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Edição Nº. 11, Vol. 2, jan./dez. 2021. ISSN 2317-9961. Inserida em: http://www.uel.br/revistas/lenpes- pibid/

E A ESCOLA, SERÁ UM ESPAÇO DE SOCIALIZAÇÃO?

Antônio Miguel Moretin1

RESUMO

Neste estudo vamos abordar o espaço escolar como local onde ocorre de fato a socialização. Disto não restam dúvidas. Mas, o que deve chamar a curiosidade seria

“como ocorrem as socializações?”. Para isto, recorrerei às teorias de alguns autores que teorizaram a respeito da socialização, dando especial atenção ao livro de George Simmel2. Foi realizado um ensaio de um artigo, durante a minha graduação (2014- 2019) em uma disciplina denominada “Antropologia Urbana”. A proposta desta pesquisa teórica e in loco, resultou em uma análise sobre a sociabilidade no ambiente universitário e fundamental. Sobre o Ensino Médio, foram três semestres de observação, totalizando um ano e meio de intervenções, orientações e regências. A noção de socialização dos pesquisadores se deslocaram com o passar dos anos, paralelamente todos os demais processos de socialização foram julgados dignos de atenção principalmente porque pareciam fornecer a chave da permanência das classes e, de modo mais amplo, das diferenciações sociais. Além de ser uma clássica temática da sociologia, nós temos gravados em nossas personalidades, a necessidade de se socializar, conviver em grupos e comunidades. As reflexões sobre os processos de sociabilidade junto às instituições escolares, são abordagens totalmente indispensáveis para compreender as dinâmicas experiências juvenis, ao mesmo em que todos vivenciamos tais experiências de alguma forma.

Palavras-Chave: Socialização; Ensino Médio; Escola.

INTRODUÇÃO

1 Graduado em Ciências Sociais-UEL. Especialista em Ensino de Sociologia-UEL. Contato:

am.moretin@hotmail.com.

2Ler George Simmel, Questões Fundamentais da Sociologia (RJ, ed. 2006). Embora o melhor seria a leitura desta obra completa, oriento aos leitores mais objetivamente, todo o Capítulo 1 “O âmbito da sociologia”, p. 1-26; o Capítulo 2 “O nível social e o nível individual”, diretamente os subtítulos “As determinações do grupo e as hesitações do indivíduo” p. 40, “O indivíduo e seu pertencimento grupal”

p. 42, “O significado sociológico da semelhança e da diferença entre indivíduos” p. 45; o Capítulo 3 “A sociabilidade - Exemplo de sociologia pura ou formal” p. 59-63; o Capítulo 4 “O indivíduo e a sociedade nas concepções de vida dos séculos XVIII e XIX” p. 83 e diretamente o subtítulo “O social versus o humano” p. 87.

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A história da palavra3 pode ser considerada um tanto quanto tortuosa.

Aparentemente resulta de uma interpretação duvidosa feita por Giddings4 na tradução para o inglês – socialization – da noção de Vergesellschaftung, ou seja, um ato de entrar em uma ou mais relações sociais, “as-sociação”, central na obra de Georg Simmel. De qualquer modo, a palavra pertence ao vocabulário clássico da sociologia desde o aparecimento em 1937, do manual de sociologia de Sutherland e Woodward;

onde o termo – socialização - designa o processo de assimilação dos indivíduos aos grupos sociais e, embora recente, descreve uma problemática clássica em sociologia, central em Émile Durkheim.

Atualmente a noção de socialização tornou-se um rótulo facilmente empregado. Abrange os estudos relativos aos diferentes tipos de aprendizagem a que está submetido o indivíduo, especialmente na infância, aprendizagens linguísticas, cognitivas simbólicas, normativas, etc. Alguns desses estudos procuram realizar uma descrição das etapas de processos fundamentais de socialização consideradas independentes das culturas e contextos sociais particulares. É o caso, por exemplo, dos trabalhos de Kohlberg5. Mas uma grande parte dos trabalhos referentes à socialização adota uma perspectiva comparativa. A comparação pode ser internacional, como em Hagen, Inkeles, Pye, Mcclelland ou Almond e Verba6. Esses estudos desenvolvidos sobretudo nos anos 60, indagam sobre o efeito dos valores transmitidos pelas práticas educativas sobre os comportamentos e as representações dos adultos. Parecem frequentemente motivados por uma hipótese, popular nesse período de crescimento, onde o “desenvolvimento” ocupa um lugar importante: a hipótese de inspiração weberiana segundo a qual o desenvolvimento social, econômico e político depende dos valores interiorizados pelos indivíduos e, portanto, dos processos de socialização.

3Op. cit., p. 516-522.

4GIDDINGS, F. H. The Theory of socialization; a syllabus of sociological principles. New York, Harcourt Brace & World, 1968.

5KOHLBERG, L. Stage and sequence: the cognitive developmental approach to socialization. In:

GOSLIN, D. A. (red.) Handbook of socialization theory and research. Beverly Hills, Russel Sage, 1969.

p. 325-473.

6Everett E. Hagen, On the Theory of Social Change (Homewood, III.: Dorsey Press, 1962); David C.

McClelland, The Achieving Society (Princeton, N.J.: Van Nostrand, 1961); Daniel Lerner, The Passing of the Traditional Society (Glencoe, III.: Free Press, 1958); Edward C. Banfield, The Moral Basis of a Backward Society (New York: Free Press, 1958); Lucian W. Pye, Politics, Personality and Nation Building (New Haven, Conn.: Yale University Press, 1962); and Gabriel A. Almond and Sidney Verba, The Civic Culture: Political Attitudes and Democracy in Five Nations (Boston: Little, Brown, 1965).

