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Open Resistência e recriação camponesa a partir do programa de sição de alimentos no município de Lagoa Seca PB

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Academic year: 2018

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CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA NATUREZA DEPARTAMENTO DE GEOCIÊNCIAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

JAMERSON RANIERE MONTEIRO DE SOUZA

RESISTÊNCIA E RECRIAÇÃO CAMPONESA A

PARTIR DO PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE

ALIMENTOS NO MUNICÍPIO DE LAGOA SECA - PB

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DEPARTAMENTO DE GEOCIÊNCIAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

JAMERSON RANIERE MONTEIRO DE SOUZA

RESISTÊNCIA E RECRIAÇÃO CAMPONESA A

PARTIR DO PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE

ALIMENTOS NO MUNICÍPIO DE LAGOA SECA - PB

Dissertação apresentada como requisito à obtenção do título de Mestre em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Paraíba (PPGG/UFPB), sob a orientação do Professor Dr. IVAN TARGINO MOREIRA.

Área de Concentração: Território, Trabalho e Ambiente.

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DEDICATÓRIA

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, primeiramente, por permitir a realização dos meus sonhos, por me dar o dom da vida, por ser o meu protetor, no meu recolhimento, nas minhas súplicas, tem sempre me honrado na hora que eu preciso.

Agradeço aos meus pais, José Martins de Souza e Rosilda Monteiro de Souza, minhas irmãs Janiérika Monteiro de Souza e Janaina Monteiro de Souza, que sempre juntos me ajudaram na construção deste trabalho. Sem eles nada eu seria, de onde vem muita força, muito incentivo e muito orgulho.

Agradeço a minha futura esposa, Denize Maria Leal Ramalho, pela companhia, pelo entendimento necessário em todas as horas. Pela sua ajuda incansável, nas longas viagens até João Pessoa. Com muito carinho e atenção sempre.

Agradeço ao meu orientador o Prof. Dr. Ivan Targino Moreira, por quem eu tenho muita admiração, homem que ensina pelo exemplo. Nem nas horas mais difíceis pelas quais passou, nunca abandonou a seriedade e o compromisso de seu trabalho, sempre me ensinando, em tudo o que diz.

Agradeço a Eduardo N. Ferreira de Melo, pela ajuda na construção deste trabalho, pelos grandes momentos de estudo, também a Arthur Monteiro Araújo, Denis Pereira da Silva e José Regivaldo Leal Albuquerque, pelas companhias nas viagens até João Pessoa.

Agradeço aos meus colegas de mestrado, especialmente aos de Campina Grande, David Luíz, Mônica Macedo e Jéssica Lima que me auxiliaram na construção deste sonho, que agora realizo.

Agradeço a UFPB e ao PPGG, por terem me dado esta oportunidade, de conviver com grandes professores como Emília Moreira, Ivan Targino, Marco Mitidiero, Maria Franco, Bartolomeu, dentre outros. Grandes profissionais que só enriquecem esta caminhada.

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A agricultura familiar no Brasil, historicamente preterida pelos poderes públicos, ainda é importante em termos de geração de produto e de emprego. A resistência e recriação camponesa é um fenômeno que tem desafiado pesquisadores de diversos campos do conhecimento. O avanço do capitalismo no campo, embora tenha acelerado a concentração de terras e expropriado pequenos produtores rurais, não conseguiu destruir completamente a produção camponesa. A agricultura familiar no município de Lagoa Seca - PB encontra-se no meio desse conflito. Um dos principais problemas enfrentado é a comercialização da sua produção, dominada pela ação de atravessadores, que se apropriam do sobretrabalho. Deste modo, as políticas públicas, voltadas para o mercado institucional, têm se mostrado atenuantes deste processo de exploração. O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que adquire produtos diretamente da agricultura familiar para atender populações em situação de vulnerabilidade social, emerge como elemento importante para esta forma de produzir continuar resistindo e se recriando. Neste contexto, a pesquisa objetiva discutir as formas de resistência e adaptação da agricultura camponesa em Lagoa Seca - PB, destacando o papel desempenhado pelo PAA. A dissertação resgata o debate clássico e atual sobre a desintegração do campesinato versus sua possibilidade de reprodução/recriação. Ressalta os impactos das políticas públicas do governo federal no tocante à reprodução/recriação da “agricultura familiar”. De modo particular analisa a ação do PAA em Lagoa Seca - PB como alternativa a este processo. Utilizaram-se os seguintes procedimentos metodológicos: levantamento bibliográfico; pesquisa documental sobre o programa; levantamento dos dados censitários; e pesquisa de campo que compreendeu: visitas às unidades de produção e de comercialização; realização de vinte e quatro entrevistas semiestruturadas com: produtores familiares, atravessadores e responsáveis pelo programa no município. A análise efetuada mostrou a importância do PAA para a sustentação da produção camponesa no munícipio estudado, apesar de ainda ser restrita em termos de unidades produtivas beneficiadas e do valor da cota de cada produtor.

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Family agriculture in Brazil, historically passed over by the government, it is still important in terms of generating output and employment. The resistance and peasant recreation is a phenomenon that has challenged researchers from various fields of knowledge. The advance of capitalism in the countryside, although it has accelerated the concentration of lands and dispossessed small farmers, failed to completely destroy peasant production. Family agriculture in the city of Lagoa Seca-PB is in the middle of this conflict. A major problem faced is the marketing of products, dominated by the action of middlemen, who appropriate the surplus. Therefore, public policies, aimed at the institutional market, have proven mitigating this process of exploitation. The Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), which acquire products directly from family farms to help people in a social vulnerability, emerges as an important element in this way to keep the production, resistance and recreating. In this context, the research aims to discuss the forms of resistance and adaptation of peasant agriculture in Lagoa Seca-PB, highlighting the role played by the PAA. The dissertation brings back the classic and current debate about the disintegration of the peasantry versus their ability to reproduce / recreate. It emphasizes the impacts of public policies of the federal government regarding the resistance / recreation of "family agriculture". In particular it analyzes the action of the PAA in Lagoa Seca-PB as an alternative to this process. The following methodological procedures were used: bibliographical research; documentary research on the program; survey of census data; and field research that included: visits to production and marketing units. Also were made twenty-four semi-structured interviews with family farmers, middlemen and the people responsible for the program in the city. The analysis results showed the importance of the PAA for support of peasant production in Lagoa Seca city, although still restricted in terms of benefit productive units and the value of the quota of each producer.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 01 – Localização do Município de Lagoa Seca - PB em relação à Paraíba. 61

Figura 02 – Ruínas do Engenho Araticum, Sítio Araticum, Lagoa Seca... 66

Figura 03 – Casa de Farinha de 1921- Sítio Oití, Lagoa Seca... 70

Figura 04 – Produção de laranja - Sítio Oití - Lagoa Seca... 73

Figura 05 – Produção de banana - Sítio Mineiro - Lagoa Seca... 74

Figura 06 – Produção de feijão, Sítio Campinote - Lagoa Seca... 74

Figura 07 – Aspectos da produção de alface e coentro - Sítio Alvinho - Lagoa Seca... 75

Figura 08 – Latadas de chuchu - Sítio Rosa Branca - Lagoa Seca... 75

Figura 09 – Pequena criação de gado - Sítio Jucá do Cumbe - Lagoa Seca... 76

Figura 10 – Produção Agrícola por Região em Lagoa Seca... 76

Figura 11 – Plantação alagada devido às fortes chuvas de junho de 2011 em Lagoa Seca... 78

Figura 12 – Reservatório seco devido ao período de estiagem de 2014... 79

Figura 13 – Agricultores familiares preparando o solo para cultivo... 79

Figura 14 – Irrigação manual - Sítio Alvinho - Lagoa Seca... 80

Figura 15 – Feira Agroecológica de Lagoa Seca... 97

Figura 16 – Feira Agroecológica da UFCG, Campina Grande - PB... 97

Figura 17 – Venda de bananas da cidade de Lagoa Seca na Empasa de Campina Grande... 98

