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Escravização: uma visão acerca do trabalho escravo e da resistência negra

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA CAMPUS I CENTRO DE EDUCAÇÃO CURSO DE GRADUAÇÃO EM PEDAGOGIA. EDUARDA AVELINO DA SILVA. ESCRAVIZAÇÃO: UMA VISÃO ACERCA DO TRABALHO ESCRAVO E DA RESISTÊNCIA NEGRA. CAMPINA GRANDE – PB 2018.

(2) 1. EDUARDA AVELINO DA SILVA. ESCRAVIZAÇÃO: UMA VISÃO ACERCA DO TRABALHO ESCRAVO E DA RESISTÊNCIA NEGRA. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Pedagogia da Universidade Estadual da Paraíba, em cumprimento à exigência para obtenção do grau de Licenciado em Pedagogia. Orientadora: Profª. Drª. Margareth Maria de Melo. CAMPINA GRANDE – PB 2018.

(3) 2.

(4) 3.

(5) 4. AGRADECIMENTOS A Deus, fonte maior de toda minha coragem e persistência durante esta longa caminhada. A minha família, pais, irmãos e sobrinhos, que não me deixaram desistir diante das dificuldades. A eles, meu muito obrigado por todo apoio financeiro mas, principalmente, pelo apoio psicológico, foram batalhas difíceis, porém, acreditamos e a vitória finalmente chegou. Obrigado por estarem sempre comigo. As minhas amigas, por compartilhar comigo todas as manhãs. Quantas brigas, discussões, mas, acima de tudo, quantas alegrias, carinho e compreensão. Foram muitos conhecimentos compartilhados, que possamos estar sempre presentes uma na vida das outras. A todos os professores, que contribuíram para minha formação acadêmica, compartilhando comigo seus conhecimentos. Ao grupo de pesquisa Dialogando com a Diversidade Étnico-racial, que tornou possível a realização deste trabalho. E a minha professora orientadora Margareth Maria de Melo, que se dedicou com muito carinho e paciência em me orientar neste trabalho. A ela meu muito obrigado por tudo. À banca, Profª Patrícia Cristina e Profª Maria do Socorro pela disponibilidade, pelo carinho e confiança. Enfim, meu muito obrigada a todos que, direta ou indiretamente estiveram comigo desde o início desta caminhada..

(6) 5. RESUMO Diante da grande importância da escravização para nossa história, lançamo-nos em busca de informações significativas no âmbito do tráfico de seres humanos, trabalho escravo e da resistência negra. O presente trabalho de conclusão de curso teve como principal objetivo compreender o que foi o processo de escravização na África/Brasil: trabalho escravo, o tráfico negreiro e a resistência negra, a partir das oficinas em sala de aula. Para discorrermos sobre esse tema, temos como objetivos específicos estudar o processo de escravização na África/Brasil; refletir sobre as condições do tráfico negreiro, analisar as diferentes formas de resistência utilizadas pelos escravizados e entender como os alunos dos 4º e 5º anos apreenderam a respeito da temática Trabalho Escravo e Resistência Negra. A metodologia utilizada é de natureza qualitativa, envolvendo uma pesquisa participante BRANDÃO (1999). Como suporte teórico buscamos apoio em: Mattos (2009), Albuquerque e Fraga Filho (2006), Pinsk (2010), Amaral (2011), Bento (2006), Apolinário (2007) entre outros autores. Para construção desse trabalho foram realizadas oficinas temáticas em três Escolas da Rede Pública Municipal de Campina Grande. As oficinas envolveram a temática Africana e Afro-Brasileira, destacando aqui o trabalho escravo e a resistência negra. Após nossa intervenção durante as oficinas, usamos a análise de conteúdos BAUER (2008) para a organização dos dados obtidos. A temática estudada nos ajudou a compreender a história do povo negro, as consequências da escravização e a luta pela liberdade pois, compreendendo a história será possível entender o quão desumana foi a escravização. A partir da análise do material e de nossos estudos sobre a temática, concluímos que ela ainda é campo de muitos equívocos. Ocorreu a associação da escravização exclusivamente ao negro africano, bem como, se criou a imagem do negro como um indivíduo indiferente à condição de escravizado. Uma questão que nos chamou atenção foi a invisibilidade da resistência negra, constatamos que os alunos tinham pouco conhecimento a respeito dos diferentes tipos de resistências. Portanto, acreditamos que a formação inicial do professor, nos cursos de graduação, assim como na formação continuada, será capaz de amenizar estas lacunas encontradas a respeito do trabalho escravo e resistência negra. Palavras – chave: Escravização. Tráfico. Resistência..

(7) 6. ABSTRACT. In view of the great significance of enslavement to our history we engaged ourselves in searching meaningful information on trafficking of human beings, slave labor and black resistance. The main objective of this present work was to understand what was the process of enslavement in Africa/Brazil: slave labor, slave trade and black resistance. In order to discuss this subject, we include as specific objectives to study the process of enslavement in Africa/ Brazil; to reflect on the conditions of the slave trade, to analyze the different forms of resistance used by the enslaved and understand how students in grades 4 and 5 learned about the topic of Slave Labor and Black Resistance. The methodology used is of a qualitative nature, involving a participative research BRANDÃO (1999), As theoretical support we searched for assistance in: Mattos (2009), Albuquerque and Fraga Filho (2006), Pinsk (2010), Amaral (2011), Bento (2006), Apolinário (2007) among other authors. To develop this work, thematic workshops were held in three Public Schools of Campina Grande. The workshops involved the African and Afro-Brazilian themes, highlighting here, the slave labor and the black resistance. After our intervention during the workshops, we used content analysis BAUER (2008) to organize the data obtained. The subject studied helped us to understand the history of black the people, the consequences of enslavement and the struggle for freedom, because, by understanding history, it will be possible to understand how inhuman enslavement was. From the analysis of the material and our studies on the subject, we conclude that it is a field of many misunderstandings. The association of enslavement occurred exclusively with the African Negro, as well as, if the image of the Negro was created as an individual indifferent to the condition of enslavement. An issue that caught our attention was the invisibility of black resistance, we found that students had little knowledge about different types of resistances. Therefore, we believe that the initial formation of the teacher, in the undergraduate courses, as well as, the continued formation will be able to soften these shortcomings found regarding the slave work and black resistance.. Keywords: Enslavement. Trade. Resistance..

(8) 7. SUMÁRIO. 1. INTRODUÇÃO. 08. 2. METODOLOGIA. 09. 3. DA ESCRAVIZAÇÃO AFRICANA AO TRÁFICO. 11. TRANSATLÂNTICO: 3.1 Escravização no Brasil. 19. 4. RESISTÊNCIA NEGRA: UMA HISTÓRIA DE LUTAS. 24. 5. CONSIDERACÕES FINAIS. 37. REFERÊNCIAS. 39. APÊNDICE. 41.

