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O Anchieta modernista : a trajetória musical-pedagógica de Villa-Lobos (1930-1959)

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Academic year: 2021

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ANDRÉ ÁLCMAN OLIVEIRA DAMASCENO

O ANCHIETA MODERNISTA: A TRAJETÓRIA

MUSICAL-PEDAGÓGICA DE VILLA-LOBOS (1930-1959)

Campinas

2014

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA

ANDRÉ ÁLCMAN OLIVEIRA DAMASCENO

O ANCHIETA MODERNISTA: A TRAJETÓRIA MUSICAL-PEDAGÓGICA DE VILLA-LOBOS (1930-1959)

Orientadora: Profª. Drª. Elide Rugai Bastos

Tese apresentada ao curso de Doutorado em Sociologia da Universidade Estadual de Campinas como pré-requisito parcial para a obtenção do título de Doutor.

Este exemplar corresponde à versão final da tese defendida pelo aluno André Álcman Oliveira Damasceno, orientada pela Profª. Drª. Elide Rugai Bastos e aprovada em 01/12/2014.

Campinas 2014

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Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas

Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Paulo Roberto de Oliveira - CRB 8/6272

Damasceno, André Álcman Oliveira, 1972-

D18a DamO Anchieta modernista : a trajetória musical-pedagógica de Villa-Lobos (1930-1959) / André Álcman Oliveira Damasceno. – Campinas, SP : [s.n.], 2014.

DamOrientador: Elide Rugai Bastos.

DamTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia

e Ciências Humanas.

Dam1. Villa-Lobos, Heitor, 1887-1959. 2. Canto orfeônico. 3. Modernismo. 4. Música brasileira. 5. Brasil - Política e governo. I. Bastos, Elide Rugai,1937-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: The modernist Anchieta: the musical-pedagogical trajectory of

Villa-Lobos (1930-1959).

Palavras-chave em inglês:

Orpheonic singing Modernism

Brazilian music

Brazil - Politics and government

Área de concentração: Sociologia Titulação: Doutor em Sociologia Banca examinadora:

Élide Rugai Bastos [Orientador] Fernando Antonio Lourenço

Marisa Trench de Oliveira Fonterrada André Pereira Botelho

Márcia Regina Tosta Dias

Data de defesa: 01-12-2014

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Dedico este trabalho aos meus filhos Ana Gabriela e Roan Cadmus.

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AGRADECIMENTOS

Ao apoio constante de meus pais, Joaquim Damasceno e Maria de Lourdes.

Aos meus irmãos Alice, Alden e Alexandre e às suas respectivas famílias. A Ana Lídia, na difícil tarefa de educação de nossos filhos.

In memorian: Tio Evangelista - * 26/09/1940 + 17/01/2014.

A todos os colegas da turma de pós-graduação da UNICAMP (doutorado e mestrado) – 2009, em especial, a Daniela Santos e Gabriel Rezende – e aos de outros programas, Delano Pessoa (Sociologia-UFC), Flávia Sousa (Educação-USP) e Ana Tófoli (Antropologia-UNICAMP).

Aos secretários do Programa, Cris Faccioni e Daniel Cardoso.

A todos do Museu Villa-Lobos, em especial a Pedro Belquior e Marcelo Rodolfo.

Aos professores que de formas distintas tornaram este doutorado possível: André Botelho (UFRJ), André Haguette (UFC), Dilmar Miranda (UFC), Fernando Lourenço (UNICAMP), George Paulino (UFC), Heloisa Pontes (UNICAMP), Irlys Barreira (UFC), Isabel Pontes (Luciano Feijão), Léa Carvalho (UFC), Lindomar Albuquerque (UNIFESP), Leopoldo Waizbort (USP), Marcelo Ridenti (UNICAMP), Márcia Dias (UNIFESP), Mariana Chaguri (UNICAMP), Marisa Fonterrada (UNESP), e, em especial, a Elide Rugai Bastos (UNICAMP).

A todos os colegas professores e alunos do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Regional do Cariri (URCA), em especial, as alunas Érica Figueirêdo, Elma Santos e Carlijaniele Soares que atuaram no projeto de pesquisa PIBIC/URCA "Sob a batuta de Villa-Lobos: uma análise sociológica do percurso pedagógico (1937-1959)" e a todos os participantes do GRUDARS (Grupo de Discussão em Artes e Sociedade/NERE/URCA).

À amizade dos professores: Cláudio Mappa (UFCA), Cristina Dunaeva (URCA), Diocleide Ferreira (UVA), Jeferson de Aquino (UVA), Joana Tolentino (D. Pedro II), João Bittencourt (UFAL), Rubens Venâncio (URCA), Roberto Cunha (UFCA) e Valdetônio de Alencar (UFCA).

Às amizades de Adam Coble, Adriana Davanzzo, Danilo Monteiro, Patrícia Andrade, Silvia Barreira, Violeta Barreira, nas valorosas estadas em Campinas e São Paulo.

A Juliana Gondim que pavimentou este trabalho, através de seu amor e apoio.

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“Ora, já que é a mesma Vontade que se objetiva tanto nas ideias quanto na música, embora de maneira bem diferente em cada uma delas, deve haver entre música e ideias não uma semelhança imediata, mas um paralelismo, uma analogia, cujo fenômeno na pluralidade e imperfeição do mundo visível”.

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xiii SUMÁRIO

OUVERTURE ... 1

1 I ATO: IDA AO POVO ... 21

1.2 O artista como participante da intelligentsia ... 21

1.3 A intelligentsia e o folclore ... 28

1.3 Intelligentsia à brasileira? ... 34

1.4 A construção da visão de mundo modernista ... 45

2 II ATO: A REINVENÇÃO DE VILLA-LOBOS ... 59

2.1 O amargo retorno após a consagração ... 59

2.2 Mário de Andrade e Villa-Lobos: entre distanciamentos e aproximações ...70

2.3 Os primeiros anos do Anchieta Modernista ... 81

3 III ATO: O GUIA FOLCLÓRICO E EDUCACIONAL ... 95

3.1 O manuscrito do Guia Prático ... 95

3.2 As fontes dos temas musicais do Guia Prático...106

3.3 O lugar simbólico do Guia no Projeto Pedagógico...118

4 IV ATO: UM CANTO PARA GETÚLIO?...121

4.1 A ampliação do Projeto...121

4.2 O conteúdo didático...130

4.3 O Estado Novo e a Música...136

5 V ATO: DO ESTADO NOVO À SISTEMATIZAÇÃO DA MÚSICA BRASILEIRA: SOB AS BÊNÇÃOS DE ANCHIETA, DE BACH E DE VARGAS...57

5.1 Villa-Lobos e a música popular urbana...157

5.2 O sentido social da Série Bachianas Brasileiras...167

5.3 Os anos derradeiros de Villa-Lobos...182

FINALE...191 REFERÊNCIAS...195 REFERÊNCIAS VILLA-LOBOS ...195 REFERÊNCIAS EM GERAL ...211 CRONONOLOGIA...221 ANEXOS ...225

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xv ANEXOS

Anexo A Temas musicais adotadas no Canto Orfeônico de

1937... 225

Anexo B Jornal informando do triunfo de Villa-Lobos, em Buenos Aires, em 1935... 228

