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O acordo de não persecução penal e sua aplicação a processos em curso

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RENAN FIGUEREDO FARIAS

O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL E SUA APLICAÇÃO A PROCESSOS EM CURSO

Araranguá 2020

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O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL E SUA APLICAÇÃO A PROCESSOS EM CURSO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Renan Cioff de Sant’Ana, Esp.

Araranguá 2020

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RENAN FIGUEREDO FARIAS

O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL E SUA APLICAÇÃO A PROCESSOS EM CURSO

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de Bacharel em Direito e aprovado em sua forma final pelo Curso de Graduação em Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Araranguá, 9 de dezembro de 2020.

______________________________________________________ Professor e orientador Renan Cioff de Sant’Ana, Esp.

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Prof. Chesman Pereira Emerim Júnior, Esp.

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Prof. Laércio Machado Júnior, MS.

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Dedico este trabalho primeiramente а Deus, por ser essencial em minha vida, autor de meu destino, meu guia, socorro presente na hora da angústia, ao meu pai Amarildo, minha mãe Vera е ao meu irmão Guilherme. Por fim, não menos importante, a mulher que na contramão dos acontecimentos deste ano chegou para ficar em minha vida, Natália.

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AGRADECIMENTOS

É hora de externar a gratidão pelo caminho até aqui, reconhecer tudo e todos sem os quais não seria possível estar vivendo este momento. A jornada foi longa e desgastante, mas proporcionalmente engrandecedora, propiciando uma grande evolução pessoal, acadêmica e humana. O primeiro agradecimento não poderia ser senão a Deus pelo dom da vida e por me guiar sempre pelo caminho do bem. Aos meus pais, pelo exemplo de pessoas e casal que são, por fazerem de tudo para oferecer a mim e meu irmão tudo aquilo que não puderam ter, sem falar no amor e incentivo diários. A minha namorada Natália, pelo apoio incondicional, por nunca desistir e me oportunizar viver momentos únicos, amo-te. Não poderia esquecer-me dos colegas de turma, que vivenciaram juntos todas as honrarias e adversidades da graduação. A todos os professores que de qualquer forma participaram e colaboraram para a formação de cada graduando, em especial ao meu orientador Renan Cioff de Sant’Ana, a quem, acima do laço que a relação acadêmica trouxe, pude criar um vínculo nobre, o da amizade. As pessoas anônimas, que mesmo de forma indireta corroboraram durante toda a graduação ao disseminarem seu conhecimento. A esta instituição acadêmica, UNISUL, nela incluindo todos os profissionais sem os quais não seria possível seu ambiente. Por fim, aos membros da banca, por participar deste momento ímpar que encerra mais um ciclo importante em minha vida.

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“Consagre ao Senhor tudo o que você faz e os seus planos serão bem-sucedidos” (Provérbios 16:3).

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RESUMO

O presente trabalho, fundado em pesquisa bibliográfica e documental, tem por objetivo o estudo do acordo de não persecução penal como instrumento da justiça consensual buscando, ao seu fim, debater a possibilidade ou não de sua aplicação a processos que já se encontravam em curso quando da sua entrada em vigor. O acordo é um método alternativo para resolução do conflito penal onde o Ministério Público, titular da ação penal pública, deixa de oferecer a denúncia para crimes de menor gravidade caso atendidos os requisitos legais e aceito os termos pelo investigado. Salienta-se que o legislador se utilizou de termos que destacam o instituto como alternativa a ação penal, logo, se firmado, esta não terá início. Neste ponto surge um questionamento, tal acordo cabe para as ações penais em curso na data de sua entrada em vigor? A resposta para tal questionamento é divergente entre doutrina e jurisprudência, diante disto, a matéria foi afetada pelo Ministro Gilmar Mendes no julgamento de um Habeas Corpus no dia 22/09/2020, não ocorrendo até a presente data decisão que gerasse um precedente. Entretanto, sobre o questionamento da retroatividade para alcançar processos em curso é entendido pela maioria que o acordo de não persecução penal, ao criar uma causa de extinção da punibilidade, obteve a natureza híbrida de norma processual e penal, devendo assim retroagir em benefício do réu. Por outra via, o debate maior que encontra entendimentos diferentes está em até que momento processual o acordo poderá ser aplicado. Acerca do exposto, compactua-se com o entendimento da sexta turma do Superior Tribunal de Justiça, que aduz ser possível a aplicação do instituto até o trânsito em julgado da ação.

Palavras-chave: Acordo de Não Persecução Penal. Justiça Criminal Consensual. Ministério Público. Ação Penal em Curso.

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ABSTRACT

The present work, based on bibliographic and documentary research, aims to study the non-criminal prosecution agreement as an instrument of consensual justice, seeking, in the end, to debate the possibility or not of its application to processes that were already underway when entered into force. The agreement is an alternative method for resolving criminal conflict where the Public Prosecutor, the holder of the public criminal action, stops offering the complaint about less serious crimes if the legal requirements are met and the terms are accepted by the defendant. It should be noted that the legislator used terms that highlight the institute as an alternative to criminal action, so if signed, this will not have a start. At this point, a question arises, does such an agreement fit for criminal proceedings in progress on the date of its entry into force? The answer to such questioning is divergent between doctrine and jurisprudence, in view of this, the matter was affected by Minister Gilmar Mendes in the judgment of a Habeas Corpus on 09/22/2020, and a decision that generated a precedent has not occurred until the present date. However, regarding the questioning of retroactivity in order to reach ongoing cases, it is understood by the majority that the non-criminal prosecution agreement, by creating a cause for the extinction of punishment, obtained the hybrid nature of procedural and penal rules, and should therefore be retracted in favor of the defendant. In another way, the biggest debate that finds different understandings is in how far the agreement can be applied. Concerning the above, it agrees with the understanding of the sixth class of the Superior Court of Justice, which argues that it is possible to apply to the institute until the lawsuit is final.

Keywords: Penal Non-Prosecution Agreement. Consensual Criminal Justice. Public Ministry. Criminal Action in Progress.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 10

2 JUSTIÇA PENAL BRASILEIRA ... 12

2.1 JUS PUNIENDI ESTATAL ... 12

2.2 SISTEMAS PROCESSUAIS ... 14

2.3 SUJEITOS PROCESSUAIS ... 15

2.3.1 Ministério Público ... 16

2.4 AÇÃO PENAL ... 19

2.4.1 Condições da ação ... 19

2.4.2 Espécies de ação penal ... 20

2.4.3 Princípios constitucionais da ação penal ... 22

2.4.3.1 Princípio do juiz natural ... 23

2.4.3.2 Princípio do promotor natural ... 23

2.4.3.3 Princípio do devido processo legal ... 23

2.4.3.4 Princípio da presunção de inocência ... 24

2.4.3.5 Princípios do contraditório e da ampla defesa ... 24

2.4.3.6 Princípio do privilégio contra a autoincriminação ... 25

2.4.3.7 Princípio da razoável duração do processo ... 26

2.4.4 Princípios específicos da ação penal pública ... 26

2.4.4.1 Princípio da oficialidade ... 26

2.4.4.2 Princípio da obrigatoriedade ou legalidade ... 26

2.4.4.3 Princípio da indisponibilidade ... 27

2.5 MITIGAÇÃO DA OBRIGATORIEDADE DA AÇÃO PENAL ... 27

3 REAÇÕES SOCIAIS AO CRIME ... 30

3.1 JUSTIÇA CRIMINAL CONSENSUAL ... 30

3.1.1 A justiça consensual no Brasil ... 32

3.1.2 Composição civil dos danos ... 34

3.1.3 Transação penal... 35

3.1.4 Suspensão condicional do processo ... 36

4 O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL ... 38

4.1 BREVE HISTÓRICO LEGAL ... 38

4.2 CONCEITO E REQUISITOS ... 40

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4.4 CONDIÇÕES PARA SUA APLICAÇÃO ... 44

4.5 PROCEDIMENTO PARA EFETIVAÇÃO DO ACORDO ... 46

4.6 DO CUMPRIMENTO OU DESCUMPRIMENTO DO ACORDO ... 47

4.7 A RECUSA DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM OFERTAR O ACORDO ... 48

4.8 A APLICAÇÃO DO ACORDO A PROCESSOS EM CURSO ... 49

4.9 NÚMEROS DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL ... 53

5 CONCLUSÃO ... 55

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1 INTRODUÇÃO

O aumento da criminalidade e consequente elevação das demandas judiciais traz consigo uma demora exagerada no andamento dos processos penais, com sanções tardias ou pior ainda, não aplicadas em virtude da prescrição da pretensão punitiva estatal, restando falho o Estado na utilização do direito penal como forma de controle social.

