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A EXPRESSÃO DA SUBJETIVIDADE NA ARTE DO GRAFITE: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA COM MEDIDA SOCIOEDUCATIVA

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1 A EXPRESSÃO DA SUBJETIVIDADE NA ARTE DO GRAFITE: UM RELATO

DE EXPERIÊNCIA COM MEDIDA SOCIOEDUCATIVA

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Cristiane Dameda

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Vania Maria Bellei Marchese

3

Secretaria de Assistência Social de Chapecó - SC (SEASC) Centro de Referência Especializado em Assistência social - CREAS II.

Resumo

A infância e a adolescência passaram por inúmeras transformações através do tempo e dos períodos históricos. Inicialmente as crianças e adolescentes não eram vistos como sujeitos com direitos fundamentais. A partir da Constituição Federal de 1988, do advento do Estatuto da Criança e do Adolescente,do SINASE e do Plano Municipal de Atendimento Socioeducativo, depreende-se não ser mais possível dissociar essas garantias e pressupostos de um trabalho pautado na socioeducação. A oficina de grafite realizada com os adolescentes em medida socioeducativa de LA e PSC apresentou-se como uma das formas de expressão da subjetividade, uma vez que representa atravésda arte visual a linguagem das ruas, o “grito” dos oprimidos, dos que precisam ser vistos em suas necessidades e anseios mais profundos. No processo de desenvolvimento dessa atividade foi possível visualizar toda essa expressão da realidade onde vivem. Permitiu a criação de vínculos entre os pares e a Equipe, promoveu a autonomia, a persistência para iniciar, desenvolver e concluir uma atividade. Aprendizado este, que poderão aplicar na arte, na música, no trabalho braçal, no estudo,ou na prestação de qualquer serviço.

E, principalmente, cada talento ou potencialidade descoberta no íntimo de cada ser poderá dar sentido à vida e ser a motivação para superar-se e para transformar a realidade na qual se encontra inserido.

Palavras-chaves: Medida Socioeducativa. Subjetividade. Grafite.

Introdução

A adolescência é um fenômeno contemporâneo em constante construção de acordo com as mudanças sociais da sociedade. Houve épocas, de acordo com Coimbra (2003) em que as crianças não eram consideradas sujeitos à luz dos direitos humanos, individuais e sociais que se conhece nos dias atuais. A infância e a adolescência configuram-se, portanto, como uma construção social.

Antes do século XVIII, era muito tênue, quase inexistente, a consciência coletiva sobre as especificidades e necessidades da infância. Ignorava-se que as crianças fossem dotadas de uma personalidade, ou alma, existente desde o nascimento.

Acriança podia ser percebida tal como um animal de estimação, um anjo ou um selvagem. (SOUZA; OLIVEIRA; RODRIGUES, 2015, p. 9).

1

Este artigo foi selecionado como de grande relevância no que se referiu à práticas exitosas no âmbito da Política de Assistência Social e foi publicado originalmente no livro “Boas práticas no SUAS nos Municípios de Santa Catarina”, organizado por CIOCCARI, Ana Paula; FASOLIN Caroline R. (Orgs). Florianópolis SC: DIOESC- Editora Oficial de Santa Catarina, 2017.

¹ Psicóloga pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó - Unochapecó (2012). Especialista em Proteção de Direitos e Trabalho em Rede pela Unochapecó, (2014). Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais da Unochapecó. Psicóloga atuante no Serviço de Proteção Social a adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de LA e PSC.

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Pedagoga pela Universidade Estadual de Santa Catarina - UDESC (2005). Especialista em psicopedagogia

pela IESDE- Inteligência Educacional e Sistemas de Ensino de Curitiba – PR (2006). Pedagoga do Serviço de

Proteção Social a adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de LAe PSC.