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No decênio seguinte, os interesses dos pesquisadores se deslocaram. Os processos de socialização foram julgados dignos de atenção principalmente porque pareciam fornecer a chave da permanência das classes e, de modo mais amplo, das diferenciações sociais. As comparações, a partir desse momento, referiram-se a grupos sociais – classes sociais, categorias socioprofissionais, sexos. Tomando um exemplo entre cem: o sociólogo inglês Bernstein (1971, s.l.)7 tentou evidenciar que a aprendizagem do que ele chama de “linguagem formal”, a saber, a linguagem caracterizada por uma boa distinção entre relações de subordinação e de coordenação, pela utilização fácil e matizada de adjetivos e advérbios e por uma sintaxe complexa, era reservada às classes altas, fornecendo-lhes uma vantagem importante na competição escolar, embora a “linguagem formal” não possa, evidentemente, em teoria, ser tomada como mais rica do que a linguagem “popular”.

SOBRE A SOCIALIZAÇÃO

Boudon e Bourricaud (1982, p. 517)8 não pretende tratar de realizar uma apresentação a respeito do balanço dos estudos concernentes à socialização.

Primeiro, porque esses estudos, afirmam, inumeráveis e heterogêneos em sua concepção, respondem a motivações e preocupações variáveis, nem sempre convergem nos resultados e são pouco integrados do ponto de vista teórico; em segundo lugar, as preposições mais interessantes sobre os fenômenos de socialização, não se acham necessariamente na literatura que se apresenta oficialmente sob essa denominação. Compreende-se facilmente por quê todo processo social põe em jogo sujeitos agentes e as ações desses sujeitos não podem em geral ser analisadas sem que se abstraiam os processos de aprendizagem – de socialização – a que foram submetidos. De modo que todo estudo sociológico tem probabilidade de comportar informações ou proposições mais ou menos interessantes sobre os fenômenos de socialização.

Primeiramente, vamos ressaltar que houve uma vivência diária dentro do Campus acadêmico e a observação participante nos estágios obrigatórios da graduação em Ciências Sociais; que nos ajudará muito a desenvolver este trabalho e

7BERNSTEIN, B. Class, codes and control. London, Routledge & Kegan Paul, 1971-3. 2 v.

8 Op. cit., p. 517.

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com a experiência que obtivemos nos garantirá uma maior familiaridade com o campo etnográfico. O desafio já começa ao início da observação, ao passo que devemos utilizar o estranhamento daquilo que em outro momento se apresentava para nós como natural, estranhamento de indivíduos, lugares, gírias, referências, nomes, situações, conflitos, ideologias etc. O amadurecimento proveniente de nossos anos de graduação (2014-2019), sobre nossos olhares como Cientistas Sociais, também será de fundamental importância.

Como toda carreira escolar resulta de uma sequência de orientações tomadas em cada um dos pontos de bifurcação propostos pelo sistema escolar, essa diferença na racionalidade das escolhas acarreta efeitos multiplicativos – mais exatamente exponenciais – que explicam a intensidade das diferenças entre classes nos níveis escolares mais elevados: esse efeito macrossociológico só é compreensível se o remetermos às ações efetuadas pelos indivíduos e à racionalidade dessas ações em função dos recursos e representações dos indivíduos, por um lado, e dos campos de ações criadas pelas estruturas institucionais, por outro.

A ação não tem para o sociólogo, portanto, nada em comum com o engajamento de tipo sartriano. No polo oposto, tampouco se poderia concebê-la como simples efeito de um condicionamento produzido pelas “estruturas sociais”. Tal concepção é própria do “realismo totalitário” no sentido em que o entende Piaget [S.l.:

s.n.], ou, como mais comumente se diz do “holismo” ou “totalismo”. É um exemplo do que Weber [S.l.: s.n.], refere como “espectro das concepções coletivas”. Para compreender e, portanto, explicar) uma ação individual, é, sem dúvida, necessário, em geral, dispor de informações sobre a socialização do indivíduo. Se eu observo – para tomar o célebre exemplo de Jaspers – uma mãe dando um tapa em seu filho, para explicar esse ato eu deveria, em primeiro lugar, informar-me sobre as noções educativas interiorizadas pela mãe. Em certos contextos sociais, o tapa é considerado um método pedagógico lícito e eficaz. Em outros, ele é considerado proibido e prejudicial.

Os dados sobre socialização, porém, serão insuficientes para compreensão da ação. É pouco provável que a mãe não dispusesse de outros meios, mas a “lógica da situação” no instante t levou-a a considerar o tapa o mais adequado. A ação não é nunca consequência mecânica da socialização. Para que se compreenda uma ação é preciso que se levem em conta todas as intenções e, de modo mais geral, as motivações do ator. A ação, portanto, não pode ser reduzida aos efeitos de um

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condicionamento. Contudo, por outro lado, está claro que as “preferências” do ator, assim como os meios de que dispõe ou crê dispor, são afetadas pelas “estruturas sociais”. Assim, segundo Bernstein (1971, 1973),9, a educação nos meios desfavorecidos é, com maior frequência, autoritária, porque os métodos de persuasão requerem recursos retóricos e psicológicos mais sutis do que os métodos autoritários, e são os meios favorecidos que têm melhores condições de incorporar tais recursos.

