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O novo constitucionalismo Latino-Americano e a educação para a diversidade: uma abordagem decolonial

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O novo constitucionalismo Latino-Americano e a educação para a diversidade: uma abordagem decolonial

The new latin american constitutionalism and education for diversity:

a decolonial approach

Luciana dos Santos Silva 1 Universidade Federal do Amazonas (Manaus, Amazonas, Brasil)

cianasantos@gmail.com 0000-0002-4545-7157

Humberto Bersani 2 Universidade Federal do Amazonas (Manaus, Amazonas, Brasil)

humbertobersani@ufu.br 0000-0002-6593-2306

Recebido em: 23 maio. 2021 Aceito em: 1 set. 2021

RESUMO

O presente artigo visa discorrer sobre a educação para a diversidade no contexto do Novo Constitucionalismo Latino-americano, por meio de abordagem jurídico- sociológica. A interculturalidade é uma característica marcante nesse novo conceito de constitucionalismo e a educação é um instrumento importante para se chegar ao almejado Buen Vivir. O Novo Constitucionalismo Latino-americano será objeto de investigação a partir de suas influências, ciclos e características, assim como aspectos

Como citar este artigo: SANTOS, Luciana dos Silva; BERSANI, Humberto. O novo constitucionalismo Latino-Americano e a educação para a diversidade: uma abordagem decolonial.

Revista Brasileira de Pesquisas Jurídicas – RBPJ, Avaré, v.2, n.3. p. 99-129, set./dez. 2021. DOI:

10.51284/rbpj.03.santosls

1 Advogada, jornalista, analista legislativa, mestranda em Constitucionalismo e Direitos na Amazônia no Programa de Pós-graduação em Direito da UFAM. E-mail: cianasantos@gmail.com. Orcid:

https://orcid.org/0000-0002-4545-7157.

2 Professor Adjunto na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

Pesquisador associado do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Federal de Uberlândia

(NEAB/UFU). Docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Direito (mestrado em

Constitucionalismo e Direitos na Amazônia) da Faculdade de Direito da Universidade Federal do

Amazonas (PPGDIR/UFAM). Doutor e mestre em Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da

Universidade de São Paulo (USP). E-mail: humbertobersani@ufu.br. Orcid: https://orcid.org/0000-

0002-6593-2306.

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das constituições da Bolívia e Equador, relativamente ao direito à educação. Além disso, será apresentado um exemplo de norma infraconstitucional brasileira que segue o conceito de educação para a diversidade.

PALAVRAS-CHAVE: Constitucionalismo Latino-americano. Educação. Diversidade.

decolonialidade

ABSTRACT

This article aims to discuss education for diversity in the context of New Latin American Constitutionalism, from a juridical-sociological perspective. Interculturality is a striking feature of this new concept of constitutionalism and education is an important tool for reaching the desired Buen Vivir. The New Latin American Constitutionalism will be presented based on its influences, cycles and characteristics, as well as aspects of the constitutions of Bolivia and Ecuador concerned to the right to education. Also, an example of a Brazilian law that follows the concept of education for diversity will be presented.

KEYWORDS: Latin American. Constitutionalism. Education. Diversity. decoloniality

1. Introdução

O Novo Constitucionalismo Latino-americano, aqui entendido como as Constituições da Bolívia e Equador, traz em seu bojo uma quebra de paradigma em relação ao constitucionalismo eurocêntrico - ou do Norte -, ressignificando conceitos relativos ao Estado e à soberania popular, positivando reivindicações históricas de populações excluídas e bebendo na fonte da cosmovisão dos povos originários, com destaque aos conceitos da Pachamama 3 e do Buen Vivir. 4 Em ambas as Cartas Constitucionais, a interculturalidade, assim como os direitos sociais, merece destaque e

3 El 22 de abril del 2009, la Organización de Naciones Unidas (ONU) acogió la iniciativa impulsada por la delegación boliviana y declaró a esta fecha el día internacional de la Madre Tierra, proyectando una nueva conciencia de que no es un planeta solamente, mucho menos materia inerte:

es nuestra Madre Tierra (Pachamama). Así se abre una puerta para dejar de hablar de “explotación de recursos” y emerger en el respeto a todo lo que nos da vida y permite el equilibrio natural de todas las formas de existencia para vivir bien. (MAMANI, 2010, p.10)

4 El proceso de cambio que emerge hoy en la región, desde la visión de los pueblos ancestrales

indígenas originarios, irradia y repercute en el entorno mundial, promoviendo un paradigma, uno de

los más antiguos: el “paradigma comunitario de la cultura de la vida para vivir bien”, sustentado en

una forma de vivir reflejada en una práctica cotidiana de respeto, armonía y equilibrio con todo lo

que existe, comprendiendo que en la vida todo está interconectado, es interdependiente y está

interrelacionado. (MAMANI, 2010, p. 6)

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são importantes peças na engrenagem dessa máquina estatal que visa o aumento da qualidade de vida, ou o Buen Vivir. E a educação é um desses instrumentos na busca pelo desenvolvimento nacional, a distribuição de riquezas, a igualdade e a justiça social.

Neste estudo, a partir de uma proposta metodológica pautada numa abordagem jurídico- sociológica (GUSTIN, DIAS, NICÁCIO, 2020), será investigado o direito à educação voltada à diversidade, justamente por ser a pluralidade uma característica marcante do Novo Constitucionalismo Latino-americano. Inicialmente, o Novo Constitucionalismo Latino-americano será apresentado a partir de suas influências, ciclos e características.

Num segundo momento, serão apresentadas algumas observações sobre a importância de uma educação voltada à diversidade. Na sequência, essa educação plural é apresentada no contexto das Constituições de Equador e Bolívia, respectivamente. Por fim, será apresentado um exemplo de norma infraconstitucional brasileira voltada à educação para a diversidade.

2 O novo constitucionalismo latino-americano - Processo histórico decolonial

O estudo da educação para a diversidade no contexto do Novo Constitucionalismo Latino-americano requer, como passo imprescindível, sua historicização. A partir dos marcos teóricos que norteiam o presente estudo, será feita uma análise do processo histórico desse fenômeno à luz do pensamento decolonial, com vistas a promover uma ressignificação do passado em face do historicídio 5 promovido em face dos povos que atuaram decisivamente na construção da América Latina e, não obstante essa participação substancial, seguem vítimas do silenciamento e invisibilidade.

O Novo Constitucionalismo Latino-americano é fruto de reivindicações históricas dos povos da região que, em comum, possuem um passado de exploração colonial e de governos autoritários. O novo modelo constitucional surge então com uma visão decolonial, 6 com a proposta de valorização das culturas dos povos originários – de

5 “Historicídio é o nome da prática de remoção dos povos da história; trata-se de uma maneira de obscurecer os processos históricos que produziram as hierarquias raciais prevalecentes nas Américas”

(TEMPESTA, 2009, p. 283).

6 [...]o pensamento do Grupo Modernidade/Colonialidade (M/C), constituído no final dos anos 1990.

Formado por intelectuais latino-americanos situados em diversas universidades das Américas, o

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onde se extrai os conceitos do Buen Vivir/ Sumak Kawsay 7 e da Pachamama - e de intensificação da participação popular no sistema político/jurídico.

