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2 OS DIREITOS POLÍTICOS COMO FORMA DE EFETIVAÇÃO DA

4.3 Análise crítica da Jurisprudência à luz da Lei da Ficha Limpa

É certo que a interpretação da norma pode se alterar de acordo com as mudanças sociais e políticas que acontecem com o passar dos anos, causando alterações informais, não escritas, da norma constitucional. Essa nova significação ao texto legal é o que a doutrina reconhece por mutação constitucional. (TAVARES, 2013.p.294)

A sociedade brasileira tem vivenciado uma época de flagrantes escândalos de corrupção e impunidade, especialmente no que se refere à Administração Pública, agravados por um legado histórico que caracterizam nossa cultura política, como o clientelismo, o patrimonialismo e o cartorialismo, enraizados nas relações oligárquicas que perduram até hoje. (SILVA, 2002.p.123)

Situação esta que se tornou cada vez mais evidente graças à existência de redes sociais de difusão de informações em massa e da preocupação de programas televisivos, em especial os jornalísticos e até mesmo os de cunho humorístico, em denunciar fraudes e fiscalizar as ações dos agentes públicos, demonstrando o quanto a mídia tem encontrado espaço para exercer a cidadania e como ela pode ser um instrumento importante para primar pela ética.

O espaço público se tornou um dos mais importantes centros de participação política da cidadania em virtude de suas ações democráticas, tanto no âmbito político quanto social, que se fortalecem ainda mais no seio das comunidades organizadas, pois atuam com maior velocidade e mais diretamente na esfera dos interesses imediatos comuns. (NASCIMENTO, 2012.p.121)

Frente a isso, as mobilizações sociais ganharam força, havendo um maior engajamento no sentido de procurar punir aqueles governantes que praticam atos contraditórios a seu cargo eletivo. Batalha esta travada por longos anos e que teve como frutos a edição da LC nº 135/2010, marco da luta contra a impunidade política.

A busca do povo por uma política mais moralizada e uma efetiva identidade entre representantes e representados, bem como a pressão da mídia, fez, também, com que

ocorressem mudanças de posicionamento tanto doutrinário quanto jurisprudencial sobre a perda de mandato parlamentar por condenação criminal transitada em julgado, na tentativa de alcançar a interpretação normativa que mais se coaduna com os ideais insculpidos na Constituição Federal.

Já que os critérios para um candidato ser elegível se tornaram mais rígidos, nada seria mais justo do que se refletir, também, sobre um exame dos limites das prerrogativas inerentes ao exercício do mandato parlamentar, dentre esses as hipóteses de perda de mandato.

Nesse sentido, Maira Roriz Boshoff (2013.p.3):

É certo que o parlamentar deve ter garantido o exercício livre e independente da função para a qual foi eleito pelo povo. Contudo, tal garantia, necessariamente, deve ser permeada por uma atuação ética, pautada no decoro e probidade exigíveis daqueles que administram a “coisa pública”.

Seria no mínimo contraditório que, após ser editada uma lei que estabelece a perda dos direitos políticos passivos de pré-candidatos a cargo eletivo apenas com sua condenação criminal sem transito em julgado (LC nº 135/2010), fosse possível a manutenção do cargo político de candidatos com condenação transitada em julgado, haja vista as duas situações serem igualmente gravosas e reprováveis socialmente. Nos dois casos há uma quebra do vinculo de confiança com o eleitor, que tem sua expectativa de representatividade frustrada na medida em que o agente eleito/elegível pratica conduta diametralmente oposta à esperada.

De acordo com José Afonso da Silva (2002.p.123):

Num estado de poder limitado a corrupção também será mais reduzida, porque está sujeito a freios e contrapesos, e porque num Estado autoritário a corrupção constitui um meio de manutenção dos detentores no poder.

Dessa forma, percebe-se que a jurisprudência ainda comete falhas quanto a esse tema.

Pela análise nos julgados anteriormente expostos, percebe-se que com a mudança da composição da Suprema Corte houve uma mudança de votos: num primeiro momento prevaleceu o princípio da especialidade, aplicando-se a regra do art. 55, §2º, CRFB/88; posteriormente, entendeu-se que a perda do mandato se dava de forma automática; logo após, houve um retrocesso sobre o tema, entendendo-se pela cassação do mandato, fato que gerou revolta na sociedade, que vinha lutando pela moralização política; por fim, como forma de

“acalmar” os ânimos sociais, recentemente, por voto aberto na casa legislativa, deliberou-se pela perda de mandato de parlamentar condenado criminalmente.

Impende destacar que, no julgamento do RE 179.502 se discutiu a perda de mandato eletivo de um vereador, que é agente político não incluso na regra especial do art.55, o que impede que este julgado seja tomado como referência jurisprudencial para solucionar esta situação. Apenas no julgamento do mensalão que efetivamente se discutiu sobre a perda de mandato parlamentar.

