XXVI CONGRESSO NACIONAL DO
CONPEDI SÃO LUÍS – MA
DIREITO PENAL, PROCESSO PENAL E
CONSTITUIÇÃO II
HERTHA URQUIZA BARACHO
RENATA ALMEIDA DA COSTA
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D597
Direito penal, processo penal e constituição II [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI
Coordenadores: Hertha Urquiza Baracho, Renata Almeida Da Costa, Thiago Allisson Cardoso De Jesus – Florianópolis: CONPEDI, 2017.
Inclui bibliografia ISBN:978-85-5505-525-6
Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações
Tema: Direito, Democracia e Instituições do Sistema de Justiça
CDU: 34 ________________________________________________________________________________________________
Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito
Florianópolis – Santa Catarina – Brasil
Comunicação – Prof. Dr. Matheus Felipe de Castro – UNOESC
1.Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Encontros Nacionais. 2. Constituição Federal. 3. Tutela Penal. XXVI Congresso Nacional do CONPEDI (27. : 2017 : Maranhão, Brasil).
Universidade Federal do Maranhão - UFMA
XXVI CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI SÃO LUÍS – MA
DIREITO PENAL, PROCESSO PENAL E CONSTITUIÇÃO II
Apresentação
Ambiência de riscos, incertezas e paradoxos, a contemporaneidade brasileira é marcada pela
efervescência de diversos paradigmas e teorias, influências notáveis para as políticas
criminais, (re)dimensionadas a partir de interesses e racionalidades, alguns declarados e
outros implícitos, que se desdobram na forma como o Estado, estrutura-estruturante, lida com
os problemas penais aqui experimentados, compatibilizando-se com os preceitos
constitucionais e de base garantista-humanitária.
Nessa senda, afigura-se a presente obra coletiva como instrumento fecundo para publicização
de pesquisas científicas, reunindo os artigos submetidos e aprovados ao Grupo de Trabalho
Direito Penal, Processo Penal e Constituição II para apresentação no XXVI Congresso
Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito, realizado no
período de 15 a 17 de novembro de 2017, na linda Ilha de São Luís, no Estado do Maranhão,
com esmero organizado a partir da cooperação entre a Universidade Federal do Maranhão e a
Universidade Ceuma, com o tema "Direito, Democracia e Instituições do Sistema de Justiça".
Na pauta, a dogmática jurídica-penal, as necessárias reflexões zetéticas bem como a
reflexividade garantista para (re)pensar institutos, discutir tendências, analisar o
processamento criminal como expressão da mão forte do Estado e discutir (in)
compatibilidades com a Constituição nessas quase três décadas de construção permanente de
um dito Estado Democrático de Direito para o Brasil, marcado por históricas desigualdades
sociais, estruturais e veladas.
Nesse sentido, as discussões, no viés do gênero, acerca do direito ao próprio corpo e a tutela
penal do aborto; os paradigmas penais e o instituto visionário da Criminal Compliance; a
relevância do planejamento familiar como instrumento de prevenção às práticas abortivas; as
análises acerca dos descompassos na efetivação de um Direito Penal Juvenil no que refere-se
à instrumentalização cível na fase recursal a partir de pesquisas empíricas realizadas; as
contextualmente situadas reflexões acerca da força normativa da Constituição e o arcabouço
jurídico-fundamental como centro (e núcleo irradiante) do Ordenamento Jurídico Penal bem
como o contributo da obra de Vives Antón para as novas percepções (e concepções) sobre a
conduta humana, aplicando-se as diversas expressões das ciências penais corroboraram,
indubitavelmente, com a diversidade e profundidade dos temas – e dilemas – aqui tão bem
Por conseguinte, as necessárias inferências acerca da atuação do Supremo Tribunal Federal
na mitigação do Estado de Inocência, considerando sua historicidade e o núcleo essencial da
garantia fundamental em comento; a (in)efetividade da tutela penal ante os discursos do ódio;
as questões controvertidas acerca da audiência de custódia no Brasil; a negação ontológica e
as incompatibilidades constitucionais a partir da teoria e adoção do Direito Penal do Inimigo;
os descompassos entre a teoria de Luigi Ferrajolli e a lógica perversa da colaboração
premiada no processo penal brasileiro; e as considerações a respeito da dignidade humana a
partir de Ronald Dworkin para o contexto do Direito Penal fomentaram as discussões de uma
tarde tão fecunda da reunião desse Grupo de Trabalho.
Ademais, contributos sobre as nuances do plágio como ofensa ao direito moral do autor, cuja
proposta de descriminalização é analisada sob a luz dos princípios da intervenção mínima e
da adequação social; as análises acerca da aplicabilidade da Teoria das Janelas Quebradas
como um meio para o controle da criminalidade no Brasil; e as discussões sobre os
ciberataques na atualidade e os limites do poder punitivo na tipificação de crimes
informáticos.
Em suspense, também, questões sobre a Criminologia Cultural e as concepções relacionais
entre crime e cultura na dicotomia da teoria do consenso e do conflito; a (in)visibilidade do
cárcere feminino; os efeitos do reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional para o
caso brasileiro a partir da ADPF 347.