Anexo C Matéria do jornal A Noite de 03 de novembro 1925... 229

Anexo D Carta de Villa-Lobos para Carlos Guinle... 230

Anexo E Notícia do ensaio da Exortação Cívica... 231

Anexo F Escola Getúlio Vargas inaugurada pelo próprio presidente... 232

Anexo G Jornal descreve a estreia do bailado Uirapuru (*1917)... 233

Anexo H Jornal O Globo, do dia 05 de dezembro de 1935... 234

Anexo I Coluna de Oscar Guanabarino no Jornal do Commercio... 235

Anexo J Anísio Teixeira indica Villa-Lobos para coordenar curso... 236

Anexo K Homenagem a Francisco Campos por parte do Orfeão... 237

Anexo L Cobertura sobre o Congresso de Praga ... 238

Anexo M Participação de Villa-Lobos no centenário de Pereira Passos... 239

Anexo N Envio de funcionários da SEMA ao estado de Sergipe... 240

Anexo O Renato Almeida sobre a Comissão de Folclore... 241

Anexo P Revista Fon-Fon publicando parte do manuscrito do Guia Prático... 242

Anexo Q Capa do livro A Música no Brasil (1908)... 243

Anexo R Primeira página do Quadro Sinótico... 244

Anexo S Capa do livro Os Nossos Brinquedos (1909)... 245

Anexo T Capa da primeira edição do Guia Prático (1941)... 246

Anexo U Jornal informa a comissão que analisaria o Hino Nacional... 247

Anexo V Comissão que analisaria os “erros” do Hino Nacional... 248

Anexo W Capa da obra O Orfeão na Escola Nova (1937)... 249

Anexo X Documento no qual Villa-Lobos é indicado como Superintendente... 250

Anexo Y Documento no qual o Ministro Capanema agradece a Villa-Lobos... 251

Anexo Z Solicitação de Villa-Lobos ao Ministro Capanema... 252

Anexo AA Documento oficiais solicitando passaportes para Villa-Lobos... 253

Anexo AB Convite para que Villa-Lobos compussese o ISEB... 254

Anexo AC Carta do maestro Eleazar de Carvalho a Villa-Lobos... 255

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xvii LISTA DE FIGURAS E GRÁFICOS

FIGURA 1 – Capa do jornal A Noite do dia 08 de junho noticiando o 7° Congresso

de Educação ... 88

QUADRO 1 – Origem dos temas coletadas pelo Guia Prático...107

QUADRO 2 - Quantificação referente à “ambientação”, ao “arranjo”, ao “texto” e à “execução” instrumental por parte da “autoria” dos temas musicais coletados pelo Guia Prático... 110

QUADRO 3 – Temas musicais do Guia Prático classificados como “Formas com característicos”...111

QUADRO 4 – “Gêneros” musicais coletados do Guia Prático...112

QUADRO 5 – “Finalidades” dos temas coletados do Guia Prático...114

QUADRO 6 – “Andamento” dos temas coletados do Guia Prático...114

QUADRO 7 – “Caráter” nacional e continental, a “origem e a finidade étnica das melodias” coletadas do Guia Prático...115

FIGURA 2 – Quadro “étnico musical” publicado na 1° Edição do Guia Prático de 1941...117

QUADRO 8 – “Indicação” do nível de escolaridade à qual se destinam os temas musicais coletados do Guia Prático...117

FIGURA 3 – Documento assinado por Mário de Andrade endereçado a Villa-Lobos...154

FIGURA 4 – Recorte do Jornal do Correio da Noite de 13 de janeiro de 1939 noticiando o evento Danças Brasileiras...161

FIGURA 5 – Capa Do LP Native Brazilian Music...163

FIGURA 6 – Fragmentos de partituras: Suíte N° 2, de Bach, e transfiguração para uma modinha...178

FIGURA 7 – Fragmentos de partituras: o Introdutório da Ária das Bachianas Brasileiras N°6 e do Chorinho Atraente de Chiquinha Gonzaga...178

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xix LISTA DE SIGLAS

AIB – AÇÃO INTEGRALISTA BRASILEIRA ALN – ALIANÇA LIBERTADORA NACIONAL

CPDOC – CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL

DNP – DEPARTAMENTO NACIONAL DE PROPAGANDA DIP – DEPARTAMENTO DE IMPRENSA E PROPAGANDA

DPDC – DEPARTAMENTO DE PROPAGANDA E DIFUSÃO CULTURAL E.M.B – ENSAIO DA MÚSICA BRASILEIRA

FUNARTE – FUNDAÇÃO NACIONAL DE ARTES HVL – HEITOR VILLA-LOBOS

INCE – INSTITUTO NACIONAL DE CINEMA EDUCATIVO

IPHAN – INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO IEB – INSTITUTO DE ESTUDOS BRASILEIROS

ISEB – INSTITUTO SUPERIOR DE ESTUDOS BRASILEIROS LSN- LEI DE SEGURANÇA NACIONAL

SEMA – SECRETARIA EDUCAÇÃO MUSICAL E ARTÍSTICA

SPHAN – SERVIÇO DE PATRIMÔNIO HISTÓRICO ARTÍSTICO NACIONAL MPB – MÚSICA POPULAR BRASILEIRA

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xxi RESUMO

Este trabalho discorre sociologicamente sobre o percurso musical e pedagógico do compositor Villa-Lobos, dentro do recorte temporal de 1930 (ano da ascensão de Getúlio Vargas ao poder) a 1959 (ano do falecimento do musicista). Nosso foco analítico está inserido na articulação entre a produção musical de Villa-Lobos no período - especialmente a Série Bachianas Brasileiras (1930-1945), o projeto pedagógico do Canto Orfeônico (1932-1959) e o processo mais geral da modernização brasileira capitaneada pelo Estado. Assim, articulamos as ideias de Lahire (2002, 2004, 2006) sobre as disposições sociais de Villa-Lobos desenvolvidas em seu duplo convívio entre o erudito e o popular, que o condicionaram tanto em termos estéticos quanto pedagógicos a institucionalizar o Modernismo – este interpretado como uma visão de mundo, de acordo com a perspectiva metodológica de Goldmann (1959, 1979). Nesse cenário, o Modernismo – na articulação entre os tipos romântico e programático, tornar-se-ia uma prática apoiada pelo Estado a partir de 1930. Desta forma, a trajetória de Villa-Lobos foi analisada através de pesquisa envolvendo documentos de época (oficiais, jornais e cartas), além de trabalhos biográficos e estéticos sobre o compositor. Amparado neste material, a pesquisa aponta o sentido social da trajetória de Villa-Lobos, para além dos propósitos políticos e culturais previstos pelo projeto do Canto Orfeônico, que dialogaria fortemente com o pensamento autoritário - notadamente o de Oliveira Viana (1930, 1939), durante o Estado Novo (1930-1945). Desta forma, a produção musical villalobiana se comprometia com o processo de sistematização da música brasileira liderada pela música popular urbana. Nesta direção, o processo musical é visto no aperfeiçoamento da linguagem musical (tanto erudita quanto popular), da temática própria da música brasileira e no estabelecimento de seu público que o Canto Orfeônico irá garantir a partir de sua rotinização nas escolas brasileiras.

Palavras-chaves: Canto Orfeônico; Modernismo; Música Brasileira; Política; Villa-Lobos.

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xxiii Abstract

This work discusses the musical and pedagogical thought of Villa-Lobos. In particular, we analyze the following period of time: 1930 (beginning of the era Getúlio Vargas) - 1959 (Villa-Lobos has died). We discuss three related topics: the production music by Villa-Lobos in that period – especially Bachianas Brasileiras sequence (1930-1945) –, the pedagogical project of the Orpheonic Singing (1932-1959) and the general process of modernization led by the Brazilian State. We employ the ideas of Lahire (2002, 2004, 2006) on the social dispositions of Villa-Lobos. These were developed in its dual interaction between the classical and the popular. They have conditioned to institutionalize the modernism in an aesthetic and a pedagogical ways – according to the methodological perspective Goldmann (1959, 1979), modernism should be interpreted as a worldview. In this scenario, modernism, the articulation between the romantic and programmatic types, would become a practice supported by the state since 1930. The trajectory of Villa-Lobos was analyzed by documents (official, newspaper and letters), biographical and aesthetic works on the composer. In addition to the political and cultural purposes provided by the Orpheonic Singing project, the research shows the social sense of the path of Villa-Lobos that discusses strongly with the authoritarian thought - notably Oliveira Viana (1930, 1939). Thus, the musical production by Villa-Boas was committed to the process of systematization of Brazilian music led by urban popular music. In this direction, this process is seen in the improvement of musical language (classical and popular), the unique issue of Brazilian music and the establishment of your audience. Orpheonic Singing ensures that because it will be in Brazilian schools routinely.