Figura 18 – Caminhão dos atravessadores em Lagoa Seca... 98

Figura 19 – Agricultor prepara compostagem orgânica... 100

Figura 20 – Marcha das Mulheres pela agroecologia 2015, Lagoa Seca... 101

Figura 21 – Aquisição de novas máquinas para produção no Sítio Retiro... 126

Figura 22 – Construção de pequenos criadouros - Sítio Lagoa do Barro - Lagoa Seca... 126

Figura 23 – Plantação agroecológica Sítio Jucá do Cumbe, Lagoa Seca... 128

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Tabela 01 – Lagoa Seca: Tamanho das propriedades rurais (2006)... 81

Tabela 02 – Lagoa Seca: Pessoa que dirige a propriedade (2006)... 82

Tabela 03 – Lagoa Seca: Agricultura familiar e não familiar (2006)... 82

Tabela 04 – Lagoa Seca: Produtores por sexo e idade (2006)... 83

Tabela 05 – Lagoa Seca: Condição do produtor e nível de instrução (2006)... 84

Tabela 06 – Lagoa Seca: Utilização das terras (2006)... 84

Tabela 07 – Lagoa Seca: Área plantada, quantidade produzida e valor da produção de lavouras permanentes, por estabelecimentos familiares e não familiares (2006)... 85

Tabela 08 – Lagoa Seca: Produtos da lavoura temporária (2006)... 86

Tabela 09 – Lagoa Seca: produtos da horticultura (2006)... 86

Tabela 10 – Lagoa Seca: Produção animal (2006)... 87

Tabela 11 – Lagoa Seca: Estabelecimentos que fazem uso da irrigação por tipo de irrigação (2006)... 88

Tabela 12 – Lagoa Seca: Número de estabelecimentos com uso de agrotóxico, esterco e adubo (2006)... 89

Tabela 13 – Lagoa Seca: Uso de máquinas e implementos agrícolas... 89

Tabela 14 – Lagoa Seca: Pessoal ocupado por tipo de Agricultura (2006)... 90

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 01 – Tempo na agricultura dos não fornecedores... 111

Gráfico 02 – Forma de aquisição da terra dos não fornecedores... 112

Gráfico 03 – Forma de acesso à terra dos não fornecedores... 112

Gráfico 04 – Tamanho das propriedades dos não fornecedores... 113

Gráfico 05 – Membros que trabalham nas propriedades dos não fornecedores... 113

Gráfico 06 – Propriedade de transporte por parte dos produtores... 115

Gráfico 07 – Tempo na agricultura dos fornecedores PAA... 118

Gráfico 08 – Forma de aquisição da terra dos fornecedores do PAA... 119

Gráfico 09 – Forma de acesso à terra dos fornecedores do PAA... 119

Gráfico 10 – Tamanho das propriedades dos fornecedores PAA... 120

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 01 – Produção do espaço geográfico agrário de Lagoa Seca - PB... 49 Ilustração 02 – Cadeia de comercialização da agricultura familiar de Lagoa

Seca... 93 Ilustração 03 – Sequência da elaboração do projeto do PAA local... 107 Ilustração 04 – Circuito da mercadoria do PAA entre o município e o destino

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LISTA DE SIGLAS

ASA - Articulação do Semiárido

AS-PTA - Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa BSM - Brasil Sem Miséria

CAD-SUAS - Cadastro Nacional de Entidades do Sistema Único de Assistência Social CEASA - Centrais de Abastecimento

CONAB - Companhia Nacional de Abastecimento COOPAF - Cooperativa da Agricultura Familiar

COOPACNE - Cooperativa de Projetos Assistência Técnica Capacitação do Nordeste Ltda. CPRM - Companhia de Pesquisas de Recursos Minerais

CRAS - Centros de Referência de Assistência Social

CREAS - Centros de Referência Especializada de Assistência Social DAP - Declaração de Aptidão do Pronaf

EMPASA - Empresa Paraibana de Abastecimentos e Serviços Agrícolas FHC - Fernando Henrique Cardoso

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDH - Índice de Desenvolvimento Humano

IPCL - Incentivo à Produção e ao Consumo de Leite IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada MDA - Ministério do Desenvolvimento Agrário

MDS - Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

ONG´s - Organizações Não Governamentais PAA - Programa de Aquisição de Alimentos PCB - Partido Comunista Brasileiro

PIB - Produto Interno Bruto

P1MC - Programa Um Milhão de Cisternas Rurais PNAE - Programa Nacional da Alimentação Escolar

PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

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SESC - Serviço Social do Comércio

SIDRA - Sistema IBGE de Recuperação Automática STR´s - Sindicatos dos Trabalhadores Rurais

UEPB - Universidade Estadual da Paraíba

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 17

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E TEÓRICOS... 23

2.1 Termos utilizados... 23

2.2 Categorias de análise... 23

2.3 O problema da pesquisa... 26

2.4 Método e Metodologias... 27

3 RECRIAÇÃO DA PEQUENA PRODUÇÃO E APONTAMENTOS PARA UMA RESSIGNIFICAÇÃO DO CAMPESINATO FRENTE AO CAPITALISMO... 30

3.1 A discussão clássica sobre o campesinato... 31

3.1.1 O pensamento de Karl Marx sobre o campesinato... 32

3.1.2 A visão dos marxistas ortodoxos... 33

3.1.3 A visão dos marxistas heterodoxos... 35

3.2 A discussão brasileira sobre a extinção do campesinato... 38

3.3 O atraso das políticas públicas para a agricultura familiar... 45

3.4 Espaço, políticas públicas e a agricultura camponesa... 46

3.4.1 A formação do PRONAF e outras políticas para a agricultura familiar... 50

3.4.2 Avaliações do PAA... 53

4 A PRODUÇÃO CAMPONESA EM LAGOA SECA E SUA COMERCIALIZAÇÃO... 58

4.1 Aspectos geográficos do município de Lagoa Seca e início do povoamento. 60 4.2 Características do povoamento e formação do campesinato... 64

4.3 A produção familiar atual do município de Lagoa Seca... 72

4.4 Aspectos da agricultura familiar segundo os dados do Censo agropecuário do IBGE (2006)... 81

4.4.1 Estrutura fundiária... 81

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produtor... 83

4.4.4 Utilização das terras... 84

4.4.5 Padrão tecnológico... 88

4.4.6 Pessoal ocupado... 90

4.5 As formas de comercialização da agricultura familiar do município de Lagoa Seca... 91

4.6 A Agroecologia como um processo de recriação camponesa... 99

5 A ATUAÇÃO DO PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS... 103

5.1 A atuação do Programa de Aquisição de Alimentos no Brasil... 103

5.1.1 Objetivos e Modalidades do PAA... 104

5.1.2 Os beneficiários do Programa de Aquisição de Alimentos... 105

5.2 O funcionamento e a visão dos responsáveis pelo PAA no município... 105

5.3 As características e a visão dos não beneficiários do PAA... 110

5.4 As características e a visão dos beneficiários do PAA... 118

5.5 Resistência e recriação camponesa a partir do PAA... 130

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 132

REFERÊNCIAS... 137

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1. INTRODUÇÃO

Apesar das exigências da atual sociedade de mercado, que estão relacionadas ao desenvolvimento da tecnologia, à especialização da força de trabalho e à lógica produtivista (exigências que são fomentadas pelas particularidades da Terceira Revolução Industrial e que têm seus desdobramentos em todos os setores da economia mundial, inclusive na agricultura), mesmo assim, a realidade da produção camponesa continua importante, permanecendo na pauta das pesquisas e dos estudos acadêmicos.

