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I ENCUENTRO INTERNACIONAL DE EDUCACIÓN Espacios de investigación y divulgación. 29, 30 y 31 de octubre de 2014

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I ENCUENTRO INTERNACIONAL DE EDUCACIÓN Espacios de investigación y divulgación.

29, 30 y 31 de octubre de 2014

NEES - Facultad de Ciencias Humanas – UNCPBA Tandil – Argentina

II.2. Sociedades plurales, igualdad y educación

Reconhecimento, Educação e Sociedades Plurais

Martins, Maurício (UNICAMP-Brasil) maurebelo@gmail.com

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2 Introdução

Pensar a educação no contexto contemporâneo exige, antes de tudo, que entendamos o homem e o contexto em que ele vive. Numa sociedade caracterizada pelo pluralismo e pela complexidade, ignorar a necessidade de um diagnóstico de época1 e de uma Antropologia pode ser desastroso. Nesse sentido, a aproximação entre filosofia e educação tem fornecido contribuições importantes que têm servido para a educação rever alguns dos seus conceitos historicamente construídos.

A relação estreita entre sociedade e educação impõe a esta última o repensar constante desta relação numa perspectiva dialética. Não se trata, portanto, de apenas ajustar a educação a uma sociedade que se transforma, mas do repensar, desde a perspectiva educacional, o processo intelectual e material hoje em curso. Isto implica investigar a pertinência ou não de conceitos historicamente construídos e a elaboração de novas formas de pensar a formação integral do ser humano.

Qualquer tentativa de investigar os desafios relacionados à educação não pode deixar de lado as significativas transformações culturais pela quais passaram as nossas sociedades.

Com a globalização econômica começamos a indagar quais seriam as suas consequências para a cultura. Falou-se da possibilidade da criação de uma identidade cultural global. Na prática, no entanto, observamos que não desapareceu a diversidade cultural.

Paradoxalmente, ao contrário de uma cultura universal padronizada o que vemos é o reforço das identidades culturais. Existe sem dúvida a universalização, internacionalização, globalização da cultura, mas existe também a reação das culturas locais que buscam defender sua identidade. A opção pela generalização de uma língua para uma nação ou de uma linguagem para um grupo são exemplos de estratégias para reforçar e unificar uma identidade.

No entanto, é típico das sociedades plurais o conflito entre os grupos que buscam reforçar suas identidades e aqueles que defendem uma identidade globalizada. Se de um lado existem grupos que escolhem uma língua para chamar se sua, de outro lado há aqueles que defendem um língua e uma moeda global. Afinal, quando se fala de uma identidade globalizada a finalidade última é sempre o mercado:

Os fluxos culturais, entre as nações, e o consumismo global criam possibilidades de “identidades partilhadas” – como “consumidores” para os mesmo bens, “clientes” para os mesmos serviços, “públicos” para as mesmas mensagens e imagens – entre pessoas que estão bastantes distantes umas das outras no espaço e no tempo [...] Foi a difusão do consumismo, seja como realidade, seja como sonho, que contribuiu para esse efeito de “supermercado global” (HALL, 2005, p. 74-75).

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3 Num mundo onde tudo é efêmero e nada é certo, os homens e mulheres procuram grupos onde possam participar e sentir-se seguros. Essa busca por reforçar sua identidade levou a uma verdadeira fragmentação cultural, religiosa, artístico e política. A fragmentação é um fenômeno que abre espaço para o reagrupamento em torno de identidades primárias:

religiosas, étnicas, territoriais entre outras:

Cada vez mais, as pessoas organizam seu significado não em torno do que fazem, mas com base no que elas são ou acreditam que são. Enquanto isso, as redes globais de intercâmbios instrumentais conectam e desconectam indivíduos, grupos, regiões e até países, de acordo com sua pertinência na realização dos objetivos processados na rede, em um fluxo de decisões estratégicas (CASTELLS, 1999, p. 41).