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2 Descrevem as autoras que nesse período havia um alto índice de mortalidade infantil e pouca separação entre o brincar e trabalhar. As crianças, circulavam pelas casas dos senhores, em volta de suas mães e quando nem bem completavam sete anos já eram considerados aptos para o trabalho sendo o período da infância ignorado ou inexistente. (SOUZA; OLIVEIRA;

RODRIGUES, 2015).

No Brasil, a chegada da Família Real em 1808, os movimentos de urbanização, a necessidade de trabalhar fora do âmbito familiar, bem como a Lei Áurea e do Ventre Livre, a chegada de estudiosos, entre outros fatores, promoveram, segundo Souza, Oliveira e Rodrigues (2015), importantes modificações no relacionamento familiar e no pensamento sobre a infância e a juventude. Todavia o grande marco para a garantia de um amplo rol de direitos fundamentais e de direitos humanos foi a promulgação da Constituição Brasileira em 1988 e com ela a especificidade da proteção às crianças e adolescentes, que passam a ser vistos como sujeitos de direitos,descrevem as autoras.

Estes direitos passaram por diversas etapas, Frasseto, Costa e Cerqueira (2015) consideram como 1º Período (1500-1889) chamado de caritativo-religioso que promulgou o primeiro Código Penal do Império fixando a imputabilidade penal plena aos 14 anos de idade;

2º período (1889-1964) chamado filantrópico-científico higienista foco estava na profissionalização como meio de evitar a delinquência. Em 1927, é promulgado o Código Mello Mattos de Menores, que defendia a internação como meio educacional e disciplinar para correção ao comportamento contrário às normas.

O 3º Período (1964-1988), definido, segundo os autores, como militar-científico “É promulgado o Código de Menores (1979), que adotou a Doutrina da Situação Irregular em face dos menores de 18 anos, mediante o caráter tutelar da legislação e a ideia de criminalização da pobreza.”(FRASSETO; COSTA; CERQUEIRA, 2015, p. 28).

E atualmente 4º Período é o democrático-humanista ou da proteção integral. Autores como Coimbra (2003), Zamora (2008), Frasseto, Costa e Cerqueira (2015) descrevem que somente com o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990),viu-se uma possível mudança do modelo punitivo para uma prática mais humanitária e educadora em relação ao autor de ato infracional e a primeira grande mudança se refere a nomenclatura utilizada.

A partir do Estatuto não se usa mais a palavra MENOR. Pessoas menores de 18 anos são sempre crianças ou adolescentes, independentemente de sua condição jurídica.

Apesar de a lei haver mudado, a sociedade ainda chama constante adolescentes e até

crianças de menores. Muitas reportagens os tratam assim. [...] todas as vezes que a

palavra menor é usada pela mídia ela não traz em si características que denota uma

visão preconceituosa e negativa sobre a pessoa a que está se referindo. Geralmente,

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3 são chamados de adolescentes os brancos, de classe média ou alta - mesmo quando envolvidos em ato infracional. São chamados de menores os adolescentes negros, pobres e de periferia - mesmo se não estiverem envolvidos em ato infracional.”

(FRASSETO; COSTA; CERQUEIRA, 2015, p. 30).

A normatização das ações protetivas estabelecidas na Lei nº 8.069/1990 que dispõe do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (BRASIL, 1990) encontram-se previstas no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE,instituído pela Lei nº 12.594/2012 (BRASIL, 2012) eem nível municipal há o Plano Municipal de Atendimento Socioeducativo (CHAPECÓ, 2015) como um guia de trabalho para os responsáveis pelo atendimento. Todo esse ordenamento jurídico servindo para contemplar efetivamente o acesso ao sistema de garantia dos direitos fundamentais dos adolescentes em situação de ato infracional.

A Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais (BRASIL, 2009), estabelece que o Centro de Referência Especializado de Assistência Social-CREAS além de outros Serviços, ofertará o Serviço de Proteção Social a Adolescentes em cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade, o qual realizará o planejamento específico das ações conforme necessidades apresentadas pelos adolescentes em situação de ato infracional e fará o suporte e orientações sobre as Medidas a esses e suas famílias.