Contrariamente às previsões de alguns pesquisadores, a agricultura de base camponesa permanece sendo importante para alimentar pessoas em todo o globo terrestre e para gerar emprego e renda para um número significativo de pessoas (OLIVEIRA, 2013). Sua estrutura contraditória chama a atenção de vários pesquisadores que se debruçam sobre suas nuances. A sua resistência e recriação mesmo submetida a um comércio predatório é uma delas. Na verdade, a agricultura camponesa está presente em todo o mundo, em diversos graus de articulação com o mercado. E também atuando como força política em diversas sociedades (WOLF, 2003). Desta forma, a agricultura camponesa se mostra responsável pela reprodução da vida de milhões de famílias no Brasil e em outras partes do mundo, sendo assim basilar para a economia, pois responde por parte significativa da produção de alimentos e de matérias primas.

No Brasil, apesar das particularidades regionais existentes, pela dimensão continental e pela heterogeneidade das formas de produção, os dados do censo agropecuário do IBGE de 2006 apontam para essa significação. Segundo eles, foram identificados 4.367.902 estabelecimentos de caráter familiar, o que representa 84,4% dos estabelecimentos brasileiros. Muito embora esta quantidade seja bastante expressiva em termos de número dos estabelecimentos, a agricultura familiar utiliza 80,2 milhões de hectares, ou seja, 24,3% da área ocupada pelos estabelecimentos agropecuários brasileiros. Além disso, é, sem dúvida, o tipo de agricultura que mais mantém as pessoas ocupadas no Brasil. Foram registradas 12,3 milhões de pessoas vinculadas a esse tipo de organização, representando 74,4% do pessoal ocupado no setor agropecuário nacional. Apesar de cultivar uma área menor com lavouras e pastagens (17,7 e 36,4 milhões de hectares, respectivamente), a agricultura familiar é responsável por garantir boa parte da alimentação do nosso país (EVANGELISTA, 2000).

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viver de forma precária. Esta relação é que os leva, na maioria das vezes, a depender das políticas públicas de transferência de renda direta, destinadas a prover principalmente a alimentação, ao mesmo tempo em que produzem alimentos para sustentar o país.

É importante ressaltar que esse grande contingente de unidades de produção camponesa possui uma lógica própria de organização e de reprodução, um modo de viver, de produzir e de reproduzir-se no espaço de forma diferente, não obedecendo à lógica da acumulação capitalista. Entretanto, ela tem sofrido, historicamente, fortes influências na sua dinâmica interna em decorrência das suas articulações com o mercado. A questão central que tem sido colocada pelos estudiosos é como essa articulação afeta a produção familiar, no sentido de determinar ou não sua extinção, ou se a partir dessa articulação o capital subordina essa forma de organização da produção aos seus interesses de reprodução e de acumulação, mas preservando-a. Em outras palavras, como o campesinato resiste aos ditames do mercado, se reproduzindo ou se recriando. Julga-se, portanto, relevante discutir a dinâmica e as particularidades dessa articulação, e sua importância para a manutenção da qualidade de vida das famílias camponesas.

A pressão dos movimentos populares tem exigido do Estado ações que forneçam melhores condições estruturais para os pequenos produtores. Dentre uma série de conquistas dos movimentos sociais, estão as políticas públicas que redefinem a posição dos sujeitos sociais envolvidos, dando-lhes formas de poder diferenciada que repercutem no tempo e no espaço. Estas políticas públicas são alvos de muitos estudiosos da lógica camponesa e, por extensão, da ordem econômica, já que, indubitavelmente, interferem não somente em escala local, mas tem peso relevante, também, no contexto macroeconômico.

Imerso na vivência da pequena agricultura desde os primeiros anos de idade, na zona rural do município de Lagoa Seca, na Paraíba, o autor deste estudo desde cedo teve o interesse despertado para compreender as relações internas da comercialização daquela forma de produção, pois afetava a vida de um grande contingente de pessoas, boa parte delas sempre insatisfeita com o aviltamento dos preços dos produtos. Chamava-lhe a atenção sempre os assuntos que estivessem ligados às questões relacionadas com a dinâmica de produção camponesa, em particular com a sua integração com o mercado.

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Lagoa Seca. Na oportunidade, foi realizada pesquisa durante seis meses, centrada na observação dos preços das mercadorias nas comunidades rurais de Lagoa Seca - PB, comparando-os com os preços praticados nas feiras mais próximas. Para a execução desse trabalho, utilizou-se também técnica de aplicação de questionários e de realização de entrevistas com representantes de vinte e cinco unidades familiares, em quatro comunidades rurais diferentes.

Nesse estudo de Souza (2011), constatou-se uma grande diferença entre os preços pagos pelos atravessadores e os praticados nas feiras livres. Eles compravam a mercadoria a um preço muito barato, de tal forma que subordinavam toda a produção familiar, sobrecarregando a unidade familiar de carências econômicas. Em consequência, muitas pessoas eram levadas a deixar a unidade familiar para integrar-se na economia urbana como mão de obra barata, na indústria ou no comércio. Os produtos eram revendidos por um preço elevado em outras feiras, constituindo-se como mecanismo central de extração do sobretrabalho realizado na unidade camponesa. Por outro lado, isso ocasionava uma percepção ilusória por parte da sociedade de que os pequenos produtores estavam ganhando bem.

Entretanto, a ação desses atravessadores era condição importante para que o pequeno produtor tivesse acesso ao mercado e, assim, garantisse seu sustento. Pois estes eram quase que a única forma viável de escoar a produção. Sem escolaridade, sem conhecimento de mercado, sem acesso ao crédito e sem transporte, o produtor familiar situa-se como refém da estrutura comercial capitalista. Embora alguns produtores se utilizem da venda direta, isso não se aplica à maioria dos camponeses, devido à perda contínua de espaços e canais de comercialização.

Este primeiro estudo possibilitou uma discussão importante sobre a exploração imposta pelos comerciantes aos pequenos produtores. Fato que já era observado no cotidiano, mas que pôde ser comprovado, cientificamente, gerando interesse maior de aprofundar os conhecimentos sobre a comercialização da agricultura familiar e por consequência o papel dos atravessadores neste comércio. Após a defesa do trabalho monográfico, a pesquisa fomentou vários artigos em torno dessa mesma discussão, levando a concluir que a comercialização da agricultura familiar no município de Lagoa Seca era o seu principal problema, mas, mesmo assim, não se constituía em impedimento para que os camponeses continuassem resistindo e recriando-se.

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públicas, fez despertar o interesse do autor por esta forma de ação pensada a partir do Estado capitalista. Essas políticas públicas geram repercussões nas formas de produção que não obedecem totalmente às formas capitalistas de produção. Vários estudos têm constatado a importância dessas políticas públicas no processo de resistência camponesa (ZIMMERMAN e FERREIRA, 2008; MATTEI, 2015). Fica evidenciada a ação contraditória do Estado: se, de um lado, consolida a estrutura de mercado capitalista, por outro, propicia condições para a reprodução camponesa.

No município estudado, as conversas entre os produtores giram sempre em torno do preço pago pelos atravessadores e a diferença entre os que são pagos nas feiras e, atualmente, nos supermercados, tendo em vista que a demanda por produtos agrícolas tem aumentado bastante nos últimos anos, seja pelo aumento da população seja pela busca de alimentos mais saudáveis, além do compromisso mais atual com a segurança alimentar.

Portanto, o assunto em discussão é basilar para entender as contradições das formas em que se dá o comércio da agricultura camponesa em Lagoa Seca, elemento essencial para a compreensão dos processos de resistência dessa forma de organização produtiva. Nessa perspectiva, o presente trabalho pretende ser um instrumento para a discussão em associações e sindicatos de trabalhadores rurais do próprio município e, assim, subsidiar a ação da Secretaria de Agricultura e Planejamento Municipal.

