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O papel do juiz penal na produção da prova testemunhal no atual sistema processual brasileiro

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ANELISE PAZINATTO

O PAPEL DO JUIZ PENAL NA PRODUÇÃO DA PROVA TESTEMUNHAL NO ATUAL SISTEMA PROCESSUAL BRASILEIRO

Ijuí (RS) 2013

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ANELISE PAZINATTO

O PAPEL DO JUIZ PENAL NA PRODUÇÃO DA PROVA TESTEMUNHAL NO ATUAL SISTEMA PROCESSUAL BRASILEIRO

Monografia final do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Curso – TC.

UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ DECJS - Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais

Orientador: Dr. André Leonardo Copetti Santos

Ijuí (RS) 2013

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A Deus, acima de tudo, pela vida, força e coragem.

Ao meu orientador Dr. André Leonardo Copetti Santos pela sua dedicação e disponibilidade.

À minha mãe Sueli Becker Pazinatto pelo amor incondicional e por ter superado comigo os momentos de dificuldade, não me deixando desistir.

A todos que colaboraram de uma maneira ou outra durante a trajetória de construção deste trabalho, meu muito obrigado!

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“Não existe liberdade onde as leis permitem que, em determinadas circunstâncias, o homem deixe de ser

pessoa e se converta em coisa.” César Beccaria

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O presente trabalho tem por objetivo a análise da conduta a ser adotada pelo juiz durante a instrução criminal, principalmente perante a prova testemunhal, no sistema processual brasileiro em que há um confronto entre a norma infraconstitucional do Código de Processo Penal frente à Constituição Federal de 1988. Para tanto, primeiramente foram analisados os principais sistemas processuais existentes na história, quais sejam, acusatório, inquisitório e misto, para que ao final, com o conhecimento de suas origens, definições e características elementares se pudesse formar uma opinião acerca do sistema processual adotado pelo ordenamento pátrio, que mesmo diante dos princípios garantistas perpetrados pela Carta Magna de 1988, ainda mantém vigente o Código de Processo Penal tipicamente inquisitorial, de 1941. Assim, considerando que o sistema processual acusatório é o modelo que melhor se enquadra em um Estado Democrático de Direito, que visa o respeito aos direitos e garantias fundamentais dos indivíduos, principalmente durante a persecução penal, passou-se a análise dos preceitos da verdade material e formal no atual sistema processual, sendo desmitificada a primeira, considerando ser impossível a reconstrução histórica exata de um fato passado. Assim, foram examinados os limites estabelecidos pelos princípios processuais constitucionais em fase da mediação probatória, para que por fim, fosse analisada a gestão e a valoração da prova testemunhal, levando-se em conta os poderes instrutórios conferidos pelo Código de Processo Penal e a obediência aos princípios constitucionais.

Palavras Chaves: Sistema Processual Acusatório. Princípios Constitucionais. Juiz. Prova testemunhal.

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This paper aims to analyze the conduct to be adopted by the judge during the criminal investigation, primarily to oral evidence, in the Brazilian legal system where there is a clash between the standard infra Code of Criminal Procedure against the Constitution of 1988 . To do so, first we analyzed the main systems existing in history, namely, libelous, inquisitorial and mixed so that the end with the knowledge of their origins, definitions and basic features if you could form an opinion on the procedural system adopted by paternal land, even on the principles garantistas perpetrated by the 1988 Constitution, still in force keeps the Code of Criminal Procedure typically inquisitorial, 1941. Thus, considering that the adversarial trial system is the model that best fits into a democratic state, which seeks the respect of fundamental rights and guarantees of individuals, especially during the criminal prosecution, we started to analyze the precepts of true stuff and formal in the current procedural system, the first being demystified, considering it impossible to exact historical reconstruction of a past event. Thus, we examined the limits set by the constitutional principles procedural evidentiary phase of mediation, so that finally it was analyzed the management and valuation of testimonial evidence, taking into account the investigation is archived powers conferred by the Code of Criminal Procedure and obedience to the principles constitutional.

Keywords: Procedural System accusatory. Constitutional Principles. Judge. testimonial evidence.