(9) 8. 1. INTRODUÇÃO A importância de se conhecer a história da escravização1 negra, assim como a. luta pela liberdade, nos levou a um estudo por essa temática, pois entendemos que esse é um tema que deve ser estudado, aprofundado e compreendido em sua essência, tendo em vista sua incontestável relevância para história da humanidade. Apolinário (2007, p. 32) fala que, “uma das características fundamentais do sistema escravista era a propriedade jurídica sobre o trabalho do cativo. Sendo assim, o homem escravizado era subordinado a outro ser humano”. Dessa forma, abordar a temática da escravização 2 negra é uma maneira de demonstrarmos o quanto esse desumano sistema colaborou brutalmente com a transformação de homens e mulheres em escravizados, isto é, reduzidos a indivíduos irrelevantes, sem história, cultura e identidade, transformados em mercadorias. Essa é uma questão que precisa ser enfatizada, problematizada e discutida em sala de aula, pois os africanos são seres humanos. Na ocasião, século XV, o estranhamento levou os europeus a duvidarem da humanidade dos povos africanos e indígenas e, posteriormente, a ciência passou a estudá-los. Isso levou à existência de teorias raciais as quais não serão alvo de descrição nesse texto, mas que fazem parte da história dos estudos sobre o tema. Até os dias de hoje, constatamos que a escravização negra é tratada de forma superficial e natural, como se o africano tivesse sido o único povo escravizado, é preciso mostrar que esse processo ocorreu em diversas civilizações. É um processo histórico diferente dos anteriores pela mercantilização de seres humanos e a destruição provocada no continente africano durante três séculos, visto que o Brasil foi o último país abolir a escravização. Nesse sentido, é essencial abordar e conhecer essa temática, pois, o não conhecimento a respeito do tema, nos leva a uma abordagem superficial da história, ou 1. É preciso entender esse processo como histórico e não natural, como alguns livros didáticos apresentam. Introduzimos uma reflexão da dissertação de mestrado, intitulada: A ABOLIÇÃO NECESSÁRIA UMA ANÁLISE DA EFETIVIDADE E DA EFICÁCIA DAS POLÍTICAS DE COMBATE À ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA NO BRASIL A PARTIR DE UMA PERSPECTIVA GARANTISTA E DEMOCRÁTICA DOS DIREITOS SOCIAIS , do autor Rodrigo Garcia Schwarz, quando diz que: “O escravo contemporâneo encontra-se em estado ou condição de um indivíduo que é constrangido à prestação de trabalho, em condições destinadas à frustração de direito assegurado pela legislação do trabalho, permanecendo vinculada, de forma compulsória, ao contrato de trabalho mediante fraude, violência ou grave ameaça, inclusive mediante a retenção de documentos pessoais ou contratuais ou em virtude de dívida contraída junto ao empregador ou pessoa com ele relacionada” (SCHWARZ, 2008, p. 117-118). 2.

(10) 9. até mesmo, a um conhecimento errôneo sobre o povo negro. Assim, nesse estudo, temos como principal objetivo compreender o que foi o processo de escravização na África/Brasil: trabalho escravo, o tráfico negreiro e a resistência negra, a partir das oficinas em sala de aula. Os objetivos específicos foram: estudar sobre o processo de escravização na África/Brasil; refletir sobre as condições do tráfico negreiro, analisar as diferentes formas de resistências utilizadas pelos escravizados e entender o que os alunos apreenderam a respeito da temática trabalho escravo e resistência negra. A escolha por essa temática deriva também do seu estudo no grupo de pesquisa Dialogando com a Diversidade Étnico-Racial, grupo do qual fiz parte como aluna voluntária no período 2016/2017. Após estudos e discussões com a professora Margareth Maria de Melo, coordenadora do grupo, e demais colegas sobre a escravização e resistência negra, foram planejadas e realizadas oficinas temáticas em turmas do 4º e 5º anos de três Escolas Municipais de Campina Grande - PB. O trabalho desenvolvia-se em duas frentes: enquanto a professora Margareth fazia um estudo com as professoras das turmas citadas acima (formação continuada), as estudantes do grupo de pesquisa realizavam as oficinas com as crianças dessas turmas. Durante as oficinas, pude perceber que esta temática é pouco discutida em sala de aula, prejudicando o conhecimento dos alunos sobre a escravização negra. Na sequência, detalharemos a metodologia desenvolvida nessa pesquisa e apresentaremos uma reflexão sobre o processo de escravização dos povos africanos, intervenção didática sobre o tema e a produção das crianças sobre o mesmo.. 2. METODOLOGIA. A metodologia utilizada nesse trabalho é de natureza qualitativa. Nesse sentido, Godoy (1995) fala que o ambiente natural é uma fonte direta de dados, em que o pesquisador pode usar como um instrumento fundamental, possibilitando assim, a compreensão dos indivíduos incluídos na pesquisa, portanto na pesquisa qualitativa, Um fenômeno pode ser melhor compreendido no contexto em que ocorre e do qual é parte, devendo ser analisado numa perspectiva integrada. Para tanto, o pesquisador vai a campo buscando “captar" o fenômeno em estudo a partir da perspectiva das pessoas nele envolvidas, considerando todos os pontos de vista relevantes (GODOY, 1995, p. 21)..

(11) 10. A pesquisa de campo foi do tipo participante “onde afinal pesquisadores-epesquisados são sujeitos de um mesmo trabalho comum, ainda que com situações e tarefas diferentes” (BRANDÃO, 1990, p. 11). Isto é, ocorre uma interação entre pesquisador e pesquisado, ambos assumem papéis na pesquisa, são sujeitos, protagonistas. Os espaços da pesquisa foram três escolas públicas da rede municipal localizadas na periferia do Município de Campina Grande – PB. Essas instituições de ensino recebem alunos de distintas realidades sociais e familiares. Para melhor compreensão, serão representadas nesse trabalho como Escola A (Esc. A), Escola B (Esc. B) e Escola C (Esc. C). A escola A era maior, tinha duas turmas do 4º ano e do 5º ano, com uma média de 35 crianças por turma. A estrutura física da escola era muito boa, as professoras colaboraram com a pesquisa participando da formação continuada e orientando as crianças para as oficinas. A princípio, a experiência de intervenção foi difícil por conta do comportamento dos alunos e um pouco de insegurança das pesquisadoras, mas depois o trabalho fluiu bem. A Escola B tinha uma turma de cada ano letivo, com uma média de 30 alunos por turma. A estrutura física da escola era boa, as professoras envolveram-se na formação continuada e as crianças participaram muito bem das oficinas. A Escola C também tinha uma turma de cada ano letivo, porém com um número muito pequeno de alunos numa média de 15 alunos por turma, apesar desse pequeno número, as crianças apresentavam um comportamento extremamente indisciplinado. As professoras afirmaram que alguns eram de uma área de risco do bairro em que a violência era muito presente. A escola tinha uma boa estrutura física, as professoras participaram da formação, mas a do 4º ano mudou todas as vezes que fomos fazer o trabalho na escola. Diante dessa realidade, sentimos muita dificuldade no trato com a turma do 4º ano e não percebemos avanços na turma. O 5º ano parecia ser um pouco melhor. Nessa escola, a diretora era muito presente apoiando nosso trabalho e intervindo para que os alunos participassem de forma adequada da oficina. O trabalho foi realizado com a participação do Grupo de Pesquisa Dialogando com a Diversidade Étnico-Racial. Em cada turma de 4º ou 5º ano da escola, duas alunas do grupo ministravam as oficinas. Inicialmente, vivenciamos a pesquisa bibliográfica, com aporte teórico em Mattos (2009), Albuquerque e Fraga Filho (2006), Pinsky (2010), Amaral (2011), Bento (2006), Apolinário (2007), entre outros autores. Estudamos ainda alguns documentos oficiais que versam sobre o tema, com o propósito.

(12) 11. de compreendermos e nos apropriarmos desses conteúdos. Discutimos sobre o ensino de história e como essa temática é discutida nas escolas. Esses estudos objetivavam a preparação para realização de oficinas com crianças do 4º e 5º ano do Ensino Fundamental. A escolha das temáticas a serem estudas nas turmas considerou o resultado de pesquisas anteriores 3 em que foram encontradas lacunas no Livro Didático (LD). Assim, as temáticas escolhidas foram: “Diversidade, Preconceito, Discriminação e Racismo”, “África”, “Trabalho Escravo e Resistência Negra”, “Abolição e Pós-Abolição” e a terceira temática foi a que demos especial enfoque nesse estudo – “Trabalho Escravo e Resistência Negra”. Posteriormente, após as discussões e estudo sobre a temática supracitada, foi elaborado o plano da oficina4. Assim, no segundo momento, partimos para a execução das oficinas nas três escolas que compunham o espaço da nossa intervenção. Inicialmente, fizemos um levantamento dos conhecimentos prévios dos alunos acerca da temática apresentada, em seguida realizamos a intervenção com apresentação do material planejado. Após as intervenções, propomos como atividade que os alunos fizessem frases, textos ou desenhos sobre o que haviam apreendido nas oficinas. Após a realização das oficinas, esse material produzido pelas crianças foi coletado e dividido entre três participantes do grupo de pesquisa, cada participante ficou responsável por uma temática. O passo seguinte foi a organização e análise dos dados obtidos, tendo como suporte a análise de conteúdo que “é uma técnica para produzir inferências de um texto focal para seu contexto social de maneira objetivada” (BAUER, 2008, p. 191). O material produzido pelas crianças permitiu que definíssemos os temas apresentados nesse trabalho, quais sejam: escravização, tráfico e resistência negra. Verificamos que a temática da resistência era quase que desconhecida dos alunos, por isso ela foi escolhida, enquanto que os dois outros pontos são muito conhecidos, embora sejam estudados de forma superficial. A seguir, discutiremos sobre cada um desses conteúdos temáticos.. 3. 3. DA ESCRAVIZAÇÃO AFRICANA AO TRÁFICO TRANSATLÂNTICO.. Cotas de 2011 a 2015 do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica – PIBIC, coordenado pela professora Margareth Maria de Melo. 4 Ver em apêndice..

