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2 OS DIREITOS POLÍTICOS COMO FORMA DE EFETIVAÇÃO DA

3.4 A importância da Lei da Ficha Limpa para a moralização do poder

De acordo com o princípio hedonista, o indivíduo, deixando-se levar pela lei do menor esforço, almeja conseguir vantagens se esforçando o mínimo possível, satisfazendo seus interesses pessoais em detrimento dos interesses coletivos, ou seja, incorrendo em ato ímprobo. Entretanto, caso ele perceba que essa conduta lhe causará uma coação, certamente não a adotará. De outra forma, se o ímprobo permanecer impune, aquele indivíduo que age corretamente acabará se corrompendo frente a essa impunidade. (SOUZA; NASCIMENTO, 2012.p.98-99)

A Lei da Ficha Limpa cumpre o importante papel de moralizar a política brasileira e acabar com a impunidade de políticos corruptos. “A melhor forma de punir judicialmente um ímprobo é atacar aquilo que ele mais valoriza. No caso dos detentores de mandato eletivo, eleitos pelo voto popular, a melhor forma de repressão é retirar dele o mandato ou impedir que eles venham a competir nas eleições pela sua conquista.” (SOUZA; NASCIMENTO, 2012.p.102)

Procura-se, dessa forma, impedir a eleição de candidatos que tivessem cometido atos contrários àquilo que o povo entenda como incompatíveis com o exercício de funções públicas.

A nova legislação sofreu severas críticas, sendo apontadas algumas falhas, como a possibilidade de “candidatos que ainda que por falta de provas fossem inocentados, ou mesmo outros que por impossibilidade temporal de ter alguma das irregularidades previstas pela lei transitado em julgado ou analisada por um colegiado, poderiam passar a fazer campanha com o slogan de “candidato ficha limpa” durante todo o pleito eleitoral, sem de fato o ser, aproveitando desta situação para conseguir manter a autoperpetuação do sistema político brasileiro já trabalhado. ” (FABRÍCIO; GUIMARÃES, 2013, online)

Apesar disso, são inegáveis os benefícios trazidos por essa lei. A moralidade do mandato eletivo nada mais seria do que a solidificação da democracia representativa, através da ética no processo de escolha dos candidatos e na tentativa de impedir a fraude, a corrupção e o abuso de poder econômico futuros, no seio dos órgãos eleitos.

É um indício de mudança na realidade brasileira, no tocante ao processo de educação política dos cidadãos e efetiva participação social, já que a formação da Lei Complementar nº 135/2010 se deu por meio de movimentos sociais e pelo apoio midiático no afã de alterar o cenário democrático brasileiro.

De acordo com Pedro Amorim Carvalho de Souza e Rafael Ramos do Nascimento (2012.p.110-111), existem dois aspectos importantes a serem destacados sobre a Lei da Ficha Limpa, o da responsabilidade social e o da responsabilidade jurídica. A responsabilidade social seria a aquisição de consciência pelo individuo de que, se ele agir em grupo, terá uma maior força política para se envolver em problemas democráticos. A responsabilidade jurídica seria o fortalecimento de mecanismos jurídicos de repressão dos representantes ímprobos para suprir a falta de consciência política de alguns cidadãos.

Logo, a nova legislação coaduna com os ideais democráticos presentes no Estado Democrático de Direito, na medida em que este é informado pelo princípio da moralidade, requisito de legitimidade de atuação dos agentes públicos.

4. HIPÓTESES DE PERDA DE MANDATO PARLAMENTAR POR CONDENAÇÃO CRIMINAL TRANSITADA EM JULGADO E A EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL SOBRE O TEMA

A suspensão de direitos políticos encontra-se prevista no art. 15, da CRFB/88, que, em seu inciso III estabelece que a suspensão dos direitos políticos por “condenação criminal transitada em julgada, enquanto durarem seus efeitos”, sendo esta um efeito automático de toda condenação criminal transitada em julgado.

Um aparente conflito de normas é identificado entre o dispositivo em enfoque e o art. 55, VI, §2º, da CRFB/88, ambos resultantes do Poder Constituinte originário. Isto ocorre pelo fato de o art. 55, VI, §2º prever que em caso de condenação criminal transitada em julgado de parlamentar, a perda do mandato parlamentar ficará condicionada à deliberação política das Casas Legislativas, não ocorrendo a suspensão dos direitos políticos de forma imediata.

Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador: (...)

VI - que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado. (...)

§ 2º Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.

Acerca dessa polêmica modalidade de suspensão dos direitos políticos, diversos entendimentos jurisprudenciais foram sedimentados, havendo sempre divergência quanto à perda de mandato parlamentar ser ou não efeito próprio da condenação criminal transitada em julgado. Percebe-se que mudanças de premissas vêm acontecendo de acordo com a mudança dos ministros que compõe a mesa do Supremo Tribunal Federal.