A sociabilidade e a sociação (Simmel, 2006) são temas clássicos da sociologia. Veremos que a socialização faz parte de nossa condição enquanto seres humanos. Existe de fato uma relação intrínseca entre a inclinação do homem para se socializar, a juventude e quais serão os impactos destes e outros fatores dentro da instituição escolar. Primordialmente, vamos para a nossa primeira pergunta: o que entendemos por sociabilidade? Entendemos ser uma dimensão própria do ser humano, em todas as culturas. O ser humano, tem dentro de si a noção do “ser sociável”, da necessidade de se viver em comunidade, de viver em tribos, em grupos, de viver em uma sociedade mais complexa. Em síntese, o ser humano tem em si uma indispensabilidade da convivência, então, a estrutura se torna, a sociabilidade. O ser humano é transponível para a vida comunitária.

Analisaremos agora, como que se dá esse processo de socialização? De antemão, levar em consideração a cultura na qual vivemos, devemos salientar a característica peculiar, de se tratar da nossa cultura ocidental. Discorreremos sobre isso; existe dois tipos de socialização, a primária e a secundária (Berger, Luckmann, 2006). O que entendemos como “socialização primária”? O ser humano tem incorporado dentro de si a necessidade da socialização, convivência; são os primeiros contatos feitos, que são no ambiente familiar e escolar. Pode-se entender a formação do eu humano como a síntese da correlação entre os estímulos do ambiente natural e o ambiente humano. Em virtude dessa socialização, os autores afirmam que os nossos primeiros contatos com as instituições que começam a nos formar de acordo com nosso contexto, nossa cultura, nossos grupos, destacam-se a instituição familiar e a instituição escolar.

Durante a infância a criança aprende e interioriza a linguagem, as regras básicas da sociedade, a moral e os modelos comportamentais, do grupo em que ele pertence, onde ele assimila os valores da sociedade. A família é uma instituição que

9 BERNSTEIN, B. Class, codes and control. London, Routledge & Kegan Paul, 1971-3. 2 v.

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‘deve ter’ como objetivo, instruir e preparar o indivíduo para uma “vida em sociedade”.

Como se sucede essa preparação da criança? Importante reafirmar que, a socialização primária tem um valor essencial para o indivíduo e deixa uma impressão profunda na vida deste e será a partir dela que o indivíduo vai construir o seu “primeiro mundo”. Os pais internalizam valores da cultura; o pai mostra para a criança com suas palavras, sua presença, seus exemplos, o que significa “ser homem”, a mãe mostra o que significa “ser mulher”10. E então, a criança vai aprendendo valores, assimilando leis, normas, da mesma forma em que as subvertem-nas.

Posteriormente, como também é afirmado pelo sociólogo Durkheim11 (1973, 1978, 1992, 2004), a criança vai para a escola e nesta instituição ela também vai aprender tudo isso, pois, a escola também prepara para a vida social. Durkheim fala também de um traço fundamental do ser humano: nas comunidades “primitivas” [que de primitivas já sabemos que não tinham nada], existia o tipo de “solidariedade mecânica”, que são aqueles traços de socialização onde a criança aprende por meio da família e sua comunidade, os “papéis sociais” que delas são esperadas pela sua cultura. Em síntese, solidariedade mecânica se refere aquelas sociedades pré- capitalistas, sociedades tradicionais onde a consciência coletiva é muito forte, íntegra, resistente. O indivíduo não teria autonomia para ser diferente, ele agiria dentro das

“expectativas sociais”, pois, cada um já saberia o papel que deveria cumprir.

Um segundo tipo de socialização é a “socialização secundária”. A nossa compreensão (Simmel, 2006) dessa socialização é de que, após ter ocorrido a socialização primária, na família, na escola, a secundária viria depois, na juventude e na vida adulta, quando o jovem, em seu ambiente de estudo e de trabalho, universidade, mundo profissional, etc., tem novos contatos, conhecem novas pessoas, tem que exercer uma profissão na vida social; a socialização secundária acontece no mundo do trabalho, no mundo social. Nas sociedades capitalistas, acontece o que poderíamos dizer, segundo o pensamento durkheimiano, a “solidariedade orgânica”;

10Nesse trecho, especificamente, não pretendemos ir além do que se trata do sexo biológico.

Ressaltamos que o sexo biológico, é diferente do gênero, que também é diferente da orientação sexual, do indivíduo.

11DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. In: Coleção Os Pensadores, São Paulo: Abril Cultural, 1978.

______. As formas elementares da vida religiosa. São Paulo, Martins Fontes, 1973.

______. Da divisão do trabalho social. São Paulo, Martins Fontes, 2004.

______. Educação e Sociologia. São Paulo: Melhoramentos, 1973.

______. O suicídio. Lisboa: Presença, 1992.

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trata-se de uma sociedade com a divisão social do trabalho bem consolidada, dividida em especialidades, muito mais específica a atuação de cada um. A sociedade capitalista com uma matriz mais individualista, com uma maior autonomia individual e sua consciência coletiva mais enfraquecida. Inclusive, os atores sociais podem tomar mais de um papel social.

Solidariedade orgânica (Simmel, 2006) tem relação com a socialização secundária no mundo capitalista, profissional. Chamamos atenção para o conceito de socialização, pois, presumimos a socialização secundária e o mundo empresarial capitalista de um lado, de outro lado o contato primário seria como a de uma comunidade de pescadores, agricultores, sociedade rural, do artesão, o mundo da cultura pré-capitalistas. A socialização primária é mais simples, homogênea, com a coletividade mais forte, a socialização secundária, é mais complexa, individualista, com a fragmentação da coletividade.

