas, Gramsci já havia anteriormente se dedicado ao tema da cultura e da política, e também esboçado teorias políticas estratégicas para um possível socialismo. A influência russa estava a todo vapor, também por esse motivo, a discussão da organização dos operários e o controle do Estado estava na ordem do dia. Para o autor, um Estado socialista tem relação direta com uma cultura de novo tipo, uma cultura crítica, ou seja, socialista e revolucionária.

Partimos do posicionamento que Gramsci desenvolve seus pontos de debate e de relevância dos anos pré-carcerários até o período no cárcere, e não que há uma ruptura entre um possível jovem Gramsci e um Gramsci adulto. E o estudo da obra pré-carcerária colabora para compreensão desse desenvolvimento de concepções políticas, de estratégias e de categorias que percorrem um desenvolvimento dialético até a obra carcerária.

A categoria cultura é tanto móvel nos escritos gramscianos e está colocada no período que demarca a chegada em Turim até o momento de encarceramento do autor. É

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10 uma categoria que adquire diversos significados, assim como filosofia e hegemonia. Nos Escritos Políticos (1910-1920), livro organizado por Carlos Nelson Coutinho, que contém inúmeros textos de Gramsci, podemos verificar muitos artigos jornalísticos sobre o tema, e o ponto abordado pelo autor é a cultura crítica e uma cultura universal. Nos Cadernos, em primeiro momento, cultura é vista como expressão de uma sociedade que tem relação com a concepção e senso comum. No entanto, um dos pontos mais importantes é a questão da expressão, pois para G. toda expressão possui uma língua que é historicamente determinada, ponto que nos Cadernos acompanha toda a obra do autor.

Nos anos anteriores à guerra, Gramsci trabalhava a questão da cultura de maneira que liberasse as classes subalternas da dominação do pensamento burguês e do positivismo. Escreveu artigos que analisam a questão da organização dos operários, a necessidade de estudo, de conhecer a política, a história, entre outros. Nesse momento, o partido era pensado como um Estado em potência e antagônico ao Estado burguês, sendo o PSI um partido capaz de fundar uma nova ordem. A relação entre ideologia e sociedade estão relacionadas com a categoria de cultura e como fundamental para a organização das classes e das instituições.

A ideologia enquanto organização e materialização das relações políticas e da expressão de diversos grupos sociais, já permeava o pensamento de Gramsci e revelou um importante elemento da política: a questão da ordem dos Estados burgueses e a importância da substituição dessa ordem por uma que não houvesse a dominação e que fosse universal. Qual a relação disso com a cultura? Gramsci trabalha a questão da cultura de maneira geral e centralizada junto as categorias de Estado, cidadania e guerra. O autor compreende que a cultura é fundamental para o movimento operário e essa cultura deveria ser crítica, diferente da cultura burguesa e enciclopédica, uma cultura que formasse homens ao invés de máquinas.

É preciso perder o hábito e deixar conceber a cultura como saber enciclopédico, no qual o homem é visto apenas sob a forma de um recipiente a encher e entupir de dados empíricos, de fatos brutos e desconexos, que ele depois deverá classificar em seu cérebro como nas colunas de um dicionário, para poder em seguida, em cada ocasião concreta, responder aos vários estímulos do mundo exterior. Essa forma de cultura é realmente prejudicial, sobretudo para o proletariado. Serve apenas para criar marginais, pessoas que acreditam ser superiores ao resto da humanidade porque acumularam na memória um certo número de dados e de datas que vomitam em cada ocasião, criando assim quase que uma barreira entre elas e as demais pessoas. (GRAMSCI, 2004, p.57).

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11 A cultura está relacionada diretamente com a disciplina, com o desenvolvimento e conquista de uma consciência universal.

A cultura é algo bem diverso. É organização, disciplina do próprio eu interior, apropriação da própria personalidade, conquista de consciência superior: e é graças a isso que alguém consegue compreender seu próprio valor histórico, sua própria função na vida, seus próprios direitos e seus próprios deveres. (GRAMSCI, 2004, p.58).

