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A CONSTITUIÇÃO DE 1988, O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E OS DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS NO BRASIL

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1 A CONSTITUIÇÃO DE 1988, O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E OS

DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS NO BRASIL

SUMÁRIO – 1. Introdução. 2. A Constituição Federal brasileira de 1988 e os direitos indígenas. 3. A atuação do Ministério Público Federal na defesa dos interesses e direitos dos povos indígenas. 4.

Conclusão.

Como citar este artigo: ANJOS FILHO, Robério Nunes dos. A Constituição de 1988, o Ministério Público Federal e os direitos dos povos indígenas no Brasil. In: Ministério das Relações Exteriores.

(Org.). Textos do Brasil: Culturas Indígenas. 1ed.Brasília: MRE - Ministério das Relações Exteriores, 2012, v. 19, p. 142-149.

1. Introdução.

No Direito Internacional a expressão povos indígenas designa grupos originários de um país ou região que sofreu dominação colonial ou estrangeira, abrangendo 370 milhões de pessoas. No Brasil a expressão nomeia povos de ascendência pré-colombiana cujos membros se identificam e são identificados como pertencentes a um grupo étnico cujas características culturais os distinguem dos demais integrantes da nação. Há cerca de 750.000 índios brasileiros, distribuídos em mais de 200 povos.

Os principais direitos dos povos indígenas são o direito ao desenvolvimento, à autodeterminação, à manutenção da própria cultura, à diferença, à língua, à terra e à utilização dos seus recursos naturais, à saúde, à educação, à participação, à previdência social, à subsistência, ao trabalho e à obtenção de renda.

O primeiro grande marco do reconhecimento dos direitos dos povos indígenas no Direito Internacional foi a aprovação a Convenção nº 107 da OIT em 1957. Atualmente os documentos mais importantes são: a) a Convenção nº 169 da OIT Sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes, de 1989; b) a Convenção de Madrid sobre o Fundo para o Desenvolvimento dos Povos Indígenas da América Latina e do Caribe, de 1992; e c) a Declaração Sobre Direitos dos Povos Indígenas da Organização das Nações Unidas, de 2007.

No Brasil as principais bases normativas dos direitos dos povos indígenas são a Constituição de 1988; as duas convenções internacionais acima citadas, que foram integradas ao direito interno com status, no mínimo, supralegal; as Leis n° 5.371/67, que criou a Fundação Nacional do Índio, e nº 6.001/73, que dispõe sobre o Estatuto do Índio; e o Decreto nº 1.775/96, que cuida do procedimento administrativo de demarcação de terras tradicionalmente ocupadas por índios. Há, ainda, um extenso rol de normas legais e infralegais que cuidam dos direitos dos povos indígenas.

O sistema normativo brasileiro reserva um relevante papel na defesa dos direitos e interesses dos povos indígenas para o Ministério Público, em especial o Ministério Público Federal, cuja atuação efetiva, em todos os seus níveis, o transformou em um dos mais importantes protagonistas dessa tarefa.

O objetivo do presente texto é apresentar ao leitor, de forma clara e objetiva, os principais aspectos da questão indígena no Brasil, com destaque para o tratamento constitucional do tema e a atuação do Ministério Público Federal. Obviamente uma abordagem exaustiva não faz parte dos planos do autor,

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tendo em vista os limites propostos para o presente trabalho, entretanto espera-se que aqueles que desejarem aprofundar seus estudos encontrem auxílio na bibliografia indicada nas notas de rodapé.

2. A Constituição Federal brasileira de 1988 e os direitos indígenas.

A atual Constituição brasileira é uma das mais avançadas da América Latina em termos de direitos indígenas1, ao lado das constituições da Argentina, Bolívia, Colômbia, Equador, Guatemala, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru e Venezuela. Fazem algum tipo de referência a direitos indígenas também as constituições de Costa Rica, El Salvador, Guiana e Honduras. São omissas as Constituições de Belize, Chile, Guiana Francesa, Suriname e Uruguai.

Sem dúvida a Constituição atual, dentre todas que fizeram parte da história constitucional brasileira, foi a que mais se comoveu com a questão indígena, o que resultou em uma longa disciplina jurídica do tema, a qual constitui o que se pode denominar direito constitucional indigenista brasileiro atual2: manteve as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios no domínio da União (art. 20, XI) e a competência privativa desta para legislar sobre populações indígenas (art. 22, XIV); estabeleceu a competência exclusiva do Congresso Nacional para autorizar, em terras indígenas, a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais (art. 49, XVI); determinou a competência da Justiça Federal para processar e julgar a disputa sobre direitos indígenas (art. 109, XI); conferiu ao Ministério Público a função institucional de defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas (art.