Identificamos ao analisar e vivenciar diariamente as escolas e seus lugares específicos, reservados a determinados grupos entre os estudantes, todo impulso, interesse, condicionamento psíquico, as afinidades, movimentos dos indivíduos, níveis sociais, tudo como conteúdo e elemento de sociação. É tudo o que relaciona e envolve os indivíduos, físico e psiquicamente. Causar efeitos ou receber efeitos. Com as palavras de Simmel:

A sociação é, portanto, a forma (que se realiza de inúmeras maneiras distintas) na qual os indivíduos, em razão de seus interesses sensoriais, ideais, momentâneos, duradouros, conscientes, inconscientes, movidos pela causalidade ou teleologicamente determinados – se desenvolvem conjuntamente em direção a uma unidade no seio da qual esses interesses realizam. Esses interesses […], formam a base da sociedade humana (SIMMEL, 2006, p. 60).

Existem diversos ambientes no qual os estudantes podem transitar e se relacionar, com os objetivos mais variados possíveis, antes, durante e depois das atividades estudantis, as aulas no período noturno iniciam às dezenove horas e quinze minutos e encerram aproximadamente às vinte e duas horas e quarenta e cinco minutos, entre o início e o fim das aulas, contém um intervalo de quinze minutos; no período matutino, as aulas iniciam às sete horas e trinta minutos com o término das aulas, ao meio-dia. Vimos12 que alunos se reúnem nas escadas, no gramado, nas

12 Fazendo uso de nossas observações participantes, durante a graduação.

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mesinhas distribuídas pelo colégio, pátios, estacionamentos, corredores, sacadas, bibliotecas, restaurantes, moradia, quadras poliesportivas, piscina, pistas de corrida, se reúnem em locais com maior concentração de alunos, mas também, podem preferir um lugar mais reservado, com um menor número de pessoas etc., a instituição serve refeições aos alunos, que também tem sua própria incumbência de reunir diversos grupos para conversar, durante o tempo em que se fazem presentes, se alimentarem, conversarem sobre os “rolês”13 que fizeram durante a semana e programar novos encontros, discutir sobre trabalhos, sejam eles profissionais ou acadêmicos, também sobre as apresentações, novas divisões de trabalhos, conversas transversais, sobre o “andar” das disciplinas etc., ou seja, uma gama de assuntos.

As relações entre os estudantes ocorrem por diversos motivos, podemos notar que, ao se relacionar entre os estudantes do colégio, conversar e trocar experiências escolares e juvenis, ir se familiarizando com o ambiente acadêmico e os assuntos que o circundam, podem vir apenas por conhecer alguma pessoa e consequentemente acabam estendendo a sua rede de relações, se relacionando, socializando com diversas pessoas, podendo até despertar “novos” interesses, novos objetivos, “novas”

ideias, novas áreas de conhecimentos e assim por diante.

Os interesses que resultam em uma gama de formas de sociabilidade também acabam operando na separação em que Simmel (2006, p. 64) denominou de

“conteúdo” e “forma” da existência social. O que é de caráter social nessa existência é aquele indivíduo que em sua existência e com os conteúdos ou seus interesses materiais perfazem uma forma ou um fomento por meio de seus impulsos ou finalidades. Todas essas formas, acabam adquirindo, por si mesmas, uma vida própria. Esse é o fenômeno da sociabilidade.

Para ficar de mais fácil entendimento, seguiremos o pensamento de Simmel (2006) em que afirma “Nessa conjuntura se aplica uma função espiritual de significado altamente abrangente” (Simmel, 2006, p. 61), de fato. O indivíduo com base em suas dadas condições e suas necessidades, suas práticas, inteligibilidade, criatividade, movimentos afetivos, culminam o material que tomamos do mundo. E aí entram então nossas finalidades, damos a esses materiais determinadas formas, e apenas com essas formas esse material é usado como um componente elementar de nossas

13 “Rolês” se trata de um neologismo, ou seja, o emprego de palavras novas, derivadas ou formadas de outras já existentes, na mesma língua ou não. Uma palavra que tem diversos significados, dependendo do contexto em que é utilizado; sair para andar, curtir, dar uma volta, ficar com alguém.

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vidas. Nossas forças e nossos interesses se liberam, de um modo próprio, do serviço à vida que os havia gerado e aos quais estavam originalmente presos. Ao analisar o conhecimento, nota-se, parece só ter sentido para si mesmo, para se manter vivo. O fato de se saber a verdadeira utilidade, verdadeiro procedimento das coisas é imenso para a vida, e para seu aprimoramento e sua preservação. A ciência, ou seja, o conhecimento, torna-se um valor em si mesma; ela seleciona os objetos por si mesma, os modela de acordo com as suas próprias necessidades internas. A interpretação de nossas realidades, sejam elas concretas ou abstratas, seguindo unidades sonoras, espaciais ou rítmicas, de acordo com seus próprios significados e suas próprias organizações, rigorosamente manifestou-se das premissas de nossa prática.

Na tentativa de relacionar os indivíduos e seus determinados grupos ou com os que poderá participar, temos que ir em busca de responder, ou chegar próximo de obter uma resposta, ao questionamento sociológico que é esclarecer sobre as diferenças entre as características essenciais do “sujeito da sociedade” e da “vida individual”. Se olharmos de um panorama externo, as diferenças acabam se tornando óbvias (Simmel, 2006, p. 39). Os grupos podem ser considerados fundamentalmente imortais, enquanto o indivíduo humano, transitório. Os grupos têm a vicissitude de descartar elementos consideravelmente importantes, sem perderem suas características e sem se extinguirem, semelhante à extinção para a vida individual e fenômenos similares.

