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CEFALEIA E
SINAIS DE ALARME
NA PEDIATRIA
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CEFALEIA E
SINAIS DE ALARME
NA PEDIATRIA
CONTEÚDO: Tayná das Graças Silva Souza
CURADORIA: Dolores Henriques
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SUMÁRIO
CONCEITO E EPIDEMIOLOGIA... 4
ESTRUTURAS QUE GERAM DOR ... 4
CLASSIFICAÇÃO ... 4
ENXAQUECA OU MIGRÂNEA ... 5
Enxaqueca hemiplégica familiar ... 5
Enxaqueca abdominal ... 5
Enxaqueca crônica ... 6
CEFALEIA TENSIONAL ... 6
ABORDAGEM DA CEFALEIA NA INFÂNCIA ... 6
Avaliação inicial ... 6
Propedêutica ... 7
TRATAMENTO ... 7
CEFALEIAS NA EMERGÊNCIA PEDIÁTRICA ... 9
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CONCEITO E EPIDEMIOLOGIA
Cefaleia é todo processo doloroso referido no segmento cefálico. É uma queixa extre-mamente comum, tanto na população adulta quanto na população pediátrica. Cerca de 10% das crianças entre 5 e 10 anos já apresentaram cefaleia alguma vez na vida. Entre os adolescentes, esta esti-mativa é de 28%, sendo que aproximada-mente 1% destes pacientes apresentam uma dor crônica. Ao atingir a vida adulta, aos 18 anos, 90% das pessoas relatam já ter apresentado, pelo menos, um episódio de cefaleia na vida.
ESTRUTURAS QUE GERAM DOR
O encéfalo não possui receptores de dor, porém o segmento cefálico é rico de outras estruturas anatômicas sensíveis a estímu-los dolorosos, como mecanismo evolutivo de defesa. São elas: artérias do polígono de Willis e suas porções extracranianas, os grandes seios venosos e suas veias tribu-tárias, a porção basal da dura mater, seios da face, periósteo, vasos sanguíneos ex-tracranianos, raízes nervosas cervicais e músculos fixados no crânio. Os mecanis-mos envolvidos na fisiopatologia da dor cluem deslocamento, tração, distensão, in-flamação e vasodilatação.
CLASSIFICAÇÃO
As cefaleias são divididas, pela sua etiolo-gia, em primárias e secundárias.
As cefaleias primárias são aquelas nas quais a dor é o sintoma principal e repre-sentam 90% de todas as causas de cefa-leias. Os tipos mais comuns de cefaleias primárias são a enxaqueca e a cefaleia ten-sional. Existem outras causas de cefaleia primária, mas estas são as mais relevantes na pediatria.
As cefaleias secundárias representam um sintoma decorrente de uma doença de base. Dentre as principais etiologias, a ce-faleia secundária a infecções virais é a mais comum na pediatria, além de cefaleia por sinusite e trauma cefálico. Outras etiolo-gias menos frequentes incluem sangra-mento intracraniano, tumor cerebral, me-ningites (viral ou bacteriana) e hipertensão intracraniana.
Quando uma criança queixa-se de cefaleia os pais tendem a preocupar-se com a pos-sibilidade de doença neurológica grave, como neoplasia. Porém, tumores cerebrais em crianças apresentam-se com cefaleia isolada em apenas 0-1% dos casos, ou seja, é incomum. Deve-se pensar em tu-mor cerebral quando houver presença de outros sintomas sugestivos, tais como: dor súbita de forte intensidade, alterações neurológicas focais, sinais de irritação
5 meníngea, cefaleia noturna ou matinal de
forte intensidade, cefaleia que acorda a cri-ança, dor crônica, mas com piora progres-siva recente, presença de náuseas e vômi-tos ou outros sintomas sistêmicos como febre e emagrecimento e dor que piora com a manobra de valsava.
ENXAQUECA OU MIGRÂNEA
A enxaqueca sem aura é o tipo mais co-mum na infância. É caracterizada como ce-faleia com intensidade de moderada a in-tensa, que piora com as atividades diárias, tende a ser unilateral (pode ser bifrontal), com padrão pulsátil e duração de 1 a 3 ho-ras, podendo durar dias. Normalmente, vem acompanhada de sintomas como vô-mitos, náuseas, osmofobia (hipersensibili-dade a odores), alodínia cutânea, fotofobia, fonofobia, palidez cutânea e parestesia de extremidades.