Somado a isso adiciona-se ainda a situação atual de superlotação dos presídios espalhados pelo país e a ineficiência deste método de privação da liberdade como prevenção a reincidência dos delitos.

Diante deste contexto surge a justiça criminal consensual como modo alternativo para a resolução dos conflitos penais, convidando as partes nele envolvidas a participarem ativamente da sua solução. A justiça pautada no consenso busca de certa forma despenalizar o direito penal, resolvendo os crimes menos graves de uma forma mais simplificada, objetivando assim desafogar a realidade acima citada.

Baseando-se no modelo consensual de solução de conflitos e em razão da necessidade de trazer soluções alternativas para a persecução penal, foi editada a Lei nº 13.964, em 24 de dezembro de 2019, alterando substancialmente o Código de Processo Penal ao introduzir o artigo 28-A, com o fito de permitir a realização de acordo de não persecução penal, possibilitando ao Ministério Público deixar de apresentar ação penal contra o investigado em certos crimes e mediante acordo de cumprimento de determinadas medidas.

Frisa-se que a negociação na esfera penal não é algo novo no direito pátrio, uma vez que a Lei nº 9.099 de 26 de setembro de 1995 já havia criado outros institutos consensuais para resolução de conflitos, quais sejam, a transação penal e a suspensão condicional do processo. No entanto, o ANPP destaca-se principalmente pelo alcance que tem, podendo ser aplicado a crimes praticados sem violência ou grave ameaça e cuja pena mínima seja inferior a 4 anos.

O legislador ao inserir o ANPP no Código de Processo Penal utilizou-se de termos que deixam evidente que o instituto é uma alternativa a ação penal, logo, se pactuado, não seria dado início a esta. Nessa perspectiva, surge um questionamento, tal acordo caberia para as ações penais em curso na data de sua entrada em vigor?

E é justamente na resposta desta questão que se encontra um dos objetivos da presente pesquisa, objetivando ainda, de forma geral, a apresentação do acordo de não persecução penal como instrumento da justiça consensual.

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Finda a exposição geral, cabe salientar que o presente trabalho se encontra dividido em 03 capítulos, tratando o primeiro deles de apresentar a justiça penal brasileira, destacando o jus puniendi estatal, o sistema processual adotado em nosso país e os sujeitos processuais envolvidos, trazendo neste ponto o Ministério Público como titular da ação penal pública.

Apresenta-se ainda os princípios da ação penal, com destaque para a mitigação que o princípio da obrigatoriedade vem sofrendo. Por sua vez, o segundo capítulo traz a justiça consensual como uma forma de reação social ao crime, ou seja, uma alternativa de resposta que se dá ao cometimento de um delito. Expõe também um histórico e como se deu seu surgimento no Brasil, apresentando os institutos consensuais da Lei nº 9.099/95.

Ao final, o quarto capítulo adentra no acordo de não persecução penal, tecendo breves comentários acerca de sua criação para então iniciar a fundamentação legal. O capítulo segue com o tópico que trata da possibilidade de aplicação do ANPP a processos em curso na data que entrou em vigência e é encerrado com a apresentação dos números e exemplos de aplicação do referido mecanismo.

Para a consecução das pretensões acima narradas o presente trabalho fundamentou-se em pesquisas bibliográficas e documentais, utilizando-se de doutrinas, livros, artigos científicos e páginas de websites. Não obstante utilizou-se também leis e jurisprudências.

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2 JUSTIÇA PENAL BRASILEIRA

É consabido que quando o homem se organizou em sociedade e foram criados os Estados dispôs de parte de sua liberdade em troca de algo maior, uma vida organizada e regulada por um ente que lhe pudesse garantir o bem comum (BATISTA, 2020, p. 1).

Nesse patamar, o Estado pode ser conceituado como o ente público responsável por desempenhar funções políticas, sociais, econômicas e jurídicas em prol do coletivo, tendo como obrigação garantir a ordem pública e o equilíbrio social, utilizando-se de regramentos de condutas humanas de observância obrigatória por todos os seus sujeitos (BATISTA, 2020, p. 1).

Estes regramentos nada mais são que normas jurídicas direcionadas à conduta externa do indivíduo, obrigando-o a fazer ou deixar de fazer algo, imputando-lhe responsabilidades e direitos, sendo que seu descumprimento acarreta uma sanção aplicada pela autoridade estatal competente (BATISTA, 2020, p. 1).

Por tais razões, o Estado possui o monopólio da sanção penal, sendo o senhor do jus puniendi e titular do direito de punir (BATISTA, 2020, p. 1).

Desta feita, este capítulo inicial buscará, em linhas gerais, esclarecer um pouco sobre como funciona a justiça penal brasileira, destacando seus institutos e princípios, bem como os principais entes envolvidos.

2.1 JUS PUNIENDI ESTATAL

O cometimento de um crime faz nascer consigo o poder-dever punitivo para o Estado, mais conhecido no meio jurídico como jus puniendi. Quebrada a paz social cabe a este restaurar a ordem jurídica violada pela conduta criminosa, valendo-se, para tanto, da aplicação de sanções de natureza penal (SILVA, 2018, p. 15).

Estas sanções são oriundas do Direito Penal, que é o ramo do direito responsável por proteger os bens jurídicos essenciais ao indivíduo e a sociedade. Ora, desde que o homem passou a vida em sociedade esteve sempre presente a punição pela prática de atos considerados delituosos contra um semelhante ou contra a sociedade. Tal punição não era oriunda de leis tipificadas, uma vez que não existiam à época, mas sim de costumes ou culturas (GRECO, 2017, p. 47).

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Evidentemente que, no princípio, estas reações não tinham que ser proporcionais ao mal cometido pelo autor. Amiudadamente prevalecia, inclusive, a lei do mais forte, tendo como objetivo a retribuição pelo mal sofrido ou a vingança (GRECO, 2017, p. 47).

Com o passar dos séculos, o predomínio da autotutela e vingança privada deu lugar a vontade da sociedade, sendo esta representada pelo Estado, responsável então pela pacificação de conflitos penais (GOMES, 2017, p. 1).

Logo, o Estado por meio do Direito Penal, tipifica as condutas que atingem e agridem os bens de mais valia para a sociedade, com o intuito de atender o interesse público e preservar a paz social (GRECO, 2017, p. 34).

Segundo Greco (2017, p. 127) o legislador, baseando-se em um critério político, que irá variar do momento em que vive a sociedade, só atuará editando leis caso entenda que outros ramos do direito se revelaram incapaz de proteger devidamente determinados bens. Assim, por só atuar na ausência de outra área, tem-se que o direito penal é orientado pelo princípio da intervenção mínima, atuando como um direito residual e limitador do poder punitivo do Estado.