Com base nessa visão decolonial, Enrique Dussel, em “Europa, modernidade e eurocentrismo”, traz uma outra visão sobre o conceito de “Modernidade” cunhado pelos colonizadores europeus a partir da chegada ao continente americano. Ele explica que até 1492 nunca existiu uma História Mundial, pois “os impérios ou sistemas culturais coexistiam entre si”. “Apenas com a expansão portuguesa desde o século XV [...] e com o descobrimento da América hispânica, todo o planeta se torna o ‘’lugar de ‘uma só’

História Mundial” (2005, p. 27). Segundo o autor, assim todas as culturas não europeias tornam-se “sua periferia” (2005, p. 27) e, para justificar as práticas violentas coloniais, cria-se o “mito da modernidade”. Dentre as características que o compõe estão: a civilização ‘moderna’ autodescreve-se como mais desenvolvida e superior; a superioridade obriga a desenvolver os mais primitivos como uma exigência moral; o caminho de tal processo educativo de desenvolvimento deve ser o europeu; a guerra justa colonial, diante da oposição dos bárbaros à modernidade; a produção de vítimas é inevitável, constituindo um ato sacrificial salvador (2005, p.29):

Ao negar a inocência da “Modernidade” e ao afirmar a Alteridade do

“Outro”, negado antes como vítima culpada, permite “des-cobrir” pela primeira vez a “outra face” oculta e essencial à “Modernidade”: o mundo periférico colonial, o índio sacrificado, o negro escravizado, a mulher oprimida, a criança e a cultura popular alienadas, etc. (as “vítimas” da

“Modernidade”) como vítimas de um ato irracional (como contradição do ideal racional da própria “Modernidade”).

Também integrante do grupo Grupo Modernidade/Colonialidade 8 , Aníbal Quijano, em “Colonialidad del poder, eurocentrismo y América Latina América”,

coletivo realizou um movimento epistemológico fundamental para a renovação crítica e utópica das ciências sociais na América Latina no século XXI: a radicalização do argumento pós-colonial no continente por meio da noção de “giro decolonial”. Assumindo uma miríade ampla de influências teóricas, o M/C atualiza a tradição crítica de pensamento latino-americano, oferece releituras históricas e problematiza velhas e novas questões para o continente. Defende a “opção decolonial” – epistêmica, teórica e política – para compreender e atuar no mundo, marcado pela permanência da colonialidade global nos diferentes níveis da vida pessoal e coletiva (BALLESTRIN, 2013, p.89).

7 Los términos utilizados en español para describir el suma qamaña (aymara) o sumak kawsay (quechua) son vivir bien, utilizado en Bolivia, y buen vivir, utilizado en Ecuador (cf.: MAMANI, 2010, p. 7).

8 Dentre as contribuições consistentes do grupo, estão as tentativas de marcar: (a) a narrativa original

que resgata e insere a América Latina como o continente fundacional do colonialismo, e, portanto, da

modernidade; (b) a importância da América Latina como primeiro laboratório de teste para o racismo

a serviço do colonialismo; (c) o reconhecimento da diferença colonial, uma diferença mais difícil de

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escrito em 2000, compartilha do pensamento de Dussel de que a América foi o cenário onde se desenvolveu esse novo modelo de poder, baseado na “Modernidade” que seria imposto mundialmente. E o sustentáculo desse modelo de dominação foi a ideia da existência de raças superiores e inferiores:

La idea de raza, en su sentido moderno, no tiene historia conocida antes de América. Quizás se originó como referencia a las diferencias fenotípicas entre conquistadores y conquistados, pero lo que importa es que muy pronto fue construida como referencia a supuestas estructuras biológicas diferenciales entre esos grupos. La formación de relaciones sociales fundadas en dicha idea produjo en América identidades sociales históricamente nuevas: indios, negros y mestizos, y redefinió otras. Así, términos como español y portugués, y más tarde europeo, que hasta entonces cobraron también, en referencia a las nuevas identidades, una connotación racial. Y en la medida en que las relaciones sociales que estaban configurándose eran relaciones de dominación, tales identidades fueron asociadas a las jerarquías, lugares y roles sociales correspondientes, como constitutivas de ellas y, en consecuencia, al patrón de dominación colonial que se imponía. En otros términos, raza e identidad racial fueron establecidas como instrumentos de clasificación indicaban solamente procedencia geográfica o país de origen, desde entonces social básica de la población. (QUIJANO, 2019, p. 261)

Quijano considera o modelo de poder baseado na suposta superioridade dos brancos europeus “o mais eficaz e durável instrumento de dominação social mundial”, incorporando até outras formas de subjugação mais antigas, como a baseada no gênero (2019, p. 262). Segundo o autor, os colonizadores passaram a realmente acreditar que eram naturalmente superiores aos outros povos, transformando sua cultura e história hegemônicas em detrimento das pertencentes aos colonizados, consideradas primitivas.

“Con acuerdo a esa perspectiva, la modernidad y la racionalidad fueron imaginadas como experiencias y productos exclusivamente europeos (2019, p. 268). Era o nascimento do eurocentrismo e o consequente apagamento das histórias dos povos não- europeus, concepções com graves consequências que persistem até os dias atuais.

Continua ao pontar aponta como exemplo prático a invasão das terras e extermínio de povos originários, as políticas de branqueamento da população com o

identificação empírica na atualidade, mas que fundamenta algumas origens de outras diferenças; (d) a

verificação da estrutura opressora do tripé colonialidade do poder, saber e ser como forma de

denunciar e atualizar a continuidade da colonização e do imperialismo, mesmo findados os marcos

históricos de ambos os processos; (e) a perspectiva decolonial, que fornece novos horizontes utópicos

e radicais para o pensamento da libertação humana, em diálogo com a produção de conhecimento

(BALLESTRIN, 2013, p.110).

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incentivo à imigração no final do século XIX e início do século XX, assim como a disseminação de ideologias como o mito da democracia racial, como ocorreu no Brasil:

[…] Y los dominantes de los nuevos países del Cono Sur consideraron, como en el caso de los Estados Unidos, necesaria la conquista del territorio que los indios poblaban y el exterminio de éstos como forma expeditiva de homogenizar la población nacional y de ese modo facilitar el proceso de constitución de un Estado-nación moderno, a la europea. En Argentina y Uruguay eso fue hecho en el siglo XIX. Y en Chile durante las tres primeras décadas del siglo XX. Estos países atrajeron también millones de inmigrantes europeos, consolidando en apariencia la blanquitud de las sociedades de Argentina, Chile y Uruguay. En un sentido, esto también consolidó en apariencia el proceso de homogeneización en dichos países.

(QUIJANO, 2019, p. 287)

Essa construção dos Estados-Nações à moda colonizadora serviu para manter o poder e os privilégios da classe que já os detinha, apenas sob “novas bases institucionais”, o que impediu desde o processo de independência dos estados latino- americanos o desenvolvimento de sociedades se grandes desigualdades sociais:

en ningún país latinoamericano es posible encontrar una sociedad plenamente nacionalizada ni tampoco un genuino Estado-nación. (…) la estructura de poder fue y aún sigue estando organizada sobre y alrededor del eje colonial. La construcción de la nación y sobre todo del Estado-nación han sido conceptualizadas y trabajadas en contra de la mayoría de la población, en este caso, de los indios, negros y mestizos. La colonialidad del poder aún ejerce su dominio, en la mayor parte de América Latina, en contra de la democracia, la ciudadanía, la nación y el Estado-nación moderno.

