UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO
ANNA THAMYRES NUNES MAIA
DIVERGÊNCIAS DOUTRINÁRIAS E JURISPRUDENCIAIS SOBRE A HIPÓTESE DE PERDA DE MANDATO PARLAMENTAR POR CONDENAÇÃO CRIMINAL
TRANSITADA EM JULGADO ANTE A “LEI DA FICHA LIMPA”
ANNA THAMYRES NUNES MAIA
DIVERGÊNCIAS DOUTRINÁRIAS E JURISPRUDENCIAIS SOBRE A HIPÓTESE DE PERDA DE MANDATO PARLAMENTAR POR CONDENAÇÃO CRIMINAL
TRANSITADA EM JULGADO ANTE A “LEI DA FICHA LIMPA”
Monografia apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do Título de Bacharel em Direito.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará
Biblioteca Setorial da Faculdade de Direito
M218d Maia, Anna Thamyres Nunes.
Divergências doutrinárias e jurisprudenciais sobre a hipótese de perda de mandato parlamentar por condenação criminal transitada em julgado ante a “Lei da Ficha Limpa” / Anna Thamyres Nunes Maia . – 2014.
63 f. : enc. ; 30 cm.
Monografia (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2014.
Área de Concentração: Direito Constitucional. Orientação: Prof. Me. William Paiva Marques Junior.
1. Democracia - Brasil. 2. Direitos políticos. 3. Inelegibilidades - Brasil . 4. Corrupção administrativa – Brasil. 5. Jurisprudência – Brasil. I. Marques Junior, William Paiva (orient.). II. Universidade Federal do Ceará – Graduação em Direito. III. Título.
ANNA THAMYRES NUNES MAIA
DIVERGÊNCIAS DOUTRINÁRIAS E JURISPRUDENCIAIS SOBRE A HIPÓTESE DE PERDA DE MANDATO PARLAMENTAR POR CONDENAÇÃO CRIMINAL
TRANSITADA EM JULGADO ANTE A “LEI DA FICHA LIMPA”
Monografia apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do Título de Bacharel em Direito.
Aprovada em: ___/___/______.
BANCA EXAMINADORA
________________________________________
Prof. Me. William Paiva Marques Junior (Orientador)
Universidade Federal do Ceará (UFC)
_________________________________________
Prof. Francisco Macedo de Araújo Filho
Universidade Federal do Ceará (UFC)
_________________________________________
Tonny Ítalo Lima Pinheiro
A Deus.
Aos meus pais, João Tarcísio e Maria
AGRADECIMENTO
Ao meu pai João Tarcísio que sempre priorizou minha educação, bem como a de
meus irmãos e não diminuiu esforços para que eu chegasse até aqui. À minha mãe Arraialina,
exemplo de mulher guerreira que alcançou seus objetivos por mérito próprio, soube me passar
bons princípios, me ensinando a distinguir o certo e o errado. Ao meu irmão Tarcísio, por ser
meu referencial de caráter, meu exemplo e pessoa a ser seguido. Pessoa pela qual nutro
profunda admiração apesar da diferença de personalidade. Ao meu irmão Pedro, pelo carinho
diário, por ser uma pessoa doce, um abraço amigo sempre disponível. que sempre passa
tranquilidade. À Braz, minha segunda mãe, pessoa que me criou e que me conhece como
ninguém.
Aos meus amigos de colégio, em especial a Luana, o Alexandre, a Lia e a
Thereza, por permanecerem presentes na minha vida, apesar de cada uma ter seguido rumos
tão diferentes. Agradeço a paciência e a atenção em todos os momentos que precisei de um
ombro amigo. Nunca deixaram de acreditar em meu potencial e sempre me aconselharam com
palavras gentis de incentivo nos momentos certos.
Á meus amigos da faculdade, que estiveram do meu lado durante esses cinco
anos, tanto nos momentos de confraternização, quanto nas horas de estudos, compartilhando
alegrias e conhecimentos. À Ídya, pelo companheirismo desde o primeiro dia de aula, por
sempre me compreender e me incentivar em todos os aspectos da minha vida. Por ser uma
excelente companhia em todas as horas e por toda ajuda acadêmica. À Rafaella pela alegria de
viver ímpar que contagia todos a sua volta. À Amannda pelo exemplo de caráter que ela se
mostrou ser e que é tão raro hoje em dia. À Alene pela doçura e gentileza sempre
compartilhada e que, sem ela perceber, faz tão bem as pessoas.
Aos amigos do estágio da Caixa Econômica Federal pela convivência diária que
sempre tornaram o trabalho e aprendizado mais leves, especialmente ao meu chefe Dr. Paulo
César, por toda a orientação, paciência e, acima de tudo, amizade.
Ao Prof. Me. William Paiva Marques Júnior, por, apesar de todas as suas
atribuições e compromissos, sempre se mostrar muito solícito e prestativo,
proporcionando-me uma ótima orientação nesse trabalho, dando dicas de pesquisa, fazendo críticas e correções
pertinentes. Exemplo de professor a ser seguido, que cativa os discentes com seu jeito
Aos participantes da banca examinadora Prof. Francisco de Araujo Macedo Filho
e Tonny Ítalo Lima Pinheiro pela disponibilidade de tempo, pela gentileza em aceitar o
“A gratidão é o único tesouro dos humildes”
RESUMO
O presente estudo analisa o desenvolvimento de uma democracia participativa como
instrumento para consecução de uma política moralizada e de um processo eleitoral íntegro. A
Lei Complementar nº 135/2010 contribui para esse progresso democrático, na medida que
estabelece novos critérios rígidos e impeditivos de inelegibilidades em defesa da probidade
administrativa. Frente a esse avanço sócio-político, analisam-se as divergências sobre à
hipótese de perda de mandato parlamentar por condenação judicial transitada em julgado e a
aparente antinomia existente entre os arts. 15 e 55, CRFB/88. Buscando a interpretação
normativas que mais coaduna com os princípios constitucionais, percebe-se que a perda
automática do mandato parlamentar por crime de alta reprovabilidade é a solução mais
adequada para a defesa da soberania popular e da segurança jurídica.
ABSTRACT
This study examines the development of a participatory democracy as an instrument for
achievement of a moralized politics and a principled electoral process. The Complementary
Law nº. 135/2010 contributes to the democratic progress, as far as establish new strict and
impede ineligibility criteria in defense of administrative probity. Faced with this
socio-political advancement, we analyze the differences between the hypothesis of loss of
parliamentary mandate by judicial sentence of a final decision and the apparent contradiction
existing between the arts. 15 and 55, CRFB / 88. Searching for the normative interpretation
which is more consistent with constitutional principles, it is noticed that the automatic loss of
parliamentary mandate for the crime of high disapproval is the most appropriate solution for
the defense of popular sovereignty and legal certainty.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ... 12
2 OS DIREITOS POLÍTICOS COMO FORMA DE EFETIVAÇÃO DA DEMOCRACIA ... 14 2.1 Pressupostos conceituais ... 17
2.2 Direitos políticos positivos: capacidade eleitoral ativa e capacidade eleitoral passiva ... 19 2.3 Direitos políticos negativos: inelegibilidades, perda e suspenção de direitos ... 21 3 ANÁLISE DA LEI DA FICHA LIMPA: CARACTERÍSTICAS GERAIS, CONTEXTO E APLICABILIDADE ... 29 3.1 Contexto histórico …...……….………...…. 29
3.2 Delimitação conceitual da Lei da Ficha Limpa ………. 33
3.3 Divergências quanto a constitucionalidade da lei ... 35
3.4 A importância da Lei da Ficha Limpa para a moralização do poder público ... 43 4 HIPÓTESE DE PERDA DE MANDATO PARLAMENTAR POR CONDENAÇÃO CRIMINAL TRANSITADA EM JULGADO E A EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL SOBRE O TEMA ... 45 4.1 Aparente antinomia de normas ... 45
4.2 Evolução jurisprudencial sobre o tema ... 48
4.2.1 Recurso Extraordinário nº 179.502/SP ... 48
4.2.2 Ação Penal nº 470/MG (mensalão) ... 49
4.2.3 Ação Penal nº 565/RO ... 51
4.2.4 Ação Penal nº 396/RO ... 52
4.3 Análise crítica da Jurisprudência à luz da Lei da Ficha Limpa ... 54
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 58
1. INTRODUÇÃO
É condição precípua do Estado Democrático de Direito que os cidadãos
participem ativamente da vida política, seja exercendo seus direitos políticos positivos
(capacidade eleitoral ativa e passiva), seja exercendo direitos políticos negativos
(inelegibilidades, perda e suspensão de mandato).