Na enxaqueca com aura, o padrão da ce-faleia é o mesmo descrito anteriormente, porém, o paciente apresenta sintomas que precedem a dor, denominados auras, que duram cerca de 5 minutos e ocorrem uma hora antes do início da dor. Existem dife-rentes tipos de aura: disfásica, sensoriais e auras visuais ou fotopsia (“ver luzes pis-cando”), que são as mais comuns.
Alguns fatores podem funcionar como ga-tilhos, ou seja, desencadeadores de episó-dios de enxaqueca. Os gatilhos
frequentemente descritos são período menstrual, privação de sono, exercício fí-sico intenso, estresse emocional, alimentos (café, vinho, queijos) e odores. Nos qua-dros de enxaqueca a história familiar posi-tiva de cefaleia é muito frequente.
Enxaqueca hemiplégica familiar
É um tipo de raro de aura que se apresenta através de um quadro de hemiparesia transitória, antes ou durante o episódio de dor, podendo estar associado a hipoeste-sia de face e membros, afahipoeste-sia e pareste-sias. Geralmente também há história fami-liar positiva. É um distúrbio transmitido de forma autossômica dominante e está rela-cionada a mutações dos genes CACNA1A, ATP1A2 e SCN1A que codificam canais iônicos. Pode ser confundido com quadro isquêmico transitório.
Enxaqueca abdominal
Em crianças o diagnóstico de enxaqueca é difícil de realizar, devido à dificuldade dos pacientes de expressarem as característi-cas da dor. Muitas crianças apresentam um tipo diferente de dor, a enxaqueca abdomi-nal. Caracterizada por episódios recorren-tes de dor abdominal, com duração de 1 a 72 horas, associada a, pelo menos, dois dos seguintes sintomas: anorexia, palidez, náuseas e vômitos cíclicos.
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Enxaqueca crônica
É a complicação mais frequente da enxa-queca. Definida como presença de 15 ou mais episódios de cefaleia ao mês por 3 meses, sendo que, pelo menos, 8 desses episódios devem ter características de en-xaqueca. Pode persistir após 10 dias de uso de medicação sintomática e não pode ser atribuída a outro distúrbio. A prevalên-cia é de cerca de 1,5% e acomete mais fre-quentemente pacientes do sexo feminino.
CEFALEIA TENSIONAL
O diagnóstico clínico da cefaleia tensional é definido como presença de, pelo menos, 10 crises de dor com duração mínima de 30 minutos, em 7 dias, associado a, pelo menos, duas das seguintes características: dor bilateral, em aperto, de intensidade leve a moderada e que não seja agravada pelas atividades diárias, associada a foto-fobia ou fonofoto-fobia (nunca os dois simulta-neamente), além de ausência de náuseas e vômitos. Geralmente ocorre no final do dia, e pode estar relacionada ao período eslar ou a alguma situação de estresse ou co-brança sobre a criança. O diagnóstico é es-sencialmente clínico, de exclusão, e exa-mes complementares raramente são ne-cessários.
É classificada como infrequente quando ocorre menos de 1 dia por mês ou menos de 12 dias por ano. É frequente quando a
periocidade das crises varia de 1 a 14 dias por mês ou de 1 a 180 dias por ano, e a cefaleia tensional crônica é um quadro pro-longado, definido por crises com duração de horas ou dias e que ocorrem em mais de 15 dias no mês ou em mais de 180 dias no ano.