(QUIJANO, 2019, p. 292-293)

A resposta ao modelo de Estado com base colonial eurocêntrica e excludente começa a surgir, de acordo com Fernando Huanacuni Mamani, a partir dos anos 70 do século XX. O autor conta que as principais organizações dos povos originários do continente se uniram em favor da proposta de um Estado Plurinacional, no qual pudessem reconstruir sua identidade, seu estilo de vida:

Los pueblos ancestrales en su permanente reflexión y deliberación desde las comunidades,plantean un cambio estructural, comprendiendo que la plurinacionalidad expresa la existencia de las diversas culturas, promueve que todas deben ser igualmente respetadas. Después de prácticamente cuatro décadas de haber planteado esta propuesta, son promulgadas en Ecuador (2008) y Bolivia (2009) Constituciones en las que se declaran como

“Estados Plurinacionales”. (MAMANI, 2010, p. 10)

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Sobre essa conquista, o autor destaca como exemplo o artigo 10, parágrafo I, da constituição boliviana, que numa tradução libre, diz que “a Bolívia é um Estado pacifista que promove a paz e o direito a paz, assim como a cooperação entre os povos da região e do mundo”:

Se establece entonces constitucionalmente que son fines “esenciales” del Estado constituir una sociedad justa y armoniosa, cimentada en la descolonización, sin discriminación ni explotación, con plena justicia social, para consolidar las identidades plurinacionales. Garantizar también la protección y la dignidad de las naciones, los pueblos y las comunidades, y fomentar el respeto mutuo y el diálogo intercultural y plurilingüe. Establece la diversidad plurinacional y en este sentido la necesidad de replantear los aspectos concernientes a la educación, la salud, la producción, pero siempre velando por el equilibrio de la Madre Tierra (Pachamama). (MAMANI, 2010, p. 11)

De acordo com Galeano (2011, p. 25 apud TORRES, 2017, p.135), ao ressignificar esse passado, os excluídos pelo colonialismo requerem seu protagonismo como “povo soberano”. Segundo ele, “[...] os fantasmas de todas as revoluções estranguladas ou traídas, ao longo da torturada história latino-americana, ressurgem nas novas experiências [...]”.

Segundo Gudynas (apud DÁVALOS, 2008, p.5-7 apud BRANDÃO, 2015, p.

149) o Sumak Kawsay “surge como uma resposta da cosmovisão indígena que visa a integrar o homem e a natureza de forma respeitosa, e não resume a qualidade de vida ao nível de consumo ou posses materiais, nem ao simples desenvolvimento por meio do crescimento econômico”. Quanto à figura da Pachamama, Brandão (2015, p. 68) explica que se dá uma quebra de paradigma, pois “a Constituição se afasta de um modelo antropocêntrico para um modelo biocêntrico- no qual se busca a harmonia entre os homens e a natureza”.

Ávila Santamaría (apud ACUNHA, 2019, p. 109) também destaca os conceitos

da Pachamama/ Pacha Mama e do sumak kawsay- que ele chama de utopia andina-

como a “base ideológica desse no constitucionalismo”, cujo desenvolvimento “dar-se-ia

sob princípios da filosofia baseada na realidade, na correspondência, na

complementariedade, na reciprocidade, na pluralidade e na interculturalidade, opostos à

mentalidade que daria suporte às formas constitucionais tributárias da tradição liberal

ocidental”. Sobre esse rompimento com o eurocentrismo, Leonel Júnior observa que

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“essas mudanças paradigmáticas serão fundamentais para que o Estado trilhe um caminho que considere e paute o Vivir Bien”:

Esse conceito andino, crítico ao capitalismo e ao núcleo irracional da modernidade, traz valores comunitários da cosmovisão indígena, além de ressaltar a relação harmônica do homem-mulher com a “mãe terra”. Logo, o vivir bien manifesta-se no modelo de Estado Plurinacional, no novo modelo territorial autonômico e no novo modelo econômico plural e comunitário. (LEONEL JÚNIO, 2015, p. 148)

Para César Baldi (2009), citado por Brandão (2015, p. 37), esse novo conceito de constitucionalismo “rompem com uma visão eurocêntrica do mundo e admitem a inclusão de visões até então marginais na teoria constitucional, fruto também do forte protagonismo das comunidades indígenas”. Esse resgate da epistemologia dos povos originários também é destacado por Brandão:

Esse movimento surgiu de uma novidade histórica de, por um lado, apropriar-se constitucionalmente de alguns instrumentos de lutas e reinvindicações populares, para garantir o controle popular sobre o poder político e econômico, e, por outro, resgatar e preservar conhecimentos e práticas históricas das comunidades ancestrais. Esses são os dois principais pontos que convergem para a caracterização da nossa definição de Novo Constitucionalismo Pluralista Latino-americano. (BRANDÃO, 2015, p. 40)

Segundo Wolkmer, as constituições do Equador (2008) e da Bolívia (2009) são os principais exemplos desse constitucionalismo pluralista surgido na América Latina,

“a partir de mudanças políticas e novos processos de lutas na região”, pois possuem características inovadoras que inspiram “o desenvolvimento de paradigmas de vanguarda no âmbito das novas sociabilidades coletivas (povos originários, indígenas e afrodescendentes) e dos direitos aos bens comuns naturais (recurso naturais, os direitos humanos, à água, e ecossistema equilibrado) e culturais (Estado pluricultural, diversidade e interculturalidade). (WOLKMER, p.38-39 apud BRANDÃO, 2015, p.

62).

As constituições destes dois países representam um terceiro ciclo de um constitucionalismo voltado à pluralidade. Raquel Yrigoyen, citada por Acunha (2019, p.

69), classifica de horizontes do constitucionalismo pluralista o processo de mudança

que resultou nesses ciclos, respectivamente: constitucionalismo multicultural,

constitucionalismo pluricultural e constitucionalismo plurinacional. Segundo a autora, o

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primeiro ciclo, iniciado na década de 1980, “partiu do reconhecimento da diversidade cultural e linguística das sociedades latino-americanas e do direito indígena à identidade cultural coletiva e a um território próprio, embora ainda não enveredasse pelo reconhecimento explícito do pluralismo jurídico”.

A Constituição brasileira seria um exemplo desse primeiro ciclo. Já o segundo ciclo “inaugurou as primeiras rupturas com o monismo jurídico, que se apresentam sob a forma de concessões de exercício de poder a autoridades indígenas e de chancela estatal a procedimentos consuetudinários”. Por fim, o terceiro ciclo “procura romper com a lógica de colonialidade do poder e abandonar a ideia de grupos indígenas como meras coletividades; sua proposta seria a refundação do Estado com fundamento no reconhecimento das nações indígenas” (YRIGOYEN apud ACUNHA, 2019, p. 70-74).

Sobre esse terceiro ciclo, Brandão (2015, p 32-33) explica que ele se dá em meio ao avanço das políticas neoliberais na região durante a década de 1990. Segundo ele, a pauta de reivindicação popular naquele momento se voltava aos direitos sociais e a capacidade do Estado “de enfrentar o poder econômico e as empresas multinacionais”.

Fruto dessas demandas populares, direitos como à segurança alimentar, à água e à cosmovisão indígena foram positivados na Constituição:

Essas Constituições, portanto, têm um claro projeto descolonizador e intercultural, estabelecendo a jurisdição autônoma indígena igualitária com a ordinária e, no caso boliviano, o estabelecimento do Tribunal Constitucional Plurinacional- com representantes paritários da jurisdição indígena e ordinária – e, na Constituição equatoriana, com igualdade de gênero, de maneira a garantir a igualdade étnica e de gênero, respectivamente.

(BRANDÃO, 2015, p. 32-33)

Ainda sobre o processo histórico que culminou no novo constitucionalismo

latino-americano, Brandão (2015, p. 15-16) afirma que a Carta Magna precursora desse

movimento foi a da Colômbia (1991), “impulsionada pela mobilização da sociedade

civil, notadamente o movimento septima papeleta, que gerou uma Assembleia

Constituinte plenamente democrática, ainda que sem referendo de ratificação popular,

núcleo legitimador daquelas Constituições”. O autor, citando Pastor e Dalmau, diz ainda

que a Constituição Brasileira de 1988, apesar de algumas características em sintonia

com esse movimento, não é considerada um exemplo do Novo Constitucionalismo

Latino-americano “devido seu processo constituinte deficitário de legitimidade

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democrática em sua Assembleia Nacional Constituinte, condicionada pelas regras ditatoriais”.