É visível o desenvolvimento de uma democracia participativa, na qual o cidadão,
como ser político, busca efetivar direitos fundamentais e fazer valer o ideal de
representatividade de seus interesses. Essa maior participação vem se acentuando em virtude
da descrença dos governados em seus governantes frente à corrupção desenfreada.
Em um sistema representativo ideal, os representantes deveriam agir em nome do
povo de forma íntegra e bem intencionada para consecução do bem comum, e não almejando
vantagens pessoais. Nesse contexto, aparecem duas questões sensíveis à democracia: quem
seria apto a ser candidato a cargo político e quem seria apto a se manter em cargo político.
Objetivando uma política mais moralizada condizente com o uma administração
proba, ideia insculpida no art. 14, § 9º, da Constituição Federal de 1988, editou-se a Lei
Complementar nº 135/2010, lei de iniciativa popular que alterou a LC nº 64 de 1990, “Lei das
Inelegibilidades”, buscando estabelecer novos critérios rígidos e impeditivos de
inelegibilidades para candidatos que pretendem retornar a cargos públicos.
Diante dessa conquista social, analisam-se as diferentes interpretações
doutrinárias e jurisprudenciais dadas à hipótese de perda de mandato parlamentar por decisão
condenatória transitada em julgado e a aparente antinomia de normas existente entre os arts.
15 e 55, ambos da CRFB/88.
Objetiva-se a análise do desenvolvimento de uma consciência cidadã
fiscalizadora, que busca uma governabilidade sadia e sem máculas, bem como a influência
desse quadro sócio-político na interpretação de normas constitucionais e infraconstitucionais
sobre a perda de mandato parlamentar por condenação criminal transitada em julgado.
Para a consecução desse fim, faz-se necessário interpretar a constituição de forma
sistemática para que, assim, a aplicação do direito ocorra de forma mais razoável consonante
com os princípios da democracia e da moralidade administrativa.
O procedimento técnico a ser abordado será a exposição de conceitos doutrinários
que embasam o tema, e a análise de julgados de grande repercussão nacional, haja vista a
doutrinários e jurisprudenciais relacionados pertinentes ao caso; e o estudo da legislação
vigente e sua evolução histórica.
Tema bastante atual que será estudado a partir de dois enfoques: a edição da Lei
Complementar nº 135/2010, mais conhecida como “Lei da Ficha Limpa”; e as diferenças
doutrinárias e jurisprudenciais sobre a perda do mandato parlamentar por condenação criminal
transitada em julgado sobre essa perspectiva de mudança política na busca de um processo
2. OS DIREITOS POLITICOS COMO FORMA DE EFETIVAÇÃO DA DEMOCRACIA
O termo democracia é polissêmico, havendo sempre uma forte conexão entre seu
significado e a efetivação dos direitos políticos dos cidadãos, haja vista democracia designar,
em seu núcleo, o poder do povo, que a exerce através da soberania popular. Não há como
falar em direitos políticos, tanto ativos como passivos, sem mencionar esse tema.
De acordo com J.J. Gomes Canotilho (2003.p. 287):
É conhecida a formulação de Lincoln quanto à “essência” da democracia: “governo do povo, pelo povo e para o povo”. Ainda hoje se considera esta formulação como a síntese mais lapidar dos momentos fundamentais do princípio democrático. Designamos aqui a fórmula de Lincoln como um modelo de justificação positiva da democracia. (grifos no original)
Assevera-se, assim, a igualdade política dos cidadãos, todos participantes ativos
do processo de tomada de decisões sobre política e governo, sendo detentores de liberdade
discricionária para a prática desses atos.
Pode-se dizer de forma bem concisa que “a democracia é aquela forma de
exercício da função governativa em que a vontade soberana do povo decide, direta ou
indiretamente, todas as questões de governo, de tal sorte que o povo seja sempre o titular e o
objeto – a saber, o sujeito ativo e o sujeito passivo de todo o poder legítimo” (BONAVIDES,
2004. p. 17).
A democracia pode ser vista como um meio/instrumento de realização de valores
essenciais de convivência humana que se traduzem basicamente nos direitos fundamentais do
homem. Valores estes que se modificam de acordo com o desenvolvimento histórico da
sociedade, no entanto, sempre mantem o princípio básico de que se trata de um regime
político em que o poder repousa na vontade do povo. Não se trata de mero conceito político
abstrato e estático, e sim um processo de afirmação que o povo vai conquistando no correr da
história. (SILVA, 2002.p.43)
A partir dessa conceituação, nota-se que no Estado Democrático de Direito o povo
é o detentor legítimo do poder, podendo exercer ele de forma direta, indireta ou semidireta.
Tanto uma quanto a outra forma descendem do mesmo princípio da soberania popular, apenas
se distinguindo pela modalidade e pela forma com que essa soberania é exercida. (BOBBIO,
2000.p.34)
A chamada democracia direta é a forma de governo no qual o povo toma
criadas pelo estado para o exercício desse direito. Seria o ideal democrático, visto que o povo
seria soberano.
Foi a democracia exercida na Grécia Antiga. No entanto, sua existência só foi
viabilizada graças ao reduzido tamanho das polis gregas e ao regime de escravidão, que
possibilitava ao homem da democracia direta da civilização grega ser integralmente político e
exclusivamente cidadão participativo.
A eticidade da polis se incorporava à personalidade do cidadão. Defendê-la significava defender o próprio sangue, a própria vida. Da pólis, o homem tudo recebia; em contrapartida, tudo lhe consagrava. Se caísse em poder dos bárbaros, o home livre da democracia direta, considerados os costumes da Antiguidade, sabia que destino o guardava. Não era, portanto, à-toa o instinto cívico de preservar as liberdades, preservando a própria pólis, onde elas unicamente auferiram sentido, conteúdo e existência. (BONAVIDES, 2004. p.24)
O surgimento dos Estados Nacionais modernos inviabilizou tal prática, visto que
apresentam territórios de grandes dimensões e com grande densidade demográfica, podendo
chegar a abranger um coeficiente de milhões de habitantes, cidadãos livres e detentores, em
sua grande maioria, de uma vida civil atribulada.
Essa mudança no quadro social fez com que a democracia passasse de sua forma
direta para uma forma indireta, também chamada de representativa, na qual toda uma
coletividade, composta por cidadãos, incubem a um pequeno número de representantes a
tarefa de defender seus interesses políticos por não poderem defendê-los diretamente.