Os indivíduos regressam ao passado para poder entender melhor as suas raízes. Existe uma necessidade muito forte de se identificar com um grupo, uma nação ou uma religião para então ser capaz de formar a sua própria identidade. Essa necessidade surge da aspiração do ser humano por conter essa realidade efêmera que ele experimenta. Se tudo se move e se tudo se transforma, a sua identidade precisa ser reconhecida como algo sólido e imutável. Sobre isso afirma Lipovetsky:

Na presente situação, a filiação identitária é tudo menos instantânea ou dada em definitivo; ela é, isto sim, um problema, uma reivindicação, um objeto de apropriação dos indivíduos.

Meio de construir-se e dizer o que se é, maneira de afirmar-se e fazer-se reconhecer, a filiação comunitária vem acompanhada de autodefinição e autoquestionamento. (...) Trata-se de sermos reconhecidos pelo que somos em nossa diferença comunitária e histórica, pelo que nos distingue dos outros grupos (LIPOVETSKY, 2004, p. 95).

Toda forma de desprezo, falta de apreço ou tentativa de inferiorização é imediatamente rechaçada. Geralmente, o individuo dessas sociedades plurais clama por reconhecimento. Não de um reconhecimento em termos econômicos como já aconteceu em outras épocas. O reconhecimento desejado pelo individuo contemporâneo é o da sua especificidade aferida pelas suas raízes coletivas. Diante dos outros grupos, muitos sujeitos esperam ser reconhecidos como iguais na diferença. Esperam que sua identidade receba o mesmo respeito e atenção que as outras identidades recebem.

No entanto, essa tentativa de preservar sua identidade, embora saudável de uma determinada perspectiva, gera inúmeros conflitos. Muitos deles pelo fato de se organizarem verdadeiras tiranias fundamentalistas. Preocupados em preservar ou resgatar suas raízes nacionais ou religiosas, surgem, no seio dessa sociedade pluralista, muitos grupos sociais que entram em conflito com aqueles que não se identificam com suas ideias ou normas.

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4 Presenciamos uma verdadeira multidão em busca do seu ‘eu’. A tentativa de que sua identidade seja reconhecida leva as pessoas à objetivação do ‘outro’. O ‘outro’ é procurado como alguém que dever servir para atestar e promover a minha identidade. Ele serve como ferramenta de autoconfirmação pessoal. Se o ‘outro’ não é capaz de confirmar minha identidade, então ele deve ser ignorado e desprezado. Só é útil o ‘outro’ capaz de concordar comigo. Qualquer discordância ou sinceridade é rejeitada e vista como sinal de inveja ou desejo de fracasso.

Por isso uma antropologia também se faz necessária a qualquer um que queira pensar seriamente os rumos da educação. Quem é esse homem que nasce e cresce nesse contexto profundamente modificado? Como as instituições educativas podem contribuir para formar um sujeito capaz de lidar com os desafios típicos de uma sociedade complexa e plural? Na tentativa de responder essas questões, entendemos que a Teoria do Reconhecimento de Axel Honneth pode nos ajudar a compreender um pouco quem é esse homem que desejamos educar.

Desde a década de 90, Honneth vem discutindo sua Teoria do Reconhecimento e procurando mostrar a importância que o conflito e a luta por reconhecimento têm para constituição da identidade dos indivíduos. Nesse sentido, pode-se afirmar que a Teoria do Reconhecimento de Honneth possui uma base antropológica. Ele entende que a formação da identidade pessoal e a possibilidade de viver a vida em sua plenitude dependem de um conjunto de relações bem sucedidas de reconhecimento reciproco. É adquirindo autoconfiança, autorrespeito e autoestima que o individuo consegue sentir-se completo.

Contudo, Honneth, como parte do seu projeto como teórico crítico, vê nas próprias relações de reconhecimento bloqueios que impedem a autorrealização dos sujeitos. A esses bloqueios ou entreves Honneth dá o nome de desrespeito. Assim, nessa breve comunicação, pretendo em linhas gerais apresentar a sua Teoria do Reconhecimento e tentar, a partir dela, tratar do seu potencial para pensamos a educação.