Nota-se uma evidente diferença entre os padrões dos grupos em contraste com os padrões individuais. Enquanto os indivíduos aparentam-se numa certa liberdade, a massa agiria de acordo com uma “lei universal”. Ao analisar as instituições escolares, notamos indivíduos que usufruem dessa tal liberdade, mas não querendo dizer que não podem abdicar para fazer parte de algum determinado grupo, abrindo mão parcialmente ou totalmente de sua transitoriedade. Os grupos também podem ser vistos como um tipo de apoio, support, onde auxiliam os indivíduos a enfrentar situações de bullying, preconceitos, agressividades, perseguições, rotinas, conflitos ideológicos, discriminações entre as próprias turmas e cursos da Instituição etc. O suporte também pode ser para os estudos em geral, como apresentações em provas, seminários, rodas de conversas, pesquisas em grupos, trabalhos individuais etc. Há vivências de grupos que se relacionam além dos limites das instituições de ensino, como por exemplo, sair para algum bar, festa, social entre outras atividades.

Complementaremos nosso pensamento com a visão de Simmel (2006, p. 40):

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Entre o querer e o fazer, os meios e os fins de uma universalidade, há uma discrepância menor do que entre os indivíduos. Nesses termos, os indivíduos se mostram “livres”, enquanto as ações de massa seriam determinadas por uma “lei natural”. Por mais polêmica que seja essa formulação, ela somente extrapola uma diferença factual e altamente perceptível entre dois fenômenos(SIMMEL, 2006, p. 40).

Todo desenvolvimento do indivíduo, seja ele exterior ou interior, acima de tudo, está o significado prático do ser humano que é determinado por meio da semelhança e da diferença. A semelhança entre os indivíduos não é mais importante do que a diferença entre eles, a história da cultura da humanidade deve ser aprendida pura e simplesmente como lutas e tentativas de conciliações entre a “diferença” e a

“semelhança”. O que te atrai em uma pessoa para você começar a conversar com ela para além das afinidades, é o que ela teria de novo para nos mostrar, diferente seria o ‘novo’. “Precisamos observar as diferenças dos outros, caso queiramos utilizá-las e assumir o lugar adequado entre eles” (SIMMEL, 2006, p. 46). Toda essa diferenciação se expande para todas as relações do indivíduo.

O indivíduo pode possuir tantas qualidades aprimoradas, altamente desenvolvidas, cultivadas quantas quiser – mas é justamente por isso que, quanto mais freqüente isso se dê, tanto mais inverossímil será a igualdade e, portanto, a formação de uma unidade desse indivíduo com as qualidades dos outros (SIMMEL, 2006, p. 47).

Embora cada indivíduo tenha sua singularidade, ou seja, cada um é único, ele acaba cedendo de alguma forma algumas de suas particularidades, alguns de seus princípios; pode até sofrer algumas alterações na sua forma de pensar e agir para poder manter o seu “bom convívio social”, manter suas redes de relacionamentos e a sua posição dentro do grupo. Os desníveis entre “sujeito indivíduo” e “sujeito massa”

se espalha pela existência social.

Sólon afirmou que cada um dos seus atenienses era uma raposa astuta; mas, reunidos na Pnyx (assembleia popular, assembleia democrática ateniense) eram ovelhas no rebanho. Ao descrever o procedimento do Parlamento de Paris no tempo dos frondistas, o cardeal Retz14, em suas memórias, anotou que inúmeras corporações,

14Jean-François-Paul de Gondi, conhecido também como Cardeal de Retz (1613-1679),originário de Florença. Completou seus estudos eclesiásticos na Sorbonne em 1638. Foi preso em 1652, depois de ter sido nomeado cardeal no ano anterior. Em 1662 faz as pazes com Luís XIV, resigna do cargo

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mesmo quando tinham entre suas fileiras diversas pessoas extremamente cultas e dignas, ao proceder e deliberar em conjunto, agiam como a plebe, isto é, eram regidas pelas mesmas concepções e paixões que o povo comum. Frederico o Grande expressou-se de maneira semelhante a Sólon, ao dizer que seus generais eram os homens mais inteligentes em conversas individuais, porém, uma vez reunidos em conselhos de guerra, tornavam-se asnos (SIMMEL, 2006, p. 48).

O ser humano tem em si a necessidade de se socializar, como consequência, participar e criar grupos, tribos e pequenas comunidades e com isso, ao se conviver em grupo o particular é deixado em “segundo plano”. Enfim, sobre nosso raciocínio a respeito da sociabilidade, indivíduos e suas relações em grupos, Simmel ao desenvolver seu pensamento sobre o nível social e o nível individual, nos lança esclarecimentos sobre os únicos – e mais antigos e espiritualmente mais vazios – meios de reunião, que propiciam as ligações entre as pessoas e círculos heterogêneos, como o “comer” e o “beber”. O comum é o primitivo.

Por isso, a necessidade de prestar tributo às grandes massas – e sobretudo a necessidade de se expor continuamente a elas – arruína facilmente o caráter: ela rebaixa o indivíduo, retirando-o da posição elevada obtida por sua formação e levando-o a um ponto no qual ele pode se adequar a qualquer um (SIMMEL, 2006, p. 49).

Em vez de insistir na realização de um balanço impossível dos estudos sobre a socialização, talvez seja mais útil indagar sobre algumas questões gerais implícita ou explicitamente levantadas pela própria noção de socialização, assim como pela literatura sobre socialização. As duas questões essenciais talvez sejam as seguintes:

Qual é a representação mais adequada dos processos de socialização?15 Qual é a parte dos efeitos de socialização na explicação dos fenômenos sociais?