Segundo Noberto Bobbio (2000.p.34) a democracia representativa nasceu da
convicção de que os representantes eleitos pelos cidadãos estariam mais aptos a avaliar quais
os interesses gerais que melhor beneficiariam a coletividade. O Estado Representativo seria
aquele no qual existe um órgão decisório que, através de seus componentes, representa as
diferentes tendências ideais e os vários grupos de interesse do país globalmente considerados.
Do mesmo modo, José Afonso da Silva (2002.p.47-48):
adere a uma política e confere seu consentimento, e, por consequência, legitimidade, às autoridades governamentais. É, assim, o modo pelo qual o povo, nas democracias representativas, participa na formação da vontade do governo e no processo político.
Esse é o modelo democrático que atualmente prevalece, porém não anula a
possibilidade de um modelo “misto”, chamado de democracia semidireta ou participativa, na
qual há uma representação indireta com traços de participação direta dos cidadãos.
Baseando-se nesse último modelo teórico, foi insculpida nossa Constituição
Federal de 1988, tendo esta um regime político democrático participativo, fundado no
princípio da soberania popular. É o que se percebe através de leitura de alguns artigos da
Constituição, como os seguintes:
Art. 1 (...)
parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
Art. 14 A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e , nos termos da lei, mediante:
I – plebiscito; II – referendo;
III – iniciativa popular. (...)
O crescimento de uma democracia participativa busca suprir a crise da democracia
representativa, causada pela falta de representatividade do povo em face de seus governantes.
No entanto, ate mesmo esse modelo tem se mostrado insuficiente para atender os anseios do
povo.
Os flagrantes casos de corrupção política e eleitoral, a falta de ética nas relações
públicas, a impunidade dos crimes contra o interesse público, a política do clientelismo e da
troca de interesses que até hoje persiste em nossa sociedade e a reeleição de candidatos não
condenados por crimes cometidos durante o mandato geram um sentimento de descrença e
desconfiança generalizado na sociedade.
Frente a esse quadro político, a classe dominante detentora do poder perdeu em
parte sua legitimidade, existindo assim, um “hiato entre a vontade dos que governam e a
vontade dos que são governados. O que estes últimos, aliás, não perderam foi a consciência de
que são depositários dessa legitimidade.” (BONAVIDES, 2004. p.29).
Com uma maior consciência política, o povo buscou recuperar a moralidade
administrativa e efetivar princípios constitucionais, exercendo um papel mais incisivo de
controle sobre os atos estatais, agindo como verdadeiros vigilantes de seus interesses, o que
políticos moralmente corruptos do governo. Fato este que gerou várias consequências, uma
delas, por exemplo, a criação da Lei Complementar nº 135/2010, conhecida como “Lei da
Ficha Limpa”.
2.1. Pressupostos conceituais
A Constituição da República Federativa do Brasil prevê a participação popular de
forma direta por meio de exercício dos direitos políticos, não só através do referendo, do
plebiscito1 e da iniciativa popular2, como também por meio da propositura de ação popular3.
Além, dessas formas, nomeadas como espasmódicas, pode-se encontrar outras
normas que versam sobre a participação popular, como por exemplo o art. 5º, XXXVIII e
LXXIII; art. 29, XII e XIII; art. 37, § 3º; art. 74, § 2º; art. 187; art. 194, § único, VII; art. 204,
II; art. 206, VI; art. 224 todos da CRFB/884.
1 “A semelhança entre eles reside no fato de ambos serem formas de consulta ao povo para que deliberem sobre matéria de acentuada relevância, de natureza constitucional, legislativa ou administrativa. (...) A diferença está no momento da consulta: a) no plebiscito, a consulta é prévia, sendo convocado com anterioridade ao ato legislativo ou administrativo, cabendo ao povo, por meio do voto, aprovar ou denegar o que lhe tenha sido submentido à apreciação. Ou seja, primeiro consulta-se o povo, para depois, só então, a decisão política ser tomada, ficando o governante condicionado ao que for deliberado pelo povo; b) por outro lado, no referendum, primeiro se tem o ato legislativo ou administrativo, para, só então, submetê-lo à apreciação do povo, que o ratifica (confirma) ou o rejeita (afasta).(LENZA, 2014. p.1240).
2 “Art. 61(...) § 2º A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.” CRFB/88.
3 Art. 5º (...) LXXIII qualquer cidadão é parte legitima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.” CRFB/88.
4
Direitos políticos podem ser vistos como um instrumento pelo qual os cidadãos
participam ativa e passivamente do governo, traçando, assim, os rumos do Estado.
Bernardo Golçalves Fernandes (2013.p.639) conceitua esses direitos da seguinte
forma:
Os direitos políticos são entendidos como um conjunto de regras que disciplinam o exercício da soberania popular. Nesse sentido, é um grupo de normas que envolvem a participação dos indivíduos (cidadãos) nos processos de poder, ou seja, nas tomadas de decisões que envolvem a vida publica do Estado e da sociedade. Os direitos políticos fundamentam o princípio democrático presente no parágrafo único do art. 1º da CR/88 e são desenvolvidos por meio de normas que dizem respeito à escolha de representantes para o exercício do poder em nome do povo ou pela própria participação do povo no exercício do poder.
Cidadãos nada mais seriam do que aqueles que gozam plenamente de seus direitos
políticos, ou seja, estão em dia com suas obrigações eleitorais. A aquisição dos direitos
políticos se faz por meio do alistamento eleitoral. Numa conceituação mais técnica Jorge
Miranda (2007.p.204) preleciona que: “Cidadãos são os membros do Estado, da Civitas, os
destinatários da ordem jurídica estatal, os sujeitos e os súbditos do poder.”
Insta salientar que todo cidadão (eleitor) é nacional (brasileiro), mas nem todo
nacional é cidadão, com excessão da figura do portugues equiparado5.
Nacionalidade consiste em um vínculo jurídico-político de direito publico que liga
o indivíduo e um determinado Estado, tornando-o um componente do povo, o que o capacita a
exigir a proteção estatal, a fruição de prerrogativas insitas a condição de nacional, bem como
o sujeita a cumprimento de deveres. É um direito fundamental de primeira dimensão
associado com à identidade do indivíduo e pode ser adquirida ou em razão do nascimento,
conhecida como originária/primária, ou em razão de um processo de naturalização, conhecida
como secundária/adquirida. (LENZA, 2014. p.1207)
Partindo dessas conceituações, pode-se avançar para um estudo mais detalhado
dos direitos politicos, que se dividem em positivos e negativos, para, posteriormente, analisar
as limitações impostas a esses direitos.
grandes cidades , nascidas, na normalidade dos casos, dos loteamentos clandestinos ainda não alcançados pelo cadastramento imobiliário municipal. (grifou-se) (STF - ADI: 244 RJ , Relator: SEPÚLVEDA PERTENCE, Data de Julgamento: 11/09/2002, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 31-10-2002 PP-00019 EMENT VOL-VOL-02089-01 PP-00001).
2.2. Direitos políticos positivos: capacidade eleitoral ativa e capacidade eleitoral passiva
Os direitos políticos positivos são regras que asseguram a liberdade do cidadão
em participar ativamente da vida pública estatal, através do exercício da soberania popular,
que nada mais é do que “a qualidade máxima do poder extraída da soma dos atributos de cada
membro da sociedade estatal, encarregado de escolher os seus representantes no governo por
meio do sufrágio universal e do voto direto, secreto e igualitário” (BULOS,2012.p.423).
A soberania popular pode ser exercida através do sufrágio, da ação popular, do
plebiscito, do referendo e da iniciativa popular.
De acordo com Pedro Lenza (2014.p.1247):
Como núcleo dos direitos políticos tem-se o direito ao sufrágio, que se caracteriza tanto pela capacidade eleitoral ativa (direito de votar, capacidade de ser eleitor, alistabilidade) como pela capacidade eleitoral passiva (direito de ser votado, elegibilidade).