(24)
(25)

1

OUVERTURE

No trato el problema desde el punto de vista netamente estético. Por el momento creo firmemente en la necessidad de socializar la música. Harcela adaptable al porcentage elevado de la masa humana, esequible ao espiritu simple. De este modo, la música tendrá paulatinamente, un significado superior. No el sonido por el sonido, sino por la ideia por la ideia.

(Villa-Lobos, em 1935, no El Pueblo)

A estreia do bailado indígena Uirapuru (*1917) 1 - em 25 de maio de 1935, no célebre Teatro Cólon, em Buenos Aires, foi um momento de triunfo de Villa-Lobos, durante estada da comitiva oficial brasileira, liderada pelo presidente Getúlio Vargas, na abertura do Congresso Pan-Americano de Commercio. 2 Na ocasião, o Jornal El Pueblo, por exemplo, 3 baseado no trecho da entrevista do compositor exposta acima (dez dias antes da citada estreia), exaltou tanto a arte do compositor quanto as suas iniciativas na esfera da educação musical. 4 Sendo assim, nesse momento, a imprensa internacional tributava ao musicista não apenas suas virtudes estéticas, mas igualmente sua missão pedagógica.

Na imprensa brasileira, durante as décadas de 1930 e 1940, Villa-Lobos do mesmo modo será saudado como o grande missionário destinado a elevar e formar o gosto musical brasileiro. No ano de 1935, por exemplo, os jornais da época exaltaram a consagrada estreia do bailado Uirapuru (*1917), na Argentina, e a primeira regência da Missa em Si Menor (1724), de Johan Sebastian Bach, no Brasil. Neste momento, Villa-Lobos já desempenhava seu trabalho oficial de pedagogo musical alicerçado no Canto Orfeônico e no trabalho de coleta musical popular. No ano de 1932, o compositor das Bachianas Brasileiras (1930-1945) já era reconhecido socialmente como um autêntico compositor brasileiro e um

1

As datas das composições que estiverem com o asterisco indicam a dúvida quanto a real composição da obra, conforme discutiremos ao longo do trabalho.

2 O enviado especial do Correio da Manhã, de 01 de dezembro de 1935, descreveu: “O maestro

Villa-Lobos, bem sercundado pela orquestra, obteve uma versão rica em rythmo e em côr”.

3

Cf. Anexo B, p. 228.

4

Outro Jornal argentino, La Democracia, de 11 de junho de 1935, irá intitular sua matéria com o comentário do compositor: “La Misión de los Artistas es Educar a Los Escuchas”.

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2

excepcional músico comprometido com a educação musical do povo brasileiro, especialmente das crianças.

O mito do Uirapuru trata de um jovem guerreiro que se transforma em um pássaro possuidor do mais lindo dos cantos da floresta. A lenda narra uma transmutação resultado de um encantamento. Neste trabalho, trataremos da mudança de um compositor - reconhecido como o maior em seu tempo no Brasil - em um pedagogo musical responsável pela implantação de um projeto de educação musical existente até 1971 (12 anos após a morte do músico em 1959)

5

.

Destarte, analisaremos a transformação do músico e compositor Villa-Lobos, que, no final dos anos 20, dissera “não sou folclorista” 6, em um músico-educador que mobiliza o folclore nacional como base de instrução e composição. Essa mudança irá proporcionar voos maiores ao musicista que respaldam cada vez mais a produção musical do compositor carioca. A partir de então é impossível dissociar a face de educador da de criador musical.

Diante disso é inevitável para qualquer pesquisador sobre a obra de Villa-Lobos se defrontar com as seguintes indagações: quais foram as estratégias do compositor para que tal transformação fosse possível? Como foi possível que um músico reconhecido como autodidata e com pouca educação formal liderasse o plano de educação musical mais audacioso visto no Brasil? Qual foi o impacto nas composições de Villa-Lobos desta experiência pedagógica e vice-versa?

Essas indagações nos levaram a outras mais densas do ponto de vista sociológico: qual o papel do Estado frente a tal projeto pedagógico? Ou melhor, Villa-Lobos se deixou cooptar pelo Estado ou se aproveitou do mesmo? É bastante afirmado do papel decisivo dos intelectuais e artistas na legitimação da

5

Apesar da mudança do Canto Orfeônico para a educação musical nos anos 60, as bases do projeto pedagógico ainda eram praticamente as mesmas, já que os professores eram basicamente os mesmos, cf. Fonterrada (2008, p. 214). Observação esta que pode ser constatada em Joppert (1966).

6 E continua “O folclore não domina o meu pensamento. Minha música é como eu a sinto. Não saio

à caça de temas com a intenção de usá-los. Componho com o espírito de quem faz a própria música. Abandono-me totalmente ao meu temperamento” (PEPPERCORN, 2000 [1972], p. 102).

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3

modernização conservadora 7 gestada no período “getulista”. Portanto, temos que

indicar qual o lugar da obra do musicista, tanto pedagógica quanto estética, nessa legitimação.

Desta forma, o propósito deste trabalho é abordar o percurso pedagógico e musical de Villa-Lobos em busca de reconhecimento social para a sua obra educacional e estética a partir de 1930.

A trajetória de Villa-Lobos normalmente é dividido em quatro etapas pelos seus principais estudiosos 8: a primeira inicia-se em seus primeiros concertos em Nova Friburgo, em 1915; a segunda é demarcada a partir de sua participação da Semana de Arte Moderna de 1922; a terceira é relacionada, desde 1932, à sua adesão ao projeto cultural do período getulista; e, por fim, a quarta se refere ao período quando sua música penetra nos EUA, a partir de 1944.

Um dos grandes problemas para quem estuda o percurso de Villa-Lobos é precisar quando foi o grande momento de conversão do compositor à estética nacional, na saída de sua primeira fase impressionista com a marcante influência de Debussy. A grande maioria dos biógrafos ou estudiosos indica este momento marcado pela Semana de 1922: Andrade (1991[1939]); Mariz (2005 [1949]); Kiefer (1981) e Wisnik (1982 e 1983). Noutra vertente, Guérios (2003) aponta a partir da primeira viagem de Villa-Lobos à Europa, em 1923, especificamente a Paris, quando o compositor carioca ouve Stravinsky, notadamente a Sagração da Primavera (1913). De acordo com Guérios (2003), a polirritmia 9 e a politonalidade 10 utilizada pelo compositor russo seria a porta de entrada para a invenção de uma estética musical brasileira na ótica, ou melhor, de acordo com a escuta de Villa-Lobos. Em setembro de 1924, em sua chegada, afirma a Manuel Bandeira que ouvir a Sagração fora a maior emoção de sua vida

7 Ou “Modernização pelo Alto”, já que parte do aperfeiçoamento administrativo do Estado, cf.

D’Araújo (2000, p.30).

8

Cf. Mariz (2005[1949]).

9 Polirrítmico: “A superposição de diferentes ritmos ou métricas; é característica de algumas

polifonias medievais e comum na música do séc. XX” (SADIE, 1994, p. 733).

(28)

4

– tal declaração foi publicada na Revista Ariel 11

. Esta escuta teria levado o compositor a datar as suas composições mais ousadas, como, por exemplo,

Amazonas (*1917) e Uirapuru (*1917) – apresentadas ao público,

respectivamente, em 1927 e 1935 – antes de sua primeira ida à Europa. Assim a semelhança seria vista, no máximo, como coincidências estéticas na criação dos dois gênios musicais 12.

Inserimo-nos nesta discussão numa vertente alternativa com o trabalho de dissertação intitulado Villa-Lobos: negociações simbólicas na formação da

moderna música brasileira (2007) 13. Aliamo-nos à ideia não de uma conversão, seja em 1922 ou 1923, afastando-se de uma perspectiva “etapista”, mas sim de momentos de negociação estética e social de acordo com as condições de formação da música brasileira 14.

Dito de outra maneira, desde as primeiras apresentações de Villa-Lobos, há uma negociação constante em sua música de uma estética nacional, nos moldes modernistas, em diálogo intenso com uma estética internacional, primeiramente com a música de Debussy e depois com a de Stravinsky. Veja-se também a presença de um viés mais tradicional - vide suas inflexões na música sacra, que renderam vários elogios, por exemplo, de um dos críticos do Modernismo, Oscar Guanabarino. Essa negociação ocorria da mesma forma na escolha do repertório: quanto mais tradicional o público, mais convencional era sua música e vice-versa. Seu grande trunfo para os ávidos por uma inovação estética em termos nacionais era Danças Características Africanas (1914-1915), executada regularmente desde 1915. As Danças foram apresentadas ao pianista Arthur Rubinstein, em 1918. Esta obra dialogava com a música popular urbana

11

Cf. Bandeira (1924).