Explanando um pouco sobre tal princípio, observa-se que é o responsável não só por indicar quais são os bens jurídicos que merecem a atenção do Estado, prestando-se também a promover a descriminalização. Se por um lado ele revela aquilo que carece de proteção, por outro, atentando-se a evolução da sociedade, deixa de dar importância a bens que no passado eram relevantes a sociedade, retirando do ordenamento jurídico determinados tipos incriminadores (GRECO, 2017, p. 127).

Retomando o início deste tópico, tem-se que as sanções de natureza penal a serem aplicadas ao autor de um crime não são impostas de forma direta e autoritária, existe um caminho legal para tal, garantido inclusive pela Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso LIV: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Este caminho citado é o processo (BRASIL, CRFB, 2020).

O processo é o instrumento por meio do qual o Estado, seguindo um método de trabalho estabelecido em normas, desempenha sua função jurisdicional visando dar a resposta sobre uma determinada pretensão. Convém mencionar que se chama direito processual o complexo de normas e princípios que regem tal método de trabalho, ou seja, o exercício coadunado da jurisdição pelo Estado-juiz, da ação pelo demandante e da defesa pelo demandado (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2005, p. 46).

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Ao longo dos anos ocorreu uma variação na estrutura do processo penal fundamentada em aspectos democráticos ou autoritários estabelecidos na Constituição de cada país (LOPES JÚNIOR, 2017, p. 40).

A seguir serão apresentados os sistemas processuais existentes, bem como aquele adotado pelo Brasil.

2.2 SISTEMAS PROCESSUAIS

O sistema penal adotado por determinado Estado é diretamente influenciado pelo momento político em que vive o país, distinguindo-se em cada modelo o tratamento concedido ao réu no processo. Isto posto, verifica-se a existência de dois modelos de processo penal, o inquisitório e o acusatório, bem como um sistema misto, que agrega ideais de ambos (SILVA, 2018, p. 16).

Destaca Lopes Júnior (2017, p. 41) que, cronologicamente, o sistema acusatório prevaleceu até meados do século XII, sendo após substituído, aos poucos, pelo inquisitório, que prevaleceu de forma plena até o final do século XVIII (em determinados países, até parte do século XIX), momento em que movimentos sociais e políticos trouxeram a uma mudança de rumos.

Falando um pouco de cada sistema, observa-se que o inquisitório é um sistema utilizado por um Estado autoritário, onde são centralizadas as funções na mão do juiz, que busca a prova e toma sua decisão com base nela, inexistindo obviamente, imparcialidade. Já no sistema acusatório ocorre a separação das funções, estando a gestão das provas nas mãos das partes e não do juiz, atuando desta forma, imparcialmente.

Por último, no sistema misto, encontram-se características de ambos os descritos anteriormente, predominando o inquisitório na fase pré-processual e o acusatório, na processual, tendo a doutrina brasileira, em grande parte, apontado que o sistema pátrio contemporâneo é misto. Todavia existe uma grande discussão acerca da desta classificação, sendo que o próprio doutrinador Auri Lopes Júnior discorda desta. Como este não é o objetivo do trabalho, só fica a título de informação (LOPES JÚNIOR, 2017, p. 44).

Conhecido os sistemas processuais penais e o adotado pelo Brasil, destacam-se também as partes envolvidas no processo, também conhecidas como sujeitos processuais, elencadas a seguir.

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2.3 SUJEITOS PROCESSUAIS

O processo pressupõe a existência ao menos de três sujeitos, quais sejam: as partes da relação material, demandante e demandado, além do juiz, que, substituindo-as, aplica ao caso concreto o direito substancial. O demandante é aquele que traz em juízo sua pretensão, enquanto o demandado é aquele em face de quem a pretensão é deduzida (CAPEZ, 2016, p. 261).

Conforme os ensinamentos de Capez (2016, p. 261) os sujeitos processuais subdividem-se em principais e acessórios (ou colaterais). Os principais são aqueles obrigatórios para que exista a relação jurídica processual, citam-se o juiz, o autor e o acusado. Já os acessórios, por exclusão, são aqueles dispensáveis que intervêm na relação processual de alguma forma. Como exemplo destes tem-se: o assistente, os auxiliares da justiça e os terceiros, interessados ou não, que atuam no processo.

Falando um pouco sobre cada sujeito processual principal, tem-se o juiz ou órgão jurisdicional, considerado parte imparcial e autoridade estatal investida de jurisdição, com função de dar a solução pacífica da lide penal em substituição a vontade das partes. No primeiro grau de jurisdição, excetuando-se o Tribunal do Júri, são monocráticos ou singulares, enquanto que em segundo grau e nas instâncias, especial e extraordinária, são colegiados (REIS; GONÇALVES, 2013, p. 397).

Pois bem, como pressupostos para exercer a carreira é necessário a investidura, a capacidade técnica, física e mental, além da imparcialidade. Acerca da investidura tem-se que é um procedimento legal que dá ensejo à nomeação para o exercício das funções próprias dos integrantes do Poder Judiciário. A capacidade técnica, física e mental é um atributo decorrente da investidura e do qual é presumido serem dotados os juízes, até que ocorra a desinvestidura. E por fim, a imparcialidade, é qualidade daquele que não tem interesse na causa, sendo desvinculado dos interesses dos litigantes, propiciando assim, condições de não tomar partido sobre as questões que lhe são submetidas (REIS; GONÇALVES, 2013, p. 397).

Um outro sujeito processual principal é o acusado, também denominado de parte passiva no processo. Para ser sujeito passivo é necessário que o suposto autor da prática criminosa preencha alguns requisitos, como: capacidade para ser parte (adquirida pelo fato de ser um sujeito de direitos e obrigações, excluindo-se, portanto, os animais e os falecidos), capacidade processual ou capacidade para estar em juízo em nome próprio (“legitimatio ad processum”), advindo aos 18 anos de idade no processo penal (CAPEZ, 2016, p. 269).

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Destaca-se que até o deficiente mental a possui, uma vez que a ele poderá ser imposta, findo o processo, a medida de segurança, de outra vértice, pessoas que gozam de imunidade parlamentar ou diplomática não podem ser acusadas. Como último requisito, é necessário que o acusado tenha legitimidade passiva “ad causam”, ou seja, que coincida a pessoa indicada na peça inicial com o autor do fato e o suspeito da prática criminosa, apontado no inquérito ou nas peças de informação. Cabe ainda se falar em ilegitimidade passiva quando, na denúncia ou na queixa, o autor imputa o fato à testemunha (CAPEZ, 2016, p. 269).

Por fim, como sujeito processual principal, tem-se o autor da ação. Importante mencionar neste ponto que nem sempre a vítima da conduta delitiva praticada pelo acusado figurará como autor da ação. Apenas de forma excepcional a autoria será do ofendido, desde que o Ministério Público (MP) não se manifeste no prazo legal ou que a norma penal assim o determine (CAPEZ, 2016, p. 268).

Assim, em defesa de uma pessoa, estará o Ministério Público sempre que estiver ligado um interesse substancial, atuando como parte principal ou como parte secundária. E ainda, velando pela integridade do direito objetivo, atuará como fiscal da lei (custos legis), estando desvinculado dos interesses materiais presentes no processo (tais como: habeas corpus, mandado de segurança, direito de família e usucapião) (CAPEZ, 2016, p. 261).

Dada a importância do Ministério Público para a presente pesquisa falar-se-á sobre o mesmo em um tópico a parte.

2.3.1 Ministério Público

O Ministério Público é um órgão independente, sem vínculo a nenhum dos três Poderes, quais sejam: Executivo, Legislativo e Judiciário. Segundo a Constituição da República de 1988 é uma instituição permanente, tendo assegurada sua autonomia e independência funcional (ENTENDA..., 2017, p. 1).