ABORDAGEM DA CEFALEIA NA
INFÂNCIA
Avaliação inicial
Diante de um paciente com cefaleia, o pri-meiro passo é caracterizar o padrão da dor. Para isso, uma anamnese bem feita é a principal ferramenta na avaliação ade-quada da criança. É importante questionar qual a duração, o tempo de evolução, a fre-quência, o tipo de dor, a intensidade, a lo-calização, se há necessidade de usar anal-gésicos e qual a resposta a estes medica-mentos e sintomas associados presentes. Outro fator importante é conhecer a histó-ria familiar de cefaleia, além de identificar fatores desencadeantes, agravantes e ate-nuantes da dor, e conhecer o impacto do sintoma na qualidade de via do paciente. Ao exame, deve-se dedicar atenção espe-cial a avaliação do segmento cefálico e afe-rir a pressão arterial da criança. É impor-tante também verificar se há presença de sinais sindrômicos e realizar o exame neu-rológico completo, avaliando força,
7 sensibilidade, equilíbrio, coordenação,
al-teração de algum par craniano, presença de sinais focais e realizar exame de fundo de olho.
Uma boa estratégia para conseguir carac-terizar o padrão da cefaleia é o calendário da dor. Consiste em solicitar ao paciente e familiares que anotem o dia e horário de ocorrência da dor, qual atividade o paci-ente estava realizando no momento, se houve sintomas associados e se foi neces-sário usar analgésico. Com este calendário é possível avaliar com certa precisão a fre-quência, a duração, a necessidade de me-dicamentos e se há relação entre a dor e alguma situação da rotina do paciente.
Propedêutica
O diagnóstico das cefaleias em pediatria pode ser feito apenas com dados clínicos. Os exames de imagem são pouco úteis nos casos crônicos de dor, sendo mais utiliza-dos na avaliação das crises agudas no con-texto de emergência. Os exames de neu-roimagem possuem as seguintes indica-ções: presença de alteração no exame neu-rológico, despertar noturno devido a dor, melhora da dor em ortostatismo (sugere hipertensão intracraniana), ausência de história familiar de cefaleia em parente de primeiro grau, crianças menores de 6 anos, cefaleia associada à crises epilépticas, lo-calização occipital, quadros com história
atípica como piora progressiva e surtos de forte intensidade sem outros sintomas as-sociados e comorbidades que predispões a quadros neurológicos graves (como por exemplo, anemia falciforme).
Quando indicado, o método radiológico de escolha para investigação ambulatorial é a ressonância magnética, pois não envolve radiação, porém por se tratar de crianças, na maioria das vezes, é necessário seda-ção. A tomografia computadorizada (TC) é útil em casos de urgência, pela rapidez e facilidade no acesso. A punção lombar deve ser solicitada quando houver sus-peita de sangramento subaracnoide, junto com a TC. Também deve ser realizada na suspeita de meningoencefalites.
TRATAMENTO
O tratamento agudo dos quadros leves de enxaqueca é feito com analgésicos co-muns e anti-inflamatórios não esteroidais (AINES), geralmente, ibuprofeno ou aceta-minofeno. Os triptanos, são uma classe de medicamentos agonistas específicos e se-letivos do receptor 5-hidroxitriptamina, e estão indicados para enxaqueca aguda, com ou sem aura, que não responde aos analgésicos comuns. Dentre eles, o suma-triptano é fármaco mais estudado em cri-anças. Os triptanos estão contraindicados nos quadros de enxaqueca hemiplégica (confira as doses recomendadas na tabela
8 1). Quando houver vômitos, é
recomen-dado administrar antieméticos em associ-ação aos medicamentos analgésicos. Cor-ticoides e neurolépticos são alternativas terapêuticas nos quadros de enxaqueca muito intensa refratária ao tratamento ini-cial.
Para o tratamento da cefaleia tensional, os analgésicos comuns ou AINES são geral-mente muito eficazes. É importante tran-quilizar a família em relação à benignidade do quadro, identificar e evitar os fatores desencadeantes. Além das medidas far-macológicas, no momento da crise é reco-mendado que a criança descanse em um local tranquilo e com pouca luminosidade, e se possível, durma, pois boa parte das quadros de cefaleia se resolve após o sono profundo.
Para os pacientes com dor crônica, que apresentem mais de 6 episódios de dor no mês, fazem uso abusivo de medicações durante o quadro agudo ou que apresente crises incapacitantes com grande impacto para as atividades diárias, deve-se consi-derar o tratamento profilático, com o obje-tivo de reduzir a frequência dos episódios de cefaleia. Os fármacos mais estudados para este fim são flunarizina, propranolol, valproato de sódio, topiramato e amitripti-lina (confira as doses recomendadas na ta-bela 2). O tratamento profilático pode ser realizado tanto para enxaquecas quanto
para cefaleia tensional, neste último caso a amitriptilina é o medicamento de escolha. Há poucos estudos comprovando a eficá-cia do tratamento profilático para cefaleia na pediatria, e a escolha do fármaco deve ser individualizada, considerando o bene-fício do tratamento, efeitos colaterais e co-morbidades do paciente.