1 – A Teoria do reconhecimento

A Teoria do Reconhecimento de Honneth é a tentativa de formular uma teoria crítica da sociedade preocupada em interpretar a sociedade a partir de uma única categoria, isto é, do reconhecimento. Axel Honneth, filósofo e sociólogo alemão, diretor desde 2001 do Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt, é hoje considerado um dos mais

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5 importantes representantes da Teoria Crítica. Honneth, assim como fez Jürgen Habermas, apresenta a sua própria posição teórica em confronto com seus antecessores. Nesse sentido, primeiro ele busca mostrar os limites da ‘teoria da ação comunicativa’ de Habermas para depois formular a sua própria posição teórica que pode ser resumida como ‘teoria do reconhecimento’.

É preciso entender, antes de tudo, que Honneth rejeita que a crítica da sociedade possa ser feita a partir de um ponto de vista externo à realidade social. É preciso fazer um diagnostico de época que abarque as potencialidades emancipatórias e os bloqueios que impedem a sua realização. Honneth fez a opção pelo ‘social’ e não pelas estruturas, funções ou mesmo instituições sociais formais. Para ele, é mais importante analisar a vida social concreta do ponto de vista da tessitura dos conflitos e da repressão que caracterizam o mundo ainda não emancipado (NOBRE, 2013, p. 11).

Sua tese de livre-docência, publicada sob o título de Luta por reconhecimento, ampliou a notoriedade já alcançada com a sua tese de doutorado publicada com o título Crítica do poder. No seu Luta por reconhecimento, Honneth procura mostrar, a partir da análise de alguns elementos da filosofia do Jovem Hegel, a necessidade de pensar o processo de construção da identidade (pessoal ou coletiva) a partir dos conflitos sociais.

No contexto atual, temos observado inúmeras tentativas de lidar com os conflitos sociais. No entanto, quase todas voltadas para a ideia da pacificação, da acomodação ou do entendimento. A novidade apresentada por Honneth é que a base das interações é o conflito e que sua gramática é a luta por reconhecimento. Honneth faz do conflito social o motor responsável pela construção da identidade pessoal ou coletiva.

A teoria do reconhecimento de Honneth é a tentativa de construir uma teoria social de caráter normativo. Ele parte da proposição de que o conflito é intrínseco tanto à formação da intersubjetividade como dos próprios sujeitos. Tal conflito não é conduzido apenas pela lógica da autoconservação dos indivíduos ou pela luta pelo poder2. Trata-se, sobretudo, de uma luta moral, visto que a organização da sociedade é pautada por obrigações intersubjetivas. Diz Honneth:

Que é uma luta por reconhecimento que, como força moral, promove desenvolvimentos e progressos na realidade da vida social do ser humano. Para dar a essa ideia forte, soando às vezes a filosofia da história, uma forma teoricamente defensável, seria preciso conduzir a demonstração empírica de que a experiência de desrespeito é a fonte emotiva e cognitiva de resistência social e de levantes coletivos (HONNETH, 2003, p. 227).

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6 Honneth, partindo de Hegel e atualizando sua filosofia com ajuda da psicologia social de George H. Mead3, fala de três formas de reconhecimento4. A primeira forma ele chama de amor ou dedicação emotiva, pois entende que nas relações primárias se expressam fortes ligações emotivas pelas quais o indivíduo pode adquirir autoconfiança. Essa forma de reconhecimento esta conectada a esfera íntima. Aqui o indivíduo recebe o cuidado de pessoas próximas. Ao sentir-se amado e reconhecido em suas carências, o sujeito adquire a confiança imprescindível para a sua autorrealização. “Essa relação de reconhecimento prepara o caminho para uma espécie de autorrelação em que os sujeitos alcançam mutuamente uma confiança elementar de si mesmo” (HONNETH, 2003, p, 177).

A segunda forma é a do direito ou respeito cognitivo, onde as relações jurídicas regulam-se pelos princípios morais universalistas construídos na modernidade. O sistema jurídico deve expressar interesses universalizáveis de todos os membros da sociedade, não admitindo privilégios e gradações e permitindo aos indivíduos a aquisição do autorrespeito.

Trata-se de um tipo mais formal de reconhecimento, pois ele está atrelado às relações jurídicas. O sujeito é reconhecido como membro da sociedade protegido por determinados direitos. Não basta mais ao sujeito sentir-se amado e respeitado pelas pessoas próximas a ele.