A questão da reação à colonialidade nesse ciclo mais recente no novo modelo constitucional é reforçada por Acunha. Segundo ele, esse movimento se dá mediante a proposição de novas formas de organização da sociedade e da economia que romperiam com séculos de exclusão. (ACUNHA, 2019, p.51)

Tarrega e Freitas (2017), por sua vez, destacam a sintonia entre esta teoria e a realidade latino-americana - seja no âmbito histórico, econômico, ambiental, cultural- em resposta a um constitucionalismo eurocêntrico, que nada condiz com a ideia de um Estado plurinacional, pluricultural e pluriétnico. Para os autores, esse fenômeno significa “a Constituição de uma teoria política elaborada no Sul global, de uma teoria política de transformação pensada para este Sul global, portanto uma teoria contextualizada, autêntica, muito mais preocupada em ser adequada à sua realidade local do que em ser pretensamente universal”:

Trata-se, como já dito, de negar o colonialismo e seus efeitos perversos em nosso continente e reconhecer nossa realidade pluricultural, plurinacional, pluriétnica e denunciar a falsa identidade entre Estado, Povo e Nação que sustentou o constitucionalismo moderno e monocultural. Assim, contra o monismo jurídico-estatal, ascende o pluralismo jurídico-constitucional, reconhecedor de constitucionalismos antigos e silenciados nas comunidades originárias. Trata-se igualmente de denunciar a pobreza, a dependência econômica, a destruição ambiental e os privilégios promovidos pelos direitos meramente individuais-burgueses, formulados em torno dos direitos de liberdade e propriedade, para firmar os direitos da natureza, os direitos coletivos, sociais, étnicos, e uma igualdade material verdadeiramente complexa e que inclua o reconhecimento das diferenças, promovendo-as na medida em que garantem o convívio harmonioso com aqueles que não podem ser reduzidos a uma igualdade deformadora e opressora. (TARREGA;

FREITAS, 2017, p. 112-113)

No caso da Bolívia, por exemplo, mas que também se adequa ao Equador, Acunha reforça que a Constituição consagra princípios éticos-morais da tradição indígena, numa “tentativa clara de harmonização de seus postulados tradicionais (inclusive econômicos) com disposições normativas inspiradas no conceito de viver bem”, o que, segundo ele, caracteriza uma reinterpretação do direito ocidental reconhecendo “o modo de vida indígena como princípio fundacional do Estado”

(ACUNHA, 2019, p. 150) Sobre o rompimento com os modelos constitucionais até então

implementados, Leonel Júnior diz que o Novo Constitucionalismo Latino-americano

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representa um momento histórico em que o Estado reconhece e valoriza sua diversidade cultural:

O pluralismo destaca-se como atributo central da Constituição boliviana.

Choca-se diretamente com a figura do monismo e, assim, apresenta um propósito diverso dos modelos constitucionais, até então, implementados. A originalidade destaca-se em várias passagens do texto constitucional e permite que as consequências concretas desses comandos sejam profundamente transformadoras. Pois, indica um momento constitucional que transita de um Estado republicano, neoliberal, opressor, que nega as subjetividades e manifestações de um povo, para um Estado que almeja reconhecer a pluralidade da reprodução social popular e compor a unidade estatal sem omitir a diversidade cultural. (LEONEL JÚNIOR, 2015, p. 120)

Já Catherine Walsh, citada por Acunha (2019, p.144), diz que “o realmente inovador das novas Constituições equatoriana e boliviana não é tanto a introdução de novos elementos, mas sim o intento de construir uma nova lógica e forma de pensar sob parâmetros radicalmente distintos”. Brandão, por sua vez, destaca a importância do processo constituinte nesse giro paradigmático. Segundo ele, o tradicional constitucionalismo “era fruto de um acordo de elites, baseado em interesses comuns”, enquanto o novo fenômeno “faz parte de uma dinâmica participativa e marcada por tensões”. Ao citar Martínez Dalmau, diz que se trata de um ‘constitucionalismo sin padres’ “em que só o povo pode sentir-se progenitor da Constituição, em contraposição aos pais da Constituição do velho constitucionalismo” (BRANDÃO, 2015, p. 14).

Martínez Dalmau faz uma observação sobre a relação entre o processo constituinte e o caráter revolucionário desse novo modelo constitucional:

Fronte a unha constitución débil, adaptada e retórica, propia do vello constitucionalismo latinoamericano, o novo contitucionalismo, froito das asembleas constituintes comprometidas com procesos de rexeneración social e política, expón um novo paradigma de Constitución forte, orixinal e vinculante, necesaria nunhas sociedades que confiaron na mudanza constitucional a posibilidade dunha verdadeira revolución. (DALMAU apud BRANDÃO, 2015, p. 15)

Acunha também traz algumas observações sobre o contexto político existente quando das Assembleias Constituintes e como isso influenciou não só o conteúdo das Constituições, como também os referendos convocados para ratificar esses documentos.

Segundo ele, naquela ocasião, além da luta contra os projetos neoliberais na região,

também “demandava-se maior intervenção do Estado na economia, maior participação

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da população nas decisões políticas e se pleiteava a ampliação da outorga de direitos- alguns de forma originária na história da região- para parcelas marginalizadas da população. (ACUNHA, 2019, p. 145) Pastor e Dalmau afirmam que uma das inovações que fundamentam o Novo Constitucionalismo Latino-americano é a maior participação popular:

Ao tratar dos fundamentos do novo constitucionalismo democrático latino- americano, Roberto Viciano Pastor e Rubén Martínes Dalmau (...) defendem que a principal aposta desse novo constitucionalismo é a busca de instrumentos que reponham a perdida relação entre soberania popular e governo, por meio do estabelecimento de mecanismos de legitimidade e controle sobre o poder constituído mediante novas formas de participação vinculantes, que, por sua vez, constitucionalizam vários instrumentos de participação e as ânsias democráticas do continente. (PASTOR; DALMAU, 2010, p. 35-37 apud TARREGA; FREITAS, 2017, p. 108)

Na mesma direção, Tarrega e Freitas dizem que o novo constitucionalismo latino-americano materializa, de fato, a democracia direta, pois se tem garantida a

“participação popular na elaboração e na legitimação do direito e das instituições que o compõem e o garantem”:

As novas constituições da Venezuela, do equador e da Bolívia se preocupam fundamentalmente com a legitimação do sistema jurídico por meio da máxima participação popular e elabora diversos mecanismos para que tal ocorra, sem esquecer os fatores materiais que permitem a participação popular, avançando onde o constitucionalismo social e o neoconstitucionalismo se esgotaram. Dessa forma, no contexto de uma crise paradigmática mais ampla, o novo constitucionalismo democrático latino- americano desponta como paradigma jurídico emergente, uma vez que rompe com elementos constitutivos do direito moderno e de seu direito constitucional, com especial centralidade da questão da participação popular.