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INTRODUÇÃO ... 9 1 OS SISTEMAS PROCESSUAIS: ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA ... 11 1.1 Sistema acusatório ... Erro! Indicador não definido.12 1.2 Sistema inquisitório ... 15 1.3 Sistema misto ... 23 1.4 O Sistema Processual Brasileiro: uma análise acerca da Constituição Federal de 1988, frente à legislação infraconstitucional. ... 25 2 OS LIMITES DO PODER JUDICIAL DE VALORAÇÃO DA PROVA TESTEMUNHAL ... 32 2.1 A verdade processual x o mito da verdade material: considerações críticas a partir do garantismo penal ... 33 2.2 A função limitadora dos princípios constitucionais na mediação probatória ... 38 2.3 A prova testemunhal, sua gestão e valoração: os limites ao livre convencimento do juiz ... 49 CONCLUSÃO ... 53 REFERÊNCIAS... ..55

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho de pesquisa busca compreender qual o papel do Juiz penal na produção da prova, principalmente a testemunhal, dentro do sistema processual brasileiro, que possui uma Constituição Federal totalmente garantista dos direitos fundamentais dos indivíduos e um Código de Processo Penal, vigente desde 1941, que apesar de algumas reformas, ainda mantém alguns traços inquisitoriais de sua origem.

Procurar-se-á, desse modo, primeiramente compreender qual o sistema processual que melhor se adapta à legislação brasileira, uma vez que há grande divergência doutrinária acerca do assunto, frente à antinomia existente entre a lei fundamental e a legislação infraconstitucional, pois, enquanto a Carta Magna de 1988 estabeleceu uma série de princípios processuais com vistas a garantir ao réu maiores direitos durante a persecução penal como, por exemplo, a presunção de inocência, o contraditório, a ampla defesa, o direito ao silêncio, etc., características típicas de um sistema acusatório, o Código de Processo Penal ainda concede ao Juiz poderes instrutórios, até mesmo antes de iniciada a ação penal, ponto fundante do sistema inquisitorial.

Tal premissa é de suma importância para o presente trabalho, uma vez que dependendo do sistema processual adotado o juiz poderá ter maiores ou menores poderes instrutórios na persecução penal, inclusive de atuação substitutiva as das partes. Haja vista que o sistema acusatório tem como características fundamentais a imparcialidade do julgador e sua atuação passiva na produção do material probatório, ao passo que o sistema inquisitório concede amplos poderes instrutórios ao Juiz, que poderá agir de ofício, a fim de buscar provas necessárias para formar seu convencimento e descobrir a verdade real acerca dos fatos.

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Optou-se pelo presente tema devido a grande divergência doutrinária quanto qual o sistema processual adotado pelo ordenamento pátrio, bem como quais os limites de atuação do juiz penal frente à prova produzida pelas partes. Se se deve manter passivo a essa atividade, apenas analisando o aspecto da legalidade, guardando sua atuação ao julgamento, ou pode também produzir as provas, a fim de chegar a um melhor esclarecimento acerca dos fatos, para então decidir o mérito da causa.

Observa-se que até mesmo por parte da jurisprudência não há consenso sobre o sistema processual adotado, uma vez que há julgados do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que asseveram que o modelo processual brasileiro é misto, ao passo que outros afirmam que tal sistema é acusatório, mas não puro.

Logo, o trabalho será divido em dois capítulos, que abrangem em um primeiro momento, um resgate histórico dos principais sistemas processuais existentes na historia, acusatório, inquisitório e misto, em que serão tecidas considerações acerca de sua origem, evolução histórica e características fundamentais, para que ao final, possa-se analisar o sistema processual brasileiro, levando em consideração os preceitos da Constituição Federal de 1988, frente ao Código de Processo Penal, ainda vigente.

Posteriormente, adotando o sistema processual acusatório como modelo processual em vigor após o advento da Carta Magna de 1988, será analisado, no segundo capítulo, os mitos existentes na busca da verdade real frente à verdade formal. Após, serão examinados os princípios processuais perpetrados pela Constituição Federal de 1988 e os limites que eles impõem ao Juiz na mediação probatória.