Tabela 1: Doses dos medicamentos para cefa-leia aguda Ibuprofeno 10 mg/kg/dose Acetaminofeno 15 mg/kg/dose Almotriptano (12-17 anos) Sumatriptano oral (> 10 anos) Sumatriptano intranasal (> 6 anos) 6,25 - 12,5 mg 25 mg 5 mg
Tabela 2: Doses dos medicamentos profiláti-cos para cefaleia (via oral)
Amitriptilina 0,25 mg/Kg/dose Flunarizina 5 mg Propranolol 10 - 20 mg/3x/dia Valproato de sódio 5 - 20 mg/kg/dia
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CEFALEIAS NA EMERGÊNCIA
PE-DIÁTRICA
O ponto mais importante da abordagem da cefaleia na emergência é identificar os fa-tores de risco para quadro mais grave e se há indicação de propedêutica complemen-tar. Para isso, é fundamental realizar uma anamnese completa, a fim de caracterizar adequadamente o padrão da dor. Assim, é necessário definir: qual a intensidade, qual o momento do dia que ocorre, a localiza-ção, o tipo de dor, presença de sintomas associados, história de traumas, presença de sintomas sistêmicos e comorbidades. Exames de neuroimagem estão indicados quando houver alteração do exame neuro-lógico, em crianças menores de 3 anos com dor inexplicada, dor súbita de forte in-tensidade descrita como “pior dor de ca-beça da vida”, presença de alterações no exame de fundo de olho (papiledema) e presença de lesões cutâneas sugestivas de síndromes neurocutâneas, como neurofi-bromatose e esclerose tuberosa.
Na emergência, a punção lombar deve ser solicitada quando há suspeita de infecção não focal, hemorragia subaracnoide não diagnosticada ou para avaliar hipertensão
intracraniana idiopática, porém, neste úl-timo caso é necessário realizar neuroima-gem antes do procedimento. A punção lombar está contraindicada nas seguintes situações: presença de sinal focal ao exame (sugere massa expansiva intracra-niana), suspeita de hipertensão intracrani-ana sem neuroimagem prévia e papile-dema na fundoscopia (sugere pressão in-tracraniana elevada com risco de hernia-ção durante a punhernia-ção).
O tratamento depende da etiologia da ce-faleia. Dentre as causas mais comuns que chegam à emergência estão: cefaleias pri-márias (enxaqueca e cefaleia tensional)e o tratamento é o mesmo descrito no tópico anterior; meningite bacteriana que deve ser tratada com antibioticoterapia preco-cemente; meningoencefalite viral; tumor cerebral, nesse caso o tratamento é indivi-dualizado, pois depende do tipo e estadia-mento tumoral; hemorragia intracraniana, quadro em que o tratamento, na maioria das vezes, é cirúrgico; e as cefaleias secun-dárias à infecções virais que devem ser tra-tadas com sintomáticos, eficazes tanto para a cefaleia quanto para a infecção viral.
10 @jalekoacademicos Jaleko Acadêmicos @grupoJaleko
REFERÊNCIAS
KLIEGMAN, R. M.; JEASON, H. B.; BEHRMAN, R. E.; STATON, B. F. Nelson – Tratado de pediatria. 18ª edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. 2485-2489 pp.
LEÃO, E. et al. Pediatria ambulatorial. 5ª edição. Belo Horizonte, MG: Co-opmed, 2013. 311-320 pp.
Curso pediatria: neurologia pediátrica: Cefaleia e sinais de alarme (profes-sora Kelly Monteso). Jaleko acadêmicos. Disponível em
https://www.jaleko.com.br/sala-de-aula/mi-pediatria/neurologia-pedia-trica/cefaleia-e-sinais-de-alarme/cefaleia-na-pediatria-parte-1-2.