4.1. Aparente antinomia de normas

O constituinte garantiu aos parlamentares um rol de prerrogativas inerentes à própria instituição, ou seja, típicas do Parlamento, bem como ao exercício de suas funções, para que, assim, estas possam ser desempenhadas sem empecilhos. Ademais, tais prerrogativas servem como um meio para garantir a efetividade do Princípio Constitucional da Separação de Poderes (TAVARES, 2013.p.957)

Entre as prerrogativas dos Deputados Federais e Senadores, encontram-se vedações, que podem acarretar a perda de mandato, nos moldes do art. 55, da CRFB/88.

Assevera o art. 55 da CRFB/88:

Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:

I - que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior; II - cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar; III - que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada; IV - que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;

V - quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição; VI - que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.

§ 1º - É incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas.

§ 2.° Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.

§ 3.° Nos casos previstos nos incisos III a V, a perda será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.

Em leitura literal e sem profundidade desse dispositivo e do art. 15, III, ambos da CRFB/88, pode-se chegar à errônea conclusão de que o Poder Constituinte originário cometeu uma falha técnica na elaboração das duas normas aparentemente conflitantes.

Conforme Alexandre de Moraes (2002. online):

Assim, em face de duas normas constitucionais aparentemente conflitantes (CF, arts. 15, III e 55, VI) deve-se procurar delimitar o âmbito normativo de cada uma, vislumbrando-se sua razão de existência, finalidade e extensão, para então interpretá-las no sentido garantir-se a unidade da Constituição e a máxima efetividade de suas previsões.

Para expor sobre o assunto de forma detalhada, antes se faz necessário apontar algumas ponderações quanto à diferenciação de extinção e cassação de mandato eletivo, bem como quanto à aplicação do art. 92, I, do Código Penal Brasileiro.

A perda do mandato parlamentar pode ocorrer de dois modos, seja pela cassação (CF, art. 55, § 2º), seja pela extinção do mandato (CF, art. 55, § 3º).

Em leitura do dispositivo constitucional em comento, percebe-se que há clara distinção de tratamento entre as hipóteses nas quais há perda de mandato por cassação (incisos I, II e VI) e as hipóteses nas quais há perda de mandato por extinção.

Nos casos de inobservância das incompatibilidades, de procedimento incompatível com o decoro parlamentar ou de condenação criminal por sentença transitada em julgado, a cassação do mandato será decidida pela maioria absoluta dos Membros da

Câmara ou do Senado (CF, art. 55, § 2.), havendo um julgamento político pela Casa Legislativa acerca da razoabilidade, proporcionalidade e conveniência da medida a ser adotada. (NOVELINO, 2014.p.957)

Esse ato discricionário gerará uma relação jurídica que poderá ser constitutiva- negativa, quando se decidir pela perda do mandato, ou constitutiva-confirmativa, quando se decidir pela manutenção mandato parlamentar. (GOMES, 2014, online)

Nos casos de não comparecimento ao número mínimo de sessões legislativas, de perda ou suspensão dos direitos políticos ou quando assim a Justiça Eleitoral entender, o mandato eletivo será extinto por ato declaratório e vinculado da mesa da Casa Legislativa a qual o parlamentar faz parte, que apenas irá formalizá-lo, sem fazer qualquer julgamento de mérito ou conveniência da medida.

Nas hipóteses de cassação, o Poder Judiciário poderá eventualmente se pronunciar acerca da observância das garantias formais do procedimento, mas não quanto ao mérito, por se tratar de questão interna corporis da Casa Legislativa. Já nas hipóteses de extinção do mandato, o Judiciário sequer tem oportunidade de interferir em sua decretação. (GOMES, 2014, online)

Feita essa diferenciação, parte-se para uma análise da aplicabilidade desse artigo sob o prisma do art. 92 do CP como meio de evitar a suspensão irrestrita dos direitos políticos.

Na interpretação do aparente conflito de normas, deve-se levar em consideração, também, esse artigo do Código Penal, que estabelece ser a perda do mandato parlamentar decorrência imediata de sentença penal condenatória transitada em julgado, desde que expressamente motivada, em dois casos de alta reprovabilidade:

Artigo 92 — São também efeitos da condenação: I. a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:

a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;

b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a quatro anos nos demais casos.

Apesar de aparentemente conflitante com o texto constitucional, deve-se lembrar que se trata de norma editada por legislador infraconstitucional, ou seja, de menor hierarquia, não podendo se sobrepor a normas constitucionais. No entanto, o ordenamento jurídico deve ser interpretado de forma sistemática, por isso, se faz importante a explanação feita acima.

A interpretação sistemática é a responsável pela unidade e coerência do ordenamento jurídico. O legislador não cria o ordenamento jurídico, mas um conjunto de normas desconexas. É o jurista que constitui o objeto de sua ciência por intermédio de um método que sistematiza a matéria jurídica amorfa, imprimindo-lhe forma de ordenamento jurídico.

A interpretação sistemática éa interpretação da norma à luz de outras normas e do espírito (principiológico) do ordenamento jurídico, o qual não é a soma de suas partes (corpo), mas uma síntese (espírito) delas.

Desse modo, deve-se procurar o que o legislador quis salvaguardar com a edição dessas normas, buscando uma interpretação harmônica do ordenamento jurídico.

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