Por fim, não se deve esquecer que essa realidade não é específica do município de Lagoa Seca, mas constitui um dos principais problemas da agricultura familiar brasileira. Ela condiciona o desenvolvimento da realidade local de muitos municípios, particularmente do comércio local dos pequenos municípios, provocando muitas perdas para uma parcela ainda significativa da população. Desse modo, estudar o local pode lançar luzes para o entendimento do contexto da produção familiar de base camponesa no contexto estadual, regional e nacional. Nessa medida, pode trazer contributos para o entendimento dos fluxos migratórios de origem rural, pois muitos agricultores são repelidos da sua região de origem por não terem recursos suficientes para aí sobreviverem.

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consequentemente, de acesso à melhor qualidade de vida dessas populações. Fatores tanto de ordem econômica, quanto social e natural afetam essas condições estruturais. Historicamente, as terras ocupadas por esse segmento produtivo foram as marginais aos sistemas produtivos dominantes e explorados por produtores de mais baixo nível educacional e de poder aquisitivo. (WANDERLEY, 1979).

Desta forma, esta pesquisa objetiva discutir as formas de resistência e adaptação da agricultura camponesa em Lagoa Seca, destacando o papel desempenhado pelo PAA. Além desse objetivo geral, foram estabelecidos os seguintes objetivos específicos.

a) resgatar o debate clássico sobre a desintegração do campesinato, bem como sua possibilidade de reprodução/recriação;

b) resgatar as contribuições de autores brasileiros sobre a temática;

c) discutir a construção e os impactos das políticas públicas do governo federal no tocante ao contexto de reprodução/recriação da agricultura familiar;

d) discutir a partir da compreensão do território, a ação do Programa de Aquisição de Alimentos em Lagoa Seca como alternativa a este processo.

Tendo em vista atender os objetivos acima estabelecidos, a dissertação está dividida em cinco seções, além desta introdução, a saber:

 A primeira refere-se aos procedimentos metodológicos adotados, especificando as categorias principais de estudo, os principais conceitos, a descrição e justificativa do método e das suas metodologias.

 A segunda trata de aspectos teórico metodológicos do trabalho, destacando os conceitos, as categorias de análise, o problema e os procedimentos metodológicos.

 A terceira aborda o debate da questão camponesa a partir dos autores clássicos. Também é feita uma recuperação das contribuições recentes de alguns autores que procuraram entender, tanto no Brasil quanto no mundo, como a classe camponesa responde aos avanços do capitalismo, se recriando e se ressignificando.

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principais tendências de integração no comércio entre pequenos produtores e atravessadores.

 Na quinta, procura-se analisar como funciona o PAA no município e o que ele tem a oferecer como melhoria de renda para a classe trabalhadora, enquanto elemento de sua recriação ou ressignificação, conforme discutido na seção dois. Esta análise está fundada na pesquisa de campo.

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2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E TEÓRICOS

Nesta pesquisa, preferiu-se expor em separado para o melhor entendimento os procedimentos metodológicos utilizados.

2.1 Termos utilizados

Primeiramente, é importante esclarecer que nesta optou-se por utilizar os termos “agricultura camponesa” e “agricultura familiar” como equivalentes, mesmo aceitando que a nomenclatura “agricultura familiar” seja um termo, que embora conste nos textos clássicos, teve uma divulgação mais recente, popularizada pela quantidade de pesquisas acerca do PRONAF, e não como um desdobramento/evolução da agricultura camponesa. Entendemos que ela é capaz de se adequar de diferentes formas no tempo e no espaço. Do mesmo modo, se utilizou como sinônimos “pequeno produtor”, “produtor camponês” e “produtor familiar”, gestor familiar da unidade de produção.

Além disso, utilizaram-se os termos “atravessador” e “intermediários” como equivalentes, para designar os comerciantes que podem ser pessoas ou instituições que compram a mercadoria direta do produtor e a revendem para o consumidor final ou para outros estabelecimentos e que são bastante comuns no comércio da agricultura familiar da maior parte dos municípios da Paraíba. Boa parte deles se aproveita da vantagem de obter um transporte de carga, o que facilita a sua locomoção para feiras e supermercados de outras cidades maiores.

2.2 Categorias de análise

Do ponto de vista teórico, foram escolhidas como categorias principais do estudo: espaço geográfico, território e campesinato.

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de pressuposto teórico para o entendimento da sociedade dentro do sistema capitalista. (MOREIRA, 2010)

Nesta pesquisa, considera-se o espaço como um produto histórico-social, fruto da evolução da sociedade, das lutas de classe, da produção humana como um todo, articuladas nas materializações das formações econômico-sociais e que se sucederam ao longo do tempo. Sobre o conceito de espaço concordamos com a abordagem de Saquet, quando afirma:

[...] como um produto da dinâmica socioespacial, ou seja, das relações sociais que os homens mantêm entre si, com a natureza nata (meio natural, sua natureza exterior) e consigo mesmo, com sua natureza interior. Este espaço é dia-a-dia reproduzido através do trabalho e demais atividades do homem e revela as contradições e desigualdades sociais. Espaço, simultaneamente, resultado e condição dos processos sociais. (2002, p. 14-15).

A escolha da categoria espaço para o embasamento da pesquisa prende-se ao fato dela possibilitar a reflexão crítica sobre o processo de produção e evolução do próprio espaço ao longo do tempo histórico. Na construção teórica dessa categoria, destacam-se as contribuições de Léfèbvre que influenciaram significativamente o trabalho de Milton Santos.

Para Henry Léfèbvre (1974), há uma relação intrínseca entre o tempo histórico e o espaço, sendo que este último é um produto social. Milton Santos (1980) é influenciado pelas ideias de Léfèbvre, e o define como “testemunho” e ao criar expressões como “rugosidades do espaço” ele admite a historicidade, e o espaço como um produto que materializa as formações sociais que estão presentes nas paisagens (SANTOS, 1997). Espaço e território estão imbricados, um não existe sem o outro, há uma relação de produção de tal forma que as relações de poder se materializam no próprio espaço. No caso da pesquisa, o espaço está submetido ao processo de exploração característico do sistema capitalista.

Se levarmos em conta que nas sociedades estruturadas no modo de produção capitalista, o espaço acha-se antes de tudo subordinado às necessidades de acumulação de capital (produção de mais-valia) e que este processo de acumulação é desigual (ele se dá de forma diferenciada quer entre setores da atividade, quer entre as diversas regiões do mesmo país), concluiremos que o espaço, enquanto produto das necessidades de acumulação, sofre as diferenciações decorrentes desse processo. Pode-se mesmo afirmar que a cada forma assumida pelo processo de acumulação, corresponde uma forma regionalmente diferenciada de organização espacial. (MOREIRA e TARGINO, 2014, p. 8).

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classista/territorial se materializa no espaço, na verdade, dizendo de outro modo, ela produz o espaço.

Quanto à opção pela categoria território, ela explica-se por destacar as relações de poder como elementos centrais da sua constituição. A recuperação dessa categoria de análise foi feita a partir das contribuições de Raffestin (1993), Léfèbvre (1974) e Souza (2001). Estes autores comungam da ideia de poder como elemento central na construção da categoria território.

Paul Claval (1999) identifica três eixos na análise do território. Um eixo é o do poder, com ênfase no Estado-Nação (apropriação do espaço por um grupo). Outro eixo é a da realidade social, onde entra a questão da naturalização do território e a abordagem crítica e marxista do espaço (território). O terceiro eixo diz respeito aos símbolos e à representação, ou seja, à dimensão simbólica do território, entendido como espaço vivido.

Robert Sack (1986) afirma que território implica controle do acesso, neste caso os territórios são formas socialmente construídas de relações sociais e seus efeitos dependem dos sujeitos sociais que controlam e dos seus propósitos.