Partindo-se desse conceito, conclui-se que se trata de um direito público subjetivo
de naturaza política por excelência, materializado no direito de votar e ser votado e que
permite ao cidadão participar da formação da vontade pública do país. Logo, o conceito de
sufrágio e voto não se confundem pois este é apenas uma ferramenta daquele.
A capacidade eleitoral ativa é expressada no direito de votar. Para que seja
possível votar, é necessário: o alistamento eleitoral6, que será obrigatório para os maiores de
18 anos e menores de 60 e facultativo para os maiores de 16 anos e menores de 18 anos,
analfabetos e maiores de 70 anos de idade; a nacionalidade brasileira; e não ser um recrutado
para período de serviço militar obrigatório.
O voto tem como características petrificadas na Constituição federal, em seu art.
60, §4º, II, as seguintes:
a) direto: o cidadão votará diretamente em seu candidato, sem a presença de
qualquer intermediário. Há, no entanto, uma exceção constitucional a essa regra, prevista no
art. 81, §2º da CRFB/88, que estabelece uma hipótese de eleições indiretas para Presidente da
Republica. Assim, em caso de duplo impedimento de caráter definitivo para os cargos de
Presidente e Vice-Presidente da República, nos últimos dois anos de mandato, haverá novas
eleições para ambos os cargos dentro do prazo de 30 dias, contados da abertura da ultima
vaga, de forma indireta, pelo Congresso Nacional, na forma da lei, funcionando este como um
colégio eleitoral.
b) secreto: o sigilo do voto deve ser garantido por meio de providencias legal,
para assegurar a liberdade de escolha dos representantes políticos.
c) universal: o seu exercício não está ligado a nenhum critério discriminatório,
seja de capacidade intelectual (voto capacitário), seja de capacidade econômica (voto
censitário)
d) periódico: a democracia representativa prevê e exige a existência de mandatos
com prazo determinado para evitar governos despóticos.
Além dessas, existem características não petrificadas, que podem ser objeto de
emendas restritivas e abolitivas, por não serem cláusulas pétreas, quais sejam:
a) obrigatório: a Lei Maior exige o comparecimento formal obrigatório dos
cidadãos maiores de 18 anos e menores de 70 anos de idade ao seu local de votação, sob pena
de multa por ausência injustificada.
b) livre: o cidadão tem liberdade não só de escolher seu candidato, como também
de exercer ou não seu direito ao voto, podendo votar em branco ou anular seu voto.
c) personalíssimo: não se pode outorgar a terceiro o direito a votar, só podendo ser
exercido pessoalmente, por isso é necessário a exibição ou do titulo de eleitor ou de qualquer
documento com foto na hora da eleição.
Já a capacidade eleitoral passiva se exprime na “possibilidade de eleger-se,
concorrendo a um mandato eletivo. O direito de ser votado, no entanto, só se torna absoluto se
o eventual candidato preencher todas as condições de elegibilidade para o cargo ao qual se
candidata e, ainda, não incidir em nenhum dos impedimentos constitucionais previstos, quais
sejam, os direitos políticos negativos...” (LENZA, 2014. p. 1249).
Em suma, trata-se do estabelecimento de requisitos legais positivos que devem,
obrigatoriamente, ser respeitados para que se possa ter uma candidatura registrada e,
O artigo 14, §3º da CRFB/887 enumera essas condições de elegibilidade, sendo
estas: a nacionalidade brasileira, o pleno exercício dos direitos políticos, o alistamento
eleitoral, o domicílio eleitoral na circunscrição, a filiação partidária e a idade mínima de trinta
e cinco anos para Presidente e Vice-presidente da Republica e Senador, trinta anos para
Governador e Vice-governador de Estado e do Distrito Federal, vinte e um anos para
Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-prefeito e juiz de paz e
dezoito anos para Vereador.
Existem outros requisitos, denominados por alguns doutrinadores de impróprias,
por se encontrarem em outros dispositivos ou diplomas normativos: o analfabetismo (art. 14,
§4º), a indicação em convenção partidária (art. 94, §1º, I, Código Eleitoral), o tempo de
filiação partidária (art. 18, Lei Orgânica dos Partidos Políticos – Lei nº 9.096/95) e as
condições especiais para militares (art. 14,§ 8º, CF). (SENNA, 2014.p.3, online)
2.3. Direitos políticos negativos: inelegibilidades, perda e suspensão
Ao contrário dos direitos políticos positivos, os direitos políticos negativos são
normas constitucionais restritivas e impeditivas de participação dos indivíduos no processo
político e nos órgãos governamentais. Dividem-se em normas de inelegibilidades e normas de
privação dos direitos políticos.
A privação dos direitos políticos pode se dar de maneira definitiva, pela perda dos
direitos, ou temporária, pela suspensão dos direitos.
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 15, estabelece as hipóteses de
privação dos direitos políticos ao mesmo passo que veda a cassação dos mesmos, por ser ato
autoritário e antidemocrático, que retira arbitrariamente os direitos dos cidadãos por razão de
perseguição ideológica.
Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:
I - cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado; II - incapacidade civil absoluta;
III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos; IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII;
V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.
Configurando-se um desses casos, o fato deverá ser comunicado ao Juiz Eleitoral
competente, para que o nome do cidadão que teve seu direito politico privado de forma
definitiva ou temporária não conste na folha de votação.
Há suspensão dos direitos políticos nos casos de: incapacidade civil absoluta;
condenação criminal com transito em julgado, enquanto durarem seus efeitos; improbidade
administrativa; exercício de direitos políticos assegurado pela cláusula de reciprocidade8; e na
hipótese de Deputados ou Senadores praticarem procedimentos declarados incompatíveis com
o decoro parlamentar (art. 55, II, e §1º, da CRFB/88, c/c art. 1º, I, b, da LC 64/90).
Todas essas restrições tem caráter temporário, recuperando-se, então, os direitos
políticos com cessação dos motivos determinantes.
Há perda dos direitos políticos nos casos de: cancelamento de naturalização por
sentença transitada em julgado, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional; escusa
de consciência9; e perda da nacionalidade brasileira em virtude da aquisição de outra (art. 12,
§4º, II, da CRFB/88).
Por ter caráter definitivo, os direitos políticos só serão recuperados: através de
ação rescisória, no caso de cancelamento de naturalização; com o cumprimento da obrigação
devida, no caso de escusa de consciência; por decreto presidencial, no caso de aquisição de
outra nacionalidade, conforme o art. 36, da Lei n. 818/49.
A privação de direitos políticos, seja por perda ou suspensão, é uma forma de
limitação mais ampla e profunda dos direitos políticos se comparada à inelegibilidade, visto
que “a perda ou a suspensão de direitos políticos acarretam várias consequências jurídicas,
como o cancelamento da filiação partidária (LOPP, art 22, II), a perda de mandato eletivo
8 “(...) o gozo dos direitos políticos em Portugal (por brasileiro) importará na suspensão do exercício dos mesmos direitos no Brasil.” (LENZA, 2014, p. 1262.).
(CF, art. 55, IV, §3º), a perda de cargo ou função pública (CF, art. 14 §3º, I, c.c Lei n.
8.112/90, art. 5º, II e III), a impossibilidade de se ajuizar ação popular (CF, art 5º, LXXIII), o
impedimento para votar ou ser votado (CF, art. 14, §3º, II) e para exercer a iniciativa popular
(CF, art. 61, §2).” (GOMES, 2013.p. 9/10).