12

Esta tese encontra-se muito bem fundamentada nos trabalhos de Guérios (2003) e Peppercorn (2000 [1972]).

13

A banca foi constituída pelas Profª. Drª. Irlys de Alencar Firmo Barreira (orientadora, UFC), pelo Prof. Dr. Dilmar Santos de Miranda (UFC) e pela Profª. Drª. Marisa Trench de Oliveira Fonterrada (UNESP).

14

A concepção de negociação simbólica que desenvolvemos nessa dissertação foi alicerçada em Bourdieu (1974, 1989, 1996a, 1996b e 1997), já que as condições de legitimação social da música brasileira eram condicionadas pela dinâmica de força entre determinados atores sociais, no caso, agrupados entre “modernistas” e “parnasianos”.

(29)

5

devido às leves síncopes 15 incorporadas 16. Ao mesmo tempo, Villa-Lobos mesclava músicas bem próximas ao romantismo tardio de Saint-Saëns, exemplificado, na semelhança de O cisne (da sinfonia O carnaval dos animais, de 1886) com a peça O canto do cisne negro (1915), de Villa-Lobos 17 .

Dessa forma, o que ocorreu em 1923 não foi uma mudança de percurso, como diz Guérios (2003, p. 128-140), mas sim um aprofundamento de tal negociação em prol do nacional com as possibilidades rítmicas e harmônicas abertas pelo compositor da Sagração da Primavera (1913), respectivamente, no uso da polirritmia, da síncope e da politonalidade.

Na pesquisa de mestrado apontamos uma angústia estética de Villa-Lobos que tenta a todo custo afirmar-se como um artista autenticamente nacional. Essa angústia gerou uma desleitura estética das fontes stravinskyanas e debussyanas que possui certos parâmetros com a teoria da angústia da influência de Harold Bloom (2002[1973]), que indica processos de desleitura poética de um poeta sob seu predecessor, como Shakespeare fizera em relação a Marlowe 18. Conforme afirmamos, essa desleitura só fora possível devido à dupla socialização de Villa-Lobos entre o meio erudito e a música popular urbana, especialmente o choro 19. De acordo com a perspectiva teórica de Lahire (2002, 2004, 2006), a pluralidade da ação individual decorre de múltiplos habitus advindos da convivência em diferentes ambientes de socialização – que implementaria uma

desleitura sob as referências não apenas brasileiras 20.

De acordo com as condições específicas, ditadas pelo Modernismo, de formação da música brasileira de seu tempo, em que o popular era visto como um substrato a ser lapidado, Villa-Lobos buscou apoio junto à oligarquia dos Prado

15

“O deslocamento regular de cada tempo em padrão cadenciado sempre no mesmo valor à frente ou atrás de sua posição normal no compasso” (SADIE, 1994, p. 868).

16

A parte rítmica da música do compositor é exclusivamente analisada em Andrade (1998).

17

Cf. Damasceno (2007).

18

A teoria da angústia da influência foi verificada na música por Molina (2001), em sua análise da ascendência de Malher em Schoenberg.

19

Cf. Mariz (2005[1949]).

20

A Angústia da Influência nos termos de Bloom (2002[1973], p.24-25) é uma metáfora para se referir a uma “apropriação poética” ou a uma “apropriação criativa” de um poeta sobre outro.

(30)

6

e dos Guinle, que o ajudou em concertos em terras brasileiras e estrangeiras, junto a músicos brasileiros renomados na Europa, como a intérprete brasileira Vera Janacopoulos e o pianista polonês Arthur Rubinstein. Quando Villa-Lobos retorna ao Brasil, em meados de 1930, sua estética já era reconhecida como verdadeiramente brasileira. O polo modernista liderado por Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Ronald de Carvalho 21, dentre outros, já tinha vencido a luta simbólica de dizer o que seria ou não brasileiro frente aos “parnasianos”, como Monteiro Lobato, e, em termos musicais, frente a Oscar Guanabarino (considerado o grande algoz da música villalobiana). Entretanto, a sua consagração só fora construída a partir de Paris, entre 1923 e 1930. O que tal polo modernista fez foi difundir tal conquista pela imprensa nacional, locus de legitimidade social disputado pelos críticos de arte, 22 assim como fizera com a repercussão das apresentações de Villa-Lobos antes e depois na Semana de 22 23.

Uma das reviravoltas na trajetória de Villa-Lobos foi sua reinvenção como pedagogo musical após a revolução de 1930. Até então o compositor não dava sinal de que iria efetuar tal inflexão. Sua grande pretensão era o reconhecimento externo e, consequentemente, interno, o que de fato ocorrera em 1923 e, principalmente, em 1927, em Paris, abrindo ainda mais seu espaço no Brasil. Durante a década de 1930, especificamente, do ano de 1931 - quando realiza seus “ensaios orfeônicos” em São Paulo - até o final do governo de Getúlio Vargas, em 1945, Villa-Lobos esteve comprometido com as iniciativas

21

A respeito da trajetória de Ronald de Carvalho, cf. Botelho (2001).

22

Na ocasião, tivemos acesso a mais de 2.000 recortes de jornais e revistas da época, no Museu Villa-Lobos - localizado na capital fluminense no bairro de Botafogo - onde coletamos 250 recortes, destacando-se as dezenas colunas do “Pelo Mundo das Artes” de Oscar Guanabarino, lançadas pelo Jornal do Comércio, e as matérias assinadas por Manuel Bandeira na Revista Ariel, cf. Damasceno, 2007.

23 Conforme a análise de Miceli: “Não havendo, na República Velha, posições intelectuais

autônomas em relação ao poder político, o recrutamento, as trajetórias possíveis, os mecanismos de consagração, bem como as demais condições necessárias à produção intelectual sob suas diferentes modalidades, vão depender quase que por completo das instituições e dos grupos que exercem o trabalho de dominação. Em termos concretos, toda vida intelectual era dominada pela grande imprensa, que constituía a principal instância de produção cultural da época e que fornecia a maioria das gratificações e posições intelectuais”

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7

nacionalistas culturais em sintonia com a modernização conservadora implementada durante o período “getulista”. E mais, o compositor não abandonou as atividades pedagógicas após a destituição do Estado Novo, durante e depois do governo de quinze anos de Getúlio Vargas, suas atividades foram intensas na composição musical, justificando o recorte temporal desta pesquisa, ou seja, 1930 a 1959 24.

É do domínio acadêmico nas ciências sociais ressaltar o envolvimento dos intelectuais e dos artistas brasileiros nas diretrizes culturais do Estado brasileiro após Revolução de 1930, principalmente em torno do Ministério da Cultura e Saúde durante o exercício do Ministro Gustavo Capanema. Esse envolvimento não se verificou apenas no nível federal, destaca-se da mesma forma a participação do estrato intelectual em políticas públicas na área da cultura nos níveis estadual e municipal. Ou seja, os intelectuais e os artistas – entre eles, obviamente, Villa-Lobos - não se omitem à missão de participar das iniciativas modernizadores do Estado nacional.

Nesse projeto, Villa-Lobos constrói sua trajetória de educador-musical: desde a criação do Serviço Técnico e Administrativo de Música e Canto Orfeônico (1932) – em que foi convidado a dirigir o ensino orfeônico por Anísio Teixeira, então Secretário de Educação e Cultura do Distrito Federal; na direção da SEMA (Superintendência de Educação Musical e Artística), em 1933; na ampliação de seu projeto educativo, dentro das iniciativas do Ministério da Educação e Saúde, de Gustavo Capanema, durante o Estado-Novo (1937-1945) e à frente do Conservatório Nacional de Canto Orfeônico (de 1942 até sua morte em 1959).