Respectivamente, pode-se concebê-los essencialmente como processos de condicionamento pelos quais o agente social, sob a influência de seu meio, registraria e interiorizaria as “respostas” que lhe conviesse dar às diferentes situações em que pudesse se encontrar. Essa questão será discutida pormenorizadamente. Mas é importante observar desde já que o esquema do condicionamento só pode fornecer a

de arcebispo de Paris e começa a escrever as suas Memórias que apenas são publicadas em 1702.

Disponível em: <http://maltez.info/biografia/retz.pdf>. Acesso em 09/03/2022.

15 Aqui os autores Boudon e Bourricaud (1982), dividirão a análise da socialização entre duas questões consideradas fundamentais. A “representação” que se adeque ao fenômeno da socialização, ou seja, qual fenômeno social que melhor representará o processo de socialização. A outra seria para realizar uma análise de parte dos efeitos de socialização no esclarecimento dos fenômenos sociais”. Após uma breve leitura, ambas as questões dos autores se tornaram pertinentes para o presente trabalho.

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chave do comportamento dos atores sociais se os supusermos confrontados a um conjunto finito de situações repetitivas. Sobre a segunda questão, que só tem sentido se for especificada, procuraremos responder evocando rapidamente fenômenos particulares, como por exemplo, comportamentos de fecundidade, desigualdades escolares, atitudes em face da inovação.

Retomemos a nossa expertise teórica, sobre a “representação”. Boudon e Bourricaud (1982)16 considera essa questão mais importante, por ser uma tentação permanente da sociologia – a que às vezes se dá o nome de sociologismo – consiste precisamente, nos casos mais extremos, em tratar a socialização como uma espécie de adestramento pelo qual o jovem é levado a interiorizar normas, valores, atitudes, papéis, saberes e habilidades que comporão uma espécie de programa destinado a ser executado em seguida mais ou menos mecanicamente. Essa concepção está presente, implicitamente, em boa parte da literatura sobre socialização. Resulta em parte de um artifício metodológico. É totalmente legítimo indagar-se sobre se este ou aquele valor, este ou aquele tipo de competência é mais ou menos frequente entre os indivíduos deste ou daquele grupo, por exemplo, desta ou daquela classe social, ou se a need of achievement, ou seja, a necessidade de realização, é mais acentuada na Atenas de Péricles do que na Atenas da decadência, afirma McClelland [ca. 1960].

Quando uma correlação é seguidamente observada, por exemplo, entre classes sociais e valores, o pesquisador pode ficar tentado a concluir por uma ação causal mecânica das estruturas sociais sobre a interiorização dos valores. Mas a interpretação causal só é possível porque se decidiu isolar duas variáveis no interior de um processo complexo.

Sobre o paradigma do condicionamento, pode-se opor o paradigma da interação, do qual encontra-se uma aplicação exemplar nos trabalhos de Piaget17 sobre o julgamento moral. A formação do julgamento moral na criança, assim como o domínio progressivo das operações lógicas, depende, segundo Piaget, de um processo autônomo de desenvolvimento das estruturas cognitivas. Mas depende, também, da natureza do sistema de interação no qual a criança estará inserida:

enquanto as interações da criança são limitadas a seus pais, ela tende a retificar as regras morais e a comportar-se de maneira egocêntrica. O sentido do respeito mútuo, da justiça, da reciprocidade e do contrato só aparece entre a idade de 8 e 11 anos,

16 Op. cit., p. 518-519

17 PIAGET, J. Le jugement moral chez l’enfant. Paris, F. Alcan, 1932; Paris, PUF, 1957, 1969.

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quando o controle dos pais diminui e a criança é inserida nos grupos com seus colegas. A interiorização do sentido da reciprocidade e da justiça provém do fato de a criança que cresce em idade estará cada vez mais frequentemente confrontada com situações em que só pode objetivar o respeito de seus próprios direitos manifestando seu respeito pelo direito dos outros.

Em síntese, não é difícil detectar as razões pelas quais o paradigma da interação parece muito mais realista e muito mais flexível que o paradigma do condicionamento. Em primeiro lugar, ele permite conceber a socialização como um processo adaptativo. Em face de uma situação nova, o indivíduo é guiado por seus recursos cognitivos e pelas atitudes normativas resultantes do processo de socialização a que está exposto. Entretanto a situação nova o levará eventualmente a enriquecer seus recursos cognitivos ou a modificar suas atitudes normativas.

Logo o paradigma da interação não somente não é incompatível com – mas permite incluir – a hipótese fundamental da otimização, segundo a qual, numa dada situação, um sujeito tenta ajustar seu comportamento ao melhor de suas preferências e de seus interesses tais como os concebe. Naturalmente, essa hipótese é muito geral; mas ao mesmo tempo é suficientemente específica para excluir os comportamentos mecânicos e eventualmente telecomandados ou extradeterminados implicados pelo paradigma do condicionamento em suas formas puras. A hipótese da otimização ou do equilíbrio, para utilizar o termo próximo, proferido por Piaget (1932)18, está constantemente presente nesse autor. Para ele, o indivíduo tende em regra, a procurar a solução que lhe pareça ser a melhor em função de seus recursos e atitudes, bem como da situação tal como a percebe. A hipótese da otimização – dever-se-ia, aliás, dizer antes, do postulado da otimização – não implica que um sujeito escolherá necessariamente a melhor solução em si, isto é, a solução que um observador exterior provavelmente descreveria como a melhor para o ator. A socialização anterior pode ser causa de uma percepção inadequada da situação; as atitudes normativas podem exercer uma ação inibidora prejudicial ao ator social. Video meliora proboque, deteriora sequor (vejo o bem, aprovo-o e faço o mal) diz o adágio;

esse tipo de caso pode ser facilmente analisado no quadro do paradigma da interação.