Para isso o ECA (BRASIL, 1990) estabeleceu criança como a pessoa até 12 anos de idade incompletos e adolescente entre 12 e 18 anos de idade e possibilitou uma forma diferenciada de responderem perante um sistema de responsabilidades.

A dificuldade de acesso aos bens de consumo, as políticas de educação, saúde, emprego e renda, a moradia, o saneamento básico, a cultura e lazer; somados a uma visão determinista e estigmatizada do adolescente pobre, morador das “periferias” urbanas como um ser perigoso que vive num lugar de faltas, impediumuitas vezes um olhar dos profissionais atuantes nas políticas públicas e dos próprios adolescentes para as riquezas, afetos, para as singularidades e para sujeitos potentes que existem nas comunidades distantes do que se denomina centro urbano. Fazer esta reflexão é pensar em novas possibilidades de atuações, principalmente o Serviço de Medidas socioeducativas em meio aberto que tem contato direto com os adolescentes em situação de ato infracional e proporciona escuta, podendo ser um articulador da rede de Serviços e consequentemente de novas experiências a estes adolescentes.

Utilizando-se das noções de produção de subjetividade de Guattari e Rolnik (2013), se

entende que o adolescente autor de ato infracional não o é em essência, mas um sujeito que

também tem sua subjetividade produzida por contextos políticos, histórico e social múltiplo –

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4 rizomático - pela mídia e outros equipamentos coletivos que estão interconectados na sua

“fabricação”. Deste modo, as políticas públicas também precisam ser vistas como produtoras de subjetividades. O sujeito se movimenta e se reconhece a partir do outro (alteridade), ou seja, é por meio da visão que os outros (sociedade e governo) tem do adolescente, que ele constrói a visão de si e sobre o mundo. Ele faz leituras a partir do que conhece.

Tendo em vista estas prerrogativas, pensar numa atuação articulada com equipamentos culturais é um grande passo para estabelecer conexões com outros mundos, diferentes dos quais tais adolescentes estão acostumados a vivenciar. É possibilitar o encontro com culturas, com práticas diferenciadas, e mais do que isso, é pensar na inclusão social desse adolescente que está vivendo submarginalizado.

Oportunizar que adolescentes em medida socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e Prestação de Serviços à Comunidade (PSC) vivenciem novas formas de expressão da singularidade é estabelecer um elo com demais possibilidades de vida, de valores, tecendo outros modos de reconhecimento que não pelo ato praticado.

O Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa LA e PSC está para “[...] contribuir para o acesso a direitos e para a ressignificação de valores na vida pessoal e social dos (as) adolescentes e jovens.” (BRASIL, 2011, p.36).Nesse sentido, ao ofertar possibilidades de expressão e a experimentação da convivência de outros grupos, tais adolescentes não passam a serem olhados apenas com os olhos da lei, mas como sujeitos de direitos, o que consequentemente permite aos mesmos tecer gradativamente uma rede de inclusão social.

Este artigo refere-se a um relato de experiência com uma oficina de Grafite proporcionada pela Secretaria de Assistência Social de Chapecó (SC) no Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida e de Prestação de Serviços à Comunidade no Centro Referência Especializado de Assistência Social - CREAS II como uma prática significativaepróspera nessa área.

A arte como expressão da subjetividade

O grafite se caracteriza como uma manifestação artística popular, mais especificamente uma linguagem que transmite anseios, inquietações e inclui, portanto o psicológico na arte.

Dupret (2008) sustenta que o grafite como recurso de manifestação das insatisfações possui

duas vertentes vinculadas a contextos sociais-históricos diferenciados: uma delas o

movimento dos estudantes franceses de 1968 que usavam muros de ruas para desenhar e

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5 assim representar suas reivindicações e denúncia; A outra na mesma época, também ocorrida nos anos 60, nascida por grupos negros no Bronx em Nova Iorque os quais usavam dessa arte para demonstrar sua opressão e miséria.