129, V); afirmou que a pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais de energia hidráulica dependem de condições específicas legalmente previstas quando essas atividades se desenvolverem terras indígenas (art. 176, § 1°); assegurou às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem, inclusive no ensino fundamental regular (art. 210, § 2º); determinou que o Estado deve proteger as manifestações das culturas indígenas (art. 215, § 1°); consagrou a organização social, costumes, línguas, crenças e tradições indígenas (art. 231, caput); reconheceu aos índios os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam (art. 231, caput); afirmou o dever da União de proteger e fazer respeitar os índios, seus bens e terras (art. 231, caput); definiu as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios (art. 231, § 1°) e disciplinou cuidadosamente o seu regime jurídico (art. 231, §§ 2°, 3°, 4°, 5° 6° e 7°), além de ter estipulado a competência da União para demarcá-las (art. 231, caput) no prazo máximo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição (art. 231, caput, e 67 do ADCT); outorgou legitimidade às comunidades e organizações indígenas para ingressarem em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo (art. 232).

E, o que é importante, isso se deu, felizmente, sob as luzes de um novo padrão de pensamento acerca das relações entre o Estado, a sociedade dominante e os nossos índios. De fato,

1 Os índios tiveram uma participação ativa no processo constituinte (LACERDA, Rosane. A participação indígena no processo constituinte. In Caderno Constituição & democracia, n° 20, março de 2008).

2 Sobre a disciplina constitucional dos direitos indígenas vide, dentre outros: ANJOS FILHO, Robério Nunes dos. Arts. 231 e 232.

In BONAVIDES, Paulo, MIRANDA, Jorge, AGRA, Walber de Moura (coords.). Comentários à Constituição Federal de 1988.

Rio de Janeiro: Forense, 2009, pp. 2399-2428; ANJOS FILHO, Robério Nunes dos. Breve balanço dos direitos das comunidades indígenas: alguns avanços e obstáculos desde a Constituição de 1988. In SOUZA NETO, Cláudio Pereira de, SARMENTO, Daniel, BINENBOJM, Gustavo (coords.). Vinte Anos da Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, pp. 569-604.

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honrando a alcunha de “cidadã”, a nova Constituição promoveu uma verdadeira mudança de paradigma, derrotando o até então tradicional viés integracionista3 que dominava todo o Direito positivo brasileiro e que ditava um tratamento de teor etnocêntrico que partia da premissa de que os índios viviam em um estágio de desenvolvimento inferior e, portanto, para o seu próprio bem, deveriam ser integrados pelo Estado à comunhão nacional. Em outras palavras, o Direito brasileiro, acompanhando pensamento que durante muito tempo predominou em outras ciências sociais, louvava o abandono de culturas tidas como “primitivas” e a absorção dos grupos humanos respectivos pela sociedade “civilizada”. Um bom exemplo dessa orientação era o sistema de incapacidade e de tutela orfanológica ao qual eram submetidos os índios brasileiros até a sua completa assimilação4.

Os índios não mais devem estar submetidos a uma tutela orfanológica, como se fossem incapazes de tomar as suas próprias decisões com base em sua vontade livre e consciente, e que, portanto, precisam ter a sua vida e os seus bens geridos pelo Estado. Prova contundente dessa incompatibilidade é a já referida previsão constitucional de que os índios, suas comunidades e organizações, por si sós, independentemente do Estado, possuem capacidade postulatória para ingressar em juízo na defesa de seus direitos e interesses5. A única tutela admissível após a atual Constituição é aquela que, revestida de caráter de Direito público, visa proteger os povos indígenas e os seus bens, sob a perspectiva de que se trata de minorias culturais, independentemente de como os mesmos interagem com a sociedade majoritária.