Reunindo pesquisadores por excelência, vinculados às diversas Instituições de Ensino
Superior - públicas e privadas, nacionais e estrangeiras; a presente obra que ora apresentamos
demonstra a qualidade da pesquisa jurídica no Brasil bem como a audácia, o rigor científico e
a vivacidade de seus autores em enfrentar temas necessárias para compreender,
reflexivamente, os tempos atuais.
De fato, pesquisar exige cuidados, sobretudo quando a pesquisa chega ao seu ápice! É nesse
momento, então, que precisamos deixá-la ir, sem apegos e sem vaidades, inserindo-a no
mundo concreto, real, carente de discussões, no qual a Academia, por meio de lutas e
resistências, cumprirá o seu desiderato!
Avante!
Prof. Dr. Thiago Allisson Cardoso de Jesus (Universidade Ceuma/ UEMA/
Profª.Dra. Hertha Urquiza Baracho (UNIPÊ)
Profª Dra. Renata Almeida da Costa (UNILASSALLE)
Nota Técnica: Os artigos que não constam nestes Anais foram selecionados para publicação
na Plataforma Index Law Journals, conforme previsto no artigo 7.3 do edital do evento.
1 Mestrando em Direito Público na Linha Tutela Penal da Ordem Econômica (UFBA). Especialista em Direito Público (UCAM). Especialista em Ciências Criminais (Faculdade Baiana de Direito). Advogado e membro do IBCCRIM.
2 Mestrando em Direito Público na Linha Tutela Penal da Ordem Econômica (UFBA). Especialista lato sensu em Direito Processual Penal (JUSPODIVN). Bacharel em Direito (UESC). Advogado.
1
2
CRIMINAL COMPLIANCE E A MUDANÇA NO PARADIGMA PENAL.
CRIMINAL COMPLIANCE AND THE CHANGE IN THE CRIMINAL PARADIGM.
André Luiz Rapozo de Souza Teixeira 1 Marcos Camilo Da Silva Souza Rios 2
Resumo
O presente artigo tem como desiderato analisar o instituto do Criminal Compliance como
resposta às novas demandas oriundas da sociedade de risco, a mudança de paradigma no
Direito Penal e a adoção de padrões preventivos no combate ás novas criminalidades,
especialmente os desvios empresariais. Por se tratar de objeto de estudo pouco abordado
doutrinariamente e com não numerosas fontes de pesquisa, o tema em testilha provoca anseio
na busca para o seu deslinde. A pesquisa tem natureza teórico-bibliográfica, adotando o
método descritivo-analítico que instruiu a análise da legislação e da doutrina que nos informa
os conceitos de ordem dogmática.
Palavras-chave: Criminal compliance, Autorregulação, Gerenciamento de risco,
Compliance officer, Mudança de paradigma
Abstract/Resumen/Résumé
The purpose of this article is to analyze the Criminal Compliance Institute in response to new
demands from the society of risk, the paradigm shift in Criminal Law and the adoption of
preventive standards for new criminality, especially corporate crime. Because it is an object
of study that has not been approached doctrinally and with numerous sources of research, the
topic in the text provokes longing in the search for its demarcation. The research has a
theoretical-bibliographic nature, adopting the descriptive-analytical method that instructed
the analysis of legislation and doctrine that informs the concepts of dogmatic order.
Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Criminal compliance, Self-regulation, Risk
management, Compliance officer, Paradigm change
1
INTRODUÇÃO
Na análise e compreensão da definição de sociedade global, nascem vários
questionamentos relativos aos quais o estudo jurídico deve se fundar. Importante frisar, que no
plano penal, a complexidade das relações, mormente as atreladas à atividade econômica e ao
surgimento de novas modalidades tecnológicas, ocasionaram, ao longo dos anos, um aumento
das capitulações típicas, em especial, no âmbito empresarial.
Os benefícios oriundos do avanço tecnológico trouxeram consigo, como fruto de uma
sociedade pós-industrial, a noção de riscos, que se relacionam com eventos futuros e previstos,
potencialmente evitáveis ou mitigáveis.
Diante deste cenário, adeptos da modernização do Direito Penal, propugnam o
alargamento do modelo clássico de criminalidade, com foco na delinquência individual, para
uma perspectiva voltada a criminalidade coletiva, bem como à tutela de bens jurídicos
intangíveis e supraindividuais, a exemplo da ordem econômica, a qual está inserida a atividade
empresarial.
Ante um Estado cujos tentáculos repressores se alargam, se mostra evidente a
preocupação, especialmente na seara empresarial, de se prevenir eventual responsabilidade
penal.
Nesse contexto, o instituto do Compliance surge estabelecendo a adoção de
comprometimento por parte das pessoas jurídicas, a fim de que estas, através da autoregulação
regulada, se tornem responsáveis por fiscalizar internamente práticas indevidas relacionadas a
sua atividade, prevenindo assim, a criminalidade.
O Criminal Compliance, portanto, exige uma mudança de paradigma, volvendo o
Direito Penal, de uma perspectiva predominantemente ex post, para um ponto de vista ex ante,
com o desiderato de prevenir o cultivo de um evento delitivo e de uma possível
responsabilização penal.
Ante o exposto, o presente trabalho tem como objetivo fundamental o estudo do
instituto do Criminal Compliance e a mudança no paradigma penal em tal contexto, que provém
da necessidade de adaptação do exercício empresarial ao conjunto de normas penais que regem
estas atividades, especialmente aquelas mais suscetíveis de encontro com a criminalidade
econômica.