(TARREGA; FREITAS, 2017, p. 114)

Sobre as características materiais do Novo Constitucionalismo Latino- americano, Pastor e Dalmau também destacam o protagonismo de grupos historicamente excluídos na positivação de suas pautas de reivindicação:

Já as características materiais do Novo Constitucionalismo buscam

intensificar a participação popular no âmbito democrático, construindo uma

aproximação entre o governo e a soberania popular, mediante novas formas

de democracia e participação cidadã. Nesse cenário, com o desenvolvimento

de uma democracia participativa, os partidos políticos têm o seu papel

reduzido, pois é limitado pela intervenção direta da população. Além disso,

como consectário do incremento da democracia participativa, tem-se um

maior protagonismo de grupos historicamente marginalizados, como os

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povos indígenas, mediante a ampla positivação de seus direitos, além da recepção de tratados internacionais e ações constitucionais protetivas de tais direitos. (PASTOR; DALMAU, p. 34-35 apud BRANDÃO, 2015, p. 23)

Já do ponto de vista formal, os supracitados autores destacam quatro características das constituições de Bolívia e Equador: conteúdo inovador, sua amplitude, sua linguagem acessível a todos e a rigidez constitucional. (DALMAU;

PASTOR, 2010, p. 14 apud LEONEL JÚNIOR, 2015, p. 116) Joel Colón-Ríos também apresenta quatro características fundamentais do Novo-Constitucionalismo Latino- americano. São elas:

(a) a promulgação das Constituições advindas de processos constituintes altamente participativos; (b) a existência de assembleias constituintes inclusivas e diversificadas; (c) o objetivo constitucionalmente expresso de estabelecer novas relações econômicas na sociedade; e, por fim, (d) a incorporação de extensas listas de direitos, incluindo direitos coletivos e mecanismos para a sua proteção. (COLÓN-RÍOS, 2015, p. 107-109 apud ACUNHA, 2019, p. 108)

Já Sousa Santos observa que algumas características são essenciais na construção desse “constitucionalismo desde abajo”, como a plurinacionalidade, as autonomias assimétricas, o pluralismo jurídico, a democracia intercultural e novas subjetividades individuais e coletivas. Para o autor, “estos cambios, en su conjunto, pondrán garantizar la realización de políticas anticapitalistas y anticoloniales”

(SANTOS, 2010, p. 77 apud LEONEL JÚNIOR, 2015, p. 142-143)

Por fim, Dalmau e Leonel Júnior citam a rigidez constitucional como uma das características do Novo Constitucionalismo Latino-americano, cujo objetivo é resguardar os fundamentos destas cartas de ataques de projetos políticos circunstanciais:

Cabe ainda destacar dentre as características formais comuns, a verificação da rigidez constitucional; ou seja, uma maior dificuldade para a ocorrência de modificações na Constituição. Essa é uma forma de garantir que os fundamentos previstos nessas novas Constituições latino-americanas, inclusive a boliviana, permaneçam e permitam a configuração de um projeto político diferenciado e inovador. A Constituição boliviana, por exemplo, admite a reforma constitucional, ainda que parcial, somente com um referendo constitucional aprovando o feito. (DALMAU; LEONEL JÚNIOR, 2014, p. 30 apud LEONEL JÚNIOR, 2015, p. 124)

A educação como instrumento respeito à diversidade e tolerância entre os povos

está prevista no artigo 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos:

(14)

A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.

(...)

Vale aqui destacar o enunciado do artigo 205, da CF/88: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

Na Constituição Brasileira de 1988, o direito à educação está elencado no artigo 6º, além de possuir um capítulo próprio na Carta Magna, que vai do artigo 205 ao 214.

Estudioso do direito à educação digna, Marcelo Hugo da Rocha cita Sergio Alves Gomes, que diz que a educação sob o prisma da dignidade da pessoa humana é capaz de fazer o indivíduo visualizar não só a sua humanidade, mas também a do outro, uma vez que:

é capaz de libertar o indivíduo e os povos das amarras da ignorância a respeito de seus próprios direitos, valores e dignidade, bem como sobre os direitos, valores e a dignidade do outro, de modo a ver neste um semelhante e não um inimigo (GOMES apud ROCHA, 2018, p.46)

José Alcebíades de Oliveira Júnior explica que não existe cidadania sem base cultural, pois esta está diretamente ligada à formação da identidade do indivíduo.

Preocupante, portanto, segundo o autor, quando “a cultura que fornece essa base ocupa uma posição marginal”. (2015, p.31) Tendo como base o princípio da igualdade, Luiz Alberto David Araújo observa que o direito à uma educação baseada na diversidade beneficia a todos, pois também é de interesse daqueles tidos como pertencentes “a maioria”:

A questão da diversidade envolve também a maioria; é direito também da

maioria. De poder conviver com a minoria, de poder conviver com o

diferente e com a diferença. Como se materializa esse direito? Como eu

posso dizer que haverá vantagens para mim convivendo com a diferença? Eu

serei mais acolhedor, menos centrado em mim mesmo. Serei mais solidário,

mais tolerante com as coisas que não gosto. E não sou obrigado a gostar de

tudo. Mas serei mais compreensivo com o que não me agrada e aprenderei a

entender que, por trás da diferença ‘x’ ou ‘y’, há um ser humano com

esperanças, desejos, vontades, expectativas, anseios, fome, sede e vontade de

encontrar um mundo acessível (ARAÚJO, 2015, p.25)

(15)

Sobre a educação intercultural, Coppete (2012, p. 251) diz que, através dessa proposta, é possível “integrar dialeticamente as diferenças” e que “sua orientação está focada na construção de uma sociedade plural, democrática e eminentemente humana, capaz de articular políticas de igualdade com políticas de identidade”. A autora supracitada afirma ainda que o principal objetivo dessa abordagem educacional é

“auxiliar as pessoas a se apropriarem do código que possibilita acessar o universo do outro, ou seja, os valores, a história, a maneira de pensar, de viver, entre outros” :

Uma vez que tenha acesso a esse código, poderá voltar ao seu próprio código, e seu universo pessoal estará mais enriquecido pela troca empreendida.

Assim, é possível inferir que a educação intercultural sugere que as pessoas aprendam e se habituem a olhar, mediados por uma ótica diferente. Propõe mudanças cognitivas e emocionais que as levem a compreender como os outros pensam e sentem; e nesse processo retornem a si mesmos mais conscientes de suas próprias raízes culturais. (COPPETE, 2012, p. 244)

A oportunidade de crescimento pessoal também é destacada por Fleuri (apud COPPETE, 2012, p. 248) “[...] constitui uma oportunidade de crescimento da cultura pessoal de cada um, assim como de mudança das relações sociais, na perspectiva de mudar tudo aquilo que impede a construção de uma sociedade mais livre, mais justa e mais solidária. A importância de uma educação com base na “Questão do Outro”

também é defendida por Castro:

Somos o que somos, não só por nossa identidade e autonomia em si, mas também porque somos reconhecidos como tais pelos outros: os outros são nosso outro, assim como o somos para eles. E nos reconhecemos em condições cotidianas e sociais históricas muito concretas. Na perspectiva da interculturalidade e da cooperação, é insuficiente estabelecer uma relação de respeito com o outro e pelo outro, valorizando-o como legítimo outro, fora do contexto de existência compartilhado. Esse valor e essa legitimidade devem ser acrescentados ou compreendidos como compromissos com ele, na medida em que se produz um compromisso ativo e histórico na mudança das condições estruturais que condicionam o outro em sua liberdade e impedem o desdobramento de suas potencialidades, mantendo-o em qualquer forma e situação de subordinação. Caso contrário é um respeito não-solidário, uma tolerância passiva. O ato amoroso está no reconhecimento e no respeito, com compromisso na transformação das condições que limitam sua humanização e tornam precária a relação e o diálogo criador mútuo (CASTRO, 2007, p.