(13) 12. A escravização foi um período que deixou marcas profundas e dolorosas na história da humanidade. Portanto, para falar sobre a escravização é necessário entender como aconteceu esta cruel e perversa forma de dominação do homem. Pinsky (2010, p. 07) caracteriza a escravização como “sujeitar um homem ao outro, de forma completa: o escravo não é apenas propriedade do senhor, mas também sua vontade está sujeita à autoridade do dono e seu trabalho pode ser obtido até pela força”. A escravização tirou dos indivíduos seus direitos a uma vida social livre, suas vontades eram anuladas em detrimento das vontades do outro, que, agora, eram seus donos e passavam a ter plenos poderes sobre eles (PINSKY, 2010). Durante a escravização os homens foram transformados em mercadorias, suas liberdades, desejos e sonhos foram abolidos, os indivíduos podiam ser capturados e ter suas forças físicas exploradas ao máximo. A escravização pode ser definida como: A mais primitiva forma de coerção destinada a extorquir de um ser humano a sua força de trabalho em proveito de outro que se dispensa da mesma obrigação. Trata-se da primeira e mais primitiva das formas de esmagamento do “homem pelo homem”, de extorsão da força de trabalho do semelhante, e do confisco de sua dignidade humana (WEDDERBURN, p. 162-163, 2007).. A escravização sempre deverá ser vista como um exemplo de intenção do indivíduo impor a sua força sobre o outro, com objetivos puramente gananciosos. Escravizar um ser humano diante de seu semelhante seja qual for a época, motivação ou contexto, sempre resultará na mais desumana sentença criada na história de domínio entre indivíduos. Sobre a escravização Albuquerque e Fraga Filho (2006) nos mostram que: “ela moldou condutas, definiu desigualdades sociais e raciais, forjou sentimentos, valores e etiquetas de mando e obediência. A partir dela, instituíram-se os lugares que os indivíduos deveriam ocupar na sociedade, quem mandava e quem devia obedecer” (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 66-67). Entendemos que, muito além de um período na história humana, a escravização alterou para sempre as vidas de um povo, criou distinções pessoais entre os indivíduos e estabeleceu profundas diferenças nas relações sociais das pessoas. Lara (1995) afirma que a escravização representou: Uma relação de dominação e exploração que, de modo contraditório unia, horizontalmente e separava verticalmente homens e mulheres como senhores e escravos e que, através de suas práticas cotidianas, costumes, lutas, resistências, acomodações e solidariedade, de seus modos de ver, viver,.

(14) 13 pensar e agir, construíram isso que, no final das contas, chamamos de “escravidão”. (LARA, 1995, p. 47).. Em toda sua existência e amplitude, a escravização sempre se constituiu em um vínculo de poder, de um indivíduo sobre outros que eram considerados incapazes de agir sobre suas próprias vidas, para os senhores de escravos, suas vontades eram sempre predominantes diante de quaisquer situações. Muitas vezes o trabalho escravo é associado somente aos negros africanos, entretanto, é importante salientar que outros povos como os índios, judeus, entre outros, que não eram negros, também foram escravizados, na antiguidade, em muitas sociedades existiram processos de escravização, como a Grécia, Roma, Egito, dentre outras (PINSKY, 2010). Porém, quando se fala em trabalho escravo, a relação com os negros africanos é tida como um parâmetro, podemos dizer que isso se deve às profundas consequências causadas pela escravização negra. A associação do trabalho escravo prioritariamente ao negro africano é muito forte entre os alunos. Frases dos alunos como “os escravos eram negros” (Escola A, 2016); “os escravos são africanos” (Escola C, 2016) descrevem essa realidade. Notamos, por exemplo, que não foi feita nenhuma relação à escravização sofrida pelo índio brasileiro que também foi escravizado pelos portugueses. Antes de chegar à escravidão negra, a História do Brasil, já em seu primeiro século, registra a utilização do trabalho do índio. Interessados logo nos chamados produtos tropicais – notadamente o pau-brasil –, os membros das primeiras expedições tratavam de conseguir, em troca de algumas quinquilharias, a força de trabalho indígena (PINSKY, 2010, p. 10).. Essa associação do negro com o escravo deve ser problematizada, visto que vários povos sofreram com esse regime escravocrata e ainda hoje é possível encontrar trabalhadores sendo explorados nessa condição de escravos. Será que nos livros didáticos só o negro é apresentado como escravo? Por que quase não se fala da escravização indígena? Na própria África existia escravização, em muitos povos essa prática era comum mesmo antes da chegada do europeu, porém ocorria de forma diferente da que foi praticada com o desembarque de europeus em solo africano. A escravização na África estava relacionada ao poder e a expansão dos reinos. Para Mattos (2009), a escravização na África, “servia para manter o prestígio dos reis e chefes tradicionais, na medida em que a incorporação de um grande número de escravos como dependentes, fosse por.

(15) 14. meio da força ou pacificamente, representava poder e importância social” (MATTOS, 2009. p. 83). Albuquerque e Fraga Filho (2006) relatam que, havia varias maneiras de uma pessoa ser escravizada na África, as guerras entre grupos eram uma das formas mais frequentes de se conquistar escravos. Dessa forma, o grupo vencedor poderia submeter o outro, entretanto, outras formas de escravização também existiam: escravização por dívidas, troca ou venda de membros do grupo e troca de parentes por comida são outros exemplos. Sobre isso, Albuquerque e Fraga Filho (2006) trazem a seguinte afirmação: Em muitas sociedades africanas, o cativeiro era a punição para quem fosse condenada por roubo, assassinato, feitiçaria e, às vezes, adultério. A penhora, o rapto individual, a troca e a compra eram outras maneiras de se tornar escravo. As pessoas podiam ser penhoradas como garantia para o pagamento de dívidas. Nesta situação, caso seus parentes saldassem o débito, extinguia-se o cativeiro. Tais formas de aquisição de cativos foram mais ou menos comuns em diferentes períodos e lugares da África (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 15).. Ainda sobre as diferentes maneiras de se escravizar pessoas na África, Mattos (2009) nos mostra que, embora as guerras entre os grupos tenham sido umas das formas mais utilizadas para escravizar africanos, outros métodos também eram utilizados. Além da guerra, os sequestros eram comuns. A escravidão podia ser também imposta como castigos penais por assassinato, adultério e roubo. Respaldado em seu poder, um rei, um chefe ou mesmo um membro da família de maior respeito, tornava escravo alguém que lhe contrariasse ou ambicionasse um bem. Para se saldar uma divida ou adquirir um empréstimo, não raro uma pessoa da própria família era entregue a outra comunidade para ser escravizada (MATTOS, 2009, p. 59).. O que é mostrado por Mattos (2009) é que a escravização entre os povos africanos era um recurso utilizado em diferentes circunstâncias e em ocasiões diversas. Mesmo sendo a escravização, em alguns casos, utilizada como método de sobrevivência por algumas populações, submeter alguém à escravização na África era algo muito radical, feito apenas como último recurso. Certamente estamos falando de um recurso extremo, porque ser escravo naquelas sociedades tão fortemente estruturadas por laços de parentesco significava ser exilado, torna-se um estrangeiro, muitas vezes tendo que.