O comando constitucional pós 1988 veleja no sentido da valorização de todas as culturas presentes nos diversos grupos formadores da sociedade brasileira, sem qualquer escalonamento hierárquico e sem nenhum resquício da antiga pretensão homogeneizadora. A Constituição interdita todo e qualquer entendimento jurídico que insista, de forma direta ou indireta, na tese, já superada, da superioridade cultural da sociedade majoritária. Como corolário do princípio constitucional da proteção da identidade, está garantida a liberdade cultural de todos os grupos integrantes da nossa sociedade, inclusive os indígenas, que podem continuar a exercer a sua identidade própria, se assim desejarem, sem qualquer possibilidade de sofrerem discriminações negativas em decorrência do exercício desse verdadeiro direito à diferença ou à alteridade. A vereda constitucional indica a valorização, o respeito e a proteção do modo de ser e de viver dos

3 A rigor, é possível adotar uma distinção conceitual entre os termos assimilação e integração. Nessa visão, o primeiro refere-se

a um processo de aproximação cultural que implica perda do elemento diferenciador de um grupo minoritário, ao contrário do segundo no qual a diferença é mantida. Entretanto, considerando os objetivos do presente trabalho e o fato de que muitos dos estudos jurídicos, sociológicos e antropológicos brasileiros não fazem a distinção acima mencionada, utilizaremos aqui a palavra integração no sentido técnico de assimilação.

4 Artigos 7° a 11 do Estatuto do Índio. A tutela era prevista, ainda, no artigo 6°, parágrafo único, do já revogado Código Civil de 1916, segundo o qual “Os silvícolas ficarão sujeitos ao regime tutelar, estabelecido em leis e regulamentos especiais, o qual cessará à medida que se forem adaptando à civilização do país” (redação da lei n° 4.121/1962). No que concerne à incapacidade, esse mesmo Código Civil, no seu artigo 6°, inciso III, colocava os “silvícolas” como relativamente incapazes. Sobre a incapacidade e a tutela orfanológica, vide: SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés. O renascer dos povos indígenas para o Direito. Curitiba: Juruá, 1998, pp. 92-109.

5 Artigo 232 da CF/88. Nesse mesmo sentido, dentre outros: SILVA, Paulo Thadeu Gomes da. Direito Indígena, Direito Coletivo e Multiculturalismo. In SARMENTO, Daniel, IKAWA, Daniela, PIOVESAN, Flávia (coords.). Igualdade, diferença e direitos humanos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 587.

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índios, criando obrigações estatais a respeito e incluindo a cultura indígena no patrimônio cultural brasileiro6.

3. A atuação do Ministério Público Federal na defesa dos interesses e direitos dos povos indígenas.

A nova disciplina constitucional fincou uma sólida base a partir da qual foi intensificada a luta dos índios pelos seus direitos, com o crescimento das demandas no plano extrajudicial e judicial7. Talvez prevendo esse fato, a Constituição cuidou de assegurar que os povos indígenas fossem defendidos da melhor forma possível. Para tanto, não só conferiu legitimidade aos próprios índios, suas comunidades e organizações para defenderem os seus direitos e interesses perante o Poder Judicário8, como ainda incumbiu expressamente o Ministério Público da defesa judicial desses mesmos direitos e interesses9. Isso tudo sem prejuízo da possibilidade dos grupos indígenas serem defendidos por outros órgãos ou entidades, como, por exemplo, a União e a Fundação Nacional do Índio – FUNAI.

A Constituição de 1988 também fortaleceu o Ministério Público, trazendo uma série de inovações que modernizaram a instituição e a tornaram uma das mais avançadas no mundo10. Dentre as atribuições determinadas pela nova Constituição encontramos o dever de defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas11, bem como o de intervir em todos os atos dos processos judiciais nos quais esses direitos e interesses estejam sendo discutidos12.

Os deveres constitucionais relativos à defesa dos povos indígenas dirigem-se a todos os ramos do Ministério Público da União (Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, Ministério Público Militar) e também aos Ministérios Públicos Estaduais, guardadas, obviamente, as atribuições judiciais e extrajudiciais respectivas13. Dentro de cada Ministério Público, os seus membros, em todos os níveis da carreira, devem agir pautados por essas determinações constitucionais. Também é possível uma atuação conjunta de membros do mesmo ramo do Ministério Público ou de ramos diversos, visando a melhor defesa possível dos direitos e interesses dos povos indígenas14.

6 Para uma visão mais profunda da mudança de paradigma do direito brasileiro em relação à temática indígena, vide: ANJOS FILHO, Robério Nunes dos. Breve balanço dos direitos das comunidades indígenas: alguns avanços e obstáculos desde a Constituição de 1988. In SOUZA NETO, Cláudio Pereira de, SARMENTO, Daniel, BINENBOJM, Gustavo (coords.). Vinte Anos da Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, pp. 569-604.