Ainda conceituando Ministério Público, segue sua descrição nos ditames de Capez (2016, p. 264):

O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127, caput). Na esfera penal, o Ministério Público é a instituição de caráter público que representa o Estado-Administração, expondo ao Estado-Juiz a pretensão punitiva.

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O conceito trazido por Capez fundamenta-se essencialmente no texto constitucional, logo, para uma melhor compreensão do conceito, princípios, composição e as funções institucionais do Ministério Público faz-se necessário uma breve análise de alguns institutos constitucionais que os descrevem.

Iniciando-se pelo caput do artigo 127: “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (BRASIL, CRFB, 2020).

A característica de ser permanente remete a não possibilidade de sua extinção. Já a defesa da ordem jurídica e do regime democrático está relacionada à atribuição de fiscalizar o poder público nas suas esferas e nas leis, ou seja, é responsável por garantir o comportamento de todos, governo e particulares, segundo a legislação atual (ENTENDA..., 2017, p. 1).

Quanto aos interesses sociais estão relacionados os direitos difusos e coletivos, tais como meio ambiente, consumidor e portadores de deficiência. Por sua vez os interesses individuais indisponíveis são aqueles de cada pessoa, todavia com relevância pública. Não se pode abrir mão deles, como direito à vida, saúde, liberdade e educação (ENTENDA..., 2017, p. 1).

Seguindo na análise do texto constitucional, tem-se no mesmo artigo o parágrafo primeiro trazendo seus princípios: “§ 1º São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional” (BRASIL, CRFB, 2020).

Consoante o princípio da unidade, o membro do Ministério Público é parte de um todo único e indivisível. Assim sendo, evidencia-se que a indivisibilidade da instituição permite a promotores e procuradores serem substituídos no andamento do processo, uma vez que o membro atua pela instituição e não em nome próprio. Destaca-se ainda que o integrante do Ministério Público não está subordinado a qualquer dos poderes, como citado anteriormente, possuindo assim total independência. Não obstante, subsiste uma subordinação administrativa hierárquica do órgão à autoridade superior, sujeitando-se assim a fiscalização, correição e punição (CAPEZ, 2016, p. 267).

Ainda no artigo 127, o parágrafo segundo assegura à instituição a autonomia funcional e administrativa:

§ 2º Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e administrativa, podendo, observado o disposto no art. 169, propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de

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provas ou de provas e títulos, a política remuneratória e os planos de carreira; a lei disporá sobre sua organização e funcionamento (BRASIL, CRFB, 2020).

A autonomia funcional está ligada a capacidade da instituição em autogovernar-se, editando regulamentos internos e organizando seus serviços, por exemplo. Já a autonomia administrativa atribui-lhe competência para solucionar questões internas de ordem administrativa, como nomeações, designações ou aposentadorias (CAPEZ, 2016, p. 268).

O próximo artigo traz a divisão no Ministério Público segundo suas esferas de atuação: federal, estadual e municipal. Importante não confundir esta divisão como afronta ao princípio da unidade citado anteriormente, uma vez que suas atribuições funcionais são as mesmas.

Art. 128. O Ministério Público abrange:

I - o Ministério Público da União, que compreende: a) o Ministério Público Federal;

b) o Ministério Público do Trabalho; c) o Ministério Público Militar;

d) o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios;

II - os Ministérios Públicos dos Estados (BRASIL, CRFB, 2020).

Com a leitura do artigo fica claro que a atuação do Ministério Público da União se dá na esfera federal, enquanto o Ministério Público dos estados atua nas unidades federativas do país e nos municípios do estado em questão (ENTENDA..., 2017, p. 1).

O próximo e último artigo a ser analisado, 129, traz em seu texto as funções institucionais do Ministério Público.

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; IV - promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;

V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas; VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;

VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;

VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;

IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas (BRASIL, CRFB, 2020).

Observa-se pela leitura do artigo e seus incisos que a instituição possui diversas funções de suma importância para o Estado democrático de direito, como por exemplo a

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garantia que os poderes públicos e os serviços de relevância respeitem os direitos assegurados nesta constituição aos cidadãos. Todavia, a função de maior relevância para o trabalho é a descrita no inciso I: “promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei”, sendo dedicado a ela um título à parte.

2.4 AÇÃO PENAL

O direito de ação está previsto no texto constitucional, mais especificamente no inciso XXXV de seu artigo 5°: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (BRASIL, CRFB, 2020). O direito à jurisdição como forma pacificadora, portanto, se perfectibiliza no ordenamento jurídico por meio do direito de ação, segundo a qual é instaurado o processo penal. Na legislação nacional, a ação penal encontra-se regulamentada tanto no Título VII do Código Penal como no Título III do Código de Processo Penal (SILVA, 2018, p. 28).

A ação penal nada mais é do que o direito de pedir ao Estado-juiz que seja aplicado o direito penal objetivo a um caso concreto (CAPEZ, 2016, p. 201).

Um outro conceito mais específico de ação penal é trazido por Reis e Gonçalves (2013, p. 90): “é o procedimento judicial iniciado pelo titular da ação quando há indícios de autoria e de materialidade a fim de que o juiz declare procedente a pretensão punitiva estatal e condene o autor da infração penal”.

Apesar do direito de ação estar previsto na Constituição Federal seu exercício não é irrestrito, exigindo-se a observância de condicionantes denominadas pela doutrina de “condições da ação”, detalhadas no tópico a seguir (REIS; GONÇALVES, 2013, p. 92). 2.4.1 Condições da ação

De plano, Reis e Gonçalves dividem as condições da ação em três, sendo elas: a legitimidade das partes, o interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido (2013, p. 92).

A legitimidade das partes está relacionada ao atributo conferido ao indivíduo que o permite discutir em juízo determinada situação litigiosa. Tem-se, aqui, a legitimidade “ad causam”, que é aquela que permite ocupar tanto o polo ativo da relação jurídica processual (o que é feito pelo MP ou pelo ofendido, a depender da espécie de ação penal), quanto o polo passivo (ocupado pelo provável autor do fato). Pode-se dizer que as partes legítimas, ativa e passiva, são aquelas que possuem interesse material no conflito (CAPEZ, 2016, p. 205).

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Quanto ao interesse de agir encontra-se ligado à existência da necessidade, da adequação e da utilidade para a ação penal. A necessidade de existência do processo legal para que o autor do fato seja condenado e submetido a devida sanção penal. No que concerne à adequação, cabe ao órgão acusatório promover a ação penal conforme preceitua o Código de Processo Penal. Já a utilidade significa que a ação penal deve ser útil para o alcance da pretensão punitiva do Estado. Observa-se aqui, por exemplo, se ocorreu alguma causa extintiva da punibilidade, tais como a prescrição, a decadência ou a perempção, a renúncia ao direito de queixa ou o perdão aceito, a retratação do agente e o perdão judicial (NUCCI, 2020, p. 412).

E por fim, a possibilidade jurídica do pedido, que está ligada ao fato imputado ao réu ser considerado criminoso. Logo, tal fato deve ser típico, antijurídico e culpável. Na falta de qualquer um destes elementos deve o juiz recusar a peça acusatória. A rejeição do juiz se dá pelo pedido ser juridicamente impossível, uma vez que não é possível pedir a condenação de alguém pela prática de uma conduta penalmente sem relevância (NUCCI, 2020, p. 409).

Retornando a legitimidade das partes, falou-se que a parte que ocuparia o polo ativo na ação penal estava diretamente relacionada à espécie da ação penal. Logo, é pertinente e de importância o conhecimento das espécies de ação penal, apresentadas no item a seguir. 2.4.2 Espécies de ação penal

O que define a espécie de uma ação penal é a titularidade de seu exercício. Deste modo, o Código Penal, em seu artigo 100, traz o seguinte texto: “Art. 100 - A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido” (BRASIL, CP, 2020).