Ele deseja sentir-se reconhecido e respeitado por todos. O sujeito deseja ser reconhecido como livre e igual a todos os seus parceiros de interação.

E a terceira e última forma de reconhecimento é a da solidariedade ou estima social, onde o indivíduo diante da comunidade de valores pode adquirir uma estima social que lhe permita referir-se positivamente a suas propriedades e capacidades concretas. Diferente do segundo tipo de reconhecimento, aqui o sujeito deseja ser reconhecido por suas particularidades como pessoa. Na forma anterior de reconhecimento ele quer ser reconhecido com uma pessoa igual a todas as outras. Nessa terceira esfera, ele quer ser reconhecido pelas contribuições que ele faz à sociedade. Ele sente-se reconhecido e valorizado quando é estimado por suas “capacidades biograficamente desenvolvidas” (HONNETH, 2003, p. 205).

Sobre essas três formas de reconhecimento ele afirma:

De acordo com isso, são as três formas de reconhecimento do amor, do direito e da estima que criam primeiramente, tomadas em conjunto, as condições sociais sob as quais os sujeitos humanos podem chegar a uma atitude positiva para com eles mesmos; pois só graças à aquisição cumulativa de autoconfiança, autorespeito e autoestima, como garante sucessivamente a experiência das três formas de reconhecimento, uma pessoa é capaz de se conceber de modo irrestrito como um ser autônomo e individuado e de se identificar com seus objetivos e seus desejos (HONNETH, 2003, p. 266).

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7 A formação da identidade pessoal e a possibilidade de viver a vida em sua plenitude dependem de um conjunto de relações bem sucedidas de reconhecimento reciproco. É adquirindo autoconfiança, autorrespeito e autoestima que o individuo consegue sentir-se completo. Contudo, Honneth, como parte do seu projeto como teórico crítico, vê nas próprias relações de reconhecimento bloqueios que impedem a autorrealização dos sujeitos. A esses bloqueios ou entreves Honneth dá o nome de desrespeito.

Às três formas do reconhecimento, Honneth associa, respectivamente, três formas de desrespeito. No caso do amor, o desrespeito aparece nos casos de maus tratos e violação física. Nesse caso, o que está em jogo é a integridade física do indivíduo. O ser humano vê arrancado dele, violentamente, todas as possibilidades da livre disposição sobre seu corpo.

Nos casos de violação física, o ser humano é privado do que é mais elementar em sua vida que é ter o seu próprio corpo a sua disposição.

No caso do direito, o desrespeito se manifesta por meio da privação de direitos e exclusão. É a integridade social que se desrespeita. Honneth entende que o indivíduo precisa estar em pé de igualdade com seus membros de interação para que ele possa conquistar o autorrespeito. Se lhe são negados determinados direitos em uma ordem social, então ele é incapaz de reconhecer-se como um sujeito capaz de formar juízos morais. Nessa forma de desrespeito lhe é negada a imputabilidade moral na mesma medida que os outros membros da sociedade (HONNETH, 2003, p. 216).

E, por fim, no caso da solidariedade, o desrespeito surge nos casos de degradação e ofensa. A “honra” e a dignidade do indivíduo são desrespeitadas. Quando não conquista a autoestima, o indivíduo perde a “possibilidade de se entender a si próprio como um ser estimado por suas propriedades e capacidades características” (HONNETH, 2003, p. 218).

Nesse caso, essa forma de desrespeito subtrai do sujeito a capacidade de sentir-se estimado pela sua importância para a coletividade. O sentimento de vergonha social é a principal expressão desse tipo de ofensa, pois o indivíduo sente-se inferior aos outros membros da sociedade.

Honneth entende que todas essas formas de desrespeito e degradação impedem a autorrealização dos indivíduos. Contudo se, por um lado, o rebaixamento e a humilhação ameaçam identidades, por outro, eles estão na própria base da constituição de lutas por reconhecimento. O desrespeito pode tornar-se impulso motivacional para lutas sociais, à medida que torna evidente que outros atores sociais impedem a realização daquilo que se

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8 entende por bem viver. Dessa forma, ele conclui que a luta por reconhecimento é fundamental para o desenvolvimento moral da sociedade e dos indivíduos.