Por fim, concluindo o presente trabalho, será analisada a gestão e a valoração da prova testemunhal pelo Juiz criminal, examinando o art. 156 do CPP, que outorga poderes instrutórios ao julgador, frente ao sistema de garantias imposto pela lei fundamental, analisando o dispositivo à luz da Constituição Federal.

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1 OS SISTEMAS PROCESSUAIS: ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA

A ideia de sistemas processuais surgiu aproximadamente no século XIX quanto o direito processual penal passou a ser tratado em um instituto autônomo do direito material, com normas e princípios próprios.

Esse conjunto de normas e princípios processuais interligados ao direito penal e à lei fundamental do Estado através de um princípio informador formou um sistema processual, que por sua vez, passou a nortear a aplicação e a interpretação de todas as regras jurídicas nesse ramo do direito, inclusive quanto às funções exercidas pelos sujeitos processuais na gestão do material probatório.

Por isso, para que se tenha uma melhor compreensão acerca da postura a ser adotada pelo julgador durante a gestão da prova, principalmente a testemunhal, é necessário ter o conhecimento acerca do sistema processual perfilhado pelo ordenamento pátrio.

Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (2000), já afirmava que o sistema processual é um conjunto de temas colocados em relação a um princípio unificador, formando um todo pretensamente orgânico, destinado a dar uma finalidade, um sentido a aplicação das normas, sendo seu estudo de fundamental importância para o entendimento do direito processual penal.

Nesse mesmo sentido, Fraz Von Liszt citado por Gilberto Thums (2006, p.173), aduz que “a ciência jurídica só pode ser concebida a partir da ideia de sistema, pois só a organização dos conhecimentos num sistema garante um domínio claro e manuseável de todos os detalhes”. Thums chega a alegar que fora da ideia de sistema, as regras processuais não passam de um amontoado de normas.

Na evolução histórica dos sistemas processuais surgiram dois modelos principais, acusatório e inquisitório, com características totalmente distintas quanto à participação do juiz na gestão da prova e consequentemente ao respeito aos direitos e garantias fundamentais dos indivíduos. Alguns doutrinadores, como Marcos Alexandre Coelho Zilli (2003) apontam a criação de um terceiro sistema, os quais denominaram de misto, por apresentar traços comuns

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tanto do modelo acusatório quanto inquisitorial. Esse último sistema, ainda é fruto de grandes divergências e controvérsias entre os doutrinadores do direito.

Ressalta-se que os sistemas processuais estão intimamente ligados ao poder político da época, uma vez que o modelo inquisitorial viu-se presente em Estados autoritários, que fortaleciam a hegemonia estatal em detrimento dos direitos individuais, ao passo que o modelo acusatório é patente em Estados Democráticos de Direito, que possuem uma sólida base democrática e com isso repeitam a liberdade individual de seus cidadãos.

Assim, o sistema inquisitório é compatível com Estados de direito penal máximo, enquanto o modelo acusatório ou sistema de garantias preconiza os direitos penais mínimos e direitos fundamentais maximizados.

A partir disso, neste primeiro capítulo, serão tecidas considerações históricas, definições e características adotadas pelos três sistemas processuais mencionados: acusatório, inquisitório e misto, para que ao final possa-se dar uma definição acerca do sistema processual brasileiro, frente a Constituição garantista de 1988 e ao Código de Processo Penal tipicamente inquisitorial de 1941.

1.1 Sistema acusatório

O primeiro modelo a surgir na história dos sistemas processuais foi o acusatório, que predominou desde a Grécia Antiga até o Império Romano, por volta do século XII, onde foi paulatinamente substituído pelo modelo inquisitório.

Este sistema processual, em sua origem, caracterizava-se principalmente pela divisão equilibrada dos poderes exercidos no processo, sendo atribuídas as funções de acusar, defender e julgar a órgãos distintos e autônomos, propiciando com isso o respeito aos direitos e garantias fundamentais dos indivíduos. O juiz era um mero expectador das partes, imparcial a produção do material probatório, ficando restrito ao julgamento do feito, baseado na sua íntima convicção.

Na Grécia Antiga, havia a participação direta do povo no exercício da acusação e julgamento, vigorando o sistema da ação popular para os delitos mais graves, em que

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qualquer pessoa podia acusar e, da denúncia privada para os delitos menos graves, na qual era permitida a desistência e a transação durante o desenrolar da ação penal.