Ao analisar as normas elencadas, depara-se com duas possibilidades: a regra geral, na qual incidirá o art. 92, I, do CP, art. 15, III, da CF e art. 55, IV, §3º da CF. e haverá uma perda exógena do mandato parlamentar, ou seja, imediata com a simples declaração da casa legislativa; e a exceção, que ocorrerá quanto não forem preenchidos nenhum dos requisitos do art. 92, I, do Código Penal, ou seja, quando for praticada uma conduta com menor grau de reprovabilidade (ex.: acidente de transito culposo, que terá pena substitutiva), devendo haver uma perda endógena do mandato, seguindo a regra do art. 55, VI, §2º, CF. (GOMES, 2012.online)

Boshoff (2013.p.18-19) expõem o tema da seguinte forma:

O motivo do legislador constituinte com esta transposição era evitar que condenações criminais culposas, como em acidentes de trânsito, ou delitos de bagatela ou punidos com penas alternativas pudessem determinar a perda do mandato advindo da soberania popular (delitos estes que atualmente não se inserem no art.92, inciso I, Código Penal).

Resumindo, permitir a perda do mandato parlamentar em decorrência de sentença penal condenatória é a interpretação que melhor se coaduna com a intenção dos constituintes, isto porque, o ordenamento jurídico brasileiro prevê a auto- aplicabilidade o art.15, III da CRFB/88, fazendo suspender os direitos políticos em todas as condenações criminais, quaisquer sejam os crimes cometidos ou as penas aplicadas. Se esta regra geral fosse aplicada diretamente aos parlamentares, com a suspensão de seus direitos políticos, incidiria a regra do art.55, IV, extinguindo automaticamente o mandato parlamentar inclusive em decorrência de crimes de baixa gravidade, constituindo uma injustiça e afronta à soberania popular.

A fim de evitar este tratamento descompassado, o legislador fez inserir o art.92, inciso I, no Código Penal em 1996, de forma que o parlamentar que praticasse as condutas por ele elencadas como mais graves, deveria perder seu mandato eletivo por efeito secundário da sentença penal transita em julgado. Portanto, as condutas criminais brandas, que não se enquadram na previsão do art.92, inciso I, merecem ser exceção à regra geral do art.15, III, CRFB/88, não sofrendo a suspensão dos direitos políticos de forma automática, assim, devem sofrer a aplicação do art.55, inciso VI e §2º, da CRFB/88, de forma que apenas a Casa Legislativa poderá decidir pela suspensão do direito político e pela perda do mandato do parlamentar. Porém, quando a conduta praticada se enquadra no art.91, inciso I, Código Penal, a exceção não mais se justifica, de forma que deverá ser aplicada a regra do art.15, inciso III, fazendo incidir o art.55, IV e §3º, da CRFB/88, para que haja a suspensão imediata dos direitos políticos e a perda automática do mandato.

Dessa forma, faz-se uma interpretação conciliatória das normas constitucionais e infraconstitucionais, buscando o que o legislador quis assegurar com a edição das mesmas.

Defende-se, desse modo, uma limitação lógica à atuação do parlamentar no exercício de seu mandato através de uma aplicação combinada dos art.92, inciso I, art.15, inciso III e art.55, IV e §3º, da CRFB/88 para fundamentar a viabilidade jurídico-normativa de extinção do mandato parlamentar em decorrência do trânsito em julgado de condenação criminal independentemente de qualquer decisão do Congresso Nacional.

De acordo com Luíz Flávio Gomes (2012, online):

O conflito aparente de normas, neste caso, resolve-se pela racionalidade exegética da regra-exceção. De outro lado, não se está interpretando a Constituição (artigo 55, VI) conforme a lei ordinária. Não. Estamos buscando a conciliação entre três dispositivos constitucionais: artigo 55, VI, artigo 55, IV e artigo 15, III, que dão vida para a previsão normativa do artigo 92, I, do Código Penal — que, portanto, não é inconstitucional.

Não seria correto uma decisão do Poder Judiciário ficar sujeita a aval do Poder Legislativo, visto que violaria flagrantemente a separação dos poderes. Logo, é imperioso que se reconheça a perda automática do mandato parlamentar em decorrência de condenação criminal transitada em julgado em crimes de maior reprovabilidade, como os elencados no art. 92 do CP, como a solução que melhor aplica as normas jurídicas relacionadas ao tema, atendendo aos motivos que levaram ao legislador a inserir tais regras em nosso ordenamento jurídico, além de melhor expressar os valores morais e éticos tão almejados pela sociedade brasileira.

A melhor interpretação a ser adotada pelo poder judiciário é aquela que respeite a independência dos poderes que compõem o Estado Brasileiro e que não corrobore com a impunidade e a corrupção.

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