Segundo Rogério Haesbaert e Ester Limonad (1999), existem basicamente três abordagens conceituais de território:

1. Abordagem jurídico-política (majoritária na Geografia) que considera o território no âmbito do Estado-Nação e as diversas organizações políticas envolvidas;

2. Abordagem culturalista, que considera o lugar, o cotidiano e a identidade dos atores para com o território;

3. Abordagem econômica, que trata da divisão territorial do trabalho, classes sociais e relações de produção no território.

No caso específico deste estudo, preferimos optar pela terceira abordagem, a abordagem em que se sublinha o conflito entre trabalho e capital que se manifesta através dos atravessadores, que extraem o excedente da produção dos camponeses, sujeitando-a ao capital. De acordo com Saquet:

Há um movimento da sujeição do trabalhador assalariado ao capital, no movimento de autovalorização deste. No caso do trabalho familiar, agrícola e/ou artesanal, o mesmo processo se dá, porém, disfarçadamente, através de elementos/forças mediadoras, ou seja, através das relações que o produtor familiar mantém com os emissários dos capitais comercial, industrial e financeiro. (SAQUET, 2002, p. 27).

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mas estabelecem suas territorialidades. Esses conflitos resultam das formas de exploração e subordinação do trabalho próprias do modo de produção capitalista; com efeito, entende-se a dinâmica da acumulação capitalista como desigual e contraditória, que precisa de formas de produção não necessariamente capitalistas para se desenvolver. Uma delas é a forma de fazer camponesa.

Quanto ao conceito de campesinato, precisa-se, primeiramente, pensá-lo como um modo de vida e como classe social que tem pressupostos de produção próprios, articulados com o tamanho da família, que se adapta e se readapta aos modos de produção em diversas temporalidades, como ressaltou Chayanov (1981). O uso do conceito de campesinato aqui é colocado, previamente, ao definir os camponeses como classe social. Com efeito, a pesquisa aborda o campesinato dentro do sistema capitalista nas suas relações de poder com as classes dominantes, ou seja, suas territorialidades nas formas de resistência e recriação. O conceito de campesinato e o seu desaparecimento frente ao sistema capitalista foi estudado por diversos estudiosos que serão expostos no trabalho. Ressalta-se que este conceito não é atemporal nem estático, e está em permanente evolução.

Uma contribuição que se observa na retomada do conceito de camponês em novos estudos sobre a questão agrária é devida a Sevilla e Molina (2013), autores que fazem uma análise do campesinato na antiga tradição dos estudos sobre os camponeses e na nova tradição, que destaca a contribuição do campesinato para a agroecologia.

Procura-se entender na pesquisa o processo de recriação da produção camponesa frente à exploração sofrida pelo capitalismo. Admite-se que a exploração é inerente ao processo de produção capitalista e que a exploração de outras formas de produção é necessária, ou seja, o sistema capitalista sobrevive de uma acumulação primitiva constante. Entretanto, há outro processo que é o da recriação camponesa que acontece como fruto da luta política das entidades camponesas, traduzidas tanto em políticas públicas quanto na retomada da forma de produzir que lhe é característica, processo pelo qual observamos sempre nas crises cíclicas do capital.

2.3 O problema da pesquisa

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camponês do seu excedente, impedindo-o de expandir a sua produção e de melhorar as condições de vida e de produção da unidade camponesa.

Por outro lado, a venda aos atravessadores é a principal forma de comercialização que garante a manutenção das pequenas unidades familiares no município. Sem os atravessadores, é praticamente impossível escoar toda a produção, por isso a dependência. O comércio da produção agrícola é a principal interligação entre a forma de produção camponesa e o modo de produção capitalista no município estudado, nesse caso a forma de fazer não capitalista contribui para a acumulação de capital por parte da classe burguesa.

Com a implantação do Programa de Aquisição de Alimentos, por exemplo, há um novo redesenho desse processo, só que via ação estatal, que possibilita a mediação do Estado neste comércio. Esta nova possibilidade de comércio pode fornecer aos camponeses algumas alternativas à exploração sofrida no comércio com os atravessadores, reforçando características do próprio campesinato. Os pequenos produtores rurais de Lagoa Seca têm se deparado com as explorações sofridas no processo de comercialização do seu produto, seja pelo aviltamento do preço de seus produtos, seja simplesmente pelo fato de alguns atravessadores não pagarem pelos produtos negociados.

Nas discussões teórico-metodológicas realizadas ao longo do curso, compreende-se a abordagem dialética como aquela que pode fornecer um maior suporte para as análises. A dialética vê a realidade como algo que precisa ser compreendido, a partir de sua relação com o todo. O materialismo histórico dialético principalmente tem como um princípio básico que “a ideia materialista do mundo reconhece que a realidade existe independentemente da consciência” (TRIVIÑOS, 1987, p. 50), sendo assim, a realidade se constitui a priori como matéria em si, para depois desenvolver a consciência do que é vivido.

O estudo sobre relações de classes sociais como aqui é estabelecido não pode desmerecer esta abordagem, julgada como a que melhor permite o entendimento do processo conflituoso das classes sociais dentro dos modos de produção e das formações socioeconômicas.

2.4 Método e metodologias

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Tendo em vista estudar a realidade da reconfiguração territorial da comercialização da agricultura familiar em Lagoa Seca, foram adotados os seguintes procedimentos:

a) Pesquisa bibliográfica: o levantamento bibliográfico acerca da temática abordada permitirá a construção do referencial teórico sobre a agricultura campesina ou familiar a partir dos teóricos clássicos e seu desdobramento no Brasil e relacionar, posteriormente, as pesquisas do município estudado, bem como proporcionará fazer um diagnóstico da realidade da pequena produção familiar em Lagoa Seca em sua contextualização histórico-temporal e com o Programa de Aquisição de Alimentos; b) Pesquisa documental sobre a Política de Aquisição de Alimentos (PAA), adotada

pelo governo federal, no contexto do Programa Fome Zero. Esta pesquisa, é “utilizada quando existe a necessidade de se analisar, criticar, rever ou ainda compreender um fenômeno específico ou fazer alguma consideração que seja viável com base na análise de documentos” (MALHEIROS, 2011, p. 86). Essa é basilar para entender o funcionamento do Programa no Brasil e no município, tendo em vista que o mesmo programa é previsto e regulado com base no artigo 19 da Lei 10.696/2003.

c) Levantamento de dados estatísticos: para elaborar o contexto da agricultura familiar de base camponesa no município, serão levantados os dados fornecidos pelo Censo Agropecuário de 2006 e de 1995/96; serão levantadas informações a respeito da estrutura fundiária municipal, a composição da produção agrícola e pecuária, as relações de trabalho e a base técnica de produção.

d) Pesquisa de campo: realizou-se uma pesquisa de campo que compreendeu:

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foram entrevistados compreendem os grupos de agricultores aptos ao Programa conforme o previsto na Lei 10.696/2003.

II- Visita aos lugares de comercialização dos produtos para identificar as formas de venda direta ao consumidor, os apoios institucionais recebidos nesse processo, as condições de comercialização, a periodicidade dessas vendas, etc. Visitas informais junto aos produtores e aos intermediários para levantar as condições de produção (organização da produção, canais de comercialização, ação dos intermediários, condições oferecidas pelo PAA, articulação com os órgãos públicos adquirentes dos produtos, formas organizativas e articulação com grupos de assessorias, etc.);

Quantitativamente distribuiu-se assim o número de entrevistas realizadas ao total de 24 entrevistas semiestruturadas, sendo:

 02 com responsáveis diretos pelo PAA no município.

 10 com agricultores beneficiários do PAA.

 10 com agricultores não beneficiários do PAA.