Pela reflexão pretérita, e para uma melhor compreensão, partiremos da premissa que
nossos órgãos sensoriais podem nos enganar, empregaremos para tanto, o método cartesiano,
que será uma das fontes da pesquisa, consistindo no ceticismo metodológico, pois, só se pode
dizer que existe aquilo que possa ser provado1.
Outrossim, o método utilizado para a realização do trabalho será o descritivo-analítico,
com uma abordagem de categorias consideradas fundamentais para o desenvolvimento do tema.
Os procedimentos técnicos empregados para coleta de dados serão a pesquisa bibliográfica, a
doutrinária e a documental.
O levantamento bibliográfico fornecerá as bases teóricas e doutrinária a partir de livros
e textos de autores referenciados, tanto nacionais como estrangeiros. Ainda no que se refere ao
enquadramento bibliográfico, utilizar-se-á da fundamentação dos autores sobre determinado
assunto, o documental articula materiais que não receberam ainda um devido tratamento
analítico.
A fonte primeira da pesquisa é a bibliográfica, que instruiu a análise da legislação
constitucional e infraconstitucional, bem como a doutrina e a jurisprudência que nos informam
os conceitos de ordem dogmática.
1 DEMOCRATIZAÇÃO DOS RISCOS E NECESSIDADE DE SEU
GERENCIAMENTO
Em que pese o desenvolvimento tecnológico ter trazido consigo uma gama de
benefícios, há de se ressaltar que, atrelado aos avanços, sobrevieram uma série de temores e
ameaças aos quais a sociedade está vulnerável. Tais ameaças derivam da ideia de risco, que não
se confundem com danos já concretizados, vez que, relacionam-se ao futuro. São, portanto, os
riscos, a antecipação de infortúnios, dotados de previsibilidade e probabilidade de ocorrência.
(TAMBORLIM; SANTANA, 2015, p. 4)
Ulrick Beck criador da teoria da sociedade de risco, possui como ponto nevrálgico de
sua obra a ideia de que a sociedade industrial, caracterizada pela produção e distribuição de
bens, deslocou-se para a sociedade de risco, tornando a distribuição dos riscos não
correspondentes às diferenças sociais, geográficas e econômicas típicas da primeira
modernidade (BECK apud GUIVANT, 2001, p. 95).
Consoante BECK, a sociedade do risco é estabelecida por três características, a saber:
a) os ofendidos não são determinados por critérios espaciais, temporais ou pessoais; b)
1 DESCARTES, René. Discurso do Método. Tradução: Maria Ermantina Galvão. Revisão da Tradução: Monica
impossibilidade de imputação conforme as regras vigentes sobre causalidade, culpabilidade e
responsabilidade; c) não são objeto de um seguro (BECK apud SANCHEZ, 2011, p. 27).
É verdade que vivemos em uma sociedade complexa, em que o risco encontra-se em
todos os lugares, atingindo a todas as atividades de forma indiscriminada (LOPES JUNIOR,
2004, p. 49).
Os novos riscos, nesse contexto, assumem um efeito social circular, porquanto, cedo
ou tarde, o culpado se torna vítima e, o causador das ameaças, também será atingido por elas.
Tanto ricos quanto pobres, devido à democratização dos riscos, estão suscetíveis aos danos que
tais ameaças podem produzir (TAMBORLIM; SANTANA, 2015, p. 6).
Dita sociedade assenta-se na complexidade, dinamicidade econômica,
transnacionalidade, multiplicidade de interconexões causais e existência de alta intervenção da
coletividade. Nessa sociedade, de elevado avanço tecnológico e científico, acentuado pela
globalização dentre outros fatores, há o favorecimento da aparição de novos perigos, ante os
quais o cidadão médio sente ameaçado (DÍAZ, 2014, p. 2).
Entende-se, contudo, que de início, os riscos nem sempre foram perceptíveis. Devido
ao otimismo em relação ao avanço técnico-científico os riscos gozavam de certa invisibilidade.
Ocorre que, episódios trágicos amplamente divulgados pelos meios de comunicação, como o
caso do desastre nuclear em Chernobyl, acabaram por transportar a lógica de uma sociedade
onde os riscos eram imperceptíveis, para um contexto de alargada visibilidade (TAMBORLIM;
SANTANA, 2015, p. 4-5).
Inconteste é que, a mídia desempenha uma função propagadora e de reforço relativa
aos pensamentos de medo, transmitindo imagens oblíquas da realidade, que geram percepções
irreais ou sensação de impotência. Cria-se, portanto, uma sensação de insegurança subjetiva
maior que o risco objetivo, estabilizando medos preexistentes. (SILVA SANCHEZ, 2013, p.
39-40).
Na explanação de Silva Sanchez (2013, p. 37), a participação midiática gera uma
insegurança sentida que não corresponde de modo exato ao nível de existência objetiva de
riscos, sendo assim “más bien puede sostenerse de modo plausible que, por muchas y muy
diversas causas, la vivencia subjetiva de los riesgos es claramente superior a la propria
existência objetiva de los mismos”. Como conseqüência, busca-se um alargamento da tutela
penal de forma a finalizar a angústia oriunda da sensação de insegurança.