2 – Reconhecimento e educação

A luta por reconhecimento é motivada pelas experiências de desrespeito ou pelo não reconhecimento de determinadas pretensões de autonomia do sujeito. Ele aprende a ver a si mesmo de modo positivo na medida em que desenvolve suas capacidades e é reconhecido por seus parceiros de interação. No entanto, quando é desrespeitado é passa por experiências de injustiça e humilhação, o sujeito encontra nessas experiências a motivação para lutar pelo reconhecimento.

O sujeito só alcança sua autorrealização ou sua autonomia na medida em que vê suas exigências de reconhecimento atendidas. Dependemos dos outros para constituição da nossa identidade. As experiências de desrespeito são tão perigosas que podem inclusive causar danos físicos e psíquicos irreparáveis à nossa identidade. E isso está relacionado a dependência que todos possuímos de relações de reconhecimento. No seu livro Luta por reconhecimento ele afirma:

É do entrelaçamento interno de individualização e reconhecimento, esclarecido por Hegel e Mead, que resulta aquela vulnerabilidade particular dos seres humanos, identificada com o conceito de “desrespeito”: visto que a autoimagem normativa de cada ser humano, de seu “Me”, como disse Mead, depende da possibilidade de um resseguro constante no outro, vai de par com a experiência de desrespeito o perigo de uma lesão, capaz de desmoronar a identidade da pessoa inteira (HONNETH, 2003, p.213-214).

Quando somos desrespeitados surge o conflito. Esse conflito ocorre porque temos expectativas de reconhecimento que, quando não são atendidas, nos fazem experimentar sentimentos morais de injustiça. Honneth recorre a Dewey para defender que o conflito é um conflito moral porque as experiências de desrespeito estão ligadas a transgressão de normas pressupostas como válidas. Experimentamos sentimentos como vergonha, desprezo, ira e indignação que podem causar lesões significativas em nossa identidade ou podem nos motivar a lutar pelo reconhecimento da vida que julgamos digna de valor.

O conflito é a força moral capaz de impulsionar o sujeito à ação. Experimentar esses conflitos morais entre sujeitos que são interdependentes pode nos levar a lutas por reconhecimento. Contudo, Honneth defende que o conflito torna-se motor de lutas por reconhecimento somente quando os sentimentos de desrespeito transformam-se em base

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9 motivacional para lutas de grupos sociais. É preciso articular os interesses ou expectativas individuais num quadro intersubjetivo.

Buscamos a aprovação para aquilo que fazemos e para as qualidades que nos diferenciam dos outros. No entanto, quando essa aprovação não acontece ou é alvo de humilhação, deixamos de perseguir aquelas atividades que parecem não ter significado.

Ambientes incapazes de reconhecer a importância das atividades dos indivíduos podem bloquear o acesso deles à autoestima, pois esses indivíduos não conseguem pensar em si mesmos como alguém que faz algo com sentido. É preciso que as instituições básicas da sociedade garantam as condições sociais para o reconhecimento recíproco. É preciso proteger os contextos sociais onde ocorrem as conquistas de autoconfiança, autorrespeito e autoestima de toda forma de violação, injúrias ou humilhação.

As instituições educativas, como espaços tradicionais de formação nesse contexto plural e complexo, devem aprender a lidar com os conflitos oriundos do tecido social.

Infelizmente fala-se que se a sociedade vai mal é porque as instituições educativas vão mal.

Ou seja, muitos entendem que a responsabilidade dos problemas que observamos na sociedade é da educação. Devemos, antes de tudo, ter consciência de que a educação não funciona de forma autônoma. Ela é determinada socialmente. De acordo com Honneth, a sociedade que vivemos é uma sociedade capitalista e, como tal, repleta de conflitos5. Assim também são as instituições educativas. Uma teoria da educação não pode ser ingênua de acreditar que as condições objetivas da sociedade não a determinam.

Diferente do que se tornou senso comum, precisamos entender que a educação não condiciona a estrutura social. Na verdade, a educação é que é condicionada pela estrutura social. Só assim, sabendo-se determinada pela estrutura social, que a educação pode agir diretamente sobre o sujeito e esse sobre a estrutura social. A verdadeira pedagogia revolucionária sabe-se condicionada. O que não impede a educação, enquanto elemento determinado, também influenciar o elemento determinante, a estrutura social.