7 Boa parte das questões judiciais e extrajudiciais tem como pano de fundo um choque entre interesses econômicos, supostamente a serviço do desenvolvimento nacional, e os direitos dos grupos indígenas, com destaque para a questão fundiária. Outras vezes o problema está na ausência de efetivação de certos direitos dos povos indígenas, como aqueles relativos à saúde e à educação.

8 Art. 232, CF/88. Essa possibilidade, no plano infraconstitucional, já era prevista no art. 37 da Lei nº 6.001/1973.

9 Art. 129, V, CF/88.

10 Para uma visão geral o perfil do Ministério Público na nova ordem constitucional vide: ANJOS FILHO, Robério Nunes dos. O Ministério Público. In TAVARES, André Ramos (org.). 1988-2008: 20 Anos da Constituição Cidadã. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008, pp. 178-180.

11 Art. 129, V, CF/88. Em termos de legislação comum, a Lei 6.001/1973 já determinava, nos seus artigos 9º, parágrafo único, 36 e 37, a atuação judicial do Ministério Público em questões envolvendo direitos e interesses indígenas.

12 Art. 232, CF/88.

13 Por exemplo, é atribuição do Ministério Público do Trabalho propor, perante a Justiça do Trabalho, as ações necessárias à defesa dos direitos e interesses dos índios decorrentes das relações de trabalho (art. 83, V, da Lei Complementar nº 75/1993).

14 Acerca das diversas formas de atuação conjunta, vide: ANJOS FILHO, Robério Nunes dos, OLIVEIRA JÚNIOR, Oto Almeida.

Breves Anotações Sobre a Atuação Conjunta de Membros do Ministério Público. In CHAVES, Cristiano, ALVES, Leonardo

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Dentre todos os ramos do Ministério Público no Brasil é o Ministério Público Federal aquele que possui a maior parcela de obrigação quanto ao dever de defender os povos indígenas. E a razão é muito simples.

As atribuições do Ministério Público Federal são essencialmente exercidas perante a Justiça Federal, a qual é constitucionalmente competente para processar e julgar não só todas as causas que dizem respeito à disputa sobre direitos indígenas15, como, também, as ações de interesse da União16, entidade a quem a Constituição conferiu o domínio das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios17 e o dever de demarcar essas terras, proteger e fazer respeitar todos os bens indígenas18.

As atribuições do Ministério Público Federal relacionadas à defesa dos direitos e interesses das comunidades indígenas foram disciplinadas no plano infraconstitucional pela Lei Complementar nº 75, de 199319. Este diploma normativo possibilitou que essas atribuições sejam exercidas através de instrumentos próprios, como o inquérito civil público e a ação civil pública20. Além disso, expressamente determinou que o Ministério Público Federal exercerá a defesa de direitos e interesses dos índios e das populações indígenas nas causas de competência de quaisquer juízes e tribunais, possibilitando assim, por exemplo, a atuação dos seus membros perante a Justiça Estadual, quando necessário21.

Dentro do Ministério Público Federal a defesa dos direitos e interesses das comunidades indígenas deverá ser exercida por todos os seus membros, nos diferentes graus da carreira. Assim, o Procurador-Geral da República, os Subprocuradores-Gerais da República, os Procuradores Regionais da República e os Procuradores da República, cada um nos limites das suas atribuições respectivas, devem se desincumbir dessa importante tarefa. O Procurador-Geral da República, por exemplo, poderá propor, junto ao Supremo Tribunal Federal, ações de controle de constitucionalidade em face de leis ou atos normativos federais ou estaduais que violem os direitos dos índios.

Também é possível que algumas funções ou cargos exercidos pelos membros do Ministério Público Federal tenham uma ligação específica com o dever de proteção aos povos indígenas. É o caso, por exemplo, do Procurador Federal dos Direitos do Cidadão e dos Procuradores Regionais dos Direitos do Cidadão, aos quais compete em especial defender os direitos constitucionais do cidadão com vistas à garantia do seu efetivo respeito pelos Poderes Públicos e pelos prestadores de serviços de relevância pública22.