Segundo conta Aury Lopes Júnior (2005), na Alta República Romana surgiram dois tipos de processos: a cognitio e accusatio. O primeiro caracterizava-se por um procedimento de natureza pública, encomendado aos órgãos do Estado, no caso aos magistrados, que tinham o poder de esclarecer os fatos da forma que melhor entendessem. Sendo cabível o recurso de apelação, chamado provocatio, quando o condenado fosse cidadão e varão. Nesse caso, o magistrado deveria apresentar ao povo os elementos necessários para a sua nova decisão.

Todavia, nos últimos séculos da República esse procedimento foi substituído pelo accusatio, uma vez que se tornou uma poderosa arma política nas mãos dos magistrados, além de não apresentar nenhum tipo de garantias às mulheres e aos não cidadãos.

A accusatio, por sua vez, era assumida espontaneamente por cidadãos do povo, marcando uma inovação ao Direito Romano. Tinha como pressuposto o fato de ninguém poder ser levado a julgamento sem ter alguém que o acuse. O acusador, por sua vez, poderia ser qualquer pessoa da sociedade, mesmo com provas mínimas de autoria, traduzindo o brocardo nemo in iudicium tradetur sine accusatione. Assim, tratando-se de delicta publica, a persecução e o exercício da ação penal eram encomendados a um órgão diverso do juiz, pertencente à coletividade e não ao Estado.

Este sistema tinha, portanto, como características principais: a) a atuação passiva dos juízes, que se mantinham afastados da persecução penal; b) a proibição da denúncia anônima ou acusação feita por acusador ilegítimo ou inidôneo; c) a punição da denunciação caluniosa, a fim de coibir falsas acusações; d) procedimento oral e público e, d) o respeito as garantias do acusado, como contraditório e ampla defesa (LOPES JR. 2005).

Contudo, durante o Império Romano, por volta do século XIII, esse modelo processual começou a ser considerado insuficiente diante da necessidade de repressão dos delitos. De modo que, pugnava-se uma intervenção mais ativa do Estado na persecução penal, a fim de combater a delinquência.

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Criticava-se a conduta passiva dos juízes, que mesmo diante de uma atividade deficitária das partes na gestão do material probatório mantinham-se inertes, correndo o risco de não chegar à verdade real dos fatos, deixando impune algum culpado.

Diante desse fato, cada vez mais os julgadores foram invadindo a esfera de atuação das partes, principalmente da acusação, agindo de ofício e colhendo as provas necessárias para formar o seu convencimento.

Nesse sentido argumenta Lopes Jr. (2005, p. 154):

Essa substituição foi fruto, basicamente, dos defeitos da inatividade das partes, levando-se à conclusão de que a persecução criminal não poderia ser deixada nas mãos dos particulares, pois isso comprometeria seriamente a eficácia do combate à delinquência. Era uma função que deveria assumir o Estado e que deveria ser exercida conforme os limites da legalidade.

Logo, o sistema processual que se caracterizava pela participação popular, pela oralidade e publicidade de seus atos, pela imparcialidade do juiz frente à atividade ativa das partes, pelo respeito aos direito de defesa do acusado, criou a figura do inquisitor e cedeu lugar ao modelo inquisitório, que perduraria por mais de seis séculos e viria a ser o instrumento de injustiças e iniquilidades usado pelo Estado e pela Igreja para combater hereges e delinquentes.

Essa drástica mudança do procedimento do processo penal é mencionada por Lopes Jr. (2005, p. 157):

O sistema Inquisitório muda a fisionomia do processo de forma radical. O que era um duelo leal e franco entre acusador e acusado, com igualdade de poderes e oportunidades, se transforma em uma disputa desigual entre juiz- inquisitor e acusado. O primeiro abandona sua posição de árbitro imparcial e assume a atividade de inquisitor, atuando desde o início também como acusador.

Séculos mais tarde, o descontentamento com o sistema inquisitório, frente aos ideias iluministas e o advento dos Estados Democráticos de Direito, faria com que houvesse uma tentativa de se buscar o retorno do principio acusatório ao processo penal.