Pensar o processo de socialização sem incluir a ideia de conflito não é possível para Honneth. As instituições educativas, assim como qualquer outra instituição social, estão sujeitas as experiências de desrespeito. Elas precisam estar atentas a esses conflitos e a essas experiências de desrespeito, pois dessas experiências depende a formação da identidade dos indivíduos e o seu acesso à autonomia.

Como a formação de uma identidade autônoma depende do outros, Honneth entende que a autorrealização individual só é possível quando combinada com a autorrealização de

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10 todos os demais membros da sociedade por meio de princípios ou objetivos aceitos por todos.

Nesse sentido, no caso das instituições educativas, é muito importante considerar no processo educativo não apenas o papel do educador, mas também de toda a comunidade para a autorrealização dos educandos. Precisamos construir instituições educativas diferentes:

É preciso construir um espaço público no qual os participantes, no caso os alunos, docentes, gestores e mesmo funcionários da escola, possam exercer o pensamento e usar a palavra a serviço das melhores formas de convivência humana. (...) Julgo ser esta uma das tarefas e obrigações da geração adulta para com as gerações jovens. Mas acrescentaria imediatamente que essa educação não pode ser feita nos moldes tradicionais quando ainda era possível impor aos jovens valores e formas de comportamento, tidos como absolutos e permanentes (GOERGEN, 2010, p. 173).

Se o objetivo é formar cidadãos críticos, democráticos, éticos e autônomos, então o ambiente educativo não pode ser antidemocrático, repressivo e organizado e pensado por burocratas da educação que entendem que o educando não precisa ser ouvido. Precisamos pensar um espaço onde os indivíduos possam experimentar desde cedo os valores que contribuam para sua formação moral. Não podemos perder de vista, como afirma Honneth, que a autorrealização é o resultado de um processo de autoconstituição intersubjetiva.

Dessa forma, a teoria do reconhecimento de Honneth pode servir de contraponto ao individualismo contemporâneo, possibilitando que os nossos educandos experimentem a relação com os outros e com o mundo como algo significativo. Na verdade, ao invés da pedagogia deixar-se orientar por princípios individualistas, ela deveria se orientar pelo princípio da liberdade cooperativa6. Uma pedagogia do reconhecimento exige compreender que a vulnerabilidade humana está representada pela exigência de que autorrealização individual depende da autorrealização coletiva.

Como afirmamos antes, nós vivemos num contexto social e pedagógico contemporâneo marcado por fortes tendências individualistas e hedonistas que, em nome do zelo excessivo por uma determinada forma de liberdade individual, tende a dominar as formas coletivas e solidárias de vida. De outro lado, no horizonte do homem contemporâneo, observamos enormes problemas sociais, políticos e ambientais que obviamente não passam por soluções individualistas, imediatistas e localizadas, mas exigem a reflexão e a tentativa de encontrar soluções coletivas.

Nesse sentido, para Honneth, o grupo se constitui no ambiente concreto de formação para a intersubjetividade, fortalecendo os primeiros laços de cooperação e solidariedade no desenvolvimento intelectual, moral e político do educando. A relação entre reconhecimento e

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11 grupo é fundamental, pois um não pode ocorrer sem o outro: a dependência de experiências de reconhecimento social clarifica porque o indivíduo isolado almeja a ser sujeito como membro em diferentes grupos sociais. Somente na sua relação com o grupo é que o indivíduo pode conquistar valores centrais à sua individuação. Como afirma Honneth, nesta passagem que resume bem a sua tese central sobre a importância do grupo à socialização humana:

O eu busca o nós da vida comum em grupo, porque, mesmo depois de amadurecido, ele ainda depende de formas de reconhecimento social que possuam o denso caráter da motivação direta e da confirmação. Ele não pode manter nem o autorrespeito nem a autoestima, sem a experiência de apoio que se faz através da prática de valores compartilhados no grupo (HONNETH, 2013, p. 77).