Fica evidente com a leitura do artigo que, em regra geral, a ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente indicar, sendo, neste caso, privativa do ofendido.

A ação penal será privada quando a iniciativa da propositura for conferida à própria vítima ou seu representante legal, tendo como peça inicial a queixa-crime. Tais informações podem ser extraídas do § 2º do artigo 100 do Código Penal: “§ 2º - A ação de iniciativa privada é promovida mediante queixa do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo” (BRASIL, CP, 2020).

Ela se subdivide em 3 tipos, quais sejam: exclusiva, personalíssima e subsidiária da pública (REIS; GONÇALVES, 2013, p. 91).

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Na exclusiva cabe a vítima se manifestar demonstrando o interesse pela propositura da ação penal, não obstante, a lei expressamente menciona que somente se procede mediante queixa. Em se tratando de vítima menor ou incapaz, a lei autoriza a propositura da ação por seu representante legal. Já caso a vítima venha a falecer, a ação ainda poderá ser proposta pelos sucessores (cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão) e, se a ação estiver em curso por ocasião do falecimento, poderão eles darem seu seguimento (REIS; GONÇALVES, 2013, p. 91).

Já na personalíssima a ação só pode ser proposta única e exclusivamente pela vítima, logo, somente se procede mediante queixa do ofendido. Caso a vítima seja menor, deve aguardar a maioridade; se for doente mental, deve-se esperar o eventual restabelecimento; em caso de morte, a ação não pode ser proposta pelos sucessores; e caso já proposta na data do falecimento, a ação é extinta pela impossibilidade de sucessão no polo ativo (REIS; GONÇALVES, 2013, p. 91).

Por fim, a subsidiária da pública é a ação proposta pela vítima nos crimes de ação pública. No entanto, esta possibilidade só irá existir caso o Ministério Público, dentro do prazo conferido pela lei, não ofertar manifestação legal (REIS; GONÇALVES, 2013, p. 91).

Da análise minuciosa do artigo 100 do Código Penal, observa-se seu parágrafo primeiro: “§ 1º - A ação pública é promovida pelo Ministério Público, dependendo, quando a lei o exige, de representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça” (BRASIL, CP, 2020).

Pela leitura do § 1º conclui-se que existe uma subdivisão das ações públicas, trazendo como regra geral a ação ser promovida pelo Ministério Público, não dependendo de qualquer autorização, tanto da parte ofendida quanto de outro órgão estatal. Como exceção tem-se que a ação depende de autorização do ofendido ou do Ministro da Justiça para que seja promovida pelo Ministério Público (NUCCI, 2020, p. 400).

Desta breve análise conclui-se que as ações serão públicas, quando promovidas pelo Ministério Público, sendo subdivididas em incondicionadas, se propostas sem necessidade de representação ou requisição e condicionadas, caso dependam da representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça (NUCCI, 2020, p. 400).

Ainda é possível extrair tal informação do Código de Processo Penal, em seu artigo 24:

Art. 24. Nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público, mas dependerá, quando a lei o exigir, de requisição do Ministro da Justiça, ou de representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo (BRASIL, CPP, 2020).

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O artigo ainda menciona que a denúncia é o nome que se dá a petição inicial da ação penal, quando proposta pelo Ministério Público. A título de argumentação, no que tange a identificação da espécie de ação penal de um crime, observa-se o que discorre Nucci:

Esse critério concentra-se no seguinte: deve-se analisar o tipo penal incriminador existente na Parte Especial do Código Penal (ou em legislação especial); caso não se encontre nenhuma referência à necessidade de representação ou requisição, bem como à possibilidade de oferecimento de queixa, trata-se de ação penal pública incondicionada. Por outro lado, deparando-se com os destaques “somente se procede mediante representação” (ex.: art. 153, § 1.º, CP) ou “procedesse mediante requisição do Ministro da Justiça” (ex.: art. 145, parágrafo único, CP), está-se diante de ação penal pública condicionada. E caso se encontre a especial referência “somente se procede mediante queixa” (ex.: art. 145, caput, CP), evidencia-se a ação penal privada.

Por vezes, o legislador insere uma regra geral, valendo para vários capítulos, como se pode observar pela redação do art. 225: “Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública incondicionada” (2020, p. 401).

Veja-se que o autor exemplifica de forma simples e objetiva como identificar a espécie da ação penal, ficando claro que o primeiro ponto a se observar é o tipo penal incriminador. Caso não haja nenhuma menção trata-se de uma ação penal pública incondicionada. Em contrapartida, se o tipo penal mencionou que depende de representação ou requisição do Ministro da Justiça, se está diante de uma ação penal pública condicionada. Por fim, se a referência foi que somente se procede mediante queixa, trata-se de uma ação penal privada.

Conhecido as espécies de ação penal, discorrer-se-á sobre seus princípios. 2.4.3 Princípios constitucionais da ação penal

Os princípios podem ser conceituados como instrumentos responsáveis por indicar um rumo para decisões de julgadores, bem como para que legisladores atuem dentro de determinados parâmetros legais. Assim sendo, definem limites, fixam o alcance das leis e auxiliam na sua interpretação (REIS; GONÇALVES, 2013, p. 93).

A Constituição Federal de 1988 traz em seu texto alguns princípios gerais da ação penal que impedem que qualquer lei que os afronte tenha eficácia (REIS; GONÇALVES, 2013, p. 93).

A seguir serão brevemente apresentados alguns princípios, iniciando-se pelo princípio do juiz natural.

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2.4.3.1 Princípio do juiz natural

Estabelece ao réu o direito de ser julgado de forma imparcial por um juiz previamente determinado por leis e normas constitucionais. Este princípio tem sua previsão no artigo 5º, inciso LIII, da Constituição Federal: “LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente” (BRASIL, CRFB, 2020). O inciso XXXVII do mesmo artigo ainda veda os juízos ou tribunais de exceção, ou seja, aqueles formados especificamente para julgar um delito após o seu cometimento (NUCCI, 2020, p. 158).

2.4.3.2 Princípio do promotor natural

Tal princípio, decorrente também do inciso LIII citado anteriormente, garante que o réu será acusado por um órgão imparcial do Estado que foi previamente determinado por lei, sendo vedado a indicação do acusador para atuar em casos específicos (REIS; GONÇALVES, 2013, p. 96).

Não obstante, a criação de grupos especializados não fere o estabelecido neste princípio, uma vez que sua atuação se dá segundo regras que antecedem o cometimento do delito. Além do mais tem atuação genérica, ou seja, direcionada a crimes de determinada espécie (como um grupo de combate à sonegação fiscal ou ao tráfico de drogas) (REIS; GONÇALVES, 2013, p. 96).

2.4.3.3 Princípio do devido processo legal

Reza o artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. A lei regulamenta qual o procedimento a ser adotado para cada espécie de delito cometido, sendo que o descumprimento das formalidades legais pode acarretar na nulidade da ação penal, cabendo ao tribunal competente definir quando tal descumprimento constitui nulidade absoluta ou relativa (REIS; GONÇALVES, 2013, p. 97).

Para que a ação e o processo penal respeitem o devido processo legal, todos os princípios norteadores do direito penal e do processo penal devem ser respeitados durante a persecução penal, com a garantia dos direitos do acusado juntamente com a atuação imparcial do Judiciário (NUCCI, 2020, p. 142).

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2.4.3.4 Princípio da presunção de inocência

Também chamado de princípio do estado de inocência ou da não culpabilidade, significa que, enquanto não for declarado culpado por sentença condenatória com trânsito em julgado, o acusado presume-se inocente. Está previsto no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, garantindo que o ônus da prova cabe à acusação e não à defesa. Assim a regra é a inocência, cabendo ao Estado a prova do contrário (NUCCI, 2020, p. 151).