Há de se falar, também, no medo do crime, porquanto o tema, objeto da atenção e
pesquisa criminológica, mescla-se, confunde-se, com o sentimento de insegurança
generalizado. Ressalta-se, ainda, que a sociedade de risco, nutre uma maior percepção dos
riscos difusos descendentes das novas formas de manifestações delitivas. (CÂMARA, 2008, p.
226).
O que se deve perceber, contudo, é que o medo do crime, per se, não produz uma
política criminal descompromissada com os fundamentos do Estado de Direito material, mas
pode, e isso é em grande escala, servir de pretexto para tanto. (CÂMARA, 2008, p.229). As
dificuldades atinentes ao tema, a bem da verdade, são potencializadas pela interferência ou
ruído dos meios de comunicação em massa, que desempenham um importante papel na
promoção do medo. (CÂMARA, 2008. p. 232).
Com efeito, a democratização dos riscos, bem como a crescente sensação de
insegurança, atrelada ao medo do crime, ensejam a necessidade de gestores de riscos que
objetivem a diminuição das ameaças à níveis suportáveis (TAMBORLIM; SANTANA, 2015,
p.11).
Ciente da existência dos riscos e de seu crescimento, intrínseco à uma civilização
tecnológica, a sociedade hodierna passa a buscar com considerável urgência, técnicas de
mensuração e gerenciamento de ameaças, a fim de evitar ou paliar consequências catastróficas.
Dessa preocupação, por exemplo, derivam princípios como a precaução e a prevenção
(CAMARGO; BOM; FURLAN, 2015, p. 277).
De outra banda, ante o crescimento da insegurança e do medo, o direito penal na sua
concepção liberal tem sofrido embates do atualmente difundido “moderno” Direito Penal, cujo
foco principal é a tutela de bens difusos, transindividuais. Acirradas discussões podem ser
ouvidas a respeito do efeito desse expansionismo penal, típico da sociedade de Risco.
Resta ainda ressaltar que, em virtude de o Estado mostrar-se inapto para gerir todos os
riscos inerentes à essa sociedade de riscos, tal tarefa tem sofrido, em certa medida, uma
democratização. Nesse sentido, percebe-se que não cabe apenas ao poder persecutório estatal,
através do Direito Penal ou do próprio Direito, a gestão dos riscos, havendo, em parte, uma
transmissão da gestão aos particulares (TAMBORLIM; SANTANA, 2015, p. 12).
2 O CRIMINAL COMPLIANCE
O conceito de Compliance possui uma carreira um tanto quanto vertiginosa. Não faz
muitos anos que esse termo era em grande parte desconhecido. Salienta-se que, os
entendimentos relativos ao instituto ou ao termo, não se restringem aos estudos jurídicos. A
ao tratamento, cuja cura está condicionada a uma cadeia de comportamentos cooperativos
(ROTSCH, 2012, p. 2).
Oriundo da língua inglesa, Compliance remonta ao termo to comply, denotando
cumprimento, ação em conformidade, revestir de regularidade à ação, respeitando regras
atinentes à um determinado ordenamento jurídico (DIB; LIMA, 2015, p. 238).
Segundo Ádan Nieto Martín (2013, p. 23), o termo “cumprimento” é um dos mais
vagos e inexpressíveis que existem, expressando apenas o evidente, a saber, atuar em
conformidade com a legalidade, entendendo, também, por legalidade, o cumprimento de
obrigações civis e diretrizes internas da empresa. Malgrado tal simplicidade conceitual,
conforme salienta Martín, há algo extraordinariamente rico e complexo ao redor do conceito,
quando relacionado com a atuação dos programas de cumprimento além do ordenamento
jurídico e no seio das empresas.
Na lição de Ivó Coca Vila (2013, p.51), tal instituto alude a forma de regulação estatal
do mundo empresarial, caracterizada pela “incorporación del ente privado em el processo de
regulación pero de forma subordinada a los concretos fine o intereses públicos
predeterminados por el Estado. ”.
A co-regulação estabelece a instituição de programas de Compliance, ou
comprometimento, que, consiste em comprometimento da empresa com o cumprimento do
ordenamento jurídico, através da instituição de código de conduta ético interno (FIGUEIREDO,
2015, p. 117). Expõe Rudá Figueiredo (2015, p. 117) que o desiderato do comprometimento é
“alcançar tal finalidade, através da proibição de condutas arriscadas e estruturação de cultura
ética na empresa, apurando os comportamentos desviados e os sancionando”.
Para Thomas Rostch, estar comprometido é “to be in compliance with he Law”
(ROTSCH, 2012, p. 2). Como destaca Renato de Melo Jorge Silveira (2015, p. 72), trata-se de
uma autogestão empresarial, como um reforço à pessoa jurídica não cometer ilícito. A missão
do compliance é mitigar riscos dentro de uma instituição através normas de controle, gerindo
riscos operacionais e minimizando riscos e perdas (BRAGA DA SILVA, 2011, p. 120).