 02 com intermediários do município.

e) Registro das atividades de campo: todas as etapas das atividades de campo foram registradas através de fotografias, anotações e gravações.

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3. RECRIAÇÃO DA PEQUENA PRODUÇÃO E APONTAMENTOS PARA UMA RESSIGNIFICAÇÃO DO CAMPESINATO FRENTE AO CAPITALISMO

A recriação da pequena produção camponesa e sua forma de fazer é colocada em cheque pelas transformações e avanços da ação do capitalismo. Esta forma de agir tende à uniformização das relações de produção no campo, assemelhando-as às da indústria, como, por exemplo, a transformação de algumas propriedades camponesas em verdadeiros estabelecimentos industriais, com a proletarização e assalariamento da força de trabalho.

É bem verdade que existe uma mudança significativa que vem sendo sentida no campo, através da ação do capitalismo. Pequenos produtores não resistem ao comércio predatório, advindo da concorrência, e a expansão fundiária das grandes propriedades e acabam migrando para outras atividades. A sustentabilidade das pequenas propriedades camponesas não está centrada na lucratividade evidentemente, mas em uma forma de organização própria que vem sendo subordinada pelas relações comerciais ao capital.

O comércio é a ligação principal da forma de fazer camponesa com o mundo capitalista de produção. Há uma subordinação do pequeno produtor ao comerciante quando o atravessador, por exemplo, paga pelo produto uma quantidade ínfima, ele está explorando a força de trabalho do pequeno produtor via preço do produto. Esta relação é peculiar ao modo de produção capitalista que precisa explorar outras formas de produção para sobreviver, como ressaltou Luxemburgo (1985).

Atualmente, é destacado o papel da agricultura familiar na economia brasileira seja como fonte de abastecimento do mercado interno, contribuindo para a segurança alimentar, seja como garantia da geração de empregos diretos. Mas, esta forma de produzir precisa se sustentar para garantir o bom funcionamento dentro do quadro atual da economia. É preciso dar melhores condições aos pequenos produtores para resistirem às pressões impostas pelo comércio exploratório.

A família está completamente subordinada à lógica da pequena produção. Em algumas delas, há aqueles que trabalham até fora do lócus de produção, em atividades que se constituem em trabalhos acessórios, que auxiliam na renda gerada pela pequena produção, pois muitas vezes ela não é suficiente. É sabido que é preciso condições extremas de pobreza para que o camponês se desapegue da sua fonte de sustento, para migrar para outras atividades, já que este tem um apego simbólico e de sobrevivência com a terra.

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dinâmica respondendo a estes processos. O conhecimento do pensamento dos autores clássicos como Karl Marx, Karl Kautsky, Vladimir Lênin, Alexander Chayanov e Rosa Luxemburgo sugerem uma base instigante para o debate sobre a atual forma de pensar a sustentabilidade das pequenas propriedades e principalmente fomentar uma perspectiva crítica sobre as ações dos poderes públicos na atualidade.

Já a literatura brasileira conta com vários autores que dedicaram suas pesquisas a aprofundar este debate e adequá-lo à realidade brasileira, são exemplos: Ricardo Abramovay, Ariovaldo Umbelino de Oliveira, Bernardo Mançano Fernandes, dentre outros. É bem verdade que a maior parte da produção destes autores é voltada para áreas onde a produção camponesa é fruto da luta pela terra em assentamentos rurais, fato que dificulta um pouco a relação com a forma de campesinato adaptada ao município de Lagoa Seca. Nesse município, historicamente, a estrutura fundiária é caracterizada pelo minifúndio advindo da subdivisão dos lotes por herança. Essa tradição de passagem da propriedade e as características da própria produção e formas de produção se alinham ao modo camponês de ser e fazer. Sob esta ótica é importante ressaltar o pluralismo do campesinato brasileiro colocado por Carvalho (2005), onde há no Brasil uma incapacidade de contabilizar todos os camponeses, pela pluralidade de formas de uso da terra, suas formas de fazer, suas diferentes nomenclaturas, suas origens e seus graus de articulação com o mercado, etc.

O objetivo desse capítulo é resgatar, através do levantamento teórico de alguns dos principais clássicos, os olhares sobre a sustentabilidade da pequena produção camponesa e de como se atualizam seus pensamentos numa visão ressignificada do campesinato.

3.1 A discussão clássica sobre o campesinato

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3.1.1 O pensamento de Karl Marx sobre o campesinato

Quanto às posições de Marx sobre a recriação da pequena agricultura em vista do avanço capitalista, é importante compreender os estágios da trajetória intelectual deste. Além disso, sabe-se que o campesinato não foi objeto principal de sua análise embora esteja atrelado às transformações do sistema de acumulação do capital. Para Correia (2011), é preciso dividir a posição do autor em três momentos históricos diferentes: a) na juventude; b) na maturidade; e c) no último Marx. Para entender o pensamento do próprio Marx é indispensável recordar o seu tempo de vida. Viveu de 1818 a 1883, morrendo aos sessenta e quatro anos, analisando as realidades principalmente da Inglaterra, da Alemanha e da França.

Ao primeiro Marx, pertencem os escritos de sua juventude que vão de 1840 a 1843. Nessa fase ele é influenciado pelo idealismo de Hegel, mais particularmente pela esquerda Hegeliana. Este ainda não estava convertido ao comunismo e direcionou seus estudos para as mudanças da concepção de estado e política. Ainda no início da sua produção intelectual, analisou a exploração das classes subalternas pela burguesia. A primeira relação de Marx com o campesinato se dá na defesa dos viticultores de Mosella, mostrando certa preocupação com a ordem vigente.

Os primeiros esforços de compreensão da questão agrária e camponesa foram feitos pelo próprio Marx quando, ainda no primeiro período de sua vida, realizou um estudo sobre a situação de miséria dos viticultores de Mosella, ocasião em que assumiu a defesa dos camponeses, exigindo do governo providências urgentes para solucionar o problema. (FABRINI e MARCOS, 2010, p. 9).

Entretanto ele ainda não tinha, nesta fase, um pensamento sistematizado sobre o funcionamento do capitalismo e da economia política, mas já apontava ao governo um início da deterioração das condições de vida de famílias camponesas. Este ainda não identificava o camponês como um ser atrasado, extremamente conservador e antirrevolucionário.

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extinção e insuficiência do campesinato à medida que o modo de produção capitalista se tornasse homogêneo.

O último Marx, no período final de sua obra, que corresponde ao intervalo entre 1871 e 1883, assume uma posição mais flexível a respeito da possibilidade de permanência do campesinato, bem como da possibilidade de sustentar-se, se realizadas sob as formas de cooperação e solidariedade existentes nas sociedades camponesas que poderiam ser uma alavanca para se chegar ao socialismo, conforme está expresso em suas respostas à carta de Vera Zasulitch (MALAGODI, 2005).

As análises sobre o campesinato na obra de Marx se deram em duas correntes distintas: de um lado, estão aqueles que defendem a desintegração completa do campesinato em virtude da ampliação do capitalismo e do desenvolvimento industrial chamada de marxismo ortodoxo e, de outro, os autores que buscam justificar a possibilidade de permanência do campesinato, chamado de marxismo heterodoxo.

3.1.2 A visão dos marxistas ortodoxos

O debate sobre a superioridade econômica da grande propriedade intensificou-se após os anos 1890. O alemão Karl Kautsky, um dos representantes do chamado marxismo ortodoxo, em sua obra A Questão Agrária, publicada em 1899, faz prognósticos sobre o fim da pequena propriedade em virtude do avanço do capitalismo no campo. Para Kautsky (1972, p. 129) “Quanto mais o capitalismo se desenvolve na agricultura, mais aumenta a diferença qualitativa entre a técnica da grande exploração e a da pequena”. Segundo ele, a grande propriedade se adapta muito melhor do que a pequena às mudanças técnicas possibilitadas pelas inovações do século XIX. No seu texto em crítica ao professor Sering a quem intitula de grande entusiasta da pequena exploração, ele observa que:

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O autor sublinha que dificilmente a pequena exploração terá chances competitivas contra a grande. Consequentemente, na opinião dele, o campesinato estaria fadado a desaparecer ou diminuir, enquanto que o destino dos lavradores das pequenas propriedades seria perder as terras e migrar para as cidades, tornando-se mão de obra para o desenvolvimento industrial. Kautsky aponta situações de extrema miséria entre os camponeses inclusive citando a sua má nutrição.