131-132)

Vale ressaltar ainda a observação de Hector Luís Cordeiro Vieira sobre os

impactos do racismo na democracia:

(16)

O racismo influencia os processos históricos e políticos, sendo capaz de gerar, assim, uma democracia contraditória em seus termos internos, eminentemente paradoxal, uma democracia antidemocrática. Isso porque é levado em conta que há determinadas bases e valores que são compartilhados como elementos que legitimam o conceito, provocando sua operacionalidade social e institucional, bem como a adesão estatal, política e jurídica (ROSA;

LUIZ, 2011 apud VIEIRA, 2019, p.48)

Quando se fala em uma pedagogia pluralista e libertadora, não se pode deixar de citar a clássica obra ‘A Pedagogia do Oprimido’, de Paulo Freire, patrono da educação brasileira e um dos intelectuais do país mais estudado mundo afora. Em sua obra, escrita durante o exílio no Chile e inspirada nos campesinos daquele país, o autor defende que a emancipação dos oprimidos perpassa pela recuperação de sua humanidade, por meio de uma pedagogia trabalhada em conjunto, sem o autoritarismo daquilo que ele classificava de educação bancária, que é aquela em que o aluno é apenas receptor e repetidor do conteúdo que lhe é repassado pelo professor.

Para Freire, é essencial que o oprimido consiga refletir sobre seu lugar no mundo e compreender os mecanismos utilizados pela classe dominante para manter seus privilégios. Além disso, alerta que é preciso reconhecer o quanto da ideologia do opressor foi absorvida pelo oprimido e de que maneira ele vem reproduzindo esses conceitos:

Somente na medida em que se descubram “hospedeiros” do opressor poderão contribuir para o partejamento de sua pedagogia libertadora. Enquanto vivam a dualidade na qual ser é parecer e parecer é parecer com o opressor, é impossível fazê-lo. A pedagogia do oprimido, que não pode ser elaborada pelos opressores, é um instrumento para esta descoberta crítica- a dos oprimidos por si mesmos e a dos opressores pelos oprimidos, como manifestações da desumanização (FREIRE, 2019, p. 43).

Aqui podemos identificar esse diálogo entre a pedagogia freireana e multiculturalidade. No que se refere à população negra e indígena, permitir uma educação para a diversidade é possibilitar que redescubra sua cultura e história, que passou por um processo de apagamento durante e após o período colonial. A proposta e de redescoberta, de entendimento do status quo, de compreensão do colonialismo excludente e do eurocentrismo. Há aqui o rompimento do processo que Freire classifica como “autodesvalia”. Segundo ele, de tanto os oprimidos ouvirem que são incapazes,

“que não sabem nada, que não podem saber, que são enfermos, indolentes, que não

(17)

produzem em virtude de tudo isto, terminam por se convencer de sua ‘incapacidade’”

(FREIRE, 2019, p. 69).

Para Freire, a adoção de uma educação multicultural é também uma oportunidade para os não-oprimidos, pois têm a oportunidade de constatar seus privilégios e, assim, adotar uma nova visão de mundo se a intensão for verdadeiramente somar forças na construção de uma nova realidade.

E, de acordo com Freire, essa mudança atitudinal se faz necessária pois as classes dominantes tendem a ter dificuldade de ver humanidade naqueles que consideram diferente. “Por isto é que, para os opressores, o que vale é ter mais e cada vez mais, à custa, inclusive, do ter menos ou do nada ter dos oprimidos. Ser, para eles, é ter e ter como classe que tem” (FREIRE, 2019, p. 63).

Daí a importância de se ter mecanismos que contribuam para concepções de mundo mais igualitárias, mais plurais, e que possam transformar a realidade social.

Como ensina Freire, “[...] Se os homens são os produtores desta realidade e se está, na

‘inversão da práxis’, se volta sobre eles e os condiciona, transformar a realidade opressora é tarefa histórica, é tarefa dos homens” (FREIRE, 2019, p. 51). Daí a sua frase clássica de que os homens se libertam em comunhão. [...] E haverá importância maior que conviver com os oprimidos, com os esfarrapados do mundo, com os “condenados da terra?” (FREIRE, 2019, p. 179).

Estudiosa da obra de Paulo Freire, a ativista feminista negra estadunidense bell hooks, cujo nome oficial é Gloria Jean Watkins, escreve o também clássico

‘Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade’. Na obra, a escritora narra suas percepções, como estudante e depois como professora de inglês, sobre o ensino formal e a possibilidade de romper com o status quo, dando lugar à construção de uma pedagogia humanista, baseada no multiculturalismo e na emancipação do ser.

Bell hooks relata que ainda no ensino fundamental pôde perceber os

contrastes entre uma educação para a liberdade e uma educação bancária. Era a época

da luta pelos direitos civis da população negra nos EUA e, segundo a escritora, naquele

sistema, pensar poderia ser considerado uma afronta à autoridade (branca). É apenas na

pós-graduação que bell descobre a obra de Freire – com que depois tem a oportunidade

de estudar- e vê nele “um mentor e um guia, alguém que entendia que o aprendizado

poderia ser libertador”.

(18)

Em ‘Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade’, bell hooks fala não só sobre a importância de um ensino multicultural e interseccional, mas também da resistência dos educadores em aderir a essa filosofia e sobre o eurocentrismo da academia que, em muitos momentos, colocou em xeque a qualidade de seus textos em função do seu estilo de escrita:

O multiculturalismo obriga os educadores a reconhecer as estreitas fronteiras que moldaram o modo como o conhecimento é partilhado em sala de aula.

Obriga todos nós a reconhecer nossa cumplicidade na aceitação e perpetuação de todos os tipos de parcialidade e preconceito. Os alunos estão ansiosos para derrubar os obstáculos ao saber. Estão dispostos a se render ao maravilhamento de aprender e reaprender novas maneiras de conhecer que vão contra a corrente. Quando nós, como educadores, deixamos que nossa pedagogia seja radicalmente transformada pelo reconhecimento da multiculturalidade do mundo, podemos das aos alunos a educação que eles desejam e merecem. Podemos ensinar de um jeito que transforma a consciência, criando um clima de livre expressão que é a essência de uma educação em artes liberais verdadeiramente libertadora (HOOKS, 2019, p.

63).

A Carta Magna do Equador demonstra já em seu preâmbulo 9 essa ruptura com as ideias colonialistas, propondo, em seu lugar, um constitucionalismo influenciado pela cultura milenar dos povos originários; constitucionalismo este que tem por base o respeito à diversidade e a convivência harmoniosa com a natureza como forma de alcançar o Bem Viver.

3. Aspectos da constituição do Equador

O ideário segundo a Constituição do país, um dos instrumentos fundamentais para se alcançar esse propósito é a educação. Expressa no texto constitucional entre os

9 NOSOTRAS Y NOSOTROS, el pueblo soberano del Ecuador RECONOCIENDO nuestras raíces

milenarias, forjadas por mujeres y hombres de distintos pueblos, CELEBRANDO a la naturaleza, la

Pacha Mama, de la que somos parte y que es vital para nuestra existencia, INVOCANDO el nombre

de Dios y reconociendo nuestras diversas formas de religiosidad y espiritualidad, APELANDO a la

sabiduría de todas las culturas que nos enriquecen como sociedad, COMO HEREDEROS de las

luchas sociales de liberación frente a todas las formas de dominación y colonialismo, Y con un

profundo compromiso con el presente y el futuro, decidimos construir Una nueva forma de

convivencia ciudadana, en diversidad y armonía con la naturaleza, para alcanzar el buen vivir, el

sumak kawsay; Una sociedad que respeta, en todas sus dimensiones, la dignidad de las personas y las

colectividades; Un país democrático, comprometido con la integración latinoamericana – sueño de

Bolívar y Alfaro-, la paz y la solidaridad con todos los pueblos de la tierra (EQUADOR, 2008).