As inelegibilidades são limitações constitucionais ou legais sobre a candidatura,
ou seja, “impedimento ao exercício da cidadania passiva, de maneira que o cidadão fica
impossibilitado de ser escolhido para ocupar cargo-político” (GOMES, 2013, p. 159).
Abrange não só as inelegibilidades estrito senso, como também as
incompatibilidades e a ausência de condições de elegibilidade. Desta forma, aquele que não
preenche qualquer das condições de elegibilidade é inelegível de forma indireta.
As inelegibilidades podem ser absolutas ou relativas. A Constituição Federal
prevê expressamente as hipóteses taxativas de inelegibilidades absolutas (CF, art. 14, §4º) e as
hipóteses exemplificativas de inelegibilidades relativas (CF, art. 14, §§ 5º a 7º), permitindo
que lei complementar estabeleça outros casos de inelegibilidade relativa (CF, art. 14, §9º).
São absolutamente inelegíveis, ou seja, são impedidos de exercer qualquer cargo
eletivo os inalistáveis e os analfabetos. Por se tratar de hipóteses excepcionais, somente a
constituição as estabelece de forma taxativa, não podendo ter seu rol ampliado.
Lembrando que os inalistáveis abrangem os estrangeiros e os conscritos durante o
serviço militar obrigatório, e que o alistamento eleitoral é condição precípua para a
elegibilidade. Vale ressaltar que os analfabetos tem direito a alistabilidade, ou seja, podem
votar, mas não detêm a capacidade de ser votado.
Os relativamente inelegíveis possuem limitações para se candidatar a determinado
cargo em razão de alguma situação de fato, no entanto, podem se candidatar a outro cargo
eletivo sobre o qual não recaia a inelegibilidade. Essas situações podem ocorrer por motivos
funcionais, por motivos de casamento, parentesco ou afinidade, por se tratar de militar, ou por
previsão em lei infraconstitucional.
Dentre essas hipóteses, encontram-se as incompatibilidades, que buscam conferir
um tratamento isonômico na disputa eleitoral, preservando, dessa forma, sua lisura. Elas são
exatamente o impedimento de assumir o mandato eletivo por quem esteja no exercício de
determinadas funções públicas ou particulares, tendo em vista a incompatibilidade de ambas.
As incompatibilidades estão nos artigos 1º, II a VII, e §§ 1º a 3º, da Lei Complementar nº
Existem dois tipos de inelegibilidade relativa em razão da função: a que impede a
reeleição dos chefes do executivo ao mesmo cargo para um terceiro mandato subsequente e
sucessivo10; e a que estabelece a necessidade de renuncia ao respectivo mandato
(desincompatibilização) com antecedência de 6 meses antes do pleito para que o chefe do
executivo concorra a outros cargos. Insta salientar que o STF já se manifestou a favor do
entendimento de que a desincompatibilização deve ocorrer apenas para a candidatura a outro
cargo, diferentes do ora exercido11.
10 “Ementa: RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. MUDANÇA DE DOMICÍLIO ELEITORAL. "PREFEITO ITINERANTE". EXERCÍCIO CONSECUTIVO DE MAIS DE DOIS MANDATOS DE CHEFIA DO EXECUTIVO EM MUNICÍPIOS DIFERENTES. IMPOSSIBILIDADE. INDEVIDA PERPETUAÇÃO NO PODER. OFENSA AOS §§ E DO ART. DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. NOVA JURISPRUDÊNCIA DO TSE. Não se pode, mediante a prática de ato formalmente lícito (mudança de domicílio eleitoral), alcançar finalidades incompatíveis com a Constituição : a perpetuação no poder e o apoderamento de unidades federadas para a formação de clãs políticos ou hegemonias familiares. O princípio republicano está a inspirar a seguinte interpretação basilar dos §§ 5º e 6º do art. 14 da Carta Política : somente é possível eleger-se para o cargo de "prefeito municipal" por duas vezes consecutivas. Após isso, apenas permite-se, respeitado o prazo de desincompatibilização de 6 meses, a candidatura a "outro cargo", ou seja, a mandato legislativo, ou aos cargos de Governador de Estado ou de Presidente da República; não mais de Prefeito Municipal, portanto. Nova orientação jurisprudencial do Tribunal Superior Eleitoral, firmada no Respe 32.507.” (RESP 32539 AL, Rel. Min. Marcelo Henrique Ribeiro de Oliveira, j. 17/12/2008).
A inelegibilidade relativa por motivos de casamento, parentesco ou afinidade é
um tipo de inelegibilidade reflexa que objetiva proteger os postulados republicanos e
democráticos e evitar a perpetuação de uma mesma família no poder.
De acordo com inteligência do art. 14, §7º, da CRFB/88: “São inelegíveis, no
território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o
segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou
Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis
meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.”. Tal
norma abrange também os casos de União Estável, inclusive a homoafetiva12.
Alexandre de Moraes (2010.p.252-253) expõe o tema da seguinte forma:
A norma constitucional traz duas regras para a inelegibilidade reflexa: uma como norma geral e proibitiva e outra como norma excepcional e permissiva.
• Norma geral e proibitiva: a expressão constitucional no território da jurisdição significa que o cônjuge, parentes e afins até o segundo grau do prefeito municipal não poderão candidatar-se a vereador e/ou prefeito do mesmo município; o mesmo ocorrendo no caso do cônjuge, parentes ou afins até o segundo grau do governador, que não poderão candidatar-se a qualquer cargo no Estado (vereador ou prefeito de qualquer município de respectivo estado; deputado estadual e governador do mesmo Estado; e ainda, deputado federal e senador nas vagas do próprio Estado, pois conforme entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, “em se tratando de eleição para deputado federal e senador, cada Estado e Distrito Federal constituem uma circunscrição eleitoral”13); por sua vez, o cônjuge, parente
Constitucional nº 16/1997, ao não exigir desincompatibilização do titular para concorrer à reeleição, não ofende o art. 60, § 4º, IV, da Constituição, como pretende a inicial, com expressa referência ao art. 5º, § 2º, da Lei Maior. 13. Não são invocáveis, na espécie, os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, da isonomia ou do pluripartidarismo, para criar, por via exegética, cláusula restritiva da elegibilidade prevista no § 5º do art. 14, da Constituição, na redação da Emenda Constitucional nº 16/1997, com a exigência de renúncia seis meses antes do pleito, não adotada pelo constituinte derivado. 14. As disposições do art. 73, § 2º, e 76, da Lei nº 4.504/1997, hão de ser visualizadas, conjuntamente com a regra do art. 14, § 5º, da Constituição, na redação atual. 15. Continuidade administrativa e reeleição, na concepção da Emenda Constitucional nº 16/1997. Reeleição e não afastamento do cargo. Limites necessários no exercício do poder, durante o período eleitoral, sujeito à fiscalização ampla da Justiça Eleitoral, a quem incumbe, segundo a legislação, apurar eventuais abusos do poder de autoridade ou do poder econômico, com as conseqüências previstas em lei. 16. Não configuração de relevância jurídica dos fundamentos da inicial, para a concessão da liminar pleiteada, visando a suspensão de vigência, até o julgamento final da ação, das normas infraconstitucionais questionadas, bem assim da interpretação impugnada do § 5º do art. 14 da Constituição, na redação da Emenda Constitucional nº 16/1997, que não exige de Chefe de Poder Executivo, candidato à reeleição, o afastamento do cargo, seis meses antes do pleito. 17. Ação direta de inconstitucionalidade conhecida, tão-só, em parte, e indeferida a liminar na parte conhecida.” (STF - ADI-MC: 1805 DF , Relator: NÉRI DA SILVEIRA, Data de Julgamento: 26/03/1998, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 14-11-2003 PP-00011 EMENT VOL-02132-12 PP-02272).