E esse paradigma permite evitar a conclusão difícil de aceitar, a que leva, às vezes, o esquema do condicionamento, a saber que as “estruturas sociais” e a decorrente

18 Op. cit., 1932. Paris, PUF, 1957, 1969.

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socialização podem levar os membros de certas categorias sociais a obedecer antes às preferências de outrem do que às suas, ou ter preferências opostas a seus interesses, enfim, a se conduzir como se fossem masoquistas e altruístas. Algumas teorias neomarxistas, inspirando-se em noções popularizadas, como as de alienação ou de falsa consciência, supõe que: i) os mecanismos de interiorização dos valores acionados pelos processos de socialização são suficientemente eficazes; e ii) o poder da classe dominante na definição dos valores comuns é suficientemente grande para que os indivíduos pertencentes à classe dominada serviam com complacência e exatidão os interesses da classe dominante, evidentemente, como quer a doutrina da luta de classes, opostos aos seus (Boudon e Bourricaud, 1982).

No quadro do paradigma da interação é mais fácil – e essencial – levar em consideração o grau de interiorização das montagens normativas e cognitivas produzidas pela socialização. É evidente que o tempo e as dificuldades de aprendizagem são maiores ou menores. É mais rápido aprender a andar de bicicleta do que aprender a tocar piano. Algumas estruturas profundas da personalidade são em grande parte irreversíveis. Em compensação, cada um sabe, por experiência própria, que certos tipos de atitude ou de opinião são mais facilmente reversíveis. Em face de uma situação nova ou de um ambiente novo, um ator terá, em regra, a capacidade de modificar certos efeitos da socialização anterior a que esteve exposto.

Os big business leaders de Warner e Abegglen (1963)19 são, em sua quase totalidade, indivíduos cujo pai, frequentemente alcoólatra ou ausente do lar, foi indiferente a eles:

essa situação, de início induziu neles uma capacidade de cinismo, em relação aos outros, superior à média. Esse elemento, em grande parte irreversível, deu-lhes um alto nível de adaptabilidade, que lhes permitiu percorrer com facilidade a escala social de baixo até em cima. Os estudos de Keniston (1968)20 mostram, ao contrário, que jovens pertencentes a um meio familiar unido, harmonioso e “respeitável” tendem a manifestar e a conservar um hiperconformismo em relação aos valores de seu meio.

Mas, trata-se, nos dois casos, de valores profundamente interiorizados, a ponto de marcar a personalidade em sua estrutura. Evidentemente, existem também exemplos em que a interiorização das normas e valores é mais superficial.

19WARNER, W. L. & ABEGGLEN, J. C. Bid business leaders in America. New York, Atheneum, 1963.

20KENISTON, K. Young radicals: notes on committed youth. New York, Harcourt Brace & World, 1968.

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O paradigma da interação permite ainda distinguir os elementos interiorizados em função de seu poder de coerção social21. A socialização produz a interiorização das normas, valores, estruturas cognitivas e conhecimentos práticos. Certas aprendizagens cognitivas ou corporais levam à aquisição de aptidões específicas, outras22 ao domínio de procedimentos operatórios gerais, mais ou menos indefinidamente adaptáveis à diversidade das situações concretas. Certas normas são precisas, não têm ambiguidade (“não matarás”); outras são suscetíveis de interpretações variadas e contraditórias, como lembra a ironia de Pareto em relação ao imperativo categórico de Kant. […] Se certos valores ou normas têm uma interpretação pouco equívoca, outros são com efeito, e de grande plasticidade23. Trata-se de uma noção que se considera, em geral, positivamente valorizada.

Entretanto os critérios que um indivíduo estabelece para o êxito são muito variáveis e dependem em parte da situação social que ocupa. Keniston mostrou que os jovens

“radicais” (young radicals) americanos dos anos sessenta entravam em conflito com seus pais menos frequentemente por serem atraídos por valores opostos do que por terem uma visão diferente sobre o grau de realização, na sociedade americana, dos valores que seus pais haviam introjetado neles e que eles próprios subscrevem.

O paradigma da interação permite dar conteúdo efetivo à distinção entre socialização primária e socialização secundária, em que insistem, muito a calhar, Berger e Luckman (1966)24. A socialização primária – que corresponde ao período da infância – é parcialmente retomada pela socialização secundária, a que o adolescente, depois o adulto, é exposto durante sua vida. A noção de socialização secundária é evidentemente incompatível com a visão segundo a qual os efeitos da socialização primária seriam em todos os casos rigorosos e irreversíveis.

Genericamente, o paradigma da interação permite integrar os processos de socialização num quadro teórico, o da análise da ação. Boa parte das divergências,

21Compactuamos que, a sociedade exerce uma coerção, ou antes uma grande variedade de coerções, sobre os indivíduos que a compõem, é pouco discutível. Infelizmente, esse termo, popularizado por Durkheim, teve muitos empregos abusivos. Alguns comentaristas, com base numa leitura rápida de Durkheim, chegaram a dizer que a coerção era o único meio de ação da sociedade sobre seus membros. Essa tese leva-os a duas vias igualmente inaceitáveis. Ora a coerção é definida de maneira tão ampla que se faz abrigar nessa denominação termos como influência, persuasão, introjeção. Pode- se então dizer que a sociedade age pela coerção, mas a palavra não tem mais especificidade. Ora ela é considerada no sentido preciso e limitante de um determinismo físico. Nesse caso, porém, se percebe que ela está bem longe de se aplicar a todas as situações sociais.