Outro autor que se destaca como expoente desta corrente é Vladimir Lênin. Na obra O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia, publicada em 1899, ao observar a realidade daquele país, destacou a desintegração progressiva do campesinato em três grupos: os camponeses ricos que se transformaram em proprietários capitalistas; os camponeses pobres que se transformaram em assalariados; e os camponeses médios que tenderiam a se subdividir entre os dois grupos anteriores. Esse processo se intensifica com a integração ao mercado deste campesinato. Este serviria, pois, para a formação de um mercado consumidor que fortaleceria o capitalismo. Para ele o que existia era uma decadência acentuada do campesinato em detrimento de empresários rurais.

A desintegração do campesinato provoca um desenvolvimento dos grupos extremos, em detrimento do campesinato “médio”, criando dois tipos novos de população rural, cujo denominador comum é o caráter mercantil, monetário da economia. O primeiro desses tipos é a burguesia rural ou o campesinato rico englobando os cultivadores independentes (que praticam agricultura mercantil sob todas as suas formas) [...] O outro tipo é o proletariado rural, a classe dos operários assalariados que possuem um lote comunitário. Esse tipo envolve o campesinato pobre, incluindo aí os que não possuem nenhuma terra. Mas, o seu representante típico, entre nós, é o assalariado agrícola, o diarista, o peão, o operário da construção civil ou qualquer outro operário com lote de terra. (LÊNIN, 1982, p. 115-116).

Como se pode observar no texto acima, para Lênin, só existiria com o avanço do capitalismo duas classes sociais, que a partir da dissolução do campesinato se dividiria na aproximação dos eixos extremos. Uma parte estaria fadada à desintegração completa, até virar mão de obra assalariada para as atividades citadinas e rurais, enquanto a outra se incorporaria à burguesa, com progressiva tendência ao aumento das propriedades em vista da regressão da outra parte empobrecida.

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Entre os marxistas ortodoxos, a forma de produzir campesina estaria fadada a ser sucumbida pelas formas capitalistas de produção. Entretanto, outros autores não avaliaram dessa maneira. Seus escritos falam diferente da relação do campesinato com o capitalismo entre eles se destacam Rosa Luxemburgo e Alexander Chayanov.

3.1.3 A visão dos marxistas heterodoxos

Rosa Luxemburgo (1985), em sua obra, discorda da interpretação de Karl Marx quanto à exclusividade do modo de produção capitalista. Para ela, o capitalismo precisa explorar outras formas de produção, para completar o ciclo de realização desta. Existe, portanto, uma relação de dominação entre os modos de produção, desta forma a autora não previu o desaparecimento do campesinato no modo capitalista, pois a expansão do sistema capitalista depende da existência de “setores externos” a ele. O campesinato passaria por transformações, adaptando-se ao ciclo produtivo do modo de produção dominante, mas sem necessariamente se extinguir.

(...) historicamente, a acumulação de capital é o processo de troca de elementos que se realiza entre os modos de produção capitalistas e os não capitalistas. Sem esses modos, a acumulação de capital não pode efetuar-se. Sob esse prisma, ela consiste na mutilação e assimilação dos mesmos, e daí resulta que a acumulação do capital não pode existir sem as formações não capitalistas, nem permite que estas sobrevivam a seu lado. Somente com a constante destruição progressiva dessas formações é que surgem as condições de existência da acumulação de capital. (LUXEMBURGO, 1985, p. 285).

Rosa Luxemburgo evidencia uma tentativa de preencher as lacunas deixadas pelo Capital de Marx, no que se refere à acumulação e rompe com a visão ortodoxa de admitir apenas duas classes sociais dentro do capitalismo, quando fala na coexistência de modos de produção. A autora defende a ideia de formações econômico-sociais, onde existe na realidade a predominância de um modo de produção sobre os demais. Neste caso, as trocas entre os modos de produção dentro dessa ótica seriam de relações exploratórias. No entanto, deixa claro que no capitalismo esta relação é primordial para o processo de acumulação contínuo, e que é o próprio movimento do capitalismo que gera a exploração e resistência do camponês.

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Dessa forma, Chayanov contesta as formas de análise da produção familiar baseada no conceito de lucro e de salário.

Com efeito, o camponês ou artesão que dirige sua empresa sem trabalho pago recebe, como resultado de um ano de trabalho, uma quantidade de produtos que, depois de trocada no mercado, representa o produto bruto de sua unidade econômica. Deste produto bruto devemos deduzir uma soma correspondente ao dispêndio material necessário no transcurso do ano; resta-nos então o acréscimo em valor dos bens materiais que a família adquiriu com seu trabalho durante o ano ou, para dizê-lo de outra maneira, o produto de seu trabalho. Este produto do trabalho familiar é a única categoria de renda possível, para uma unidade de trabalho familiar camponesa ou artesanal, pois não existe maneira de decompô-la analítica ou objetivamente. Dado que não existe o fenômeno social dos salários, o fenômeno social de lucro líquido também está ausente. Assim é impossível aplicar o cálculo capitalista do lucro. (CHAYANOV, 1981, p. 138).

Assim, ele discorda do que havia colocado Lênin sobre a desintegração do campesinato. Para Chayanov, o que existia na verdade era uma estratégia peculiar à própria organização, o mesmo é colocado como um modo de produção diferente, que não está baseado nos pressupostos de acumulação do capitalismo. É exatamente essa peculiaridade da produção camponesa que permite a sua sobrevivência. Os preços de seus produtos não são estabelecidos a partir de um levantamento de custos, de acordo com a lógica do lucro. O campesinato sofre o preço estabelecido no mercado, e a partir desse preço a unidade camponesa define a quantidade a ser produzida, levando em consideração o balanço entre trabalho e consumo, deduzidos os preços do dispêndio material necessário à produção. Desse modo, é através da venda dos produtos que o sobretrabalho da unidade de produção camponesa é apropriado pelo capital.

Erick Wolf (1970) reforça essas conclusões de Chayanov. Na sua análise, ele acrescenta outras variáveis ao balanço trabalho-consumo, incorporando considerações a respeito dos fundos de cerimoniais e dos fundos de manutenção:

A esta altura, é importante recordar que os esforços na vida de um camponês não são regulados exclusivamente por exigências relacionadas ao seu modo de vida. O campesinato sempre existe dentro de um sistema maior. Em consequência, a quantidade de esforço que deverá ser despendido para sustentar os seus meios de produção ou para cobrir as suas despesas cerimoniais estará condicionada à maneira pela qual o trabalho na sociedade a que o camponês pertence, bem como as regras que orientam a divisão do trabalho. (WOLF, 1970, p. 22).

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excedentes exerce também influência sobre a unidade camponesa. Wolf nesse aspecto vai além de Chayanov. Uma sociedade cujo modo de produção é capitalista provoca prejuízos significativos à estrutura camponesa que terá que se readaptar a questão do poder aquisitivo para conseguir resistir.

[...] Mas onde as redes de trocas são mais abrangentes e obedecem a pressões que não levam em consideração o poder aquisitivo da população local, um cultivador terá que aumentar de muito a sua produção para obter a quantia necessária para a manutenção. Sob tais condições, uma porção considerável do fundo de manutenção do camponês poderá torna-se o “fundo de lucro” de outrem. (WOLF, 1970, p. 23).