No Brasil o grafite surgiu na década de 70 em São Paulo, como um movimento análogo.

A inspiração para os desenhos também emergiu do cotidiano e estava ligada a vários movimentos, entre eles o hip hop,sempreexpressando a opressão dos menos favorecidos.

O que era produto de marginais e prática abominável, passou a admissível e integrado à sociedade, salienta Dupert (2008). Um trabalho artístico que faz uso de técnicas e cores variadas e bem elaboradas, que precisa ser diferenciada da pichação. Atualmente o grafite é considerado uma das formas de expressão pertencente às artes visuais.

Considerando o grafite como uma das maneiras de expressar a subjetividade, trabalhar com esta arte foi uma solicitação emergida pelos adolescentes em medida socioeducativa de LA e PSC como uma oficina de demasiado interesse e, consequentemente acolhida pelas Equipes de Medidas Socioeducativas e pela gestão daSecretaria de Assistência Social do Munícipio. Importante salientar que tal processo foi articulado pelo Centro de Referência Especializado em Assistência Social-CREAS I, na época referência das medidas socioeducativas.

Com contratação do profissional especializado na Arte, a oficina foi realizada em dois Centros do Município: CREAS I e II; este último referente a experiência aqui descrita. A oficina ocorreu em dois períodosdistintos. No primeiro momento o profissional realizou uma exposição teórica apresentando o histórico do Grafite e sua evolução que atualmente se configura como uma profissão emergente. Como uma forma de instiga-los e envolvê-los, o profissional trouxe materiais concretos de seu acervo, como: revistas, desenhos, moldes, gibis, fotos, cadernos de anotações, reportagens, vivências de outros profissionais da área e curiosidades, os quais foram disponibilizados para manipulação e observação pelos adolescentes e posteriormente a criação individual de um desenho.

Com data previamente agendada, os adolescentes retornaram com os desenhos concluídos e foram dirigidos a uma escola municipal próxima ao CREAS II que se definiu parceira do Serviço de Medidas, fornecendo o espaço para a grafitagem.

Orientados sobre o correto manuseio dos equipamentos, como tintas, luvas e máscaras,

muitos tiveram a primeira experiência com o uso do spray, aprendendo os movimentos

corretos de acordo com o traço desejado.

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6 Visualizou-se um empenho dos adolescentes na execução de suas “obras de arte” com concentração, comprometimento e também uma medida de descontração, possibilitando a aproximação entre eles e com a Equipe.

Ao total participaram 16 adolescentes, que ao finalizar a oficina confraternizaram ereceberam uma declaração, comprovando a participação de oito horas de atividades. Houve o registro através de fotos, algumas por solicitação dos adolescentes como forma de mostrar os trabalhos para suas famílias.

Tal prática foi avaliada posteriormente pelos adolescentes os quais solicitaram por nova edição da oficina, sendo que essa experiência frequentemente é comentada nos encontros entre os adolescentes. Visualiza-se como uma atividade marcante e de reconhecimento de potenciais, uma vez que houve um processo de identificação e permitiu a efetivação de uma prática socioeducativa. Uma atividade de cunho prático-concreto que permitiu aos adolescentes se expressarem, se sentirem valorizados, bem como seremobservados de maneira informalnainteração e convivência com seus pares.

Salienta-se que houve uma identificação com a pessoa do oficineiro pelas experiências por ele contadas, pela maneira de se reportar aos adolescentes, sendo que o mesmo fez um trabalho de orientação expondo aos adolescentes que podem expressar a arte, a sua subjetividade, contudo, de forma correta e em local adequado. Ainda, mostrou o grafite como uma possibilidade de profissão, demonstrando seus trabalhos nacionais e internacionais, mostrou a exemplaridade e despertou o interesse de muitos, um deles em especial, que na semana seguinte foi incluído como bolsista na escola de Artes do Município no curso de desenho.