Nessa mesma perspectiva, esse período da trajetória de Villa-Lobos é visto, nesta pesquisa, como um novo momento de reconhecimento social no qual a oligarquia deixa de ser o único mecenas dos projetos culturais na institucionalização das proposições modernistas do período “getulista” em diante, a partir das iniciativas do próprio Estado. A bifurcação entre cultura e política

24

Nosso recorte temporal na dissertação de mestrado foi do nascimento de Villa-Lobos, 1887, até o final da década de 1920, cf. Damasceno (2007).

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minimiza-se a partir desse tempo, as políticas culturais são comandadas pelo Estado, tendo o apoio de intelectuais e artistas. A partir de então, parte considerável da intelectualidade brasileira, junto à outrora protointelligentsia modernista, tornar-se-á uma intelligentsia sob a proteção estatal, específica à realidade brasileira, verificada na ambiguidade, por vezes na angústia, de seu papel e de sua consciência política, ora servidora da esfera estatal, ora questionadora impotente das ações desse mesmo Estado.

Nesse ambiente, Villa-Lobos se apresentará como um moderno Padre Anchieta, que, em vez de evangelizar os índios, ensinará as bases da “boa música”, da “música elevada”, “civilizada” e nacionalizada às crianças brasileiras. A analogia não é à toa, afinal, o padre jesuíta adentrou o sertão, aprendeu o tupi, organizou uma gramática tupi-guarani e catequizou através da musicalização em língua nativa de poemas com motivações cristãs, tornando-se um símbolo da cristianização durante as primeiras décadas da colonização brasileira 25. Villa-Lobos referir-se-á a si mesmo como uma espécie de “sertanista musical”, atento à música profunda do Brasil que seria “elevada” dentro dos cânones tonais adaptados à realidade nacional. Dessa forma, esta moderna catequese estaria comprometida com o civismo. Sob a direção de Villa-Lobos, o Canto Orfeônico teria a missão de nacionalizar a música brasileira de acordo com uma ampla engenharia de invenção de uma cultura nacional tendo como patrono o Estado brasileiro.

Villa-Lobos tinha os pré-requisitos sociológicos para comandar tal projeto pedagógico, afinal, o convívio entre os “mundos” erudito e popular, desde a sua infância, o dispuseram socialmente para tal atividade. Assim, estas podem ser analisadas de acordo com as ideias de Lahire (2004) sobre a sociologia

disposicional 26, que aponta, à trajetória de um ator social, a assimilação diacrônica de uma série de disposições sociais vivenciadas em sua história de vida.

25

Cf. Pereira (2006). Além de se servir da poesia musicada, o padre Anchieta utilizou o teatro para a catequese, cf. Salviani (2000, p.46).

26

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A base da pedagogia musical defendida pelo compositor seria os temas musicais populares coletados no meio urbano e rural, devidamente harmonizados, mas abertos a dissonâncias próprias da música brasileira. Esse projeto pedagógico visava interiorizar nas crianças princípios civilizatórios e nacionalistas que reproduziriam valores sociais relacionados à disciplina, ao

civismo e à educação artística 27, conforme as próprias palavras do compositor

contidas em sua obra pedagógica. Em relação a esta, de todos os seus livros didáticos, o Guia Prático: estudo folclórico musical (1941) foi o que mais nos chamou a atenção. Afinal, nas felizes palavras de Guérios (2003, p. 187), “Villa-Lobos desejava não só fazer um compêndio ‘total’ da música brasileira ao longo da história (...). Descrever e educar toda nação para a música, esse era o projeto do Guia prático”. Nessa obra, desde o seu rascunho escrito de 1932 a 1936, estão presentes os elementos raciais, geográficos, sociais e musicais constitutivos do ideário villalobiano.

Dessa forma, pretendemos articular a produção musical de Villa-Lobos, envolvendo aspectos musicais mais gerais, com os projetos pedagógicos na área musical, especialmente o Canto Orfeônico, relacionando-os com o papel ativo da

intelligentsia brasileira no período 28. Um dos aspectos de nossa tese, é que a perspectiva pedagógico-musical de Villa-Lobos dialogava tanto com as proposições políticas do “idealismo orgânico” - de autores como Oliveira Viana, especialmente no Estado Novo - quanto com a reflexão estética de Mário de Andrade. Para chegar a esse posicionamento, refletimos sobre a análise da relação entre intelectuais, artistas e os projetos políticos que constituíram a

intelligentsia no Brasil, naquele período, a partir de cinco autores: Brandão (2010),

27

Cf. Villa-Lobos (1937a, p. 382; 1937b, p. VIII; 1937c, p. 23).

28

Nossa proposta inicial de pesquisa apresentada no formato de projeto tinha a pretensão de analisar o percurso musical de Villa-Lobos e o quadro político-cultural a ele circundante, o período “getulista”, a partir do estudo da forma musical da Série Bachianas Brasileiras, compostas entre 1930-1945. Depois que começamos a ter acesso ao rico material envolvendo o projeto pedagógico-musical capitaneado pelo compositor da Série Choros, resolvemos mudar o foco da pesquisa para uma análise do percurso musical-pedagógico do musicista, deste período até sua morte, em 1959, junto aos dilemas que afligiam os intelectuais e artistas em meio aos projetos pedagógico-culturais patrocinados pelo Estado.

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Martins (1987), Miceli (1985, 2001), Ortiz (1986, 1988), Pècault (1990) e Schwartzman (1983 e 1984).

Entretanto, antes de analisar os condicionantes culturais, ideológicos, institucionais e políticos tratados por esses autores que estudam a constituição de uma intelligentsia no Brasil, torna-se necessário encontrarmos as motivações em seu conjunto, a visão de mundo – expressão aqui utilizada como recurso heurístico à moda de Goldmann (1959 [1955] e 1979 [1970]) - que respaldam a ação dos intelectuais e dos artistas daquele momento frente aos problemas culturais e políticos disponibilizados pelo processo de modernização brasileira. Devemos ter a precaução de não interpretarmos de maneira homogênea as perspectivas desses intelectuais e artistas.

Desta feita, tratamos o Modernismo como uma visão de mundo. A base de tal visão de mundo é a ida ao povo de acordo com as especificidades brasileiras. Uma espécie de ida ao povo à brasileira tal qual a reflexão de Martins (1987) a respeito do processo. Na visão de mundo modernista vislumbramos uma tipologia composta de cinco modernismos: o modernismo esteticista associado à conduta “desinteressada” e “individualista” de Anita Malfatti frente ao normativo Modernismo; o modernismo polemicista relacionado à face irônica e iconoclasta de Oswald de Andrade; o modernismo ufanista que seria a base do nacionalismo extremo do integralismo de Plínio Salgado; o modernismo programático associado a Mário de Andrade a partir de sua obra Ensaio sobre a música brasileira, de 1928, na qual o escritor normativa o papel do artista frente à gestação da cultura nacional e o modernismo romântico associado à postura ou à adesão de Villa-Lobos diante do movimento modernista, visualizada em sua fixação pela natureza brasileira e na sua própria “genialidade”. Conforme aprofundaremos adiante, o primeiro tipo estaria próximo do formalismo da “arte pela arte”, o segundo se caracterizaria pela face corrosiva do Modernismo em relação a alguns movimentos da “tradição” (como o Parnasianismo) e o terceiro apresentando-se quase como uma réplica tropical dos fascismos europeus. Essa tipologia nos indicou que os dois últimos modernismos, o programático e o romântico se institucionalizaram, do

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“getulismo” em diante, na obra pedagógica liderada por Villa-Lobos. Por isso, é inevitável ao longo do trabalho a interlocução do último com Mário de Andrade. E não apenas: durante, principalmente, o Estado Novo, a pedagogia subjacente ao Canto Orfeônico travará um diálogo intenso com os chamados autores autoritários: Francisco Campos (1940), Azevedo do Amaral (1934) e, especialmente, Oliveira Viana (1930 e 1939).