É de bom alvitre estabelecer a distinção entre organização e Compliance, enfatizando
que, não é tarefa das mais fáceis, uma vez que, os códigos de ética ou programas de
cumprimento do Direito, se espraiem por toda a organização, atividade e funcionamento da o
ente. Sobre a distinção, vejamos o que escreve Teresa Quintela de Brito (2014, p. 79-80):
As regras de organização da pessoa jurídica são as que estabelecem competências, papéis, funções, procedimentos, políticas ou objectivos de produção de bens ou serviços e de contratação de pessoal, metas ou tectos de
produção, metas de redução de custos e de aumento de benefícios, etc. Nelas está em causa a organização e funcionamento quotidianos da pessoa colectiva para o desenvolvimento da sua específica actividade económica.
Diferentemente, as regras de Compliance ou de “bom governo corporativo”, i. e., os códigos éticos empresariais ou programas de cumprimento do direito, incidem sobre a organização já existente e destinam-se a criar garantias de que essa organização não será criadora de riscos para os bens jurídicos, através de condutas dos seus membros ou colaboradores.
Ressalta-se que, a ideia de comprometimento está atrelada a qualquer ramo do direito,
indistintamente. Entretanto, devido à complexidade das relações sociais, em especial, as
oriundas da sociedade de risco e do já mencionado avanço tecnológico, houve, entre os
estudiosos do direito penal e adeptos da concepção de uma ciência criminal apta a tutelar as
novas ameaças, a análise da figura do Criminal Compliance.
Philip Wellner citado por Bruno Tadeu Buonicuore (2012) estabelece de forma clara
o conceito de Criminal Compliance. É o que se vê, in verbis:
Um conjunto de mecanismos internos de gestão, implementados pelas empresas para detectar e prevenir condutas criminosas que venham a ocorrer dentro da corporação. Tal espécie de programa desempenha um importante papel no que diz respeito à lei criminal, sobretudo em âmbito federal.
Constituem-se, em suma, de ações de caráter preventivo no seio da empresa, com o
fito de evitar possíveis persecuções criminais de seus agentes, e, consequentemente, da própria
pessoa jurídica. A busca pela prevenção, objetiva, também, evitar riscos às operações
empresariais provenientes de um eventual processo penal, prisões dos agentes, mandados de
busca e apreensão e mácula na reputação, que acabam por desencadear diversos prejuízos
financeiros (BUONICORE, 2012).
Como elementos essenciais, relativos à estrutura organizacional de aplicação do
programa de Criminal Compliance, têm-se um código de conduta interna, cujo escopo é
influenciar a cultura de obediência às normas penais, um departamento estruturado para o
programa, independente, dotado de atribuições diversas e suficientes para o desenvolvimento
de suas atividades fiscalizatórias e investigativas no seio da empresa, além de um agente
responsável pelo programa, que, caso possível, deve estar ligado aos níveis mais altos da
empresa. (BUONICORE, 2012).
O criminal Compliance surge como fruto da necessidade de regulação dos serviços
econômicos, destinando-se à prevenção da responsabilidade penal das empresas, direção,
colaboradores e empregados. A atual conjuntura econômica, lastrada nas ideias de
competitividade, desconfiança e vigilância, traz consigo a necessidade de se reforçar a
fidelidade com o Direito. No plano nacional, a lei 9.613/98, com redação dada pela lei
12.683/12, introduziram verdadeiros deveres de compliance, que devem ser cumpridos pelas
pessoas físicas ou jurídicas indicadas no art. 9º. (CABRERA, 2015, p. 126-127).
Da análise da nova redação legal, relativa aos crimes de lavagem de capital,
percebe-se que os deveres impostos as pessoas para o cumprimento de obrigações, cujo objetivo é
prevenir crimes no interior das empresas, implicam nitidamente em uma verdadeira instituição
de Compliance, mesmo que a lei não tenha expressamente utilizado o termo. (CABRERA,
2015, p. 128).
Na lição de Benedetti (2014, p. 75), ao se tratar de compliance, claramente se quer
referir aos sistemas de controle internos de uma instituição que ensejem o esclarecimento e a
segurança aos que utilizam ativos econômico-financeiros para gerenciar riscos e prevenir a
realização de eventuais operações ilegais, que dão ensejos a eventuais desfalques, não somente
nas empresas, mas, também, nos seus fornecedores e clientes.
Sobre o tema, pontua Renato de Melo Jorge Silveira e Saad Diniz (2015, p. 64-65):
Com o surgimento nos Estados Unidos da América do Norte, os compliance
programs têm, em sua origem, claro propósito de prevenção de delitos
econômicos empresariais através de uma corregulação estatal e privada, estabelecendo o que Sieber denomina de sistemas autorreferenciais de autorregulação regulada, modalidade particular da própria autorregulação. Com base em códigos de conduta empresariais, autores como Navas Mondaca mencionam que tais códigos (que se mostram como pano de fundo de toda a questão do criminal compliance) são reais produtos dos processos de autorregulação vista como uma autoimposição voluntária de santandards de conduta por parte dos seus organizadores e dos próprios indivíduos. Na realidade estadunidense a estipulação de compliance programs visa, fundamentalmente, a avaliação do grau de responsabilidades empresariais através das chamadas Guidelines for Sentencing Organizations. Mas não só. Existe uma verdadeira plêiade de possibilidades de sua utilização, sempre, contudo, com o objetivo claro de evidenciar um caráter preventivo ao cometimento de crimes.