(19)

Direitos do Buen Vivir, a educação é um dever inescusável do Estado, garantida às pessoas ao longo da vida e vista como garantia de igualdade, inclusão social e desenvolvimento nacional:

Art. 26.- La educación es un derecho de las personas a lo largo de su vida y un deber ineludible e inexcusable del Estado. Constituye un área prioritaria de la política pública y de la inversión estatal, garantía de la igualdad e inclusión social y condición indispensable para el buen vivir. Las personas, las familias y la sociedad tienen el derecho y la responsabilidad de participar en el proceso educativo.

Art. 27.- La educación se centrará en el ser humano y garantizará su desarrollo holístico, en el marco del respeto a los derechos humanos, al medio ambiente sustentable y a la democracia; será participativa, obligatoria, intercultural, democrática, incluyente y diversa, de calidad y calidez; impulsará la equidad de género, la justicia, la solidaridad y la paz;

estimulará el sentido crítico, el arte y la cultura física, la iniciativa individual y comunitaria, y el desarrollo de competencias y capacidades para crear y trabajar.

La educación es indispensable para el conocimiento, el ejercicio de los derechos y la construcción de un país soberano, y constituye un eje estratégico para el desarrollo nacional. (EQUADOR, 2008).

Além disso, a educação será sempre voltada ao interesse público, com uma concepção universal e laica, ocorrendo de forma escolarizada ou não escolarizada, gratuita até o terceiro nível da educação superior. Cabe ao Estado ainda promover o diálogo intercultural, priorizando políticas públicas voltadas aos grupos marcados pela exclusão social:

Art. 28.- La educación responderá al interés público y no estará al servicio de intereses individuales y corporativos. Se garantizará el acceso universal, permanencia, movilidad y egreso sin discriminación alguna y la obligatoriedad en el nivel inicial, básico y bachillerato o su equivalente.

Es derecho de toda persona y comunidad interactuar entre culturas y participar en una sociedad que aprende. El Estado promoverá el diálogo intercultural en sus múltiples dimensiones.

El aprendizaje se desarrollará de forma escolarizada y no escolarizada.

La educación pública será universal y laica en todos sus niveles, y gratuita hasta el tercer nivel de educación superior inclusive.

Art. 341.- El Estado generará las condiciones para la protección integral de

sus habitantes a lo largo de sus vidas, que aseguren los derechos y principios

reconocidos en la Constitución, en particular la igualdad en la diversidad y

la no discriminación, y priorizará su acción hacia aquellos grupos que

requieran consideración especial por la persistencia de desigualdades,

exclusión, discriminación o violencia, o en virtud de su condición etaria, de

salud o de discapacidad. (grifo nosso) (EQUADOR, 2008).

(20)

A constituição traz ainda uma observação quanto à educação de adultos, que deverá levar em conta aspectos como gênero, etnia e especificidades dos discentes se oriundos de zonas rurais ou urbanas:

Art. 38.- El Estado establecerá políticas públicas y programas de atención a las personas adultas mayores, que tendrán en cuenta las diferencias específicas entre áreas urbanas y rurales, las inequidades de género, la etnia, la cultura y las diferencias propias de las personas, comunidades, pueblos y nacionalidades; asimismo, fomentará el mayor grado posible de autonomía personal y participación en la definición y ejecución de estas políticas. (EQUADOR, 2008).

Sousa Júnior e Bonizzato (p. 464) chamam atenção para o fato de que “(...) Todo o sistema educacional é voltado para uma visão intercultural da sociedade equatoriana nas perspectivas geográfica, cultural e linguística, respeitando os direitos das comunidades, povos e nacionalidades ali residentes”.

Os autores destacam ainda que a educação também é vista como uma estratégia contra a corrupção “sendo um instrumento fundamental para a construção de valores, ética, transparência, solidariedade e respeito aos demais nacionais equatorianos. De acordo com Souza Júnior e Bonizzato (p. 466-467), o Plano Nacional de Educação tema como fundamento o “desenvolvimento inclusivo” “como forma de possibilitar atingir-se a dignidade e o empoderamento das pessoas”:

O acesso e a capacitação de qualidade, desde sempre, buscam promover para jovens e adultos a ampliação das capacidades e o desenvolvimento como ser humano, a fim de que se consiga o alcance dos objetivos pessoais e desenvolvimento social, econômico e cultural de uma forma mais ampla. Sob esse enfoque, procura-se atingir a finalidade do acima já explorado bem viver, que é também o resultado do aumento da dignidade humana, da capacidade e do bem-estar em relação aos demais seres vivos e à natureza, sendo a base fundamental da educação equatoriana do Século XXI, a qual finda por inevitavelmente expandir seus conceitos para um universo exterior muito mais amplo, que inclui uma série de países e nações, os quais, certamente, já buscam influência e inspiração nos modelos aqui estudados.

(SOUSA JÚNIOR; BONIZZATO, p. 466-467).

O artigo 340 da carta magna equatoriana traz os princípios que guiarão o Plano

Nacional de Desenvolvimento do país, dentre eles a interculturalidade e a não

discriminação:

(21)

Art. 340.- EI sistema nacional de inclusión y equidad social es el conjunto articulado y coordinado de sistemas, instituciones, políticas, normas, programas y servicios que aseguran el ejercicio, garantía y exigibilidad de los derechos reconocidos en la Constitución y el cumplimiento de los objetivos del régimen de desarrollo.

El sistema se articulará al Plan Nacional de Desarrollo y al sistema nacional descentralizado de planificación participativa; se guiará por los principios de universalidad, igualdad, equidad, progresividad, interculturalidad, solidaridad y no discriminación; y funcionará bajo los criterios de calidad, eficiencia, eficacia, transparencia, responsabilidad y participación.

(EQUADOR, 2008)

A visão intercultural que deverá embasar o Sistema Nacional de Educação do Equador está prevista no artigo 243 da constituição, segundo o qual as estratégias serão elaboradas respeitando a diversidade geográfica, cultural e linguística do país, assim como os direitos dos diferentes povos que formam a população equatoriana:

Art. 343.- El sistema nacional de educación tendrá como finalidad el desarrollo de capacidades y potencialidades individuales y colectivas de la población, que posibiliten el aprendizaje, y la generación y utilización de conocimientos, técnicas, saberes, artes y cultura. El sistema tendrá como centro al sujeto que aprende, y funcionará de manera flexible y dinámica, incluyente, eficaz y eficiente.

El sistema nacional de educación integrará una visión intercultural acorde con la diversidad geográfica, cultural y lingüística del país, y el respeto a los derechos de las comunidades, pueblos y nacionalidades. (EQUADOR, 2008).

A Constituição também prevê que é responsabilidade do Estado garantir uma educação intercultural bilíngue. De acordo com o artigo 247 da Carta Magna, o ensino se dará, tendo como idioma principal, aquele correspondente a “nacionalidad respectiva”, e o castelhano “como idioma de relación intercultural, bajo la rectoría de las políticas públicas del Estado y con total respeto a los derechos de las comunidades, pueblos y nacionalidades”.

O direito a uma educação plural também está presente no capítulo destinado aos direitos dos povos indígenas. Além de uma educação intercultural bilingüe, esta deve respeitar a diversidade cultural das populações originárias, com a aplicação de metodologias que estejam em sintonia com suas formas de ensinar e aprender:

Art. 57.- Se reconoce y garantizará a las comunas, comunidades, pueblos y

nacionalidades indígenas, de conformidad con la Constitución y con los

pactos, convenios, declaraciones y demás instrumentos internacionales de

derechos humanos, los siguientes derechos colectivos:

(22)

14. Desarrollar, fortalecer y potenciar el sistema de educación intercultural bilingüe, con criterios de calidad, desde la estimulación temprana hasta el nivel superior, conforme a la diversidad cultural, para el cuidado y preservación de las identidades en consonancia con sus metodologías de enseñanza y aprendizaje.