(16) 15 professar outra fé, se comunicar em outro idioma, estar alheio às suas tradições. Sentenciar alguém à escravidão era acima de tudo desenraizá-lo e desonrá-lo (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO 2006, p. 15).. Nesse sentido, Albuquerque e Fraga Filho (2006) mostra que ser escravizado na África era uma condição pessoal extrema, que significava não somente perder a liberdade, mas perder o vínculo com suas raízes e costumes. Segundo Mattos (2009), nas sociedades africanas a escravização doméstica era uma prática bastante utilizada, pois era comum pessoas serem aprisionados para trabalhar na agricultura em pequenas propriedades rurais, esse tipo de escravização era utilizado também como forma de acrescentar o número de integrantes da família ou da linhagem. Ainda sobre a escravização doméstica, Albuquerque e Fraga Filho (2006) nos mostram que ela. Servia para aumentar o número de pessoas a serem empregadas no sustento de uma família ou grupo. Afinal, a terra de nada valia sem que se tivesse gente empregada no cultivo de alimentos. Os escravos eram poucos por unidade familiar, mas a posse deles assegurava poder e prestígio para seus senhores, já que representavam a capacidade de auto- sustentação da linhagem (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 1 4).. Reconhecemos que na África a escravização doméstica era uma prática muito utilizada entre os africanos e que por, muito tempo esteve presente entre esses povos, era uma escravização de pequenas proporções que representavam poder para os senhores que possuíam os escravos e garantia a capacidade de permanência de uma linhagem, entretanto, ela atingiu proporções inimagináveis para aquela sociedade. A expansão islâmica também acarretou a escravização na África, era a chamada “escravidão islâmica”. Os árabes pretendiam espalhar o islamismo entre os africanos, converter líderes políticos e escravizar os “infiéis”, eram as guerras santas ou “jihad”, como eram chamadas. Ninguém podia ser contrário a seguir a fé islâmica em Alá, sob pena de ser escravizado (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006). “Para os seguidores do profeta Maomé, a escravização era uma espécie de missão religiosa. O infiel, ao ser escravizado, “ganhava” a oportunidade da conversão e, depois de devidamente instruído nos preceitos islâmicos, tinha direito a voltar a ser livre” (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 18). Os escravos eram fundamentais para o comércio dos mulçumanos, que necessitavam cada vez mais dos cativos em suas viagens de expansão comercial, além.

(17) 16. de serem convertidos à religião islâmica, eles faziam todos os tipos de trabalhos árduos e penosos. A África foi responsável por movimentar o comércio de negros entre seus povos, à medida que os territórios se expandiam, aumentavam a necessidade de se capturar mais escravos. De acordo com Albuquerque e Fraga Filho (2006) o mundo árabe se revelou como um comércio produtivo de escravos, sendo a África a grande responsável por abastecer esse mercado, as capturas de africanos para serem escravizados em diferentes regiões da África se faziam cada vez mais presentes e intensas e “a partir do século X, o número de escravos provenientes da África subsaariana excedia em muito o de turcos e eslavos. E essa tendência só se acentuou ao longo do tempo” (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p.19). Portanto, o aumento do tráfico de negros entre os territórios africanos fez a escravização doméstica perder espaço para a escravização em grandes proporções. A chegada dos europeus a África no século XV e as feitorias realizadas pelos portugueses na costa africana fizeram desse continente o maior exportador de escravos do mundo. Assim, teve início um intenso tráfico de negros africanos. Durante o tráfico, os mercadores europeus contavam com a ajuda de africanos, a quem eram designadas as tarefas de escravizar os indivíduos nas áreas mais afastadas da costa da África. Os negros eram capturados no interior africano, obrigados a fazer longas caminhadas até chegar aos portos onde aguardavam a chegada dos navios para o embarque. Mas nem sempre isso acontecia pois, enquanto esperavam, muitos não resistiam à precariedade dos galpões, aos maus tratos e às doenças, morrendo antes mesmo da chegada dos navios. “Muitos africanos morriam, alguns sucumbiam à espera do embarque que podia durar messes nos barracões, outros a bordo dos navios, sem mencionar as mortes dos africanos capturados durante a viagem do interior ao litoral da África” (MATTOS, 2009. p. 101). Ainda sobre estas precárias condições dos escravos à espera dos navios, Albuquerque e Fraga Filho, (2006, p. 46) mostram que “nos portos eram alojados em grandes barracões ou em cercados. Ali permaneciam muitos dias e até meses à espera de que as cargas humanas dos navios fossem completadas e os cativos partissem para um mundo completamente desconhecido.” Toda essa espera era muito desgastante para os negros, além do sofrimento físico os escravos conviviam com a dura separação de seu povo e com as incertezas de seu novo destino, isso representava uma condição extremamente sofrida. Nos porões dos.

(18) 17. navios foram levados milhares de mulheres, homens e crianças africanas para trabalhar como escravos (Figura 01).. FIGURA 1: INTERIOR DE UM NAVIO NEGREIRO. Fonte: Ilustração de Robert Walsh para o livro Notícias do Brasil, em 1828 e 1829. Londres, 1830. Acervo da Biblioteca Nacional (RICCI, SANTOS e HORTA, 2011, p. 112).. Quando a quantidade de escravos já era suficiente e os navios chegavam aos portos, os africanos eram levados aos mesmos para que pudessem partir. Havia sempre a preocupação com a permanência de grandes números de escravos nos galpões, pois o medo de revolta estava sempre presente. Os números de negros nas embarcações aumentavam o martírio dos escravos na travessia. Pinsky (2010) e Albuquerque e Fraga Filho (2006) concordam ao falar que “o número de escravos por navio era... (sic) o máximo possível. Uns quinhentos numa caravela, setecentos num navio maior”. (PINSKY, 2010. p. 20). Os porões dos navios não tinham espaço, embarcavam sempre cheios de escravos como vimos na figura 01, de tal forma que mal conseguiam ficar em pé. Durante quase toda viagem os escravos ficavam acorrentados, logo, percebemos que a figura 02 a seguir não retrata as verdadeiras condições das embarcações, pois é de nosso conhecimento que a realidade das viagens era bem diferente da que está sendo representada. Nesta figura, os escravos aparentam tranquilidade e aceitação, como se os mesmos estivessem descansando durante a travessia, numa tentativa talvez de atenuar o que na realidade acontecia na viagem..

(19) 18. FIGURA 2: INTERIOR DO NAVIO NEGREIRO. Fonte: KOK (2010, p. 22). As viagens eram feitas da pior maneira possível para um ser humano, doenças, sujeira, fome, sede, castigos e até mesmo a morte estavam presentes durante a viagem forçada. Eram frequentes as vezes em que alguns escravos se jogavam ao mar tamanhos eram os sofrimentos nos navios e a quantidade de escravos amontoados nos porões das embarcações aumentava a tormenta dos escravos nas longas viagens. No trecho a seguir, Kok (2010) relata o sofrimento dos africanos durante as viagens. Era o início de uma infernal epopéia, da qual poucos sobreviviam. Os navios ou tumbeiros (túmulos marítimos) transportavam de cem a quatrocentos cativos, acorrentados, dois a dois, nos porões, numa viagem que se estendia de trinta a sessenta dias. Até os primeiros anos do século XVIII, cerca de 20% dos cativos morriam na travessia, cometendo suicídios, sucumbidos pelo “banzo” (tristeza) ou atacados por outras doenças (KOK, 2010, p. 22).. Logo, é evidente o quanto eram sofridas as viagens dos escravos africanos, tendo em vista as condições a qual eram submetidos, o que tornava a viagem uma luta pela sobrevivência. E, ao trabalharmos essa questão com os alunos nas oficinas, eles retrataram as condições dos navios negreiros, mostraram reconhecer os péssimos momentos vivenciados pelos escravos durante as viagens, isso foi observado em frases elaboradas por eles: “parte das pessoas morriam no navio por causa das situações precárias da viagem” (Aluno da Escola B, 2016). Isso demonstra o entendimento do aluno sobre os.