É sabido que existe um debate acerca deste princípio, discutindo-se se é possível a prisão após condenação em segunda instância. Todavia não será adentrado neste assunto por não ser pertinente ao presente trabalho.

2.4.3.5 Princípios do contraditório e da ampla defesa

Este princípio encontra-se fundamentado no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os recursos a ela inerentes” (BRASIL, CRFB, 2020).

Pelo contraditório, sempre que uma das partes fizer alguma alegação fática ou apresentação de prova, nasce para a parte adversária o direito de manifestação, resultando assim em um equilíbrio na relação estabelecida (NUCCI, 2020, p. 156). No Código de Processo Penal pode-se encontrar vários exemplos da aplicação do princípio do contraditório. Cita-se o caput do artigo 155:

O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas (BRASIL, CPP, 2020).

Ainda acerca do disposto acima, cabe destacar que a convicção do juiz não pode se fundamentar exclusivamente em prova colhida durante o inquérito, pois neste não há a possibilidade do contraditório (REIS; GONÇALVES, 2013, p. 100).

Outro artigo da mesma lei que pode-se utilizar como exemplo é o 479, em seu caput:

Art. 479. Durante o julgamento não será permitida a leitura de documento ou a exibição de objeto que não tiver sido juntado aos autos com a antecedência mínima de 3 (três) dias úteis, dando-se ciência à outra parte (BRASIL, CPP, 2020).

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A proibição trazida pelo artigo 479, que não permite a leitura de documento ou exibição de objeto durante o julgamento no Plenário do Júri, se dá justamente para que seja garantido o contraditório, evitando-se assim que a parte adversária seja surpreendida com o novo documento ou objeto (REIS; GONÇALVES, 2013, p. 100).

Por sua vez, o princípio da ampla defesa garante ao réu o direito de utilizar-se de amplos e extensos métodos para defesa do que lhe foi imputado. Destaca-se que na relação processual o réu é considerado a parte hipossuficiente, uma vez que o Estado possui acesso a grande quantidade de dados e informações de diversas fontes (NUCCI, 2020, p. 154).

Ainda em razão deste princípio, mesmo que o réu dispense a defesa, deve o juiz nomear um defensor. Ademais, caso o advogado, ainda que constituído, apresente defesa insuficiente, deverá o réu ser declarado pelo juiz indefeso, dando-lhe prazo para constituir um novo defensor, sob pena de nulidade do julgamento (REIS; GONÇALVES, 2013, p. 101). 2.4.3.6 Princípio do privilégio contra a autoincriminação

De forma simples e direta, segundo este princípio o réu não será obrigado a produzir prova contra si. Assim, qualquer prova demandada ao réu pelo juiz e que implique prejuízo a sua defesa, poderá ser negada (NUCCI, 2020, p. 694).

Ainda de acordo com esse princípio, o indiciado ou acusado não pode ser constrangido a cooperar na investigação penal. Isto não o impede de confessar o crime ou produzir provas que o incriminem. Ele somente não pode ser obrigado a fazê-lo e, na recusa de cooperação, não pode ser isto utilizado para a convicção do juiz (REIS; GONÇALVES, 2013, p. 102).

A Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso LXIII, estabelece que o réu tem o direito de permanecer calado: “LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado” (BRASIL, CRFB, 2020).

Por sua vez, o artigo 186, parágrafo único do Código de Processo Penal, complementa essa regra: “o silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa” (BRASIL, CPP, 2020).

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2.4.3.7 Princípio da razoável duração do processo

Este princípio é trazido pelo artigo 5º, inciso LXXVIII da Constituição Federal: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (BRASIL, CFRB, 2020).

Logo, por meio deste, assegura-se às partes que o processo não irá se delongar demasiadamente, garantindo-se o direito de se obter o provimento jurisdicional em prazo razoável e de dispor de meios que garantam a celeridade de sua tramitação (REIS; GONÇALVES, 2013, p. 106).

2.4.4 Princípios específicos da ação penal pública

Feitas tais considerações acerca de alguns princípios gerais da ação penal, adentra-se então na análise dos princípios norteadores da ação penal de caráter público, iniciando-se pelo princípio da oficialidade.

2.4.4.1 Princípio da oficialidade

Os órgãos responsáveis pela persecução penal são oficiais, ou seja, públicos, cabendo ao Estado o controle da criminalidade. Assim, tarefas como investigar o agente, processá-lo e puni-lo são de competência de órgãos constituídos do Estado. A função de investigação prévia é feita pela autoridade policial, seja ela polícia civil ou polícia federal, (CF, art. 144, incisos e parágrafos) ou autoridades administrativas que a lei atribua a mesma função (CPP, art. 4º e parágrafo único), enquanto a ação penal pública é atribuição exclusiva do Ministério Público (CF, art. 129, I). Como exceção a esta regra tem-se os casos de ação privada subsidiária, de titularidade do ofendido ou do seu representante legal (CAPEZ, 2016, p. 208).

2.4.4.2 Princípio da obrigatoriedade ou legalidade

Ocorrida a infração penal e nela identificada a hipótese de atuação nasce a obrigação por parte do Ministério Público de dar início a ação penal. Tal princípio está diretamente relacionado ao princípio da legalidade, ou seja, presentes os requisitos legais necessários, encontra-se o titular da ação penal obrigado a propô-la (CAPEZ, 2016, p. 206).

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Nas palavras de Reis e Gonçalves (2013, p. 114) não pode o promotor “transigir ou perdoar o autor do crime de ação pública”. Assim sendo, o Ministério Público deve apreciar os elementos de prova e formar sua opinião analisando se existem indícios suficientes de autoria e materialidade para que seja feita a denúncia, dando ensejo a ação penal pública.

Mesmo que ocorra uma causa impeditiva, como por exemplo a prescrição, ou uma prova incontroversa que o agente agiu em legitima defesa, deve também o promotor requerer o arquivamento do inquérito, não podendo fazê-lo por conta própria (REIS; GONÇALVES, 2013, p. 114).

A fiscalização do princípio da obrigatoriedade fica a cargo do juiz de direito, podendo ele concordar ou discordar do entendimento do promotor. Caso o Ministério Público requeira o arquivamento e o juiz discorde, observando que existem elementos suficientes para a que seja oferecida a denúncia, remeterá os autos ao Procurador-Geral (órgão superior do Ministério Público), a quem caberá a palavra final (REIS; GONÇALVES, 2013, p. 114). 2.4.4.3 Princípio da indisponibilidade

Referido princípio apresenta-se como um desdobramento do princípio da obrigatoriedade, encontrando-se sua base legal no artigo 42 do Código de Processo Penal: “O Ministério Público não poderá desistir da ação penal” (BRASIL, CPP, 2020).

Oferecida a ação penal, não poderá o Ministério Público dela desistir. Não faria mesmo sentido obrigar o órgão a propor a ação para permitir, logo após, sua desistência. A proibição ainda alcança a matéria recursal, segundo o artigo 576 da mesma lei: “O Ministério Público não poderá desistir de recurso que haja interposto” (BRASIL, CPP, 2020).

Conhecidos os princípios específicos da ação penal pública, cabe mencionar que a obrigatoriedade da ação penal foi de certa forma relativizada pela legislação, logo, para melhor compreender o que isto significa, desenvolveu-se o tópico a seguir.

