Os m´ etodos de Descartes e Fermat para determinar a tangente a uma curva
Geovane A. Haveroth∗ Elisandra Bar de Figueiredo Rog´erio de Aguiar
Depto. de Matem´atica, CCT, UDESC, 89219-710, Joinville, SC
E-mail: geovaneah@gmail.com, elis.b.figueiredo@gmail.com rogerville2001@gmail.com
RESUMO
O estudo das tangentes teve in´ıcio na Gr´ecia antiga com Euclides (300 A.C), Apolˆonio (225 A.C.) e Arquimedes (225 A.C). Nessa ´epoca, a tangente servia como aux´ılio na constru¸c˜ao de objetos geom´etricos, como o pol´ıgono circunscrito a uma circunferˆencia. O registro formal mais antigo ´e a primeira Defini¸c˜ao de tangente apresentada no terceiro livro de “Os Elementos” de Euclides, conforme [2], como sendo a reta que toca o c´ırculo de modo que n˜ao o corta ao ser prolongada.
Durante muitos anos o problema de determinar tangentes ficou estacionado, ressurgindo apenas no s´eculo XVII com os franceses Descartes (1596-1650) e Fermat (1602-1665). A seguir descreveremos trˆes m´etodos para encontrar a tangente a uma curva, dois desenvolvidos por Descartes e um por Fermat.
De acordo com [3], para primeiro m´etodo de Descartes considere a curva C, descrita por f(x, y) = 0, e M um ponto qualquer sobre C onde pretendemos tra¸car a tangente. Conside- remos, como curva auxiliar, a circunferˆencia de centro N e raio N M que cortaC no pontoM1 conforme indicado na Figura 1, ondeAP =x,P M =y,M N =s,AN =v.
Figura 1: Primeiro m´etodo de Descartes.
Figura 2: Primeiro m´etodo de Descartes na curva y=√
2x+ 3.
Esse m´etodo consiste basicamente em encontrar a posi¸c˜ao de N quando o segmentoM N ´e normal a C no pontoM. Se a posi¸c˜ao deN for aproximada, ent˜ao a circunferˆencia com mesmo centro cortar´a num outro ponto M1, pr´oximo a M, que Descartes obriga a coincidir com M usando um processo posteriormente denominado por m´etodo dos coeficientes indeterminados.
De acordo com a Figura 1, a equa¸c˜ao da circunferˆencia deslocada ´e equacionada por s2 =y2+ (x−v)2,
∗Graduando em Licenciatura em Matem´atica - Bolsista de Inicia¸c˜ao Cient´ıfica PIVIC/UDESC
150
que pode ser reescrita comoy =√
s2−v2+ 2vx−x2.Logo, a curva assume, no pontoM(x, y), a seguinte forma
f(x,√
s2−v2+ 2vx−x2) = 0. (1)
O m´etodo de Descartes for¸ca a Equa¸c˜ao (1) a ter uma raiz de multiplicidade dois para obter um ´unico ponto de interse¸c˜ao que garantir´a a reta normal no ponto M. Para compreender melhor esse m´etodo apresentamos o exemplo a seguir.
Exemplo 1. Determine a reta normal `a curva y=√
2x+ 3quando a abscissa for x= 3.
Para satisfazer a condi¸c˜ao de Descartes, a curva auxiliar ser´a tangente `a curva f(x, y) = 0 apenas em um ponto.
Note que a fun¸c˜ao y=√
2x+ 3,paray≥0,pode ser escrita da formay2−2x−3 = 0.
Utilizando a Equa¸c˜ao (1) coms=M N e v=AN ,conforme Figura 2, temos
−s2+ (x−v)2+ 2x+ 3 = 0.
Impondo a existˆencia de uma raiz duplaa, obtemos
−s2+ (x−v)2+ 2x+ 3 = (x−a)2 ⇔ x2+x(−2v+ 2)−s2+v2+ 3 =x2−2xa+a2. Logo, pela igualdade de polinˆomios,
{ 2v−2 = 2a
s2−v2−3 = −a2 ⇒
{ v = a+ 1
s =
√−a2+ (a+ 1)2+ 3
Atribuindoa= 3 como o ponto de abscissa onde queremos determinar a reta normal, obtemos v = 4 e s = √
10. Ent˜ao, tem-se os pontos M = (3,3) e N = (4,0), cuja reta normal ´e y=−3x+ 12. Com as ferramentas atuais podemos verificar facilmente essa solu¸c˜ao.