(20) 19. navios negreiros que também foi representado em desenhos, como podemos constatar na figura 3.. FIGURA 3: NAVIOS NEGREIROS. Fonte: Dados da pesquisa (Produção de Aluno da Escola B (2016) e Aluno da Escola C (2016)).. De acordo com Pereira (2013, p. 52) “os escravos africanos eram transportados em navios superlotados, sem condições de higiene e mal-alimentados. Estima-se em torno de 30% a mortalidade dos cativos”. O tráfico de seres humanos, o tratamento dado aos africanos, as condições da viagem e como os africanos reagiam são questões que devem ser problematizadas com as crianças para que se entenda a crueldade que foi praticada com milhares de pessoas durante três séculos. A seguir, adentraremos mais nessa temática buscando entender como o processo escravista ocorreu no Brasil.. 3.1 Escravização no Brasil. A história da escravização negra no Brasil tem início ainda no continente africano, quando, no século XV, os navegadores europeus, em especial, os portugueses, começaram a explorar novos territórios com o propósito de encontrar riquezas. A partir de então, a África se torna palco da maior retirada forçada de pessoas já vista no mundo. Não se sabe a quantidade exata de pessoas que foram capturadas em solo africano, mas sabemos que a grande maioria foi trazida para o Brasil. Albuquerque e Fraga Filho.

(21) 20. (2006, p. 39), fala que “nenhuma outra região americana esteve tão ligada ao continente africano por meio do tráfico como o Brasil. O dramático deslocamento forçado, por mais de três séculos, uniu para sempre o Brasil à África”. No que se refere ao tráfico de escravos para o Brasil, percebemos que prevalece, entre os alunos, a ideia de que os africanos vieram para solo brasileiro de maneira espontânea, por vontade própria. Isso pode ser percebido durante a realização das oficinas e, posteriormente, nas atividades feitas pelos alunos, em frases como, “os escravos foram conduzidos ao Brasil pelos portugueses” (Escola A, 2016), “os escravos vinham da África” (Escola C, 2016). Portanto, percebemos o caráter de imigração voluntária dado ao tráfico dos africanos. Porém, sabemos que os negros africanos foram capturados e trazidos para o Brasil sendo obrigados a trabalhar como escravos, conforme constata a afirmação de Pinsky (2010, p. 13) quando diz: “Nada mais equívoco do que dizer que o negro veio ao Brasil. Ele foi trazido”. É importante destacar que a escravização brasileira é diferente da escravização praticada na África. No Brasil, a escravização apresentou características extremamente violentas e desumanas, os escravos eram comercializados, expostos e maltratados, sendo submetidos a diversos tipos de trabalhos forçados. Sobre a escravização no Brasil, Albuquerque e Fraga Filho (2006) falam que os escravos: Logo percebiam que viver sob a escravidão significava submeter-se à condição de propriedade e, portanto, passíveis de serem leiloados, vendidos, comprados, permutados por outras mercadorias, doados e legados. Significava, sobretudo, ser submetido ao domínio de seus senhores e trabalhar de sol a sol nas mais diversas ocupações (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO 2006, p. 65).. No Brasil, a escravização dos negros africanos não foi questionada, ao contrário, foi aceita e incentivada. Muitas vezes chegou a ser, inclusive, justificada como algo divino, sendo assim, era visto como sendo da vontade de Deus que os africanos trabalhassem como escravos. Sobre isso, Kok (2010) escreveu que, para os padres Jesuítas: Os negros foram escolhidos e feitos à semelhança de Cristo para salvar a humanidade através do sacrifício. Assim, a escravidão era vista como um estado de milagrosa felicidade, por meio do qual o africano podia se salvar do inferno. Ser escravo, em última análise, era ser Cristo e, portanto, o cativo deveria se conformar com humildade à sua condição (KOK, 2010, p. 19)..

(22) 21. Dessa forma, a escravização não era vista como um penoso sofrimento, mas como um presente divino, que deveria ser aceito pelos negros, respeitando, assim, seus destinos que tinham sido escolhidos por Deus. Tais pensamentos sobre os negros fizeram com que eles fossem considerados indivíduos submissos e desvalorizados, incapazes de controlar suas vidas e suas vontades. De acordo com Mattos (2009, p. 103), “para atingir os objetivos de exploração das colônias na América, os europeus tiveram que escolher produtos de grande procura na Europa e que permitissem a produção em grande escala”. A cana-de-açúcar era o produto ideal para esses objetivos, pois se tratava de um produto muito consumido entre os europeus. No Brasil, a partir do século XV, o cultivo da cana foi realizado em diferentes regiões do país, com isso surgiu a necessidade de uma maior mão-de-obra e os escravos africanos tornaram - se uma opção viável. Sobre isso, Mattos (2009, p. 104) destaca que “os africanos começaram a ser empregados por volta do século XVII, quando o tráfico atlântico de escravos havia se consolidado”. Sobre esse aspecto, observamos que os alunos das turmas envolvidas nesse estudo reconhecem o trabalho escravo como sendo forçado e obrigatório, entretanto, destacaram com maior ênfase o trabalho nos canaviais das grandes fazendas. Os demais tipos de trabalho não foram citados pelos alunos: “os escravos eram forçados a trabalhar” (aluno da Escola A, 2016); “os negros eram obrigados a trabalhar” (aluno da Escola C, 2016); “eles trabalhavam muito nas fazendas” (aluno da escola B, 2016). Fica evidente o reconhecimento da escravização sofrida pelos negros, no entanto, a ausência de menção a outros trabalhos destaca o reducionismo das diferentes atividades realizadas pelos escravos, causando, assim, uma provável naturalização do negro como escravo. Sobre está naturalização da escravização Pinsky (2010, p. 43) esclarece que “O fato é que o negro não tinha “jeito” ou “espírito” de escravo. Aliás, ninguém tem. O próprio do ser humano é a liberdade, e não a escravização; de todo e qualquer ser humano, qualquer que seja sua cor, idade, religião, sexo, classe social ou convicção política”. Nas fazendas para onde eram levados para trabalhar nas lavouras de cana-deaçúcar, o dia a dia dos cativos não era fácil, suas jornadas começavam antes do nascer do sol e se estendiam até a noite, eles trabalhavam por longas horas seguidas sem descanso, eram serviços muito esgotantes que exigiam grande esforço físico dos escravos. Sobre o trabalho nos canaviais Albuquerque e Fraga Filho (2006) escreveram que:.

(23) 22. Preparar o campo, abrir sulcos para o plantio e depois afastar as ervas daninhas do canavial, a chamada limpa, eram tarefas penosas, especialmente em solo pesado como eram os destinados ao cultivo da cana. A limpa era feita de sol a sol e muitas vezes os escravos eram obrigados a realizá-la depois de terem cumprido outras tarefas. A colheita era feita por homens, mulheres e crianças. Os homens cortavam cana e retiravam as folhas, as mulheres e crianças reuniam as canas em feixes para serem transportadas (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 70).. As obrigações que as grandes plantações de cana exigiam eram muito variadas e necessitavam de grandes quantidades de escravos, pois não se tratava apenas do trabalho nos canaviais, Pinsky (2010) explica que: “Não se tratava de uma atividade simplesmente agrícola (não era apenas plantar, colher e vender), mas também do beneficiamento de um produto da lavoura. A complexidade e mesmo a diversidade das atividades de um engenho exigiam um número bastante expressivo de braços” (PINSKY, 2010, p. 13). De acordo com Mattos (2009), aproximadamente 25 escravos trabalhavam, em cada turno, os trabalhos atuavam desde o processamento de moagem de cana-de-açúcar ao cozimento do caldo. O funcionamento adequado de engenho necessitava de 60 a 80 escravos, no total. Os escravos estavam sempre atarefados, o trabalho era extremamente duro e cansativo, para aliviar a tristeza, na maioria das vezes, seus trabalhos eram embalados por canções de sua terra, que eram usadas como forma de suportar todo sofrimento vivido. Reis (1986) relata que: “o cantar não significava que eram africanos felizes, escravos cegos à sua situação de explorados. Na verdade essa atitude diante do trabalho servia tanto para espantar a tristeza da vida como para estabelecer limites à exploração” (REIS, 1986, p. 200). Nesse sentido, percebemos que, mesmo diante de tudo que estavam passando, os escravos procuravam, de alguma forma, manter viva a esperança de uma vida melhor e de alguma maneira se impor aos mandos e desmandos da escravização. Durante muito tempo, a maioria das riquezas consumidas e produzidas pelo Brasil foi fruto do trabalho de escravos. A agricultura era a atividade que mais empregava essa mão-de-obra, porém, podiam ser encontrados escravos trabalhando na mineração, nas cidades e nos trabalhos domésticos, nas casas dos senhores. Amaral (2011) esclarece que, prioritariamente, os escravos vieram para trabalhar na cana-deaçúcar, pois esse era o modelo econômico pensado, inicialmente para o país, a monocultura: “Depois, foram levados para o interior do território e regiões longínquas.