2.5 MITIGAÇÃO DA OBRIGATORIEDADE DA AÇÃO PENAL

Observando-se a evolução histórica, desde que o Estado avocou o dever de prestar a jurisdição e proibiu a vingança privada, criou-se a ideia que os crimes não devem ficar impunes, sendo assim uma obrigação do ente dar início ou continuidade a persecução criminal. Neste contexto inseriu-se o princípio da obrigatoriedade que nasceu com a missão

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de evitar que poderes discricionários como seletividade e parcialidade estivessem presentes nas mãos do Ministério Público (STASIAK, 2020, p. 5).

Logo, ocorrido o crime e chegado ao conhecimento das autoridades competentes, deve este seguir todo o caminho da persecução penal, cominando com a denúncia do Ministério Público e consequente início da ação penal.

Este princípio alcançaria sua plenitude caso o sistema judiciário nacional conseguisse responder em tempo hábil toda a demanda que lhe é sujeita, o que não ocorre, na prática encontram-se varas judiciárias abarrotadas de serviço. Assim de que adianta, sob a perspectiva da sociedade, que o Ministério Público ofereça denúncias e mais denúncias, se não irá obter a resposta do aparelho judiciário, vendo suas ações acabar prescritas (GAZOTO, 2000, 110).

Além da perspectiva do Ministério Público, tem-se o lado da vítima e da sociedade, que esperam a devida punição pelo crime cometido e, porque não, o lado do suposto autor que pode ser inocente ou até mesmo querer fazer algo para compensar o delito praticado.

Perante este contexto foi adicionado a Constituição Federal de 1988, quando promulgada, a possibilidade da transação penal. Observa-se abaixo o artigo constitucional que a prevê:

Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau (BRASIL, CRFB, 2020).

Como a criação de determinado instituto, que será melhor explicitado no próximo capítulo, mitigou-se o princípio da obrigatoriedade, possibilitando um novo caminho a ser seguido quando determinados crimes ocorressem. Substituiu-se então, o princípio da obrigatoriedade pelo princípio da discricionariedade regrada, assim chamado porque, apesar do Ministério Público ter certa liberdade de escolha, encontra-se limitado por hipóteses legais (CAPEZ, 2016, p. 207).

Neste ponto cabe comentar que embora a obrigatoriedade de a ação penal tradicionalmente direcionar o direito brasileiro, não existe aqui um princípio inflexível, muito menos constitucional. Isto deve-se a este princípio ser extraído da interpretação da leitura dos artigos 24, 28, 42 e 576 do Código de Processo Penal Brasileiro, norma esta

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infraconstitucional. Assim sendo, não houve qualquer inconstitucionalidade ao ser criado o instituto da transação penal (GAZOTO, 2000, p. 5).

Discorrendo um pouco mais sobre a discricionariedade regrada, tem-se que a legalidade ou a própria obrigatoriedade não se extinguem com a sua incidência, fato este justificado pelo Ministério Público continuar vinculado as hipóteses legais, tendo, no entanto, certa discricionariedade para agir (STASIAK, 2020, p. 11).

Com a abordagem deste último tópico encerra-se a apresentação da justiça penal brasileira. Buscou-se até aqui passar uma noção geral sobre seu funcionamento, citando-se os órgãos envolvidos, alguns princípios norteadores e os institutos legais. No próximo capítulo será abordado sobre a as reações sociais ao crime, discorrendo sobre como o mesmo é tratado e reprimido ao longo dos tempos, para, em seguida, ingressar-se na justiça criminal consensual, fruto da mitigação do princípio da obrigatoriedade.

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3 REAÇÕES SOCIAIS AO CRIME

A criminologia é a ciência empírica que tem por objeto a análise do crime e, consequentemente, estuda a evolução nas formas como o mesmo é tratado ao longo dos tempos. Para a área, este tratamento que se dá ao cometimento de um delito recebe o nome de reação social ao crime (PENTEADO FILHO, 2012, p. 18).

Segundo Penteado Filho (2012, p. 139), da evolução das reações sociais ao crime prevaleceram três modelos distintos de resposta ao seu cometimento, sendo eles: dissuasório, ressocializador e consensual. Com efeito, o primeiro busca reprimir o agente criminoso por meio da punição, do castigo, demostrando a sociedade que o crime não compensa.

Por sua vez, o modelo ressocializador tem como foco a pessoa do infrator, não apenas lhe aplicando uma pena, mas também se preocupando com sua reinserção social. E ao final, o modelo consensual, integrador ou restaurador, objeto deste trabalho, procura restabelecer o status quo ante, defendendo a desjudicialização, visando a reeducação do infrator, a assistência à vítima e o controle social afetado pelo crime (PENTEADO FILHO, 2012, p. 140).

Nesse patamar, Aquino retrata que o objetivo do modelo consensual é atender os anseios de todas as partes envolvidas no crime cometido, tendo a punição por meio da prisão como último recurso aplicável (2020, p. 1):

No modelo consensual o sistema carcerário é utilizado como última ratio. Potencializa-se o desenvolvimento dos métodos alternativos de resolução de conflitos (ex. acordo, negociação, conciliação, etc.).

Busca, assim, a pacificação através da utilização de práticas restaurativas em casos penais, razão pela qual o torna o modelo mais completo de reação do delito, já que procura contemplar os interesses e expectativas de todas as partes envolvidas na problemática criminal, usando-se a ponderação.

Referido instituto tem sido aplicado em nosso sistema normativo, sendo denominado atualmente como justiça criminal consensual. Logo, partindo da premissa que o acordo de não persecução penal (ANPP) é baseado no consenso, faz-se necessário o conhecimento de alguns conceitos e finalidades inerentes, bem como uma rápida análise de alguns acordos penais existentes atualmente no ordenamento jurídico brasileiro.

3.1 JUSTIÇA CRIMINAL CONSENSUAL

Conforme leciona Greco (2017, p. 617), “a pena é a consequência natural imposta pelo Estado quando alguém pratica uma infração penal”. Não obstante, ao ocorrer alguma conduta criminosa, é natural que a sociedade deseje que seja retribuído o mal causado pelo

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infrator, embora não se possa esquecer que a imposição de sanções penais também tem por finalidade a promoção da paz social.

Se por um lado busca-se a justiça, penalizando o autor, por outro a crescente judicialização de demandas aliada a uma excessiva carga burocrática, formalista e morosa do processo, resultam em um Poder Judiciário congestionado que não atende de forma plena a nenhum dos anseios das partes (CARRARA, 2015, p. 1).

Observa-se que o modelo dissuasório de reação ao crime, utilizado objetivando prevenir o crime apenas pela aplicação do castigo, ou seja, da pena, tem se mostrado ineficiente nos dias atuais, tanto é que a reincidência criminal é grande, além dos presídios estarem cada vez mais lotados (CARRARA, 2015, p. 1).

Partindo desta premissa, não se busca aqui passar a ideia que não deve haver punição, ao revés, sua aplicação proporcional ao delito cometido, muito menos se entrará em outras questões sociais inerentes a formação da criminalidade. Ou seja, a intenção é expor a necessidade de um sistema que vá além da punição, preocupando-se com a vítima, sociedade e autor, que puna, mas que ressocialize, encontrando soluções paralelas e adequadas ao crime cometido, de forma rápida e efetiva, com uma resposta mais célere (CARRARA, 2015, p. 1).

Nesse contexto que surge a justiça criminal consensual, consoante destacado por Vasconcellos (2015, p. 55), buscando um modelo participativo para a resolução das lides penais com a convergência de vontades, baseada no diálogo entre o órgão acusador e a defesa. A justiça criminal consensual está fundamentada na ideia de acordo, negociação e concordância de pensamentos entre as partes. Desta maneira, a criação deste mecanismo de consenso na esfera penal brasileira deu-se pela necessidade de mais celeridade e eficiência no funcionamento dos sistemas de justiça criminal, visto a grande demanda e consequente sobrecarga do poder judiciário (ANDRADE, 2019, p. 24).