O que a pesquisa apontou é que esse diálogo além de servir aos propósitos imediatos dos meios políticos estava comprometido ou vinha se comprometendo com a sistematização da música brasileira – que possui certos parâmetros com a reflexão de Antonio Candido (2010 [1965] e 2012 [1959]) sobre a literatura. Sistematização esta vista na complementação ao tema nacional (já dada desde Carlos Gomes), com desenvolvimento da linguagem musical - já delineada nos anos 10 em diante com a música popular urbana e com a própria música de Villa-Lobos – e com a ampliação do público, que o projeto pedagógico do Canto Orfeônico serviu como um dos seus esteios junto à emergência de uma indústria fonográfica no Brasil 29.

Esse novo momento da trajetória de Villa-Lobos marca uma nova posição no imaginário nacional de educador musical que, inclusive, transcenderia as relações com o governo autoritário. Ou seja, para muitos, suas iniciativas iriam beneficiar a música brasileira, independentemente do momento histórico no qual o projeto pedagógico estava inserido. Essa era a opinião, por exemplo, do pianista Homero Magalhães no Jornal do Brasil, na ocasião da comemoração dos 100 anos do nascimento do compositor das Cirandas (1926 apud PAZ, 2004[1987], p. 28) 30: “Considero uma ideia barata associar o nome de Villa-Lobos ao totalitarismo, ele tinha a cabeça muito cheia de música para pensar em outra coisa”.

29

Nesta pesquisa preferimos trabalhar com Candido (2010[1965], 2012[1959]) e a sua ideia de sistematização ao invés de Bourdieu (1974, 1989, 1996a, 1996b, 1997) e a concepção de campo devido à nossa analogia realizada em relação à formação da música brasileira no que concerne à literatura nacional.

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Sendo assim, devemos explicitar, justamente, o que em geral se procura ocultar, as relações entre cultura e política a partir do projeto pedagógico que Villa-Lobos chefiou, sem cair na tentação reducionista de colocar as iniciativas culturais como simples reflexo dos ditames políticos de então. Em outras palavras, procuraremos explicitar como o modernismo romântico de Villa-Lobos se tornou cultura política em sua associação com o modernismo pragmático

marioandradiano e o pensamento autoritário – este, especialmente, durante o Estado Novo – que irá defender a intervenção dos homens de cultura, em especial dos compositores, para a construção de uma cultura nacional.

Em termos teóricos, o grande desafio da pesquisa é articular os preceitos pedagógicos e o processo social, em duas esferas: a primeira, de acordo com as peculiaridades próprias da formação da música brasileira e a segunda, de acordo com a articulação com a visão de mundo do grupo de homens da cultura que participaram do projeto de modernização do país. Dessa forma, é fundamental estabelecer uma mediação entre esse ideário modernizador e as condições de formação da música no Brasil. Ou seja, havia uma simultaneidade na concepção de tais princípios educacionais tanto em relação às condições de estruturação da música brasileira quanto diante da visão de mundo modernista que defendia a edificação de uma cultura nacional alicerçada na manifestação popular. Em outras palavras, em nosso enfoque, propomos a existência de homologia entre a visão de

mundo modernista, as condições de estruturação da música brasileira e o projeto

modernizador liderado pelo Estado.

O que nosso trabalho procura evidenciar é o novo momento de reconhecimento social na trajetória de Villa-Lobos, em termos de ampliação. No que se refere à produção musical desse autor, nesse período, destaca-se a Série

Bachianas Brasileiras (1930-1945). Como o próprio nome da Série indica, subjaz a

intenção em tais obras de expressar uma síntese da música folclórica e popular brasileira tendo como base a estética de Bach, da qual Villa-Lobos se referia como “fundo folclórico universal” (HORTA, 1987, p. 69). Dessa forma, revela-se no discurso do compositor o uso da música de Bach, do contraponto tonal, como um

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instrumento de harmonização da música brasileira, no quadro de uma visão “civilizatória” que elevaria a música pertencente à terra e ao povo brasileiro à condição de universal, protagonizando-a no “concerto internacional da civilização”. De outra maneira, há uma afinidade eletiva entre a concepção totalizante da proposta estética presente na referida Série composta em homenagem a Bach e a perspectiva educacional oficial capitaneada pelo compositor, já que também se ampara num tipo de perspectiva tonal aberta a algumas especificidades rítmicas e harmônicas da música brasileira.

Villa-Lobos reivindicava para si o mito maior de compor a síntese das possibilidades sonoras no Brasil 31. Por isso, em seu discurso, “natureza”, “gênio”, “raça” e “nação” formam um quadripé mitológico, que inclusive será traduzido em termos pedagógicos, reafirmando tais elementos numa síntese. O sentido de sua obra musical, em especial as Bachianas Brasileiras (1930-1945), era de se construir uma obra totalizadora e positiva sobre o Brasil em sintonia com o desejo de unificar nacionalmente as manifestações musicais do país no cenário do projeto educacional, que teve no Guia Prático (1941) sua expressão paradigmática. Tal projeto totalizante estava em plena sintonia com o clima intelectual numa época de outras grandes sínteses ensaísticas históricas e sociológicas, como fizeram Gilberto Freyre, em Casa Grande & Senzala 32, de 1933, Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, de 1936, e Caio Prado Júnior, em Formação do Brasil Contemporâneo, de 1942 33. É desse momento um amadurecimento da literatura brasileira, em especial os romances e os contos que enfocavam os dramas sociais, ambientados tanto no meio rural quanto urbano, de um povo que passava por uma impactante modernização, vista nas obras de

31 Quando ele dizia que não dava atenção à querela entre “modernistas” e “passadistas”, na

verdade, ele buscava a legitimidade de estar acima dos confrontos entre “vanguarda” e “tradição”.

32

A relação entre o autor de Casa Grande & Senzala (2002[1933]) e Villa-Lobos sempre foi muito amistosa. Eles divergiam em temos étnicos das contribuições do “negro” e do “índio” para a formação da cultura nacional. O literato daria mais atenção ao “negro”, ressentia-se amigavelmente o compositor. Os elogios eram mútuos, cf. França, 1983 e Freyre, 1987.

33

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autores tão díspares como Graciliano Ramos, Raquel de Queiroz e José Lins do Rêgo 34.

O objetivo principal dessas considerações é indicar a homologia que existe entre o ethos totalizante da música villalobiana e o pathos nacionalista da sociedade de sua época. Quanto ao leitmotiv dessa homologia, não se trata de um “reflexo” da realidade social pela música de Villa-Lobos, mas de uma convergência. Em outras palavras, de uma consubstancialização entre a linguagem musical, o desenvolvimento temático, que se desenvolvem de maneira relativamente autônoma, e a estrutura social mais geral, relacionada ao contexto no qual o compositor produziu, contexto este que ainda possibilitou a formação de um amplo público apreciador da música nacional. Por meio de tal convergência, podemos vislumbrar que tanto a música quanto o Canto Orfeônico se tornaram cultura política dentro do processo maior de modernização da sociedade brasileira

35

.

Amparada principalmente na reflexão teórica dos autores citados: Candido (2010 [1965]; 2012 [1959]); Goldmann (1959 [1955]; 1979 [1970]), Lahire (2002; 2004; 2006) e Martins (1987), a operacionalização da pesquisa decompõe-se em procedimentos distintos de uma consulta bibliográfica e de coleta de arquivos, que logicamente serão articuladas, na perspectiva da construção metodológica. Assim, esta pesquisa dividiu-se em cinco vetores:

No primeiro vetor, analisamos os projetos educacionais e políticos de governo e a inserção por parte do musicista em ambos. Nessa etapa, dividimos nossa coleta de dados em dois momentos. No primeiro deles, realizamos uma pesquisa junto aos arquivos do Museu Villa-Lobos (localizado na capital fluminense). Desta forma, articulamos, além dos princípios da política cultural da época, o envolvimento do compositor com os projetos pedagógicos ligados ao

34

Cf. Portela (1983).

35

É inevitável a analogia desta perspectiva com a análise da obra de Gilberto Freyre feita por Elide Rugai Bastos (2006). Essa autora indica ao pensamento freyriano a condição de cultura política nos anos 30 em diante e do concomitante protagonismo do autor de Casa Grande & Senzala (2002) na sistematização da sociologia brasileira.