12“(...) os sujeitos de uma relação estável homossexual, à semelhança do que ocorre com os de relação estável,
de concubinato e de casamento, submetem-se à regra de inelegibilidade prevista no art. 14, 7º, da Constituição Federal” (REsp 24.564, Rel. Min. Gilmar Mendes, publicado em sessão de 01.10.2004)
e afins até o segundo grau do Presidente não poderão candidatar-se a qualquer cargo no país. Aplicando-se as mesmas regras àqueles que os tenham substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito.
(...)
• Norma excepcional e permissiva: no caso do cônjuge, parente ou afim já possuir mandato eletivo, não haverá qualquer impedimento para que pleiteie a reeleição, ou seja, candidate-se ao mesmo cargo, mesmo que dentro da circunscrição de atuação do chefe do poder executivo. .Note-se que a exceção constitucional refere-se à reeleição para o mesmo cargo na mesma circunscrição.
Ao interpretar esse normativo, percebe-se que, originariamente, membros de uma
mesma família podem concorrer a quantos cargos quiserem em um mesmo território de
circunscrição, podendo, também, se reeleger no pleito eleitoral seguinte.
Frise-se que o conceito de reeleição está ligado à renovação de um mandato para o
mesmo cargo e na mesma circunscrição por período subsequente. Caso haja mudança da
circunscrição ou do cargo, estar-se-ia diante de novo mandato.
Se houver a dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal durante o curso do
mandato, tal fato não tornará o ex-cônjuge elegível, conforme Súmula Vinculante nº. 18 do
STF:
SV. 18. A dissolução da sociedade ou do vinculo conjugal, no curso do mandato, não afasta a inelegibilidade prevista no § 7º do art. 14 da Constituição Federal14.
No entanto, se essa dissolução ocorrer antes do mandato, não haverá impedimento
desde que comprovado que ocorreu em momento prévio e que há separação de fato, mesmo
que o divórcio seja posterior.
Em caso de desmembramento de município para criação de um novo, a
inelegibilidade atingirá todo o território que antes pertencia ao município-mãe, caso contrário
seria uma forma de burlar essa norma constitucional para formar grupos hegemônicos nas
instancias políticas locais15.
Situação interessante é quando um candidato se desincompatibiliza para que um
parente concorra ao mesmo cargo eletivo. Nesse caso, o STF já decidiu que o mandato do
parente será contabilizado como sendo o segundo mandato do candidato que se
desincompatibilizou16. Resta, assim, superada a incidência da súmula 6 do Tribunal Superior
Eleitoral, que estabelecia ser “inelegível para o cargo de Prefeito, o cônjuge e os parentes
indicados no §7º do art. 14 da CRFB/88, do titular do mandato, ainda, que este haja
renunciado ao cargo há mais de seis meses do pleito”.
No caso os militares, o que ocorre é que o art. 14, §8º da CRFB/88 prevê que o
militar alistável é elegível. No entanto, o art.142 §3º, V, da CRFB/88 proíbe a filiação
partidária aos militares em serviço. Esse aparente conflito de normas já foi solucionado pelo
15 ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. ELEIÇÕES 2012. PREFEITO. INELEGIBILIDADE REFLEXA. ART. 14, § 7º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. MUNICÍPIO DESMEMBRADO. VÍNCULO ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA. NÃO PROVIMENTO. 1. O cônjuge e os parentes de prefeito em segundo mandato são elegíveis em outra circunscrição eleitoral, ainda que em município vizinho, desde que este não resulte de desmembramento, incorporação ou fusão realizada na legislatura imediatamente anterior ao pleito. Precedentes. 2. Na espécie, não há óbice à candidatura da agravada, pois é incontroverso que o Município de Porto Seguro/BA, pelo qual concorre, foi desmembrado do Município de Eunápolis/BA há mais de vinte anos, o que evidencia sua autonomia administrativa (Precedente: AgR-REspe 167-86, Rel. Min. Luciana Lóssio, PSESS de 13.11.2012). 3. Agravo regimental não provido. (TSE - AgR-REspe: 83291 BA , Relator: Min. FÁTIMA NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 11/12/2012, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 11/12/2012)
TSE, que alegou que o simples registro da candidatura apresentada pelo partido e autorizada
pelo candidato supriria a falta de filiação partidária17.
Por fim, a Constituição Federal autoriza, em seu art. 14, §9º, que lei
complementar estabeleça novos casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação,
objetivando “proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato,
considerando a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições
contra a influência do poder econômico ou abuso do exercício de função, cargo ou emprego.”
(BRASIL, 1988).
Assim, como o próprio texto constitucional aduz expressamente, outros casos de
inelegibilidade só podem ser criados por lei complementar, sob pena de incorrer em
inconstitucionalidade formal. Esta lei já existe, no caso é a Lei Complementar 64 de 1990,
conhecida como “Lei das Inelegibilidades”.
Essa lei e o próprio artigo da Constituição Federal que a embasa sofreram
alterações por meio de emendas (Emenda Constitucional de revisão nº 4) e de edição de outra
lei complementar (LC nº 135/2010).
3. ANÁLISE DA LEI DA FICHA LIMPA: CARACTERÍSTICAS GERAIS, CONTEXTO
E APLICABILIDADE
Severas críticas vêm sendo proferidas contra o modelo de democracia
representativa, versando sobre aspectos como o comprometimento moral dos candidatos a
cargos políticos, que fraudam a vontade de seus eleitores objetivando atender interesses
particulares. A manipulação da vontade eleitoral pelo abuso de poder político-econômico é
evidente, basta analisar a vultuosa quantidade de dinheiro gasto em propagandas eleitorais e,
até mesmo em compra de votos.
A investidura em qualquer cargo político exige uma conduta condizente com a
função pública a ser exercida, para que assim haja legitimidade política, tendo como um de
seus alicerces a postura política do governante em representar dignamente todos os segmentos
da sociedade, adquirindo, assim uma considerável autonomia em relação aos que o elegeram.
Faz-se necessário, então, uma vinculação entre elegibilidade e moralidade. (DIAS JÚNIOR,
2010.p.66)
Esse vínculo está disposto na Constituição da Republica, ao trazer em seu texto
normativo a busca pela moralidade para o exercício do mandato eletivo, o que estabelece uma
moldura a ser seguida para que seja possível a elegibilidade do candidato. No entanto, referida
norma depende de edição de lei complementar para produzir seus efeitos, função elencada a
Lei Complementar nº 64/2010, com redação modificada pela Lei Complementar nº 135/2010.
3.1. Contexto histórico
Originariamente, a Constituição de 1988 exigia, em seu art. 14, §9º, que lei
complementar estabelecesse outros casos de inelegibilidade, porem não previa a consideração
da vida pregressa do candidato, tendo como redação anterior a seguinte:
Art. 14 (...)
§9 Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. (BRASIL, 1988)
Em 1990, editou-se a Lei Complementar nº 64, dispondo sobre as hipóteses de
inelegibilidades e seus prazos de cessação. A norma infraconstitucional, em sua redação
criminalmente, com sentença transitada em julgado, pela prática de um rol taxativo de crimes,
como por exemplo, contra a economia popular, a fé pública, a administração pública, o
patrimônio público, o mercado financeiro e pelo tráfico de entorpecentes. Reforçava-se,
assim, a necessidade do transito em julgado de sentença penal condenatória para a restrição
dos direitos políticos passivos.