Como os equipamentos de manutenção são gerados no setor capitalista, estão sujeitos a um controle de preços, fazendo com que a sua aquisição pela economia camponesa requeira uma quantidade crescente de produto excedente. Desse modo, o canal de comercialização se constitui em mecanismo de extração do sobretrabalho camponês representado pelo fundo de manutenção.

Outro autor que se debruçou sobre a questão do desaparecimento ou não do campesinato é Teodor Shanin. Ao analisar o aumento do número de estabelecimentos camponeses no Brasil e no México, o autor sublinha a não dissolução do campesinato e a sua integração à economia capitalista como uma forma complementar, uma espécie de acumulação primitiva contínua, integrante do sistema. Para Shanin:

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Este debate que é instigado por Shanin (2005) também esteve presente na pauta dos intelectuais brasileiros. Já na década de 1950, acirraram-se os debates sobre a questão agrária, sobretudo, por causa das mudanças estruturais que aconteceram no campo, com o processo de modernização da agricultura. Entre os autores brasileiros, podem ser identificadas duas correntes sobre a questão do campesinato: uma que aponta para o seu desaparecimento em virtude do avanço do capitalismo na agricultura, e a outra que entende o desenvolvimento capitalista no Brasil como desigual e contraditório e que dá espaços para a recriação do campesinato.

3.2 A discussão brasileira sobre a extinção do campesinato

O campesinato, na literatura brasileira, também foi intensamente debatido sob os enfoques marxistas. Eles servem de plano de fundo para toda a discussão sobre a viabilidade/desaparecimento do campesinato, como classe social e até como modo de produção. É evidente que é preciso considerar as particularidades da evolução da organização do espaço agrário brasileiro e dos avanços tecnológicos sobre a forma de produzir camponesa.

O interesse, neste capítulo, não é discutir a evolução dos modos de produção, embora se deva destacar a forte influência que tem esta visão sobre os autores apresentados. A maior parte desses autores está centrada na ideia sequencial dos modos de produção, e que o campesinato por sua vez está refém dessa evolução, transformando-se quase sempre em proletariado ou trabalhador da indústria.

É importante não deixarmos de considerar a forte ação do capitalismo em seus avanços e recuos sobre a organização do modo de fazer camponês. Mas, consideramos que o campesinato resiste e se readapta, ao esquema de exploração exercido pelo modo de produção no decorrer do período histórico. Ele não desaparecerá por completo, seus traços ainda são evidentes em diversos espaços, inclusive no objeto de nossa investigação. O campesinato disputa forças dentro do território sendo explorado pelas forças burguesas, no caso da presente pesquisa, trata-se da apropriação do sobretrabalho camponês via preço do produto.

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Primeiramente é importante ressaltar aqui a posição de Alberto Passos Guimarães em seu livro Quatro Séculos de Latifúndio (1968), escrito em 1963. O autor considera claramente que o Brasil era uma formação social híbrida que guardou traços marcantes do modo de produção feudal, não acompanhando assim a metrópole que já sinalizava para uma organização econômica segundo o modo de produção mercantil.

Para Guimarães, membro do PCB, de visão marxista ortodoxa, era preciso destruir as relações que ele considerava pré-capitalistas e a classe camponesa era tratada como “restos feudais”. Desse modo, o campesinato deveria sucumbir, até porque o autor se sustentava na hipótese sequencial de sobrevivência dos modos de produção, e que para se chegar ao comunismo era preciso esgotar todas as etapas anteriores, inclusive o capitalismo, visão influenciada por Lênin. Mesmo que se concorde com o autor que a forma de organização da sociedade poderia até se assemelhar aos traços feudais, não se pode esquecer que praticamente toda a produção brasileira da época colonial era vendida ao comércio exterior pela metrópole, como mercadoria.

Outro autor que é importante lembrar é Caio Prado Júnior. Este se diferenciava de Guimarães por defender que a economia brasileira desde o início da colonização foi organizada como uma economia capitalista. Essa tese foi claramente defendida no livro A Questão Agrária. Implicitamente, essa visão deixa transparecer que com a industrialização do campo, o campesinato estaria fadado ao desaparecimento. Ele discorda de que haveria restos feudais na economia brasileira, mas que havia, sim, restos escravistas.

O autor, no livro A Questão Agrária (1979), defende a tese de que na economia colonial já havia relações assalariadas, sendo o preço do escravo e as despesas com sua manutenção um valor capitalizado de seus salários. O que denota que o autor tinha uma visão ortodoxa do processo histórico da sucessão progressiva dos modos de produção, assim como também pensava Guimarães e não em uma coexistência de formas de produção1.

É preciso considerar que em outro livro, Formação do Brasil Contemporâneo, Caio Prado Júnior dedica um dos capítulos à agricultura de subsistência. Dessa forma, ele reconhece, implicitamente, a pequena agricultura dentro da formação econômica capitalista, mas considera as relações de trabalho nela envolvidas como relação tipicamente capitalista. E defende algumas dessas relações como forma de pagamento ajustadas como no caso do sistema de parceria.

1 Essa visão de Caio Prado, foi contestada por Jacob Gorender (2011), quando defendeu a existência de um

modo de produção escravista colonial. Em Gênese e Desenvolvimento do Capitalismo no Campo Brasileiro

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Com o Golpe Militar de 1964 é feita uma série de rupturas na discussão sobre o campesinato brasileiro. A chamada necessidade de uma reforma agrária como pré-condição para o desenvolvimento brasileiro foi descartada. O governo militar assegurou o processo de modernização da agricultura brasileira, sem efetivar a reforma agrária2. De acordo com Correia:

Nas décadas seguintes, com o modelo político e econômico implantado pelo regime militar e o desenvolvimento do capitalismo no campo pautado na modernização da agricultura, a questão agrária brasileira ganha novos contornos. É neste contexto que se inserem as contribuições de José Graziano da Silva sobre o campesinato vinculado às transformações capitalistas. Ele corrobora, como será visto a seguir, com a ideia de que o desenvolvimento do capitalismo no campo culmina com o desaparecimento do campesinato, no entanto, faz ressalvas ao caso brasileiro, uma vez que, para ele, no Brasil, a insuficiência do desenvolvimento do capitalismo na agricultura não foi suficiente para expropriar completamente os camponeses de seus meios de produção. (CORREIA, 2011, p. 86).

José Graziano da Silva, em seu livro A Modernização Dolorosa (1982), destaca o papel do avanço da mecanização do campo brasileiro, e suas repercussões quanto à utilização da força de trabalho. Influenciado pelas ideias leninistas, no caso específico dessa obra, destaca o processo de assalariamento que ocorria na agropecuária brasileira, sem considerar que o capitalismo necessita explorar outros modos de produção para a sua sobrevivência. Desta forma, também corrobora com as posições dos intelectuais já apresentados de destruição da forma de fazer camponesa em virtude do avanço das relações capitalista no campo. Assim, as formas de trabalho campesinas seriam dominadas pelo assalariamento progressivo e pela monetarização das relações de trabalho.

A partir da década de 1980 com o avanço considerável da modernização do campo brasileiro, os debates foram mudando de rumo e aparecendo uma nova nomenclatura a ser popularizada: a de agricultor familiar. Essa categoria está bem vinculada às ideias de José Eli da Veiga e de Ricardo Abramovay. Estas reformulações estão atreladas à popularização do termo agricultura familiar e que tanto influenciou a aplicação das políticas públicas vigentes desde a década de 1980 no país. E, consequentemente, as ações do governo federal através do PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) e do PAA, que é colocado em foco por esta pesquisa.

2 Esta postura do governo militar não impediu que fosse promulgado o Estatuto da Terra (Lei 4504/1964), que

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