O terceiro m´etodo de Descartes ´e semelhante ao utilizado atualmente e, para referˆencia, consideremos a Figura 3. Para determinar a reta tangente, tra¸camos a reta secante `a curva f(x, y) = 0 usando como referˆencia o ponto de tangˆencia. De acordo com [3], nesse processo ´e dada a abscissa do ponto de contato N e a tangente ser´a a posi¸c˜ao da secante T N N1 quando N1 coincidir com N pela curva.
Figura 3: Terceiro m´etodo de Descartes. Figura 4: Tangente `a par´abola.
Definindo AI = x, N I = y, T I = a, II1 = e e N1I1 = h, temos, por semelhan¸ca de triˆangulos,
a a+e = y
h. Logo, h=y (
1 + e a )
e buscamos a solu¸c˜ao para f (
x+e, y (
1 +e a
))
= 0.
Simultaneamente a Descartes, Fermat apresenta seu primeiro m´etodo das tangentes, descrito a seguir. Sejam (x, y) as coordenadas do ponto B da par´abolax =y2 e (x−e, y1) as do ponto B1 nas proximidades deB,como mostra a Figura 4. De acordo com [1], temos
y12 = (x−e) ⇒ y12y2= (x−e)y2 ⇒ y12x= (x−e)y2 ⇒ y2
y12 = x x−e.
151
ComoOI > y1,ent˜ao
y2 OI2
< x
x−e. (2)
Por semelhan¸ca de triˆangulos, segue que y
OI = CE
IE e, tomando CE=a,obtemos y
OI = CE IE = a
a−e. Agora, substituindo em (2), segue que
a2
(a−e)2 < x
x−e ⇒ a2(x−e)< x(a2−2ae+e2) ⇒ a2x−a2e < a2x−2xae+e2x e, desconsiderando-se os termos em e2, temos, por ad´egalit´e1, a= 2x, o que determina a sub- tangente.
Foi em meio a cr´ıticas que os dois franceses, Descartes e Fermat, descobriram outros m´etodos de obten¸c˜ao de tangentes a curvas. Por exemplo, Descartes numa de suas cartas `a Fermat, propˆos a constru¸c˜ao da tangente ao “folium de Descartes”. Fermat, por sua vez, deu a solu¸c˜ao desse problema, de acordo com [1], numa carta entregue por Mersenne `a Descartes, por um m´etodo geral que, em uma linguagem mais moderna, resumidamente descrevemos a seguir.
Na Figura 5 seja CA uma curva dada cuja equa¸c˜ao ´ef(x, y) = 0 e sejam (x, y) as coordenadas do pontoAdessa curva.
Figura 5: Curva para o m´etodo geral de Fermat.
Por um pontoE da tangente, que supomos j´a constru´ıda, tiremos a reta EF paralela aBA e sejamBF =e e BD=a. Como o pontoE n˜ao pertence `a curva, por triˆangulos semelhantes, EF =y
(a−e a
)
ser´a diferente deF I, mas, se fizermos tenderepara zero, o pontoF no limite confunde-se com o pontoB e devemos ter
f (
x−e, y (
1−e a
))
= 0. (3)
Assim, Fermat chega a uma equa¸c˜ao an´aloga a obtida por Descartes.
Palavras-chave: Hist´oria da Tangente, M´etodos das tangentes, Descartes, Fermat
Referˆ encias
[1] S.G. Carvalho, “A teoria das tangentes antes da inven¸c˜ao do c´alculo diferencial”, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1919.
[2] Euclides, “Os Elementos”, Editora UNESP, S˜ao Paulo, 2009.
[3] J.A.L. Pires, “C´alculo diferencial- Estudo hist´orico sobre a evolu¸c˜ao do C´alculo Diferencial no s´eculo VXII”, Vila Real, 2004.
1Na realidade Fermat n˜ao iguala a princ´ıpio as duas express˜oes. Compara-as porad´egalit´e o que quer dizer que s´o considera o sinal igual quando faz tendere para zero.
152