Pode-se dizer que esta experiência propiciou o fortalecimento de vínculos entre os adolescentes, que estabeleceram relação de identificação entre si, conversaram sobre os motivos que os levaram a cumprirMedida Socioeducativa, trocaram experiências significativas e se fortaleceram reciprocamente. Ainda, proporcionou uma mudança na relação com as profissionais que compõe a Equipe: uma relação mais receptiva, de dialogo informal e gradativamente de vínculos. A obrigação do cumprimento da Medida Socioeducativa,especificamente naquele momento, se transformou em uma

“responsabilização prazerosa” - por ser realizada em um lugar comunitário, composto por outras pessoas que ali estavam e trabalhavam etambém pelo cuidado com sua saúde.

Discussão

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7 O Estatuto da Criança e Adolescente foi um avanço na regulamentação dos direitos do público adolescente, inclusive na regulamentação de práticas socializadoras e educadoras quando esses também são autores de ato infracional estabelecendo uma forma diferenciada de responsabilização, informam Paiva e Oliveira (2015).

Mesmo que estabelecida uma faixa etária para se referir a jovens e adolescentesdestacam Coimbra, Bocco e Nascimento, (2005) a necessidade de subverter a noção de adolescência que inicialmente se refere a uma conceituação biológica:como um período de desenvolvimento cognitivo, hormonal e de transformações corpóreas, bem como de instabilidade afetiva, rebeldia, desinteresse, sensibilidade; essa uma essência do ser adolescente estabelecendo dessa forma de modo homogêneo uma identidade adolescente.

Coimbra, Bocco e Nascimento, (2005) e Guattarie Rolnik (2013) destacam que a partir desse processo maquínicosdeindiferenciação se produz subjetividades capitalísticas, reféns do consumo, sendo que a mídia é o principal equipamento social que difunde o modelo de ser adolescente, oferecendo produtos de consumo como forma de pertencimento a um grupo, a um mundo.

Visualiza-se a partir dai a emergência da criminalização, todavia o olhar social estabelecido para com o adolescente é de inferioridade e repugna, nesse movimento se individualiza e interioriza questões sociais como individuais do sujeito adolescente, criminalizando-o.

Zamora, Vilhena e Dimenstein, (2004) tornam destaque o fenômeno da segregação sócio-espacial como parte desse processo. Produzido pela Reforma urbana, descreveAvritzer (2012), os pobres foram varridos para áreas marginalizadas da cidade e isso produz subjetividades, modos de vida e diferentes estratégias de sobrevivência nem sempre condizentes com a Lei e que pode perdurar por gerações, salientam Zamora, Vilhena e Dimenstein, (2004).

Para tais autoras a comunicação entre a população da periferia e dos centros é impugnada o que também faz perpetuar a violência que implica na subjetividade, no reconhecimento de si como pertencente a um lugar.

Dessa maneira, o grafite emergido dos movimentos sociais tornou-se uma maneira de expressão de sentimentos, percepções e da criatividade.

A arte, o esporte e a tecnologia podem oferecer ao jovem morador de comunidade,

subsídios para compreender seu papel de cidadão responsável, capaz de enfrentar,

com criatividade e flexibilidade, as mudanças impostas pelo cotidiano, exercendo

sua condição de protagonista no contexto social. (DUPRET, 2008, p. 419).

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8 A produção da subjetividade na contemporaneidade está marcada pelo individualismo, pela lógica do consumo e enfraquecimento do sentimento de comunidade. O sujeito é reconhecido, segundo Zamora, Vilhena e Dimenstein, (2004) pelo que possui e passa a estabelecer relações superficiais. Assim o território é parte do ser, constrói a subjetividade individual ou de grupo - de pertencimento. Esse espaço é global no sentido de suas condições, histórias, mas é singular ao ser visto, sentido, proporcionado significados diferentes a pessoas diferentes, “[...]produz formas de pensar, agir, sentir e estar no mundo.” (ZAMORA;

VILHENA; DIMENSTEIN, 2004, s.p).