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Estado brasileiro pós-Revolução de 1930, com a música popular e folclórica e com os intelectuais que atuavam junto às iniciativas estatais (como Francisco Campos e Anísio Teixeira). Tais documentos foram organizados em dois períodos: o primeiro, desde a instituição obrigatória do Canto Orfeônico nas escolas, com o Decreto nº 19.890 de 18 de abril de 1931, passando pela implementação, respectivamente, do Serviço Técnico e Administrativo de Música e Canto Orfeônico, em 1932, e do SEMA (Superintendência de Educação de Educação Musical e Artística), em 1933. E já sob a influência do Ministro da Educação Gustavo Capanema, de 1934 até 1945, englobando o Estado-Novo (1937-1945). Uma segunda etapa de coleta analisou o período pós-Estado Novo, do Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, até a morte de Villa-Lobos, em 1959. Para tanto, nesta pesquisa analisamos os documentos pessoais e os oficiais, como os ligados ao Departamento de Educação do Distrito Federal (a partir de 1934), os relacionados ao Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) (a partir de 1938, em pleno Estado Novo) e os relacionados ao Ministério de Educação e Saúde, a quem o Conservatório Nacional de Canto Orfeônico era subordinado, após o Estado Novo.

No segundo vetor, desenvolvemos um estudo sobre a formação da

intelligentsia, compreendendo artistas e intelectuais nas ações do Estado. Sobre a

vasta obra dos autores que tratam da formação da intelligentsia, destacam-se: Berlin, 1988[1978]; Benda, 2007[1927]; Bobbio (1997, 1999); Bourdieu (2004), Gramsci (1982[1948]), Hobsbawm (1997) e Mannheim (1968[1929], 1974[1932]), entre outros. Em relação à literatura pesquisada sobre o Modernismo brasileiro foram consultados os seguintes autores: Ávila (2002); Brito, (1964); Gonçalves (2012); Lafetá (1974); Schwartz (2013) e Teles (1992[1972]). Entre as obras que abordamos, relacionadas ao folclore, destacamos: Almeida (1974[1957]), D’Assumpção (1967); Fernandes (2013[1977]) e Travassos (1997). A análise do processo social do “getulismo”, em especial, as políticas culturais do Estado brasileiro e a adesão dos intelectuais e artistas às iniciativas burocráticas nesse setor - incluindo a participação direta de Villa-Lobos - foi desenvolvida junto aos

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autores que trabalharam com os arquivos do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) - subordinado à Fundação Getulio Vargas - e com outros que desenvolveram suas pesquisas a partir de outras fontes. São várias as obras que analisamos sobre o período especificado e que serviram de base para o entendimento do Brasil a partir da Revolução de 30 no que se referem aos procedimentos do Estado na esfera cultural com apoio dos intelectuais e artistas, obras estas como Bastos (2003), Bomeny (2001), Herschmann e Pereira (1994), Lorenzo Costa (1998), Miceli (2001), Ortiz (1986, 1992), Pècault (1990), Schwartzman (1983, 1984). Neste mesmo vetor, realizamos uma análise sobre os conteúdos políticos das obras dos chamados autores autoritários - Francisco Campos (1940), Azevedo do Amaral (1934) e, principalmente Oliveira Viana (1930 e 1939) – relacionando-a com a obra pedagógica do Canto Orfeônico.

No terceiro vetor, enfocamos analiticamente a formalização estético-musical dos ideais culturais-políticos – que, no caso de Villa-Lobos, foi verificado em seu percurso pedagógico, na Série Bachianas Brasileiras (1930-1945) e em outras obras do período - por meio da interpretação de seu conteúdo musical e pedagógico em termos sociais. Para tanto, recorremos aos estudos da musicologia e pedagogia musical que analisaram a trajetória villalobiana (biógrafos, críticos, historiadores, pedagogos, sociólogos etc): Andrade (1998), Azevedo (1956), Contier (1998), Fonterrada (2008), Guimarães (1972), Gilioli, (2008), Heitor (1956), Horta (1985, 1987), Jardim (2005), Kiefer (1981), Lisboa (2005), Mariz (1997, 2000, 2005[1946]), Mendes (1975), Moraes (1983), Naves (2001), Nóbrega (1971), Paz (1989, 2000a, 2000b, 2004[1987], Peppercorn (2000[1972]) Tarasti (1987), Toni (1987), Verhaalen (2001), Villa-Lobos (1989, 2009d) 36 e Wisnik (1982 e 1983). Neste vetor, um autor se destaca devido a sua forte interseção junto à trajetória de Villa-Lobos: Mário de Andrade (s/d[1933], 1990[1942], 1991[1939], 1999[1984-89], 2003[1943], 2006[1928]).

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No quarto vetor, analisamos as obras assinadas por Villa-Lobos, publicações estas de propaganda e de fundamentação e prática de educação musical: Programa de música (1937b); SEMA (Superintendência de Educação

Musical Artística): relatório geral dos serviços realizados de 1932 a 1936 (1937c); O ensino popular da música no Brasil (1937a); A música nacionalista no governo Getúlio Vargas (1940b); Canto orfeônico - 1º volume: marchas, canções e cantos marciais (1940a); Solfejos: originais e sobre temas de cantigas populares, para o ensino de canto orfeônico vol.1 (1940c); Solfejos: canto orfeônico vol. 2. (1946);

Educação musical (1991[1946]) e Canto orfeônico - 2º volume: marchas, canções, cantos: cívicos, marciais, folclóricos e artísticos (1951). A uma obra demos

especial atenção: Guia Prático: estudo folclórico musical (1941). Tal deferência justifica-se pela ênfase na análise qualitativa e quantitativa das fontes teóricas e dos temas musicais coletados nesta obra. Essa análise se realizou desde o seu rascunho escrito entre 1932 e 1936, passando pelo único volume publicado em 1941 até se chegar à reedição de 2009 37 e de outras obras pedagógicas e de música que se relacionavam com as publicações do compositor, como, por exemplo, Acquarone (1944), Barreto (1932), Beuttenmüller (1937), Melo (1908), Pinto (1908) e Schewerké (1927) 38.

No quinto vetor, debruçamo-nos sobre as revistas (Ariel, Fon-Fon e Rio Musical) os jornais da época - como o Jornal do Commercio e a sua coluna Pelo Mundo das Artes, de Oscar Guanabarino, Mário de Andrade e a coluna Mundo Musical da Folha da Manhã, O Globo etc – para acompanharmos os desdobramentos públicos das iniciativas musicais e educacionais de Villa-Lobos. A análise de tais desdobramentos evidenciou um dos indicadores de reconhecimento social da trajetória do compositor 39.

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Cf. Villa-Lobos (2009a, 2009b e 2009c).

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Grande parte dessas obras foi foto-digitalizadas no Arquivo de Mário de Andrade presente no instituto de Estudos Brasileiros (IEB).

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Pesquisamos milhares de arquivos no Museu Villa-Lobos nas inúmeras visitas que realizamos a essa instituição. A maior parte desses arquivos era de jornais de época, os outros foram documentos oficiais de estado e cartas. No Museu, selecionamos mais de duzentos arquivos digitalizados que estão presentes em parte nesta tese.