Nessa senda, a empresa que objetive evitar a responsabilização penal e a minoração
dos riscos, com o escopo de preservar a sua imagem e credibilidade, estabelecerá uma gama de
comportamentos a serem exigidos dos colaboradores, bem como membros da empresa. Por
decorrência do narrado, os compliance officers serão os profissionais responsáveis pelo controle
interno da corporação, assumindo o dever de vigilância do cumprimento das regras do
Compliance (CABRERA, 2015, 129).
3.1 A figura do Compliance officer
Os compliance officers são administradores ou trabalhadores com função de controlar
problemas organizacionais concretos, relativos ou não a eventual conduta incorreta de outros
trabalhadores. Cabe a eles a “função de duplo asseguramento”, operando como uma barreira
adicional com a função de evitar “out puts” lesivos à empresa. Fala-se em duplo segurança,
porquanto o controle de riscos é deferido a quem gere as situações potencialmente arriscadas e,
ainda a terceiros, existindo duas instancias de controle que se complementam (BRITO, 2014,
p. 87).
Segundo Bernardo Feijoó Sanchez citado por Brito (2014, p. 87), na designação de
Compliance officers não está posta em pauta uma repartição de tarefas e competências como
meio de melhorar a atividade da empresa, mas, anterior a isso, busca-se efetivar um sistema
complementar de segurança, apartado da divisão vertical e horizontal de trabalho, estando
presente, na visão do autor, um sistema de delegação de controle, não de tarefas. Nesse sentido,
permanece a responsabilidade e a figura de garante em comissão por omissão dos
administradores, mesmo com a ocorrência de designação dos Compliance Officers.
A figura do Compliance officer advém da ideia de delegação, tão comum ante a
crescente complexidade adquirida pelas corporações nas ultimas décadas. Sobre o tema,
vejamos:
Mas a crescente complexidade das corporações há décadas tornou comum a delegação, a várias pessoas (dentre elas os hoje denominados compliance
officers), da função de desenvolvimento de um programa de controle interno,
compreendendo a seleção, o cuidado, o treinamento e o controle dos funcionários (de parte) da posição de garante originária, como modo de assegurar a regular execução de sua atividade social e tornar exeguível a fiscalização adequada das tarefas de todos. (SCANDELARI, 2015, p. 174).
Há de se ressaltar, contudo, conforme salienta Scandelari, (2015, p. 175), que o dever
de agir, em caso de conhecimento de riscos, e de corrigir desvios, não pode ser delegado por
completo. A incorporação, por parte do Compliance officer, de um programa efetivo de
compliance, pode dar ao delegante, no caso, o empresário, o dever primário de estabelecer
mecanismos idôneos para supervisionar os riscos de infração penal.
Pontua Jesus-Mária Silva Sanchez (2013, p. 103) que, a posição do Compliance officer
programa de compliance, mas geri-lo e corrigi-lo ante a presença de indícios de que não
funciona.
Sobre o dever de vigilância, também chamado de dever de supervisão, é o que possui
o diretor sobre os subordinados que eventualmente possam gerar riscos a terceiros externos a
empresa. O Compliance Officer, como garante de vigilância, pode responder pela autoria de
uma omissão plenamente relevante. (SCANDELARI, 2015, p. 177-178).
Entende-se que, a vigilância não reivindica ser permanente e de total revisão de todos
os atos dos subordinados. Adequado é que, se efetive um sistema de inspeção e transmissão de
informações periódicos, exercidos pelo Compliance officer ou por um órgão criado no seio da
empresa e por ele gerido. Com tal prática, substitui-se o critério da desconfiança, segundo o
qual o empresário presume a ocorrência de falhas no comportamento de seus subordinados e
adota postura ativa de busca de indícios, pela confiança, através do qual o empresário ou
Compliance officer, por saber que fez adequados trabalhos relativos ao compliance program,
não se põe à busca de falhas, mas espera de forma vigilante, conhecê-las, caso passem a existir.
(SCANDELARI, p. 178).
Ainda sobre os deveres do Compliance officer, salienta Scandelari (2015, p. 185-186):
Quanto à possibilidade de delegação de obrigações de garante, o delegante de vigilância, de todo modo, sempre deve preservar o seu compromisso de manter um protocolo para ser informado regularmente pelo terceiro (delegado), sobre o desenvolvimento de atividade que lhe foi outorgada. E o delegado de vigilância terá, basicamente, dois deveres: o de obter conhecimento e o de denunciar, pela transmissão (escalonamento) da informação obtida ao responsável por seu adequado tratamento. O ideal seria que essa delegação (bem como a própria atuação do garante, em geral) se desse com base no princípio da confiança, que deve reger as boas relações interpessoais.
Malgrado o entendimento levantado por Scandelari e mencionado alhures, relativos ao
princípio da confiança, Bernardo Feijoó Sánchez citado por Brito (2014, p. 87), assevera que,
ao contrário do que se vigora nas relações de trabalho, tal princípio não se aplica na relação
entre os administradores e o Compliance officer. Pode-se falar, segundo o autor, que as
competências e atribuições partem da desconfiança, a exemplo dos auditores internos de contas
ou da gestão de riscos empresariais, que não possuem a obrigação de partirem do princípio de
que as informações escritas e fornecidas estão corretas.