O modelo de justiça criminal consensual implementado pelo Brasil guarda grande influência do utilizado pelos Estados Unidos, apesar dos sistemas jurídicos dos dois países serem um tanto quanto distintos. Nos Estados Unidos o sistema jurídico encontra-se inserido na chamada “common law”, ou em outras palavras, direito comum, donde as práticas e procedimentos jurídicos são construídos com base nos costumes do povo e formação de precedentes judiciais, não obstante apresenta significativas variações com base na jurisdição, seja ela federal ou estadual (CAMPOS, 2012, p. 3).

Outro ponto que merece destaque é a atuação do Ministério Público americano, fundada em grande discricionariedade, não vigorando por lá o princípio da obrigatoriedade da ação penal anteriormente citado (CAMPOS, 2012, p. 3).

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Com estes quesitos brevemente explanados observa-se que o órgão acusador americano possui grande autonomia sendo que, dentre suas possibilidades de atuação encontra-se a chamada “plea bargaining”. Esta barganha, como é conhecida, nada mais é do que uma negociação entre acusação, réu e defensor em troca benefícios, tendo, de um lado, o réu colaborando com a elucidação do crime e confessando sua prática e, por outro, o Estado ofertando uma redução de acusações ou da sanção a ser aplicada (CAMPOS, 2012, p. 4).

Observa-se a grande utilização deste instituto pelos Estados Unidos, sendo que cerca de 90% dos crimes lá cometidos não chegam a ir a julgamento, resultando em mais recursos disponíveis para a resolução de casos mais graves (CAMPOS, 2012, p. 4).

Em situação oposta encontra-se o Brasil, com uma grande judicialização de casos e consequente sobrecarga tanto para o Ministério Público quanto para os magistrados. Todavia, se por um lado os Estados Unidos possuem certa flexibilidade para criar soluções jurídicas devido ao sistema jurídico “common law”, por outro no Brasil não é tão simples assim e isto decorre de seu sistema jurídico “civil law” (CAMPOS, 2012, p. 8).

Neste sistema a resolução dos litígios decorre da interpretação das leis, utilizando-se de jurisprudência, doutrina e princípios como fonte utilizando-secundária de direito. Logo, é característica do “civil law” a adoção do princípio da legalidade e da obrigatoriedade da ação penal, limitando assim a atuação dos sujeitos processuais (CAMPOS, 2012, p. 15).

Esta limitação já foi vislumbrada quando se falou do Ministério Público, da ação penal e de seus princípios, no entanto, quando foram inseridos no ordenamento jurídico pátrio modelos de justiça criminal fundados na ideia de consenso passou-se a conceder certa discricionariedade legal na atuação do órgão de acusação. A seguir falar-se-á sobre como foi introduzida a justiça consensual no Brasil para então serem apresentados alguns acordos penais existentes.

3.1.1 A justiça consensual no Brasil

Voltando um pouco no tempo, mais precisamente durante a década de 80, diante da necessidade de se reestruturar a prestação jurisdicional no país foi editada a Lei nº 7.244 em 07 de novembro de 1984, sendo criado os “Juizados Especiais de Pequenas Causas”. Estes juizados possuíam competência para as causas cíveis de valor não superior a 20 (vinte) salários-mínimos e eram orientados pelos princípios instituídos em seu artigo 2º: “O processo, perante o Juizado Especial de Pequenas Causas, orientar-se-á pelos critérios da oralidade,

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simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando sempre que possível a conciliação das partes” (PAULO, 2009, p. 1).

Fato é que a criação destes juizados foi um sucesso, principalmente perante os magistrados, que acompanharam milhares de processos serem resolvidos e muitos cartórios judiciais ficarem desafogados pela resolução de conflitos por meio do consenso entre as partes. Ora, o legislador brasileiro descobriu que permitir o consenso entre os envolvidos é uma das formas mais eficazes de resolução dos conflitos, faltando então a esfera Penal ser beneficiada pelos princípios da informalidade e do consenso (PAULO, 2009, p. 1).

Nota-se que os Juizados Especiais de Pequenas Causas criados pela Lei nº 7.244 tinham competência restrita para as ações na esfera cível, não obstante, com a chegada da Constituição Federal de 1988, foi previsto em seu artigo 98 a criação de juizados especiais para tratar de infrações penais de menor potencial ofensivo (BRASIL, Lei nº 7.244, 2020):

Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau; (BRASIL, CRFB, 2020).

Com o sucesso citado anteriormente alcançado pelos juizados criados pela Lei nº 7.244 e a possibilidade legal de criação dos juizados na esfera penal trazida pelo artigo 98 da Constituição Federal de 1988, foi então, em 16 de setembro de 1995, editada a Lei nº 9.099 revogando a Lei nº 7.244. Logo a Lei nº 9.099 passou a dispor sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, além de dar outras providências (BRASIL, Lei nº 9.099, 2020).

A Lei nº 9.099/95 apresenta em seu artigo 2º os princípios que orientam sua aplicação, a saber, oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, objetivando, quando possível, utilizar-se de métodos que vão na contramão da persecução penal clássica, tais como a conciliação e a transação (BRASIL, Lei nº 9.099, 2020).

Um outro dispositivo que se encontra inclusive no Capítulo III, Dos Juizados Especiais Criminais, confirma que a referida lei vai de encontro a modos alternativos na resolução das lides:

Art. 62. O processo perante o Juizado Especial orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, objetivando, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade (BRASIL, Lei nº 9.099, 2020).

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Pela leitura do artigo 62 observa-se que o juizado especial criminal busca a solução pautada na ideia da justiça restaurativa, preocupando-se com a vítima, ao importar-se com a reparação do dano, ao mesmo tempo que propõe ao autor uma pena que não a privativa de liberdade.

Importante destacar que o constituinte, conforme verificou-se pela leitura do artigo 98 anteriormente citado, não trouxe o conceito para infração penal de menor potencial ofensivo, permitindo assim que o legislador ordinário o fizesse. Assim a Lei nº 9.099 o fez em seu artigo 61, com redação dada pela Lei nº 11.313, de 2006: “Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa” (BRASIL, Lei nº 9.099, 2020).

O contexto em que foi criada a Lei nº 9.099/95 expõe a vontade do legislador em diferenciar as respostas dadas as infrações de menor potencial ofensivo cometidas, cuja própria reprovação social é menor se comparada a infrações de grave potencial ofensivo, logo pune-se o autor proporcionalmente ao mal causado não privando sua liberdade (LIMA, 2019, 20).

Não obstante, ressalta Nucci (2020, 118) que a referida lei ao estabelecer os Juizados Especiais Criminais, postou-se como um marco no caminho para a justiça restaurativa, demonstrando a intenção do Estado em distanciar-se, sempre que possível, da justiça retributiva (NUCCI, 2020, 118).

Conhecido então o contexto e objetivo de criação da Lei nº 9.099/95, consta-se que não é pretensão desta pesquisa esgotar todas as inovações por ela trazidas que acabam por gerar um procedimento penal mais simplificado, no entanto, objetiva-se analisar, ainda que brevemente, os seus institutos que retratam a justiça consensual, iniciando-se pela composição civil dos danos.

3.1.2 Composição civil dos danos

A pretensão com a aplicação deste instituto é a valorização dos interesses da vítima que, geralmente, objetiva que seja reparado o dano sofrido, em vez de um processo que resulte na aplicação de uma pena ao autor (LIMA, 2019, p. 56).

Para tanto, a composição civil dos danos está fundamentada legalmente do artigo 72 ao 75 da Lei nº 9.099/95, tratando-se de um acordo que ocorre na fase preliminar do processo e é realizado entre o autor do delito e a vítima, antecedendo o oferecimento da

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