Honneth entende que investimos demais em processos educativos organizados de acordo com o padrão do mero ensino de teorias. Ele pensa que a educação contemporânea poderia ser organizada através de atividades práticas de cooperação. É preciso o estabelecimento de práticas em que os jovens possam experimentar o conflito e não coloca-lo para debaixo do tapete. Os professores precisam criar lugares para organizar práticas em que os jovens sejam forçados a enfrentar esses conflitos que muitas vezes são ignorados pela instituição educativas.

Seguidor do também alemão Oskar Negt, Honneth entende que é possível criar instituições educativas em que as práticas devem estar acopladas em alguma forma de trabalho em conjunto. Os jovens devem experimentar a gestão cooperativa de problemas. Só assim serão capazes de perceber que é possível encontrar soluções coletivas para os problemas típicos das sociedades plurais. Mas Honneth nos alerta que não devemos confundir isso com uma educação pelo ou para trabalho.

Honneth entende que tornou-se comum ouvirmos que nesse contexto plural vivemos numa sociedade sem valores. O que, sem dúvida, trata-se de um grande erro. Na verdade, existem valores sim. O consumo de massa é o valor por excelência dessas sociedades. O consumo antes era um aspecto trivial da vida humana. Hoje ele tornou-se a própria razão da existência humana. Com essa passagem, o ser humano passa a ver no consumo o caminho para alcançar a felicidade. Ou seja, o consumismo acaba vinculando novos valores ao corpo social.

Numa sociedade voltada para o consumo, a própria educação se configurou como uma ferramenta para preparar o indivíduo para o mercado. É a educação pelo e para o trabalho.

Trata-se de uma educação altamente tecnicista e cada vez mais acelerada, pois o quanto antes

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12 o educando estiver pronto para assumir o papel de consumidor, será melhor para essa sociedade que colocou o consumo como valor central da vida humana. De acordo com o sociólogo polonês Zygmunt Bauman:

Pode-se dizer que o “consumismo” é um tipo de arranjo social resultante da reciclagem de vontades, desejos e anseios humanos rotineiros, permanentes e, por assim dizer, “neutros quanto ao regime”, transformando-os na principal força propulsora e operativa da sociedade, uma força que coordena a reprodução sistêmica, a integração e a estratificação sociais, além da formação de indivíduos humanos, desempenhando ao mesmo tempo um papel importante nos processos de auto-identificação individual e de grupo, assim como na seleção e execução de políticas de vida individuais (BAUMAN, 2008, p. 20).

Ou seja, a questão não é a ausência de valores, mas a presença de valores que não contribuem para uma sociedade justa, solidária, democrática e emancipada. Nesse sentido, a luta por reconhecimento e o grupo, como princípio metodológico, podem contribuir para transformar a gestão e as estruturas escolares de tal forma que os indivíduos possam experimentar desde cedo os desafios e as conquistas que fazem parte de uma vida verdadeiramente democrática. Se for o nosso desejo formar para democracia, então é fundamental que a criança viva desde cedo na escola os valores e as dificuldades próprias de um regime democrático. Diz Honneth:

Mas, com o ingresso na escola e, sobretudo, mais tarde na vida profissional, cresce muito o círculo daqueles de cuja estima a própria autoestima depende, de modo que, em reação à maior vulnerabilidade, também aumenta o desejo de aprovação e confirmação concretas. Na necessidade de encontrar uma estima passível de ser experimentada diretamente no círculo das pessoas afins, está hoje um, senão o motivo central para a formação de grupos (HONNETH, 2013, p. 77).

As instituições educativas, como instituições básicas da sociedade, devem estar atentas para proteger os indivíduos das vulnerabilidades as quais eles estão sujeitos. Não podemos perder de vista que Honneth entende as relações de reconhecimento recíproco como o caminho necessário para a conquista do mais alto grau de autonomia. Dessa forma, o indivíduo que é desrespeitado nessas esferas do reconhecimento pode sofrer lesões físicas e psíquicas que definitivamente os impeçam de alcançar a emancipação.