3.2 Compliance Criminal e a mudança no paradigma Penal
Ante as questões levantadas, atinentes às novas ameaças, que demandam uma postura
atuante por parte do Direito, em especial, para boa parte da doutrina, do Direito Penal, nota-se
que, tal ramo jurídico, máxime em relação aos programas de Criminal Compliance, tem sofrido
uma verdadeira mudança de paradigma.
Paradigma é o termo utilizado por Thomas Khun (1992, p.13) para referir-se ao
conjunto de avanços científicos reconhecidos universalmente que, por algum tempo, oferecem
problemas e soluções que servirão de modelo para uma comunidade de pesquisadores.
Para o autor, as ciências evoluem através de paradigmas. É por meio deles que a
comunidade científica busca respostas para problemas por ele mesmo colocados. São, portanto,
os paradigmas, pressupostos das ciências. Ao fomentar leis, teorias, explicações e aplicações, a
prática científica criam moldes que fomentam as tradições científicas (KUHN, 1992, p. 13).
Segundo Kuhn (1992, p. 24), os cientistas que compartilham de um mesmo paradigma
estão compromissados com os mesmos padrões e regras estabelecidos pela prática científica.
Afirma, ainda, o autor que, “A ciência normal, atividade na qual a maioria dos cientistas
emprega inevitavelmente quase todo seu tempo, é baseada no pressuposto de que a comunidade
científica sabe como é o mundo”.
Ainda em relação ao conceito de paradigma propugnado por Kunh (1992, p. 69), a
existência de um paradigma não precisa, necessariamente, implicar na existência de um
conjunto pleno de regras. Significa dizer que a ciência possui um caráter bastante instável e,
muitas delas não guardam coerência entre suas partes. Basta observar que, havendo revoluções,
estas podem afetar a ciência no todo ou em parte. A instabilidade da ciência, aduz Kuhn, gera
uma impossibilidade de padronização dos paradigmas.
Tieveron (2014, p.121), sobre o tema, menciona que, a mudança de paradigma
consiste em uma passagem epistemológica radical e não apenas o transito de uma opção teórica
para outra. Vejamos:
Um paradigma domina uma disciplina científica, impondo sua matriz conceitual e suas estratégias cognitivas para a solução de várias questões. À proporção que se desenvolve e amadurece, ele revela incapacidades ocasionais para enfrentar novas vicissitudes. As respostas produzidas ao longo das pesquisas não correspondem mais às expectativas da comunidade científica. O paradigma é, então, deflacionado ou abandonado quando estudiosos instigados começam a procurar novas fórmulas e soluções. Não se trata simplesmente da passagem de uma opção teórica para outra, mas de uma mudança epistemológica radical.
A ruptura de paradigma, portanto, oportuniza, de acordo com a autora, uma forma
tradicionais de explicar e interpretar eventos. Não se pode olvidar, contudo, da existência de
conflitos e resistências, vez que, não apenas as formas de lidar com os problemas são
questionadas, mas, também, trabalhos dos cientistas e profissionais até então tidos como
detentores do conhecimento legítimo também o são. (TIVERON, 2014, p. 121-122).
No plano da criminologia, um exemplo de mudança paradigmática foi a virada
criminológica ocorrida nas décadas de 1940 e 1950, com a publicação dos estudos
criminológicos de Edwuin Sutherland, intitulado “White Collar Crime”, que desestabilizou a
estrutura do pensamento criminológico positivista da época. (TIVERON, 2014, p.124).
Através da teoria da Associação diferencial, Sutherland inicia uma revolução no objeto
da criminologia, pois, o foco da pesquisa passa, pela primeira vez, aos indivíduos integrantes
das classes sociais mais elevadas (NEVES, 2011, p. 55). O delinquente do colarinho branco
consiste em “persona com elevado status socioeconómico que viola las leyes destinadas a
regular sus actividades profesionales” (SUTHERLAND, 1999, p. 330) sendo que, o fator
comum ao fenômeno da criminalidade, independente da classe, é a aprendizagem, porquanto, a
conduta criminal se aprende como qualquer outra conduta (SUTHERLAND, 1999, p. 312).
Sobre a obra de Sutherland e a noção de delinquência como aprendizado bem como o
tratamento estatal dado a este tipo de delito, convém citar as importantes colocações de
Saavedra e Buonicore (2013, p. 167):
Para Sutherland, esse processo de aprendizagem da delinquência explicaria como as fraudes, típicas do mundo empresarial, são absorvidas rapidamente pelo homem que adentra nesse contexto. O sujeito que ingressa no mundo das corporações, para o autor, ou absorve o comportamento desviante ou perde a competitividade e não se sustenta no grupo. Esse processo de aprendizagem, desenvolvido por Sutherland, livre de conotações patológicas e semelhante a qualquer outra forma de aprendizado, daria conta de explicar a etiologia de todos os tipos de crimes, em contraposição às teorias vigentes que ignoravam os crimes dos sujeitos abonados socialmente. Esses crimes, praticados por sujeitos bem posicionados socialmente, no exercício de suas atividades empresarias, receberia o nome de “crimes do colarinho branco”. O autor vai nos explicitar que, em que pese tenha sido demonstrada a grande quantidade existente desse tipo de delito, os seus autores dificilmente vão sofrer a persecução criminal e quase nunca vão acabar em estabelecimentos de execução penal. Sutherland aponta para um tratamento diferenciado do sistema penal em face dos “crimes do colarinho branco”, existindo uma espécie de filtro em relação aos criminosos, provenientes das altas camadas sociais. Estes seriam imunes ao estigma de “delinquentes”, que recairia, invariavelmente, sobre aqueles desabonados e marginalizados socialmente, posicionados nos estratos sociais mais baixos.