É importante salientar que muitos adolescentes são reconhecidos e até admirados pelos seus atos infracionais, pelo vínculo com as redes do tráfico, ou mesmo julgados pelo lugar onde moram e circulam, pela cor da pele, entre outros aspectos. Discursos que enraízam e produzem sujeitos autores de ato infracional. Dessa forma, promover a interação desse sujeito em outros territórios, com outros discursos e fora do contexto do estigma é proporcionar outras possibilidades de reconhecimento, de identificação, de ser.

Salienta Dupret (2008) que as oficinas podem proporcionar além do vinculo e integração social, a percepção de possibilidades pessoais para a geração de renda, para a descoberta das potencialidades artísticas, criativa dos sujeitos em prol da comunidade, do território onde vivem e, além disso, o desenvolvimento da autoestima e da valorização pessoal.

Ao pensar que as políticas públicas também são meios de potencializar novas possibilidades para adolescentes em situação de ato infracional, bem como são produtoras de subjetividade, cabe questionar: Que oportunidades estão sendo produzidas para adolescentesem cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto? Porquanto, assiste-se a necessidade de valorização pessoal, de conhecimento, para que vislumbrem um futuro positivo e correlato com as leis.

Compreendendo a importância da oficina de grafite como uma forma de complementar o caráter socioeducativo, o serviço de Medidas socioeducativas está constantemente em processo de articulação com outras Secretarias do município para efetivar novas oportunidades aos adolescentes em situação de ato infracional.

Considerações finais

Analisando a trajetória de vida dos adolescentes e jovens em Medida Socioeducativa de

LA e PSC, percebe-se carência de estímulos e oportunidades, e por isso o trabalho dos

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9 profissionais que os atende não se restringe a um procedimento formal e burocrático.

Proporcionar a reflexão sobre o futuro, potencializar vontades e o reconhecimento de si ou autoconhecimento e fazê-los movimentar-se para o novo, é resgatar no adolescente a pulsão de vida, os desejos, por isso orientações fornecidas entre quatro paredes tem limitações, podem não fazer vislumbrar possibilidades e outros horizontes.

Os profissionais podem se colocar como agentes facilitadores de um novo projeto de vida a esses adolescentes e também como para que esse movimento de possível inclusão do adolescente como sujeito de direitos e deveres possam ocorrer.

É pensando em proporcionar novos conhecimentos e novas experiências aos adolescentes em LA e PSC que a criação de práticas articuladas com a comunidade se justificam. É um passo em busca de “[...] condições possíveis para que o adolescente em conflito com a lei deixe de ser considerado um problema para ser compreendido como uma prioridade social em nosso país.” (BRASIL, 2012, p. 13). As ações com esse público são incertas e carecem de uma construção coletiva. Num ensaio de erros e acertos, ações como a oficina acima descrita podem ser de grande valia.

Pensar o adolescente autor de ato infracional como um sujeito produzido, que teve seus direitos violados, que sofre, que precisa de proteção, é transvalorar a noção tradicional que se tem dele.

De acordo com Kleba (2014) e Yazbek, (2010) entre outros autores, a Constituição Federal de 1988 pode ser considerada o marco, para garantia de direitos sociais - principalmente aqueles que vivem a margem de uma sociedade desigual - e consequentemente para a emergência de novas práticas.

Dessa maneira, o Estado deve se apresentar como responsável por assegurar o acesso dos sujeitos aos serviços públicos de qualidade e não, como afirma Paiva e Oliveira (2015), como um Estado penal. Precisa configurar-se comopromotor de cidadania.

Através dessa oficina foi possível oportunizar situações concretas de efetivar o caráter socioeducativo previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente e no SINASE que regulamentam nossa atuação como Equipe.

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