Gramsci deixa claro que esse processo de transformação da consciência e de desenvolvimento humano não ocorre de maneira espontânea e que não pode ocorrer por ações ou reações que sejam independentes da vontade humana. A partir do fundamento que o homem é sobretudo espirito, portanto, criação histórica, e não apenas natureza, fato que explica a questão da relação entre explorados e exploradores, e com o tempo que a

humanidade adquire consciência de seu próprio valor e conquista o direito de viver independentemente dos esquemas e dos direitos de minorias que se afirmaram historicamente num momento anterior. E essa consciência se forma não sob a pressão brutal das necessidades fisiológicas, mas através da reflexão inteligente (primeiro de alguns e depois de toda uma classe) sobre as razões de certos fatos e sobre os meios para convertê-los, de ocasião de vassalagem, em bandeira de rebelião e de reconstrução social.” (GRAMSCI, 2004, p.58).

A revolução se encaixa justamente nesse sentido, conforme exista um trabalho de crítica, de cultura e de ideias em diversos homens que buscam resolver seus problemas coletivamente, tanto políticos, quanto econômicos. Em 1916, no artigo Socialismo e Cultura, Gramsci reflete sobre o exemplo da revolução francesa e o iluminismo, e utiliza-se disso para falar sobre o socialismo.

É através da crítica à civilização capitalista que se forma ou se está formando a consciência unitária do proletariado: e crítica quer dizer cultura, e não evolução espontânea e natural. Crítica quer dizer precisamente aquela consciência do eu que Novalis definia como meta de cultura. Um eu que se opõe aos outros, que se diferencia, e que, tendo criado para si mesmo uma finalidade, julga também os fatos e os eventos não só em si e para si, mas também como valores de propulsão ou de repulsão. (GRAMSCI, 2004, p.60).

Portanto, a relação entre os Conselhos e a cultura se formaliza na teoria de Gramsci quando eclodem os primeiros movimentos conselhistas de Turim, de forma que o autor compreende como de grande necessidade e importância o vínculo entre cultura e socialismo. A educação do proletariado deveria estar condicionado com a ideia de suprimir o Estado na Internacional, de forma que a educação esteja voltada para o exercício do autogoverno e da ditadura do proletariado. Para existência do Estado operário, Gramsci formula a questão da disciplina conectada com a cultura e com os Conselhos, de forma que haja um controle da produção para determinado fim, uma cultura crítica que desenvolva a consciência de classe

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12 e uma disciplina diferente da disciplina burguesa, mas com participação dos operários nas instituições e nos organismos das classes operárias.

4. Considerações Finais

Notamos que o campo ideológico vivido por Antonio Gramsci era de revisionismo do marxismo, com leituras reformistas e abstencionistas, vertentes que o jovem sardo sempre se opôs. Gramsci percorreu um trajeto de afastamento da filosofia neoidealista de Benedetto Croce e ao longo dos anos obteve maior aproximação das teorias marxistas de Rosa Luxemburg e de Lenin. O entusiasmo do autor, demonstrado ao longo do texto, sobre a Revolução de Outubro muito contribuíram para sua formação e desenvolvimento da sua trajetória político-intelectual.

O PSI desde sua fundação em 1892, exerceu um importante papel eleitoral no movimento operário italiano. Notamos a debilidade e atraso do PSI e das suas reivindicações ligadas à pautas do programa mínimo do partido, de reformas salariais e menor jornada de trabalho. O Partido não possuía uma teoria da luta de classes, consequentemente, obteve um socialismo periférico e retardatário em comparação com a Alemanha e Rússia. O revisionismo italiano foi possibilitado pelo imperialismo que permitiu a criação de padrões democráticos burgueses que consideram a luta de classes como algo utópico e superado.

Desde os primeiros anos em Turim, Gramsci estabeleceu importante conexão com a imprensa socialista e consequentemente com o movimento operário. Realizou análises sobre a cultura, o senso comum, a Igreja, a Revolução Bolchevique, a Primeira Guerra, o Fascismo, entre tantos temas que caracterizam o tempo passado e são possíveis de serem utilizados para compreender o presente. Notamos que a Primeira Guerra abalou as estruturas dos Estados e as relações culturais, diplomáticas, econômicas e políticas. Gramsci entendia a gravidade do problema da guerra e do desordenamento da classe trabalhadora que foi colocada uma contra a outra. Neste momento, o autor escreveu o artigo Neutralidade Ativa e Operante que demonstrava seu posicionamento contrário à guerra. Os intelectuais e militantes que aderiam à palavra de ordem “neutralidade” deveriam transformar a “neutralidade absoluta” em “neutralidade ativa” para conquistar as massas e fazer a revolução.