Importante destacar, nessa linha, o trabalho desenvolvido pela 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal. As câmaras são órgãos setoriais de coordenação, integração e revisão do exercício funcional na instituição, organizadas por função ou por matéria, através de ato normativo, compostas por três membros, sendo um indicado pelo Procurador-Geral da República e dois pelo Conselho Superior, juntamente com seus suplentes, para um mandato de dois anos, dentre integrantes do último grau da carreira, sempre que possível23. Um dos membros de cada Câmara será designado pelo Procurador-Geral para a função executiva de Coordenador24. Conforme a Lei Complementar 75/199325, Barreto Moreira, ROSENVALD, Nelson (orgs.). Temas Atuais do Ministério Público: a atuação do Parquet nos 20 anos da Constituição Federal. 2ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pp. 241-286.

15 Art. 109, XI, CF/88.

16 Art. 109, I, CF/88.

17 Art. 20, XI, CF/88.

18 Art. 231, caput, CF/88.

19 Vide especialmente os seguintes dispositivos: artigo 5º, III, “e”; artigo 6º, VII, “c”; artigo 6º, XI; artigo Art. 37, II.

20 Artigo 6º, XI.

21 Pode ser necessária autorização do Procurador-Geral da República, como chefe do Ministério Público Federal, bem como do Conselho Superior do Ministério Público Federal (artigos 49, XV, “d”, e 57, XIII, ambos da Lei Complementar 75/1993).

22 Vide, principalmente, os artigos 11 a 16 e 40 a 42 da Lei Complementar 75/1993.

23 Artigos 49, IV; 57, III; 58 a 60 da Lei Complementar 75/1993.

24 Artigo 61 da Lei Complementar 75/1993.

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compete às Câmaras de Coordenação e Revisão: I - promover a integração e a coordenação dos órgãos institucionais que atuem em ofícios ligados ao setor de sua competência, observado o princípio da independência funcional; II - manter intercâmbio com órgãos ou entidades que atuem em áreas afins; III - encaminhar informações técnico-jurídicas aos órgãos institucionais que atuem em seu setor; IV - manifestar-se sobre o arquivamento de inquérito policial, inquérito parlamentar ou peças de informação, exceto nos casos de competência originária do Procurador-Geral; V - resolver sobre a distribuição especial de feitos que, por sua contínua reiteração, devam receber tratamento uniforme; VI - resolver sobre a distribuição especial de inquéritos, feitos e procedimentos, quando a matéria, por sua natureza ou relevância, assim o exigir; VII - decidir os conflitos de atribuições entre os órgãos do Ministério Público Federal.

Nesse contexto, a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão, criada em 199326, tem a missão de atuar na matéria relativa aos índios e grupos minoritários, como quilombolas e populações tradicionais (seringueiros, geraizeiros, quebradoras de coco, pescadores artesanais, ciganos, povos de terreiro, pomeranos, faxinalenses, caiçaras e comunidades de fundo de pasto).

A 6ª Câmara, por meio dos seus membros, titulares e suplentes, bem como contando com a ação dos seus representantes nos Estados, servidores e estagiários, vem exercendo um relevante papel no cumprimento, pelo Ministério Público Federal, do seu dever constitucional de proteção dos direitos e interesses dos povos indígenas brasileiros.

Para tanto, no âmbito externo a 6ª Câmara atua como instrumento facilitador da interlocução do Ministério Público Federal com o Governo, o Poder Legislativo, as organizações não governamentais e a sociedade em geral, podendo promover reuniões, expedir recomendações, manter intercâmbio e encaminhar informações técnico-jurídicas aos órgãos ou entidades públicas ou privadas que atuam no setor. Cabe destacar a participação da 6ª Câmara, como observadora, do Conselho Nacional dos Povos Indígenas e do Conselho Nacional de Recursos Genéticos.

Internamente, a 6ª Câmara presta apoio aos membros do Ministério Público Federal que exercem atribuições vinculadas às questões relativas aos povos indígenas, coordenando, revisando e integrando a atuação judicial e extrajudicial em todo o país. Seu principal desafio é fomentar a participação e a compreensão dos membros do Ministério Público Federal que irão atuar nessa matéria. No desempenho dessa tarefa a 6ª Câmara, dentre outros instrumentos, pode editar enunciados; emitir orientações aos membros do Ministério Público Federal sem caráter vinculante com vistas a manter a uniformidade do exercício funcional27; promover encontros nacionais ou regionais que fornecem diretrizes gerais ou homologam orientações do colegiado; manter bancos de dados com iniciativas judiciais e extrajudiciais;

criar Grupos de Trabalho28; e desenvolver projetos vinculados ao planejamento estratégico da instituição29.