22 (cf. o deutero-learning de Bateson).

23Ver a esse respeito as discussões clássicas sobre o “êxito social”.

24BERGER, P. & LUCKMAN, T. The social construction of reality. London Doubleday, 1966.

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contradições e discordâncias levantadas nos estudos empíricos sobre os fenômenos da socialização, sem dúvida, provém do fato de raramente seus autores se preocuparem em reconstruir os dados microssociológicos responsáveis pelas semelhanças e diferenças observáveis no nível agregado. Que os métodos de educação autoritária pareçam mais amplamente difundidos nas classes baixas do que nas classes altas torna-se um fato compreensível a partir do momento em que se verifica que os métodos “permissivos” trabalham com recursos cognitivos e linguísticos mais complexos do que os métodos autoritários, recursos esses que as classes altas têm mais probabilidade de possuir. Que as representações relativas à dimensão ideal da família variem com o contexto cultural e social, torna-se explicável a partir do momento em que se tem condições de mostrar que o contexto pode estimular os indivíduos a ter uma família pequena ou numerosa. Sabe-se, por exemplo, que, quando a mortalidade infantil é alta, é comum a família ser numerosa, pois isso representa a garantia de descendência.

Por analogia, seguimos para a segunda questão, onde abordaremos a socialização no esclarecimento dos fenômenos sociais. Evidentemente, é quase impossível dar uma resposta precisa a uma questão tão ampla. Mas, podemos assinalar que os sociólogos frequentemente tendem a dar peso excessivo aos fenômenos de socialização. Amiúde, o primeiro movimento de um sociólogo que observa um fenômeno disfuncional, é atribuir sua presença e persistência a um efeito de socialização. Como explicar a “resistência” a uma mudança que o observador julga favorável ao ator, a não ser pelo fato de a socialização levar o ator a interiorizar normas disfuncionais? Como explicar que o consumo de educação entre as famílias desfavorecidas seja menor, uma vez que renda e status estão ligados positivamente ao nível de educação, a não ser como efeito de uma socialização funcional em relação à “classe dominante”, mas disfuncional em relação à “classe dominada”? Como explicar que os camponeses da Índia continuam a ter comportamentos de fecundidade

“disfuncionais” a não ser pelo efeito das tradições e pelo rigor da socialização?

De fato, é fácil mostrar, a propósito desses exemplos e de muitos outros, que, na maioria das vezes, é contestável procurar explicar um fenômeno “disfuncional”

exclusivamente, a partir de um efeito de socialização. Os camponeses indianos continuam a ter uma fecundidade alta, uma vez que a estrutura do meio econômico faz com que objetivamente a probabilidade deles se alçarem acima do nível de subsistência é maior com oito, do que com dois filhos. As famílias desfavorecidas têm

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uma demanda menor de educação. Por quê? Em parte, pelo menos, porque elas são mais sensíveis, por razões evidentes, ao risco implicado no fato de engajar uma criança cujo aproveitamento escolar é medíocre num caminho longo com a probabilidade de ela precisar abandoná-lo no meio.

Os estudos sobre a difusão de inovações no meio agrícola demonstram em geral que, quando os camponeses resistem à adoção de uma inovação, é porque têm boas razões para fazê-lo. Não basta que uma semente nova propicie um rendimento mais alto que o de uma semente “tradicional” para que seja imediatamente adotada.

“Resistência à mudança” devida aos efeitos da socialização e ao peso das tradições?

Em certos casos, talvez. Entretanto, na maioria dos casos, a resistência provém do fato de que a adoção da nova semente implica custos que podem não se revelar ao observador apressado ou prevenido, mas aos quais o camponês é imediatamente sensível.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As incertezas dos estudos relativos aos fenômenos de socialização resultam, em boa parte, do fato de que eles prendem ao que Wrong25 chama de oversocialized view of man, para uma melhor compreensão, seria o que pode ser traduzido em “visão supersocializada do homem”. Os efeitos da socialização constituem apenas um dos parâmetros da ação. A noção de socialização secundária indica, além disso, que eles próprios podem ser submetidos, com intensidade variável conforme o caso, a efeitos de retroação engendrados pela estrutura do campo de interação no qual o ator se acha imerso.

Realizar essas considerações e delimitações teóricas sobre a socialização, foi um dos principais objetivos deste mote. Além de ser uma clássica temática da sociologia, nós temos gravados em nossas personalidades, a necessidade de se socializar, conviver em grupos e comunidades. As reflexões sobre os processos de sociabilidade junto às instituições escolares, são abordagens totalmente indispensáveis para compreender as dinâmicas experiências juvenis, ao mesmo em que todos vivenciamos tais experiências de alguma forma. Paralelamente, ao situar os leitores, sobre o que podemos considerar sobre socialização, como ela impacta

25WRONG, D. The oversocialized conception of man in modern sociology. American Sociological Review, 2 (26): 183-93,1961.

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nas instituições e como moldam os indivíduos, os grupos dentro e fora das instituições de ensino, ou seja, em toda a sociedade; as variabilidades de formas que podem ocorrer a socialização, com infinitas combinações, faz com que as estruturas sociais, seja um produto do próprio fenômeno de socialização.

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