(24) 23. para trabalhar na mineração [...] nas construções públicas de todos os tipos e no comércio de gêneros alimentícios” (AMARAL, 2011, p. 11). Nas minas, os escravos eram responsáveis pela realização do trabalho pesado. As atividades realizadas pelos cativos na mineração eram cansativas e enfadonhas, exigia-se grande produção dos escravos. As dificuldades das tarefas esgotavam, com facilidade, a força física dos escravizados. Sobre as condições do trabalho nas minas, Albuquerque e Fraga Filho (2006) descrevem como sendo: As condições de trabalho nas minas eram extremamente desgastantes. O escravo garimpeiro ficava muito tempo com parte do corpo mergulhada na água dos rios e córregos. O escravo quase que não tinha tempo para si mesmo. Suspeita-se que o escravo das minas vivia menos do que seus parceiros dos engenhos e fazendas de café. Para evitar a morte prematura de seus cativos, os senhores mineiros frequentemente contratavam enfermeiros ou enfermeiras negros para cuidar dos que labutavam no garimpo (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 75-76).. Devido às péssimas situações de trabalho nas minas, dentro dos rios ou submersos em galerias, os escravos estavam sempre sujeitos a acidentes e, na maioria das vezes, eram acometidos por doenças respiratórias e infecções. Nas cidades, os escravos eram responsáveis pelo transporte de pessoas, mercadorias, eram encarregados do abastecimento de água, limpeza das ruas, construíam prédios, estradas, abriam e faziam a pavimentação das ruas (MATTOS, 2009). Também era de responsabilidade dos escravos exercerem as funções de padeiros, pintores, canoeiros, carroceiros, ferreiros, barbeiros, costureiras e outras tantas profissões fundamentais para o funcionamento das cidades (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006). Os escravos domésticos garantiam o funcionamento das residências dos senhores, eram mucamas, cozinheiras, lavadeiras. “As grandes casas possuíam em torno de sessenta a setenta escravos domésticos. Quanto mais escravos o senhor possuía, maior era o seu prestigio social” (KOK, 2010, p. 32). Segundo Mattos (2009), havia ainda os escravos artistas, pintores e músicos que tocavam e fabricavam vários instrumentos musicais. Alguns senhores obrigavam seus cativos a trabalharem para outros indivíduos mediante recebimento pelo serviço, eram os escravos de aluguel. No caso do escravo de aluguel, os proprietários os colocavam à disposição de outras pessoas, acertando previamente a duração do tempo de serviço e o.

(25) 24 valor do pagamento pelo trabalho. Alguns desses escravos eram chamados a trabalhar por jornada, por isso dizia-se que dependiam de seus “jornais” (MATTOS, 2009, p. 111).. Devido às características do trabalho, os escravos urbanos tinham mais “liberdade” que os escravos que trabalhavam na agricultura e na mineração. Nos grandes centros urbanos, as ruas estavam sempre cheias de escravos trabalhando nas mais diferentes atividades. Em relação ao trabalho nas cidades, Soares e Bezerra (2011) falam que A rua era o local de trabalho do cativo citadino e, por isso, o lugar onde ele permanecia a maior parte do tempo. Todavia, assim como ocorria nas demais camadas da sociedade, a rua não era apenas o local de trabalho para o escravo; era ali que esses homens e mulheres se encontravam para fazer seus batuques e suas catingas, dançando e jogando (SOARES; BEZERRA, 2011, p. 89).. É importante enfatizar que a vida dos negros no Brasil não foi somente voltada para a escravização, pois os negros lutaram muito para suportar a vida de escravizados, como também para conseguir sua liberdade. Os escravizados não aceitaram essa situação a que foram submetidos e lutaram para sair dessa condição de escravo, foram muitas as formas de resistência. A seguir, iremos conhecer um pouco dessa trajetória de luta que quase não aparece nos livros didáticos.. 4. RESISTÊNCIA NEGRA: UMA HISTÓRIA DE LUTAS. Embora escravizados, é necessário salientar que os negros não aceitaram essa. situação, e não ficaram inertes perante suas condições, eles utilizaram diferentes mecanismos para se libertarem desse martírio que era a escravização. Compreendemos estes mecanismos como resistência dos negros as suas condições de escravos, os mesmos, resistiam aos castigos e aos trabalhos forçados que lhes eram impostos pelos senhores. Albuquerque e Fraga Filho (2006, p. 69) mostram que: “O escravo não era um ser passivo cuja obediência podia ser mantida exclusivamente através do chicote. Em suas lutas cotidianas, os escravos impuseram limites à dominação escravista e jamais se acomodaram”. Podemos perceber que as resistências sempre estiveram presentes na vida dos cativos. Ainda durante a travessia, muitos escravos recorriam a suicídios como forma de não se renderem à dominação. (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006)..

(26) 25. FIGURA 4: NAVIO NEGREIRO. Fonte: Dados da pesquisa (Atividade produzida por aluno da Escola B (2016)). A imagem acima feita por alunos da Escola B (2016) mostra os escravos jogando-se ao mar durante a viagem, em uma tentativa desesperada de livrar-se do aprisionamento. O suicídio também foi destacado em frases dos alunos: “tinha uns escravos que se suicidavam para não viver como um escravo” (Escola A, 2016). Assim, percebemos que alguns alunos reconheceram a resistência dos escravos ao cativeiro. Sobre essa questão, Albuquerque e Fraga Filho (2006, p. 50) afirmam que “não foram poucos os cativos que puseram fim à existência precipitando-se no mar”. Essa forma de protesto era individual, na figura das crianças é uma grande fuga em que vários africanos pulam da caravela. Deve ser destacado no ensino de história que o negro não aceitava essa condição de privação e lutou de várias maneiras para ser livre. Amaral (2011) nos mostra que a resistência negra à escravização e à opressão é evidenciada em toda história, em aproximadamente quatro séculos de existência da escravização. Onde houvesse escravos, havia também a luta pela liberdade, era preciso resistir à tamanha violência do escravismo, os escravos lutaram e resistiram bravamente. Sobre a resistência, Bento (2006, p. 72), fala que “trabalho e luta marcaram o cotidiano do trabalhador escravizado. As marcas dessa luta estão registradas de diversas formas. Da resistência individual às insurreições urbanas até o quilombismo tudo foi tentado”..

(27) 26. Logo, os escravos buscavam diferentes meios de resistência para mudar suas difíceis vidas de escravizados, eram resistências cotidianas que podiam ser praticadas no trabalho do dia a dia, ou então, muitas vezes recorriam a formas mais drásticas de lutar por sua liberdade. Individual ou coletivamente, os escravos sempre estavam buscando e organizando alternativas de resistência. A resistência estava contra o sistema escravista revelou-se de diversas formas. Foram práticas extremas (fugas, quilombos, revoltas, assassinatos e suicídios), resistências provocativas (roubos, abortos, e sabotagens) e a resistência que se dissimularia nas vivencias sócio-culturais dos escravos com a classe senhorial (APOLINÁRIO, 2007, p. 119).. De início, essas resistências aconteciam como uma ação individualizada, cada escravo buscava uma forma de resistir aos mandos e desmandos dos senhores, posteriormente, elas passaram a acontecer de modo coletivo. “Impedidos por todos os meios de se organizarem coletivamente, os escravos usaram dos modos mais engenhosos e radicais de resistência individual” (BENTO, 2006, p. 72). Trabalhar de forma lenta, quebrar máquinas e ferramentas, destruir lavouras, fazer pequenos furtos e, em casos mais extremos, cometer o suicídio e o assassinato de seus senhores, eram formas individuais de mostrar resistências. Mattos (2009) mostra que o suicídio era visto como a única ou a última forma de se livrar da escravização, para os escravos tirar suas próprias vidas os libertariam não somente do cativeiro, mas também, colocaria fim ao sofrimento que era viver longe de sua terra de origem e de seus familiares.. Ainda. sobre o suicídio KOK (2010, p. 34) fala que “cometer suicídio era uma das soluções encontradas pelo africano para acabar definitivamente com o sofrimento. Vislumbrava, na morte, a esperança de retornar à sua terra natal”. Também como resistência individual, era comum entre as escravas interromper uma gravidez. Para as mulheres abortar seus filhos era uma forma de não os submeterem a uma vida tão cruel que era a de serem escravos. A insatisfação com a vida na qual estavam vivendo, o fato de não aceitarem suas situações de escravos, os castigos e maus-tratos são alguns dos motivos que levavam um escravo a fugir, além é claro, do desejo de liberdade que prevalecia sobre a escravização. Quanto aos maus tratos sofridos pelos escravos, alguns alunos descrevem como um ato de rebeldia dos negros “quando os negros não faziam seus trabalhos eram chicoteados” (Aluno da Escola A, 2016). Portanto, nota-se que, para esses alunos, os.