Sobre mencionada exigência, Rodrigo Mascarenhas aduz o seguinte:
É indubitável que esta exigência – aplicada a casos concretos amplamente veiculados nos meios de comunicação social – veio a resultar em situações insustentáveis do ponto de vista da opinião publica, face à grande complexidade e multiplicidade de instâncias do direito processual penal brasileiro. Com efeito, no Brasil, as instancias de julgamento penal podem chegar – e normalmente chegam, se os advogados forem medianamente capazes – a quatro. Na primeira instancia o réu é julgado por um juiz singular (federal ou estadual conforme a natureza do crime) ou por um júri (exclusivamente para os casos de crimes dolosos contra a vida). Em caso de condenação caberá, sempre, recurso aos tribunais de Justiça dos estados ou aos tribunais regionais federais, conforme o caso. Da decisão destes tribunais podem caber recursos simultaneamente ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal e, da decisão do STJ pode caber recurso ao STF.
Esta, naturalmente, é a descrição – e sucinta – das instâncias ou esferas, e, portanto, nada diz sobre os múltiplos incidentes e recursos que podem ocorrer no âmbito de cada instância. O fato é que este sistema – claramente garantista – possibilitava a candidatura de políticos com diversas condenações penais, pelos mais diversos crimes, mas que não eram considerados inelegíveis pois as decisões condenatórias não tinham transitado em julgado (e, para um advogado habilidoso, não era – e não é – difícil postergar, por longos anos, ou até o advento da prescrição, o transito em julgado de uma ação). Não há dúvida que é difícil justificar para o leigo que alguém que (para além de uma sempre questionável “fama” de ladrão) já foi condenado pela justiça possa se candidatar e se eleger. (MASCARENHAS, 2012.p.238/239)
Pode-se dizer que a morosidade do Judiciário em conjunto com os meios
utilizados por alguns advogados para prolongar o trâmite processual gerava casos de
verdadeira impunidade, visto que, sem o trânsito em julgado, os candidatos com extensa ficha
criminal poderiam se candidatar, e, ao se eleger, usufruiriam de imunidades pertencentes a seu
cargo político.
Em 1994, com a edição da Emenda Constitucional n. 4, incluiu-se consideração
do passado do possível candidato a eleição, consubstanciando-se, assim, novo requisito para o
estabelecimento de restrições a capacidade eleitoral passiva. Então, essa norma passou a
dispor o assunto da seguinte forma:
Art. 14 (...)
Referida mudança trouxe uma polêmica: poderia ou não um pré-candidato ter seu
registro de candidatura indeferido por possuir extensa ficha de antecedentes criminais, sob o
pretexto de se preservar a moralidade das eleições?
A esse respeito, o TSE se posicional no sentido de negar autoaplicabilidade ao art.
14, §9º, da CRFB/8818, estabelecendo que apenas lei complementar pudesse disciplinar a
hipótese de inelegibilidade de candidatos com processos judiciais sem trânsito em julgado.
Ementa: Eleições 2006. Registro de candidato. Deputado federal. Inelegibilidade. Idoneidade moral. Art. 14, § 9º, da Constituição Federal. 1. O art. 14, § 9º, da Constituição não é auto-aplicável (Súmula nº 13 do Tribunal Superior Eleitoral). 2. Na ausência de lei complementar estabelecendo os casos em que a vida pregressa do candidato implicará inelegibilidade, não pode o julgador, sem se substituir ao legislador, defini-los. Recurso provido para deferir o registro. (TSE - RO: 1069 RJ , Relator: MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 20/09/2006, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 20/09/2006)
Em 2008, mais uma vez o tema foi enfrentado na consulta nº 1.621, que se
instalou com o propósito de possibilitar a análise da vida pregressa de pré-candidatos para
afastar candidaturas indesejáveis pelos juízes eleitorais. O resultado foi consonante com o
acima citado, decidindo os ministros pela impossibilidade de recusa de candidatura de
pré-candidatos sem o transito em julgado de sentença penal condenatória.
EMENTA: RECURSO. REGISTRO DE CANDIDATURA. IMPUGNAÇÃO. VIDA PREGRESSA DO CANDIDATO. CRIME DE DESACATO. CONDENAÇÃO CÍVEL DE RESSARCIMENTO AOS COFRES PÚBLICOS. INELEGIBILIDADE. 1. O Tribunal Superior Eleitoral fixou posição, na resposta à Consulta n. 1.621, no sentido de que, sem o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, nenhum pré-candidato pode ter seu registro de candidatura recusado pela Justiça Eleitoral. 2. Condenação por crime de desacato (CP, art. 331), com a extinção da pena ocorrida há mais de três anos, não impede o registro de candidatura, por não estar alcançado pelo disposto no art. 1º, I, 'e', da LC n. 64/90. O prazo de três anos não se mostra incompatível com a delimitação de vida pregressa, pois inviável concordar com a eterna manutenção da inelegibilidade. 3. Condenação cível para ressarcimento aos cofres públicos, não havendo mácula da improbidade ou do crime, não impede o registro de candidatura, por não ser incompatível com o texto constitucional. 4. Recurso a que se nega provimento. (TRE-RS - RREG RECURSO: 45 RS , Relator: DES. FEDERAL VILSON DARÓS, Data de Julgamento: 05/08/2008, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 05/08/2008)
Indagou-se, também, sobre a não recepção da Lei Complementar n. 64 de 1990
pela Emenda Constitucional n.4/94, alegando a incompatibilidade dos dois normativos no
ponto relativo à exigibilidade do transito em julgado de condenação criminal, o que ensejou a
propositura da ADPF nº 144 pela Associação dos Magistrados Brasileiros.
Os defensores da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
aduziram que a presunção de inocência deveria ser relativizada frente à importância da defesa
da probidade administrativa e da moralidade para o exercício de cargos políticos, considerada
a vida pregressa do candidato. Nesse sentido se posicionaram os ministros Carlos Britto e
Joaquim Barbosa.
A Suprema Corte decidiu pela improcedência da Arguição baseada no respeito ao
postulado da reserva constitucional de lei complementar, como também no respeito ao
princípio fundamental da presunção de inocência (CRFB/88, art. 5º, LVII) e na garantia
essencial do devido processo legal para imposição de medidas restritivas aos direitos políticos
passivos (CRFB/88, art. 5º, LIV).
De acordo com o Ministro Relator Celso de Mello: “a presunção de inocência,
embora historicamente vinculada ao processo penal, também irradia seus efeitos, sempre em
favor das pessoas, contra o abuso de poder e a preponderância do Estado, projetando-os para
esferas processuais não-criminais, em ordem a impedir, dentre outras graves consequências no
plano jurídico – ressalvada a excepcionalidade de hipóteses previstas na própria Constituição
-, que se formulem, precipitadamente, contra qualquer cidadão, juízos morais fundados em
situações juridicamente ainda não definidas (e, por isso mesmo, essencialmente instáveis) ou,
então, que se imponham, ao réu, restrições a seus direitos, não obstante inexistente
condenação judicial transitada em julgado. (STF - ADPF: 144 DF, Relator: Min. CELSO DE
MELLO, Data de Julgamento: 06/08/2008, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-035
DIVULG 25-02-2010 PUBLIC 26-02-2010 EMENT VOL-02391-02 PP-00342)
Essa decisão estabeleceu um marco sobre a interpretação da natureza e dos efeitos
da presunção de inocência, fazendo com que aqueles que defendiam a auto aplicabilidade do
art. 14, § 9º, da CF se voltassem a buscar a alteração da Lei Complementar nº 64/90 com o
intuito de afastar a necessidade do trânsito em julgado de decisão penal condenatória.