A atenção do estudo criminológico volta-se para as ditas “cifras negras” da
criminalidade, que na lição de Molina (MOLINA, 2003, p. 265), aludem a um quociente que
expressa a relação entre o número de delitos efetivamente cometidos e os delitos
estatisticamente refletidos. Nota-se, através do breve relato histórico, a mudança no perfil do
criminoso em matéria penal econômica e dos bens jurídico a serem tutelados, e, portanto, uma
mudança no paradigma penal até então vigente.
Diante do exposto, entende-se que, a busca por novos paradigmas penais surgem
sempre que há uma demanda pelo desenvolvimento de uma nova cultura, resistente às práticas
simplificadoras de combate à criminalidade, seja esta representada pela violência estatal em
resposta à violência do ofensor, ou, noutra banda, a permissividade que impede a
responsabilização do infrator. (TIVERON, 2014, p. 126).
Valendo-se dos conceitos alusivos ao paradigma, bem como as explanações atinentes
à mudança de paradigmas, é de fácil percepção que, instituto do Criminal Compliance, nesse
contexto, evidencia-se como instrumento de superação paradigmática no plano penal, na
medida em que, basicamente, demonstra a transposição de uma perspectiva ex post, repressiva,
voltada a uma resposta posterior a ocorrência do delito, para um ponto de vista ex ante, pautada
na orientação e antecipação de potenciais delitos penais, decorrentes das atividades
corporativas. (SILVEIRA; SAAD-DINIZ, 2015, p. 20-21).
Nota-se que, antecipar possíveis condutas delitivas e configurar ambientes de controle
e prevenção de riscos futuros, constituem o desafio do Direito Penal sob essa nova perspectiva.
Tal entendimento, não obstante todos os avanços do instituto do Compliance Criminal, tende a
evidenciar-se como um incomodo aos adeptos de um direito penal clássico, adstrito aos
princípios de lesividade, fragmentariedade, e intervenção mínima.
Ora, a noção de Direito Penal mínimo advoga que o notável ramo do saber jurídico
deve empenhar-se apenas na tutela de interesses e bens que efetivamente mereçam proteção.
Para o funcionalismo teleológico racional, a justificação do Direito Penal está na incriminação
somente de comportamentos inconciliáveis com a convivência pacífica, materialmente segura
e livre dos cidadãos. Nessa perspectiva, reside a noção de bem jurídico. As percepções relativas
ao bem jurídico surgem como forma de legitimar o direito de punir estatal. Nessa senda, a
atuação do sistema penal se dá à medida que se diagnostica a violação de bens essenciais à
convivência pacífica livre e segura da sociedade. A função político-criminal do bem jurídico,
portanto, delimita a matéria penalmente relevante. (PASSOS, 2015, p. 22-23).
Concluindo, o que não se pode, malgrado as novas compreensões extraídas da
dinâmica atual das relações globais, é, na tentativa de tutelar novos bens e de garantir maior
segurança aos anseios sociais ante as ameaças da sociedade de risco, anuir que o Direito Penal
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As ideias expostas no caminhar do presente artigo, permitem destacar as hodiernas
considerações finais, que se extraem e giram em torno do fato de que os novos riscos, oriundos
das novas demandas e ameaças geradas pela sociedade moderna e pós-moderna, tem
reivindicado do Direito, mormente do Direito penal, uma redescoberta de seus postulados
básicos. Nessa trilha, paradigmas voltados para uma perspectiva basicamente reativa, cedem
lugar para um Direito Penal preventivo, malgrado todas as críticas contra a ampliação do direito
penal para tutela dos novos riscos.
Nos invólucros empresariais, programas de cumprimento, pautados na autoregulação
regulada, servem como mecanismo para o afastamento da responsabilização penal. Há de se
ressaltar que, no plano mundial, o Compliance, cujo conceito é relativamente novo, e os
programas e mecanismos a ele inerentes, tem ganhado força junto as relações empresariais,
reforçando a segurança interna contra os riscos e ameaças que eventualmente possam macular
a atividade empresarial.
Temas como delegação de competências e atribuições, dever de vigilância,
afastamento do princípio da confiança, bem como a responsabilidade penal da pessoa jurídica,
dos administradores e do Compliance officer, decorrentes de falhas no Compliance programs
são amplamente debatidos, porquanto, atrelam-se a todos os conceitos relativos à governança
corporativa e evitação de riscos.
Ao fim, não há de se negar que, ante a insuficiência estatal para combater a corrupção
e os desvios nos mais vastos âmbitos das relações humanas, a colaboração de entes privados
mostra-se essencial e inafastável.
Sem embargo, requer especial atenção o fato de que, em que pese a limitação estatal
ensejar uma cooperação, e haver, evidentemente a necessidade de uma tutela e a contenção de
novos riscos, a ampliação do Direito Penal como forma de socorro ante as novas demandas
sociais, assim como a transferência ao particular de atividade essencialmente estatal, se
constitui em uma esfinge a ser delicadamente decifrada.
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