25 Artigo 62 da Lei Complementar 75/1993.

26 Resolução nº 06, de 16 de dezembro de 1993, do Conselho Superior do Ministério Público Federal. Trata do tema também a Resolução nº 20, de 06 de fevereiro de 1996, do Conselho Superior do Ministério Público Federal.

27 Art. 7º, II, da Resolução nº 20, de 06 de fevereiro de 1996, do Conselho Superior do Ministério Público Federal.

28 Atualmente a 6ª Câmara mantém três Grupos de Trabalho relacionados aos direitos e interesses dos povos indígenas: Grupo de Trabalho sobre Educação Indígena; Grupo de Trabalho sobre Registro Civil; e Grupo de Trabalho sobre Saúde Indígena. Fonte:

http://ccr6.pgr.mpf.gov.br/documentos-e-publicacoes/relatorios-de-atividades-1, acesso em 10/10/2011.

29 Em relação aos projetos inseridos no planejamento estratégico e que tratam direta ou indiretamente da temática indígena, estão em andamento os seguintes: “Direito à diversidade sociocultural: estudos comparados”; “Construção de banco de dados de atuação do MPF na matéria referente à 6ª CCR”; “Digitalização e indexação de documentos da 6ª CCR”; “Criação e manutenção do site da 6ª CCR”; “Realização de Oficina de Trabalho sobre os Povos Indígenas da Região Nordeste”; “Discussão do Regime Jurídico da contratação dos professores indígenas”; “Criação do GT – Recursos Genéticos e Conhecimentos Tradicionais”;

“Acompanhamento da transição da atenção à saúde indígena da FUNASA para o Ministério da Saúde”; e “Acompanhamento do

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Tendo em vista o compromisso com a transparência e o controle social democrático, a 6ª Câmara tem disponibilizado na rede mundial de computadores dados estatísticos, relatórios anuais e muitas outras informações acerca da atuação dos membros do Ministério Público Federal na área da defesa dos direitos e interesses dos povos indígenas30.

4. Conclusão.

Há sérios obstáculos a enfrentar na luta judicial e extrajudicial pela concretização dos direitos e interesses dos povos indígenas no Brasil. Muitos ainda não estão sintonizados com o novo paradigma constitucional de respeito à diferença e de inexistência de hierarquia entre as culturas dos diversos povos que formam o conjunto de brasileiros. Lamentavelmente ainda há preconceito contra os índios e a sua cultura, o que por vezes resulta em posições ideologicamente contrárias aos povos indígenas, revelando nítido inconformismo com o novo modelo constitucional. Esse inconformismo é especialmente grave em relação à questão fundiária, havendo forte oposição à cristalina disposição constitucional que acarreta a nulidade, extinção e ausência de efeitos jurídicos dos atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras tradicionalmente ocupadas por índios31. Por isso, não raro a questão indígena é permeada por conflitos que culminam em atos de violência física e moral, bem como em situações de devastação ambiental, desamparo educacional, desatenção à saúde, preconceito, desigualdade, racismo, exclusão, miséria e fome.

A alteração desse quadro exige uma firme atuação de larga magnitude, envolvendo muitos atores públicos e privados, como as diversas esferas do governo, o mercado e a sociedade civil. O Ministério Público Federal, em todas as suas instâncias, tem feito um notável esforço para bem cumprir o seu papel, consciente de que o protagonismo constitucionalmente determinado à instituição e aos seus membros pode ser o ponto determinante para a construção de uma nova realidade, mais condizente com a Constituição, o Estado Democrático de Direito, o pluralismo, a tolerância e o direito à diferença.

ensino superior indígena”. Fonte: http://ccr6.pgr.mpf.gov.br/documentos-e-publicacoes/relatorios-de-atividades-1, acesso em 10/10/2011.

30 http://ccr6.pgr.mpf.gov.br/, acesso em 10/10/2011.

31 Art. 231, § 6°, CF/88.

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ROBÉRIO NUNES DOS ANJOS FILHO Doutor em Direito pela USP

Mestre em Direito pela UFBA

Presidente Honorífico do IBEC – Instituto Brasileiro de Direito Constitucional Professor de Direito Constitucional

Procurador Regional da República na 3ª Região

Referências

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