(28) 27. negros eram castigados por serem desobedientes, e os castigos serviam assim, como punição ao escravo, por ele se negar a trabalhar diante de condições tão degradantes. Durante a escravização, foram utilizadas as mais variadas formas de castigos contra os escravos “a série de instrumentos de suplício desafia a imaginação das consciências mais duras” (RAMOS, 2005, p.126). Nas oficinas, castigos como chicote/chicotadas,. tronco,. prisão. por. correntes. (acorrentados),. apareceram. constantemente nas atividades feitas pelos alunos. Frases utilizando esses instrumentos estavam presentes nas três escolas em que as oficinas foram realizadas, “os escravos eram chicoteados” (Aluno da Escola B, 2016), “os escravos apanhavam” (Aluno da Escola A, 2016), “os escravos ficavam acorrentados” (Aluno da Escola C, 2016). Apolinário (2007) apresenta alguns dos instrumentos e utensílios usados para castigar os escravos libambo, grilhões, anginhos, mordaça, algemas, peias, vira-mundo e o tronco. O tronco era o mais popular e também o mais utilizado para castigar. Ele “consistia em um grande pedaço de madeira retangular, aberto em duas metades, com buracos maiores para a cabeça e menores para os pés e as mãos dos escravos. Esse tipo de tortura seguido de chicotadas eram os castigos mais usuais contra os escravos negros” (APOLINÁRIO, 2007, p. 121). A violência era extrema, porém, notamos que, na maioria das vezes, os alunos não associaram os castigos a uma resistência à escravização. No cotidiano da vida familiar, as crianças aprendem que o castigo é dado a quem pratica algo errado, quem desobedece e quem é mal. Neste sentido, é necessário problematizar a situação para que as crianças entendam que esses atos de rebeldia, revolta dos escravos era uma luta por dignidade, respeito, liberdade, direitos, cidadania. A exploração que eles sofriam era uma grande violência e a luta dos negros era justa. Albuquerque e Fraga Filho (2006, p. 68-69) destaca que “os senhores logo perceberam que não dava para manter a escravização apenas com violência física. Castigo injustificado podia resultar em fugas e ameaça a vida dos senhores”. Portanto, o excesso de trabalho os castigos e a falta de perspectiva de liberdade faziam das fugas uma opção para os escravos, elas ocorriam tanto de maneira individual, como coletiva. As fugas representavam transtornos e perdas para os senhores que tinham que arcar com os custos para reaver o escravo que fugia e, em muitos casos, eram obrigados a ceder às exigências para terem seus escravos de volta ao trabalho, além de terem sua autoridade questionada diante dos escravos. Sobre as fugas, Mattos (2009) explica que:.

(29) 28. Entre as fugas, existiam aquelas que visavam reivindicar melhores condições de trabalho e de sobrevivência, a manutenção de direitos adquiridos, como dias de descanso, permissão para o cultivo de roças próprias e organização de festas. Também eram promovidas em resposta à venda de parentes para outros proprietários, ocasionando a separação e o rompimento de laços afetivos importantes no contexto da escravidão, ou ainda se o próprio escravo era vendido para um senhor mais cruel dado aos maus-tratos ou mais exigente no trabalho. Em geral, essas fugas eram individuais ou de pequenos grupos e duravam alguns dias ou um fim de semana, quando, então, os escravos voltavam à propriedade e negociavam com os senhores. Por outro lado, havia fugas que rompiam de vez o contato com o proprietário (MATTOS, 2009, p. 129).. Logo, podemos perceber dois tipos de fugas: a reivindicatória, onde os escravos se ausentavam dos trabalhos por algum tempo em uma tentativa de conseguir melhores condições para vida de cativos, tão logo conseguissem retornavam ao trabalho; e as fugas rompimento, aquelas em que os escravos fugiam em definitivo, cortando todo e qualquer contato com suas vidas de escravos. Assim sendo, reconhecemos que uma das formas de resistências mais utilizadas pelos escravos eram as fugas, elas representavam um enfrentamento direto ao sistema escravista. Fugir era uma das saídas vista pelos escravos para se libertar da brutalidade vivida na escravização. Apolinário (2007) nos mostra que, fugir é “um ato de vontade em que o escravo exteriorizava os seus limites humanos. Esse ato extremo poderia representar para o cativo tanto uma oportunidade sedutora para tornar-se livre, quanto uma repulsa declarada contra as práticas de violência do poder senhoril” (APOLINÁRIO, 2007, p. 122). No entanto, fugir era arriscado e incerto, a fuga poderia significar a liberdade, entretanto, ela poderia também significar a insegurança de seu destino e de sua vida, pois o escravo estava sujeito a ser capturado, e se isso acontecesse, ele sofreria castigos terríveis. De acordo com Amaral (2011, p. 34), “a formação de quilombos pressupõe um tipo específico de fuga, a fuga rompimento, cujo objetivo maior era a liberdade. Essa não era uma alternativa fácil a ser seguida, pois significava viver sendo perseguido não apenas como escravo fugido, mas como criminoso”. Alguns, para sobreviver, entraram na criminalidade, no alcoolismo. Pois, diante dessa situação, cabe aqui um questionamento: como iriam sobreviver sendo perseguidos, sem trabalho e um teto para se abrigar?.

(30) 29. Muitas vezes, os escravos que fugiam não tinham um destino certo a seguir após as fugas, sobre isso, Pinsky (2010, p. 44) esclarece que, “a fuga não era, em si, a libertação do negro, uma vez que, em geral, ele não tinha para onde ir. Sua cor de pele logo o denunciava - o negro era escravo até prova em contrário”. Portanto, fica claro que, ao decidir pela fuga o escravo necessitava da ajuda de outras pessoas. Ver-se livre, isento do controle e da subordinação a qualquer senhor foi o principal objetivo de muitos homens e mulheres que, sozinhos ou em grupo, resolviam escapar da escravidão. Fugir era perigoso, difícil e, geralmente, dependia da solidariedade de outros escravos, libertos e livres. Era preciso alguém que pudesse facilitar a fuga, fornecer abrigo, alimentação e trabalho para não levantar suspeitas. Os escravos podiam buscar refúgio em fazendas, povoados e cidades, onde podiam misturar-se aos negros livres e libertos, mas também recorriam aos quilombos (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO 2006, p. 118).. Os quilombos eram um caminho viável para os escravos, eles representavam a esperança de uma verdadeira liberdade. Também conhecidos como mocambos, os quilombos foram espaços autônomos formados por escravos fugitivos, os mesmos significavam a única esperança real para o escravo que decidisse pela fuga. Formados nas florestas, eles recebiam os negros garantindo-lhes alimentação e moradia. Eram ambientes de homens e mulheres livres em uma sociedade fundamentada na escravização. Sobre a construção dos quilombos, Mattos (2009, p. 137) escreveu que os escravos fugitivos “construíam comunidades independentes, mas não muito isoladas, para que pudessem interagir com a sociedade, comercializando sua produção agrícola, mesmo que de forma clandestina, com a ajuda de pequenos comerciantes, agricultores e até mesmo escravos”. Formados por pequenos grupos próximos de fazendas, engenhos, minas e cidades, os quilombos abrigavam não somente escravos fugidos, mas também era comum encontrar negros libertos, indígenas e indivíduos com problemas na justiça. Essas comunidades causavam preocupação e prejuízos às autoridades e aos donos de terras (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006). Também sobre os quilombos, Mattos (2009) fala que os escravos fugidos mantinham um convívio com os comerciantes e taberneiros, os escravos trocavam os excessos de seus produtos agrícolas por outros alimentos necessários, além disso, eles se mantinham informados sobre possíveis repreensões das autoridades aos quilombos. Embora saibamos que alguns dos quilombos eram próximos às fazendas e cidades, houve um período em que eles eram isolados, em locais de difícil acesso, por.