A questão ainda foi debatida com a criação da proposta de Emenda nº 18
(correspondente à emenda nº 54-CCT-CCJ)19, que objetivava inserir no art. 11 da Lei
Eleitoral (Lei nº 12034/2009) o § 1º-A, prevendo a possibilidade de indeferimento de registro
de candidatura com base na análise de “idoneidade moral e reputação ilibada”, sendo, o
mesmo, rejeitado na Camara dos Deputados, nos termos do Parecer PSS 1, da Comissão de
Constituição e Justiça. (STUDART; SANTOS, 2014, online)
Nesse contexto de inércia legislativa e morosidade do Judiciário para se chegar a
decisões judiciais definitivas, surgiu o chamado “Movimento Ficha Limpa”, mobilização
social encabeçada por associações civis, como o Movimento de Combate à Corrupção
Eleitoral – MCCE, que reuniu mais de quarenta entidades, o que resultou em um projeto de lei
popular que coletou mais de 1,3 milhões de assinaturas a seu favor, nos termos do art. 14, III,
da CRFB/88, ganhando repercussão nacional e forte apoio midiático.
O Projeto de Lei nº 518/2009, respeitando os requisitos constantes no art. 61, § 2º,
da CRFB/88, foi aceito pelo Congresso Nacional, que votou e aprovou o mesmo de forma
unânime as vésperas das eleições de 2010, promulgando-se, assim, a lei complementar
135/2010, que passou a definir de forma mais precisa o conceito de vida pregressa do
candidato.
Durante o lapso temporal que separa a aprovação da lei de inelegibilidades da
aprovação da lei da ficha limpa, ocorreram muitas mudanças na sociedade brasileira que
afetaram diretamente sua consciência cidadã. Dentre elas, podem-se destacar: o processo de
impeachment do primeiro presidente eleito diretamente após a ditadura militar por ele estar envolvido em escândalos de corrupção; o caso dos “anões do orçamento”; as acusações que
rondaram as grandes privatizações; e o “mensalão”. (MASCARENHAS, 2012.p.239)
Vale ressaltar que a promulgação dessa legislação foi a maior e mais evidente
forma de participação direta dos cidadãos nas escolhas politico-institucionais do Estado na
busca de uma maior representatividade entre governantes e governados, efetivando, dessa
forma, a vontade social perante o Estado Democrático Brasileiro.
Mesmo se tratando de uma conquista do povo, indagações sobre a
constitucionalidade das novidades normativas trazidas pela Lei da Ficha Limpa foram
levantadas e decididas no julgamento das ADC nº 29, ADC nº 30 e ADI nº 4578.
3.2. Delimitação Conceitual da Lei da Ficha Limpa
A Lei Complementar nº 135/2010, como visto, é o resultado do projeto de lei de
iniciativa popular nº 519/09, que alterou a LC nº 64 de 1990, Lei das Inelegibilidades,
buscando estabelecer novos critérios rígidos e impeditivos de inelegibilidades para candidatos
Apesar de o projeto de lei de iniciativa popular ter sofrido várias modificações
pelo Congresso Nacional, representa, na sociedade, o fortalecimento da conscientização
cidadã, na busca por uma política mais moralizada, impessoal e com lisura em seu
procedimento, repudiando ilegalidades praticadas por aqueles que ocupam as cadeiras
representativas do Estado, ou seja, busca salvaguardar os princípios democráticos.
Em uma leitura mais atenta ao art. 14, §9º da CRFB/88, percebe-se que o
legislador tratou de apontar os parâmetros para a regulamentação das hipóteses de
inelegibilidade ao mencionar explicita e implicitamente os princípios da moralidade,
impessoalidade, probidade e a legitimidade, abrindo margem para que norma
infraconstitucional trate sobre o assunto, buscando efetivar a proteção dos princípios
supracitados.
A Lei Complementar 135/2010 trouxe novas alíneas ao artigo 1º da Lei das
Inelegibilidades, quais sejam, alíneas c, d, e, f, g, h, i, j, k, l, m, n, o, p e q, sendo alcunhada de
“Lei da Ficha Limpa”
Conforme Marcelo Novelino (2014.p.822), suas principais inovações são:
1) a fixação de todos os prazos de inelegibilidade pelo período de oito anos (LC 64/90, art. 1.°, I, alíneas c a q);
2) a possibilidade de que um candidato se torne inelegível em virtude de decisão proferida por órgão colegiado, ainda que esta não tenha transitado em julgado (LC 64/1990, art. 1.°, I, alíneas d, e, h, j, l, n e p). (...)
3) a ampliação do rol de crimes que tornam aqueles que forem condenados inelegíveis desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 anos após o cumprimento da pena (LC 64/1990, art. 1.°, I, e). Esta hipótese de inelegibilidade não se aplica aos crimes culposos e àqueles definidos em lei como de menor potencial ofensivo, nem aos crimes de ação penal privada (LC 64/1990, art. 1.°, § 4.o);
4) a inelegibilidade dos Membros do Executivo e do Legislativo que renunciarem aos seus mandatos após o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo por infringência a dispositivo da Constituição (Federal ou estadual) ou da Lei Orgânica (Distrital ou Municipal) (LC 64/1990, art. 1.°, I, k). Neste caso, é necessário que a Justiça Eleitoral reconheça fraude ao disposto na Lei Complementar (LC 64/1990, art. 1.°, § 5.o). (...)
responsáveis por doações eleitorais tidas por ilegais” (LC 64/1990, art. 1.°, I, p); VII) “magistrados e os membros do Ministério Público que forem aposentados compulsoriamente por decisão sancionatória, que tenham perdido o cargo por sentença ou que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar” (LC 64/1990, art. 1.°, I, q).
Pode-se dizer que a nova legislação expandiu os casos de inelegibilidade em
quatro direções: reduziu o número de instâncias ao retirar a exigência de transito em julgado
das decisões; ampliou os tipos de crimes cuja condenação gera inelegibilidades; ampliou os
tipos de processos judiciais que geram inelegibilidades; e, por sim, estendeu os efeitos da
inelegibilidade a decisões tomadas por órgãos não jurisdicionais. (MASCARENHAS,
2012.p.240)
Gerou um grande impacto na sociedade, principalmente por ampliar a restrição
aos direitos políticos para casos que não tenham sentença transitada em julgado,
questionando-se se a lei violaria o princípio da presunção de inocência.
Ademais, outras questões constitucionais foram suscitadas em torno das novas
causas de inelegibilidades trazidas pela LC nº 135/2010, quais sejam a violação aos princípios
da anterioridade eleitoral, da irretroatividade da lei e da proporcionalidade. Análise que
ocorreu em sede de controle concentrado de constitucionalidade.
3.3. Divergências quanto à constitucionalidade da lei
Primeiramente, fez-se necessário saber se a nova legislação deveria ser aplicada
imediatamente as eleições de 2010.
A Constituição Federal estabelece em seu art. 16 que toda lei que altere o
processo eleitoral, publicada no período de um ano antes das eleições, entra em vigor na data
de sua publicação, mas deve ter sua eficácia diferida, ou seja, adiada para o pleito
subsequente.
Trata-se do princípio da Anterioridade Eleitoral, princípio garantista que visa
resguardar a lisura do pleito, impedindo “alterações casuísticas no processo eleitoral, capazes
de romper a igualdade de participação de seus protagonistas: os candidatos e seus partidos
políticos.” (NOVELINO, 2014.p. 825).
O fato de a lei ter sido promulgada as vésperas do início das convenções eleitorais
(10 a 30 de junho, conforme art. 8º da Lei 9.504/97) trouxe dúvidas quanto a sua
aplicabilidade e, consequentemente, acarretou não só uma volumosa demanda de processos