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No entanto, para autores como Zilli (2003), deu-se origem a um terceiro modelo processual, chamado de misto, ante a incorporação de aspectos do princípio acusatório ao sistema inquisitório.

Lopes Jr. (2006, p. 233), contudo, aponta as características do sistema acusatório na atualidade:

a)clara distinção entre as atividades de acusar e julgar; b) a iniciativa probatória deve ser das partes; c) mantém-se o juiz como terceiro imparcial, alheio ao labor de investigação e passivo no que se refere à coleta da prova, tanto de impugnação como de descargo; d) tratamento igualitário das partes (igualdade de oportunidades no processo); e)procedimento é em regra oral (ou predominantemente); f) plena publicidade de todo o procedimento (ou de sua maior parte); g) contraditório e possibilidade de resistência (defesa); h) ausência de uma tarifa probatória, sustentando-se a sentença pelo livre convencimento motivado do órgão jurisdicional; i) instituição, atendendo; a critérios de segurança jurídica (e social) da coisa julgada; j) possibilidade de impugnar as decisões e o duplo grau de jurisdição.

Hodiernamente, o sistema processual acusatório é o modelo que melhor se enquadra nos pressupostos legitimadores do Estado Democrático de Direito, surgido a partir do século XVIII, que prega pelos direitos fundamentais do homem maximizados diante da persecução estatal.

Sem embargo, se voltará a analisar o sistema acusatório posteriormente, no item 1.4 deste capítulo, quando será examinado o atual sistema processual brasileiro após a Constituição Federal de 1988.

1.2 Sistema inquisitório

Como já mencionado no item 1.1 deste trabalho, o modelo processual inquisitório teve sua origem após o século XIII, quando o sistema acusatório perdeu credibilidade ante a inércia do julgador frente à inatividade das partes na gestão probatória, permanecendo em vigência por mais seis séculos até ser repelido pelos ideais iluministas.

Este sistema processual, principalmente após a Inquisição, transformou-se “no maior instrumento de injustiças e iniquilidades, caracterizados pela violência e arbitrariedade, por não haver consideração com a dignidade da pessoa humana.” (Thums,2006,p.202).

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Originalmente, tinha como característica primordial a concentração dos poderes processuais nas mãos de um único órgão estatal, no caso o julgador. Na verdade, toda a jurisdição cabia ao soberano, que por sua vez, delegava a função da persecução penal aos juízes, que ficavam subordinados ao monarca ou ao príncipe.

Cabia ao juiz às funções de perseguir, acusar e decidir, transformando-se, assim, em um inquisidor, que diante de um fato típico, poderia agir de ofício, sem qualquer invocação, recolhendo o material necessário para formar o seu convencimento.

Frederico Marques citado por Thums (2006, p. 201), alega que o sistema inquisitório caracteriza-se “quando o juiz exerce além da função de decidir, que lhe é própria, mais uma ou outra das restantes, ou na verdade, todas elas.” Adverte, ainda, que neste tipo de modelo processual não existe processo penal, mas tão só um procedimento de autotutela do Estado.

Salienta-se, que a participação direta do magistrado na colheita da prova, lhe retirava completamente a imparcialidade para o julgamento. No entanto, mesmo assim, era ele que decidia o mérito da causa. Ao ser acusado de um delito, o réu já tinha uma certeza quase que absoluta da condenação, tendo em vista que a mesma pessoa que apanhava os elementos necessários para incriminá-lo era a que decidiria o feito.

Desse modo, o acusado não passava de um mero objeto de investigação, considerado culpado desde o início da ação penal. Não havia dialética processual, contraditório ou direito a ampla defesa, ou melhor, a figura do advogado só era necessária para apressar a confissão do imputado.

Em um procedimento escrito e sigiloso, em que as provas eram reduzidas em atas, a prisão era regra geral. A ideia era de direito penal máximo, repressão ao extremo, a fim de acabar com a delinquência.

O objetivo desde sistema processual era alcançar a verdade real dos fatos, através de sua reconstituição histórica, justificando-se, assim, qualquer diligência, a fim de encontrar o verdadeiro culpado. De modo que, autorizava-se o juiz a buscar provas independentemente do consenso das partes.