(31) 30. conta da perseguição dos senhores e do governo local e depois imperial. Essa situação gerou uma concepção que muitos ainda hoje têm sobre os quilombos. Ao se referir a quilombo é comum as pessoas imaginarem comunidades exclusivamente negras formadas por choupanas de palha escondidas no meio da floresta, no alto das montanhas, longe das cidades, fora do alcance dos senhores e onde se vivia apenas da própria lavoura, da caça, da pesca e do extrativismo (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 118).. Logo, percebemos uma concepção de quilombo contrária à maioria dos quilombos existentes, entretanto, a existência dessa concepção não é por acaso. Essa perspectiva deve-se à existência de Palmares. “Palmares foi o mais duradouro e o maior quilombo da história do Brasil. [...] é o mais famoso e tem servido como uma espécie de modelo para se pensar todas as outras comunidades quilombolas” (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 120). Palmares foi usado como exemplo de resistência, e representou, para muitos escravos, o sonho de conseguir o livramento por meio das fugas. Sobre a existência de Palmares, Amaral (2011) relata que. Palmares foi um quilombo formado no século XVII, na Serra da Barriga, região entre os estados de Alagoas e Pernambuco. Localizado numa área de difícil acesso, os aquilombados conseguiram formar um Estado com estrutura política, militar, econômica e sociocultural, que tinha por modelo a organização social de antigos reinos africanos. Calcula-se que Palmares chegou a possuir uma população de 30 mil pessoas (AMARAL, 2011, p. 34).. O quilombo de Palmares tornou-se uma verdadeira fortaleza, nele os negros viviam livremente, e constantemente recebiam escravos em fuga em busca de liberdade. Palmares possuía uma complexa organização, com ruas, casas, muros, capelas. Sua estrutura era composta por inúmeras aldeias e seus chefes. Todas as aldeias tinham o comando de uma comunidade principal, nela, encontrava-se o chefe do quilombo (MATTOS, 2009). A difícil localização e o acesso muito restrito favoreceram a longevidade de Palmares, foi quase um século de existência, era uma sociedade independente, uma nação livre dentro do Estado Brasileiro. Seu crescimento era uma ameaça para a coroa, por isso, investiu-se muito para destruir e prender suas lideranças. “Palmares instituiu entre 1595 a 1695 uma verdadeira republica livre em pleno território colonial. Teve como uma de suas principais expressões o líder Zumbi” (BENTO, 2006, p. 73)..

(32) 31. Sua localização representava obstáculos também para os escravos. Sobre essa questão Albuquerque e Fraga Filho (2006) esclarece que. [...] Tratava-se de um terreno acidentado e de difícil acesso, coberto de espessa mata tropical que incluía a pindoba, um tipo de palmeira, daí o nome Palmares. Se a vegetação dificultava o deslocamento dos caçadores de escravos fugidos, chamados capitães-do-mato ou capitães-de-assalto, e a abundância de árvores frutíferas, caça, pesca e água potável facilitava a sobrevivência dos quilombolas, também exigia dos moradores habilidade para enfrentar os perigos e as dificuldades da vida na floresta. O mesmo ecossistema que os protegia também os ameaçava (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 120).. Palmares era autossustentável, nele vivia-se do plantio de diferentes produtos agrícolas. Bento (2006) esclarece que a principal atividade exercida em Palmares era a agricultura, as atividades eram realizadas coletivamente. Usavam ainda, os conhecimentos metalúrgicos para fabricação de utensílios agrícolas, objetos artísticos e de armas para a guerra. Mattos (2009, p. 144) afirma que “entre 1645 e 1678, o líder do quilombo de Palmares foi Ganga Zumba”. Porém, o líder mais famoso de Palmares foi Zumbi, sobrinho de Ganga Zumba. Zumbi foi criado por um padre na cidade de Recife mas, aos quinze anos fugiu para Palmares, ele assumiu o comando do quilombo após a morte de seu tio. Zumbi organizou seu próprio exército, reorganizando a comunidade de Palmares após inúmeras investidas do governo (BENTO, 2006). Palmares resistiu por muito tempo, entretanto, depois de muitas lutas e combates, em 1964 ele foi massacrado durante uma expedição comandada por Domingos Jorge Velho. Nessa ocasião, cerca de duzentos quilombolas foram mortos, outros foram capturados e vendidos, Zumbi conseguiu fugir mas, em seguida, foi capturado e morto, sua cabeça foi exibida na praça para servir como exemplo (MATTOS, 2009). “O mais importante quilombo brasileiro e o maior das Américas fora vencido. Zumbi permaneceu escondido na mata que tão bem conhecia. Mas no dia 20 de novembro de 1695 ele foi capturado ao lado de apenas vinte homens” (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 124). É importante destacar que, embora tenha sido o quilombo mais conhecido e comentado, Palmares não foi o único quilombo, existiram muitos outros em diferentes Estados do Brasil. Pinsky (2010) mostra que “falar de quilombos não é falar apenas de Palmares” (PINSKY, 2010, p. 44). No entanto, é apenas a ele que é feita menção nos livros didáticos e discutido na escola como símbolo da luta dos negros por liberdade..

(33) 32. Albuquerque e Fraga Filho (2006) e Amaral (2011) destacam que, no século XVIII, a região de Minas Gerais possuía em torno de 160 quilombos. Localizado no alto São Francisco, o quilombo do Ambrósio foi o que mais se destacou e preocupou as autoridades. Ambrósio chegou a abrigar cerca de 600 escravos fugidos. “O quilombo do Ambrósio não era um esconderijo completamente isolado dos núcleos urbanos. Como não. eram. comumente. as. comunidades. quilombolas. de. menor. porte”. (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 126). No Estado do Rio de Janeiro, um número considerável de quilombos também se formou nos arredores das cidades e fazendas, “o Bacaxá foi um dos quilombos existente no Rio de Janeiro, próximo ao recôncavo da Guanabara, região produtora de açúcar e aguardente e de fazendas de gado. Esse mocambo contava com um número significativo de fugitivos” (MATTOS, 2009, P. 139). Nesses relatos, destaca-se que existia um contato entre os quilombos e a cidade, pois os produtos produzidos pelos quilombolas, principalmente a lenha, eram vendidos nas cidades, e a ponte entre os quilombolas e comerciantes eram os escravos urbanos e os taberneiros (MATTOS, 2009). Assim, como as fugas, os quilombos foram exemplos de resistências aos cativeiros, inconformados com a maldade da vida na escravização, os cativos ansiavam pelo direito de viver livres, assim sendo, os quilombos representavam luta e resistências, neles os escravos tentavam refazer suas vidas, resgatar suas culturas e buscavam sua identidade perdida durante a escravização. Sobre a resistência5 dos negros, os alunos destacaram as fugas como forma de lutar pela liberdade “os escravos fugiam para se libertar” (Escola C, 2016), “eles fugiam à noite” (Escola B, 2016). Embora tenhamos apresentado outros tipos de resistência durante as oficinas, tais como sabotagem, aborto e trabalhar de forma lenta, essas não foram citadas pelos alunos. Chamou-nos bastante a atenção o fato de a formação dos quilombos e a história de Zumbi, o líder de Palmares, praticamente não terem sido citadas nas atividades dos alunos. Sobre os quilombos, uma das poucas frases citadas foi, “o quilombo é um esconderijo” (aluno da Escola A, 2016).. 5. Apesar de buscar definir o conceito, o historiador faz questão de mencionar que “resistência” é uma noção relativa, estritamente ligada ao conjunto de práticas políticas, sociais e culturais desenvolvidos por uma sociedade ocupada. Para ele, “o que chamamos de resistência é geralmente a fase avançada de uma oposição social e política que obteve sucesso em se organizar e fixar objetivos (SÉMELIN, 1994), p. 57.).

Referências

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