A investigação sobre o potencial da Teoria do Reconhecimento7 de Honneth para educação ainda está no início, mas podemos afirmar que ela pode ser muito útil na tentativa de enfrentar os desafios típicos do nosso tempo. Contra o individualismo e a tentativa de forçar a aceitação do outro, ela sugere uma educação capaz de criar um espaço

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13 verdadeiramente democrático. Onde nossas crianças possam crescer não apenas em tamanho e idade, mas, principalmente, possam desenvolver suas potencialidades e aprender a lidar com suas dificuldades. Isso, contudo, só é possível se as instituições educativas, como espaços distintos de formação, contribuírem para que os indivíduos sintam-se verdadeiramente reconhecidos e possam perseguir aquele tipo de vida que determinaram como boa.

NOTAS

1 - Nesta comunicação não tratamos do diagnostico de época, pois a tarefa exigiria mais tempo do que aquele que temos para os fins desta apresentação.

2 - De acordo com Honneth, se inserem nessa tradição Hobbes e Maquiavel.

3 - Para os fins deste ensaio não trataremos de Mead, mas devemos destacar que esse autor é muito importante para a primeira fase da obra de Honneth. No entanto, nos seus últimos escritos ele parece se afastar de Mead.

4 - Durante as últimas duas décadas, Honneth manteve um diálogo com Nancy Fraser que o fez perceber algumas limitações em sua Teoria do Reconhecimento. A principal delas refere- se ao fato de Honneth ignorar casos em que o indivíduo é incapaz de perceber que está sofrendo alguma forma de desrespeito, como é o caso do “escravo feliz”. Honneth, desde a sua obra Sofrimento de Indeterminação, vem tentando responder a Fraser sobre esses tipos de

“falso reconhecimento” ou, como ele chama, reconhecimento como ideologia. Ele mesmo reconhece que se trata de uma tarefa difícil. No entanto, afirma que é possível identificar como formas ideológicas de reconhecimento aquelas que prometem algo que não tem como ser realizado. Servem de exemplo as propagandas em que a aquisição de reconhecimento social depende do consumo de determinados produtos.

5 - Se o Honneth dos primeiros escritos, em especial da Luta por reconhecimento, se afasta um pouco do debate sobre as instituições e se concentra mais na ideia de conflito, o Honneth dos últimos escritos parece se reaproximar de Marx e se interessar mais pelo papel das instituições na formação da identidade dos indivíduos.

6 - A ideia de liberdade cooperativa, que aqui escolhemos não desenvolver, pode ser encontrada no artigo de Honneth intitulado La democracia como cooperación reflexiva. In:

Metapolítica, Cidade do México, v. 5, n.19 p.11-31, 2001.

7 - Não foi tema desse ensaio, mas em seu último livro, Das Recht der Freiheit, Honneth apresenta uma Teoria da Justiça que, segundo ele mesmo reconhece, seria necessário acrescentar a sua Teoria do Reconhecimento para pensar as relações de poder no interior da sociedade. Qualquer pesquisa sobre o potencial dessa Teoria do Reconhecimento para a educação deverá levar em consideração essa revisão feita por Honneth.

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14 Referências bibliográficas

BAUMAN, Zygmunt. Vida para o consumo: A transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. V. 1. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

GOERGEN. P. Educação moral e cultura. In: Estudos de Sociologia, Araraquara, v.15, n.28, p.159-175, 2010.

HALL, Stuart. A identidade cultural da pós-modernidade. Rio de janeiro: DP&A Editora, 2005.

HONNETH, Axel. Crítica del poder: fases em la reflexión de uma Teoria Crítica de la sociedad. Madrid: Editora Mínimo Trânsito, 2009.

______. La democracia como cooperación reflexiva. In: Metapolítica, Cidade do México, v. 5, n.19 p.11-31, 2001.

______. Luta por reconhecimento: A gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo:

Editora 34, 2003.

______. O eu no nós: reconhecimento como força motriz de grupos. In: Sociologias, Porto Alegre, ano 15, n.33, p. 56-80, 2013.

LIPOVETSKY, Gilles. Os tempos hipermodernos. São Paulo: Editora Barcarolla, 2004.

NOBRE, M. Reconstrução em dois níveis: Um aspecto do modelo crítico de Axel Honneth. In: MELO, Rúrion (org.). A teoria crítica de Axel Honneth: reconhecimento, liberdade e justiça. São Paulo: Saraiva, 2013.

Referências

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