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Assim, os passos da pesquisa relatados acima resultaram nos seguintes capítulos:

Ato I: Ida ao Povo, em que analisamos a inserção dos intelectuais e artistas nos projetos políticos da intelligentsia tanto em nível geral quanto nacional. O Modernismo é analisado e tipificado a partir do uso metodológico da visão de mundo;

Ato II: A reinvenção de Villa-Lobos, no qual tratamos do retorno de Villa-Lobos da Europa no contexto da revolução de 1930, das relações fundamentais do compositor com Mário de Andrade e os primeiros anos do musicista à frente do projeto pedagógico;

Ato III: O Guia Folclórico e Educacional, em que realizamos uma análise qualitativa e quantitativa dos temas musicais que compõem o Guia Prático: estudo folclórico musical (1941) e de sua centralidade no projeto educacional do Canto Orfeônico;

Ato IV: Um canto para Getúlio?, no qual evidenciamos a relação do período autoritário do Estado Novo com a música no Brasil e com o projeto pedagógico de Villa-Lobos, por meio: das iniciativas estruturais do Estado (como na Inauguração da Rádio Nacional), do Canto Orfeônico (principalmente com concentrações orfeônicas) e da relação da obra pedagógica do compositor com certos aspectos das obras dos autores autoritários – Campos (1940) e Vianna (1930, 1939);

Ato V: Do Estado Novo à sistematização da música brasileira: sob as bênçãos de Anchieta, de Bach e de Getúlio, neste último capítulo realizamos uma análise do papel de Villa-Lobos na

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sistematização da música brasileira, na composição da Série as

Bachianas Brasileiras (1930-1945) e no momento derradeiro da

trajetória musical e pedagógica de Villa-Lobos após o Estado Novo até a sua morte em 1959, quando parte de sua obra musical adentrará o mercado norte-americano, concomitantemente à ascensão da música popular brasileira nos cenários nacional e internacional;

Por último, em Finale, realizaremos uma reflexão sobre o significado social da trajetória de Villa-Lobos de acordo com a conclusão desta pesquisa.

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1 I ATO: A IDA AO POVO

“Nós, os humanistas, temos todos uma veia pedagógica... Meus senhores, o laço histórico entre o humanismo e a pedagogia é a prova do laço psicológico que existe entre ambos. Não convêm privar os humanistas de sua função educadora... Não se lhes pode arrebatar essa função, porque só entre eles se encontra a tradição da dignidade e da beleza do Homem. Um dia o humanista substituiu o sacerdote, que numa época sombria e misantrópica ousara arrogar-se a direção da juventude. Desde então, senhores, não surgiu mais nenhum tipo de educador”. (MANN, 1980[1929], p. 77)

1.1 O artista como participante da intelligentsia

Neste I Ato, abordaremos o conceito e a condição histórica da formação da intelligentsia, apontando as diferenças interpretativas e contextuais... Para isso, evidenciaremos o lugar dos artistas, em especial o de Villa-Lobos na constituição da intelligentsia no Brasil e do seu lugar na construção da visão de mundo

Modernista e as suas respectivas correntes: modernismo pragmático; modernismo ufanista; modernismo individualista, modernismo polemicista e o modernismo romântico. Antes disso, buscamos entender, em termos conceituais, a relação

entre os artistas e intelectuais e a formação de uma intelligentsia – e de sua relação com o folclore – a partir de casos clássicos para entendermos a especificidade brasileira.

É impossível pensar na formação de uma intelligentsia sem refletir sobre a própria condição do intelectual na modernidade. Tal inquietação surge no final do século XIX, no engajamento dos escritores franceses, como Zola, no julgamento considerado injusto do capitão Alfred Dreyfus, acusado de espionagem. Estamos nos referindo ao famigerado “Caso Dreyfus”, divisor de águas em termos do reconhecimento social da ação dos intelectuais em grandes temas públicos e, por isso mesmo, onipresente na literatura especializada. Os intelectuais, a partir de então, serão reconhecidos socialmente como os declamadores dos valores universais, afirmando-se como autoridades morais das questões públicas, como no caso do julgamento do oficial francês.

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Num contexto histórico de adesão de vários intelectuais ao nazifascismo e ao totalitarismo stalinista, Julien Benda (2007[1927]) faz a denúncia mais profunda da condição intelectual na modernidade, no final dos anos 20, acusando os intelectuais de renunciarem à reflexão, à crítica e à busca do belo artístico em prol da submissão política ao racismo, ao partido, à nação e ao Estado. Seu conceito de intelectual expressa bem o ideal do intelectual indiferente às paixões políticas. Dessa forma, seriam:

Todos aqueles cuja atividade, por essência, não perseguem fins práticos, e que, obtendo sua alegria do exercício da arte ou da ciência ou da especulação metafísica, em suma, da posse de um bem não temporal, dizem de uma certa maneira: ”meu reino não é deste mundo” (BENDA, 2007[1927], p. 117).

Essa definição é mais uma idealização do que deve ser um intelectual numa perspectiva normativa e deontológica. Há uma ampla literatura que problematiza tal idealização do “intelectual na torre de marfim” 40, baseado na

atuação do intelectual como ator político que pretende se inserir nas discussões e nas transformações sociais de seu tempo, fundamentado ou não na emancipação social, alicerçada na sua missão diante da sociedade 41.

É o caso de Mannheim (1968[1929], p. 180), que define a intelligentsia como “este estrato desamarrado, relativamente sem classe, para usar uma terminologia de Alfred Weber, na ‘intelligentsia socialmente desvinculada’ (freischwebende intelligenz)”. Mais tarde, esse autor, ponderaria sua definição:

40

Inclusive nacional, cf. Bastos; Rego (1999); Bastos; Ridenti; Rolland (2003) e Pires (2003).

41

Nesta perspectiva da politização e do dirigismo atribuído aos intelectuais, mas dentro de uma perspectiva marxista, o autor italiano Gramsci (1982[1948]), por exemplo, considera o intelectual, na modernidade, fadado a ter uma condição política por ser um intelectual “orgânico” (por ter uma função organizativa e diretiva), ligado às “massas” e às classes sociais que o identifica. A relação umbilical entre classe e os intelectuais é sentenciada pelo autor: “cada grupo social, nascendo no terreno originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmo tempo, de um modo orgânico, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também no social e no político” (GRAMSCI, 1982, p. 3). A busca da hegemonia política, por parte dos intelectuais que anseiam por uma transformação social, é sua missão diretiva e organizativa na construção de um consenso, possibilitando uma contra-hegemonia frente à ideologia dominante.

(47)

23

Os intelectuais não constituem um estrato elevado sobre as classes e não são de modo algum mais dotados que outros grupos para superar seus próprios engajamentos de classe. Em uma análise anterior desse estrato, usei o termo ‘intelligentsia relativamente desvinculada’ (relativ

freischwebende intelligenz), que aceitei de Alfred Weber, sem pretender

sugerir um grupo completamente desligado e livre das relações de classe. O epíteto relativ não é uma palavra vazia. A expressão simplesmente alude ao fato reconhecido que os intelectuais não reagem diante de determinadas situações de modo tão coeso como por exemplo os empregados ou os operários. Até mesmo estes últimos, de tempos em tempos, demonstram variações em suas relações a dados assuntos, mais ainda as chamadas classes médias; porém o menos uniforme é o comportamento político da intelligentsia (MANNHEIM 1974[1932], 81-82).

Segundo Mannheim (1974[1932]), os artistas (poetas, músicos e, principalmente, os literatos) formariam grupos importantes para a constituição histórica da intelligentsia 42. No medievo, os poetas primitivos, os menestréis andarilhos, os comediantes que seguem a tradição, o antigo mímico, já constituíam um grupo diferenciado. Os trovadores se destacariam por fazerem parte da hierarquia feudal, composto por cavaleiros marginalizados, mas respeitados pelo cultivo cultural, que descenderiam dos nobres ou dos

ministeriales 43. Os trouvères cultuariam o canto popular, a exemplo do cavaleiro marginal Walter Von der Vogelwide e de seus seguidores 44. De 1500 em diante, dois grupos se destacariam na formação da intelligentsia literária: os humanistas e os mestres cantores. Os primeiros teriam uma maior independência diante da Igreja devido aos favores dos mecenas e os segundos eram compositores da chamada canção medieval popular (Mastersong). Os mestres cantores formariam certa elite cultural que procuraria aperfeiçoar as formas populares no formato da língua alemã.

Após o advento das revoluções de classes médias e do Renascimento, tipos como o artista, o funcionário e principalmente o político teriam maior espaço social com a proeminência citadina propiciada pelos principados alemães, de

42

Nesse quadro do desenvolvimento de grupos sociais, no medievo, que compõem a intelligentsia, destaca-se o clero, grupo dominante de letrados que seria aberto aos homens de diversas origens sociais, cf. Mannheim (1974[1932], p. 101-104).

43 “Servos empregados como homens de confiança na casa do senhor (N. do T.).” (MANNHEIM,

1974[1932], p. 99).

44

Referências

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