21. Que la dignidad y diversidad de sus culturas, tradiciones, historias y aspiraciones se reflejen en la educación pública y en los medios de comunicación; la creación de sus propios medios de comunicación social en sus idiomas y el acceso a los demás sin discriminación alguna. (EQUADOR, 2008).

3.2 Aspectos da Constituição da Bolívia

A busca do Buen Vivir, a conexão com a Pachamama, o respeito à pluralidade- econômica, social, jurídica, política e cultural- o rompimento com as ideias coloniais e a proposta de construção de um Estado Unitário Social de Direito Plurinacional Comunitário estão previstos logo no preâmbulo 10 da Constituição da Bolívia, norteando todo o sistema jurídico nacional.

10 En tiempos inmemoriales se erigieron montañas, se desplazaron ríos, se formaron lagos. Nuestra amazonia, nuestro chaco, nuestro altiplano y nuestros llanos y valles se cubrieron de verdores y flores. Poblamos esta sagrada Madre Tierra con rostros diferentes, y comprendimos desde entonces la pluralidad vigente de todas las cosas y nuestra diversidad como seres y culturas. Así conformamos nuestros pueblos, y jamás comprendimos el racismo hasta que lo sufrimos desde los funestos tiempos de la colonia.

El pueblo boliviano, de composición plural, desde la profundidad de la historia, inspirado en las luchas del pasado, en la sublevación indígena anticolonial, en la independencia, en las luchas populares de liberación, en las marchas indígenas, sociales y sindicales, en las guerras del agua y de octubre, en las luchas por la tierra y territorio, y con la memoria de nuestros mártires, construimos un nuevo Estado.

Un Estado basado en el respeto e igualdad entre todos, con principios de soberanía, dignidad, complementariedad, solidaridad, armonía y equidad en la distribución y redistribución del producto social, donde predomine la búsqueda del vivir bien; con respeto a la pluralidad económica, social, jurídica, política y cultural de los habitantes de esta tierra; en convivencia colectiva con acceso al agua, trabajo, educación, salud y vivienda para todos.

Dejamos en el pasado el Estado colonial, republicano y neoliberal. Asumimos el reto histórico de construir colectivamente el Estado Unitario Social de Derecho Plurinacional Comunitario, que integra y articula los propósitos de avanzar hacia una Bolivia democrática, productiva, portadora e inspiradora de la paz, comprometida con el desarrollo integral y con la libre determinación de los pueblos.

Nosotros, mujeres y hombres, a través de la Asamblea Constituyente y con el poder originario del pueblo, manifestamos nuestro compromiso con la unidad e integridad del país.

Cumpliendo el mandato de nuestros pueblos, con la fortaleza de nuestra Pachamama y gracias a Dios, refundamos Bolivia.

Honor y gloria a los mártires de la gesta constituyente y liberadora, que han hecho posible esta

nueva historia. (BOLÍVIA, 2009).

(23)

O direito à educação está expresso como uma das funções do Estado 11 (art. 9, 5).

Educação esta que, segundo o artigo 17, é direito em todos os níveis, de maneira universal, gratuita, intercultural e sem discriminação. Eis a importância de tal direito, sendo que o artigo 77 prevê: “la educación constituye una función suprema y primera responsabilidad financiera del Estado, que tiene la obligación indeclinable de sostenerla, garantizarla y gestionarla”.

Diz ainda o artigo 78 que a educação deve ser, dentre outras características, participativa, descolonizadora, intracultural, intercultural e plurilíngue. Sobre este último aspecto, Garcia Linera (2010, p.32) apud Leonel Júnior (2015, p. 32) destaca que o ensino se dará em três idiomas: “castellano-como idioma de integración-, una lengua extranjera – como idioma de comunicación con mundo – y un idioma indígena dominante en la región: aymara en La Paz, quechua en Cochabamba y guaraní en Santa Cruz (…)”.

Brandão (2015, p.143) lembra ainda que “será respeitada a espiritualidade das nações e povos indígenas (art. 87) e que na educação superior levar-se-á em conta o conhecimento “universal” e os saberes coletivos dos povos indígenas (art. 91), inclusive resgatando suas diferentes línguas (art. 95, II).

Ainda sobre o sistema educacional outro marco legislativo importante foi a promulgação da Lei Avelino Siñani-Elizardo Pérez. De acordo com Souza Júnior e Bonizzato (p. 465), a norma buscou “promover uma revolução educativa com a implementação de um sistema educativo plurinacional”:

(...) no qual se busca uma transformação das estruturas coloniais que originaram a exclusão dos setores populares e indígenas do país, e que considera como fatores que contribuíram para essa situação a condição colonial e neocolonial da realidade boliviana; a condição de dependência econômica em nível mundial; a ausência de valorização dos saberes e conhecimentos dos povos indígenas; e uma educação cognitiva e descontextualizada. (SOUSA JÚNIOR; BONIZZATO, p. 465)

A relevância da promulgação da Lei Avelino Siñani- Elizardo Pérez para o sistema educacional boliviano também é destacado por Leonel Júnior (2015):

11 Artículo 9. Son fines y funciones esenciales del Estado, además de los que establece la Constitución y

la ley: 5. Garantizar el acceso de las personas a la educación, a la salud y al trabajo (BOLÍVIA,

2009).

(24)

Inicia-se uma transformação no sistema educativo que tornou-se plurinacional, intercultural e plurilíngue. A base curricular escolar leva em conta a produção de saberes, conhecimentos e tecnologias das nações e povos indígenas originários. Isso contribui para a formação de professores que reproduzirão esse desenho curricular a partir das Escolas Superiores de Formação de Professores/as. Além da formação, o Estado estimula os alunos/as a permanecerem na escola através do “Bono Juancito Pinto”, que em 2011 beneficiou 1.688.268 crianças no país (BOLÍVIA, 2012, p.5 apud LEONEL JÚNIOR, 2015, p. 180).

Leonel Júnior chama atenção ainda para o fato de que, aliado às mudanças no sistema educacional, ocorreu o avanço no combate ao racismo no país:

Por meio da lei n° 045 de 2010 e do decreto regulamentar n° 762 de 2011 foi formado o Comitê Nacional contra o Racismo e toda a forma de Discriminação que elaborou um diagnóstico, o qual resultou em um Plano de ação do Estado Plurinacional contra o racismo. (LEONEL JÚNIOR, 2015, p.

181)

4. Educação para a diversidade no Brasil

Como explicado anteriormente, a Constituição Brasileira de 1988, apesar de algumas características em sintonia com esse movimento, não é considerada um exemplo do Novo Constitucionalismo Latino-americano em função da maneira como se deu sua Assembleia Constituinte, que reconheceu a diversidade cultural da sociedade brasileira e o direito indígena à identidade cultural coletiva e a um território próprio, mas não chegou ao ponto do reconhecimento explícito do pluralismo jurídico.

Na Constituição Brasileira de 1988, o direito à educação está elencado no artigo 6º, além de possuir um capítulo próprio na Carta Magna, que vai do artigo 205 ao 214. Vale aqui destacar o enunciado do artigo 205: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

Outros trechos importantes são o art. 20, ao afirmar que “O ensino será

ministrado com base nos seguintes princípios: III - pluralismo de ideias e de concepções

pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino”. Por fim, o

art. 242. §1º determina que “O ensino da História do Brasil levará em conta as

contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro”.

Referências

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