A revolução russa abalou ainda mais as estruturas do Estado e as relações humanas. Surgiu como uma possibilidade de transformação mundial e união do proletariado e do

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13 campesinato por uma sociedade sem classes sociais, sem exploração do trabalho, com uma realidade alternativa ao capitalismo. Para Gramsci, o isolamento e o sentimento de despotismo que vivia o proletariado russo colaboraram para uma intervenção e revelação da sua força revolucionária, sendo capaz de criar o maior movimento operário organizado da história moderna com base nos sovietes.

Notamos que uma das consequências da Guerra Imperialista foi colocar colocar o proletariado no campo de batalha e torná-los contrários uns aos outros. A Revolução de 1917, fez o contrário, organizou o proletariado e o campesinato para destruir o poder do Estado burguês e iniciar um processo de construção de um poder operário.

Gramsci interpreta a revolução russa como um evento de esperança para a sociedade internacional, ponto central no debate sobre o internacionalismo do autor e do anti jacobinismo. Para ele, o socialismo é um contínuo devir histórico exercido com o controle operário na busca por uma democracia de novo tipo, uma democracia operária. Neste período, o jovem sardo se aproxima das teorizações de Sorel e de Rosa Luxemburg, principalmente, por Turim iniciar um período revolucionário com os conselhos de fábrica.

Os conselhos de fábrica foram a tradução dos sovietes de Petrogrado que inauguraram a revolução russa, em 1905. Gramsci participou ativamente da tentativa revolucionária turinense e elaborou debates no periódico L’Ordine Nuovo sobre a relação dos conselhos com o Sindicato e com o Partido Socialista. Demonstrado por Gramsci nos escritos juvenis, o PSI não foi capaz de organizar as classes subalternas para fazer a revolução e foi incapaz de dirigir o processo revolucionário, colocando-se longe do debate e do apoio ao movimento dos conselhos de fábrica no período conhecido como Biennio Rosso.

Mesmo sem o apoio necessário do Partido e do Sindicato, o proletariado organizado nos conselhos de 1919-1920, demonstraram a capacidade e o poder da classe trabalhadora para a elaboração de uma nova forma social, política e econômica. Os conselhos traduziram diretamente a possibilidade do trabalhador gerir, por meio da autogestão e da auto educação, o processo fabril do modo de produção de mercadorias.

Devemos lembrar que para o autor, a conquista do Estado socialista está relacionado com a cultura e com o internacionalismo, já que o marxismo de Gramsci compreende a cultura como uma organização crítica do saber e das necessidades históricas da sociedade, realizado por meio da práxis revolucionária e nos detalhes do cotidiano que levam o proletariado a identificar e se desvincular das amarras da sociedade capitalista.

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14 Gramsci realiza inúmeras críticas ao Partido Socialista e inicia uma teorização do Partido e das organizações burguesas, como o sindicato, por exemplo. Para o intelectual sardo, o partido deve ser diferente do que o PSI representou durante seus anos de militância crítica em Turim. O Partido deve ser revolucionário e das massas, deve conquistar e organizar as massas com a auto educação para que realize uma hegemonia das classes subalternas. O Sindicato, poderia agir diferente e aproximar-se de proletários que fazem parte dos conselhos e que possuem a mentalidade revolucionária.

A experiência dos conselhos fracassou. Compreendemos que uma das causas foi o isolamento do movimento na região de Turim, não espalhando-se para outros centros industriais da Itália. Para Gramsci, um dos motivos fundamentais para essa derrota foi a mentalidade estreita do movimento operário, o controle do Estado e armas estarem nas mãos da burguesia e também o problema regional das centrais sindicais. O sindicato não criou as condições de organização e de disciplina para a classe operária, camuflou-se nos interesses sindicalistas e na direção sindical.

A luta de Gramsci pela organização das massas não foi derrotada junto aos conselhos. O militante continuou a refletir sobre o Partido Socialista e entendeu que o Partido foi um órgão parlamentar e que poderia apenas corrigir os problemas do Estado e até mesmo destruí-lo, mas não poderia se propor como a base e a força revolucionária de criação de um Estado operário.

5. Referências Bibliográficas

DIAS, E. Gramsci em Turim: a construção do conceito de hegemonia. Campinas: Xamã, 2000.

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Referências

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