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Lopes Jr. (2005), afirma que tal argumento não passava de uma falácia, sendo apenas um instrumento justificador do Estado para transformar a prisão cautelar em regra geral, a fim de dispor do corpo do acusado, para o uso de tortura.

Na busca dessa tal “verdade real”, transforma-se a prisão cautelar em regra geral, pois o inquisitor precisa dispor do corpo do hegere. De posse dele, para buscar a verdade real, pode lançar mão da tortura, que se for “bem” utilizada conduzirá a confissão. Uma vez obtida a confissão, o inquisitor não necessitada de mais nada, pois a confissão é a rainha das provas ( sistema de hierarquia das provas). Sem dúvida tudo se encaixa para servir bem ao sistema. ( LOPES JR. 2005, p. 161).

Utilizava-se, portanto, o sistema da prova tarifada, onde a avaliação do material probatório obedecia a uma hierarquia de valoração. A confissão era considerada a prova máxima, suficiente para condenação, tornando desnecessária qualquer outra, pois se acreditava que ninguém melhor que o próprio acusado para saber quando e como ocorreu o fato criminoso.

A confissão do acusado e a insistência do julgador para que ela ocorra tem uma razão, porque se acredita que a verdade está na boca do réu, e a confissão, ainda que sob tortura, representa o principal fundamento da sentença condenatória. (Thums, 2006, p.206).

Nesse sentido, também assevera Lopes Jr. (2005, p. 161):

A confissão era a prova máxima, suficiente para a condenação e, no sistema de prova tarifada, nenhuma prova valia mais que a confissão. [...] se o acusado confirmava a acusação, não havia necessidade de advogado. Ademais, a função do advogado era fazer com que o acusado confessasse logo e se arrependesse do erro, para que a pena fosse imediatamente aplicada e iniciada a execução.

A menção ao arrependimento refere-se à Inquisição, que será mencionada posteriormente, onde os acusados de delitos comuns poderiam ser perdoados ante o arrependimento, trilhando, assim, o caminho para a eternidade, porque o maior problema encontrava-se na heresia. Os hereges eram o maior perigo de todos e deveriam ser combatidos.

No sistema inquisitorial, para se obter a confissão, eram cometidas atrocidades, nas quais o acusado era torturado por 15 dias, por meio de cinco tipos progressivos de tortura,

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tendo este o “direito” de escolher uma tortura por dia. Aos que sobrevivessem aos 15 dias e não confessassem, que eram raros, eram liberados após terem sido suficientemente torturados. (LOPES JR., 2005).

Thums (2006, p. 205-206) refere-se ao sistema de valoração das provas como irracional, não passando de uma tirania da lei, que amarra o julgador na confissão do acusado, que muitas vezes podia ser inocente. Argumenta que, “a justificação para este método é de natureza política, visto que o juiz não pode ter muita liberdade para decidir, pois o soberano já determinou a forma de solução de cada caso”.

Além do mais, no sistema processual inquisitivo, a sentença não produzia coisa julgada, podendo-se, mesmo que considerado inocente o réu, o processo ser reaberto para punir o acusado, caso surgisse algum fato novo.

De fato, a característica essencial do princípio inquisitório foi à gestão da prova nas mãos do julgador, uma vez que devido a ele e a falta de limites ao poder do Estado jurisdição, a dignidade da pessoa humana foi deixada de lado, tornando-se um modelo processual totalmente irracional e vingativo.

Neste sistema, como bem referiu Frederico Marques citado por Thums (2006), não havia processo, mas sim um procedimento que fazia com que o Estado considerasse culpado quem por bem entendesse, uma vez que sequer era necessária uma acusação formal.

Entretanto, o sistema inquisitorial ainda conheceria seu apogeu, quando se tornaria o modelo processual utilizado pelo direito canônico, na Inquisição do Santo Ofício, responsável pelo maior massacre da história.

No século XIII, a igreja católica expandiu sua área de influência sobre a jurisdição civil ao torna-se a religião oficial dos mais importantes países europeus. Mesmo assim, achava necessário combater as religiões não cristãs e todos aqueles que pregavam contra os dogmas da igreja.

Desse modo, a igreja, que até então era praticante do sistema acusatório, viu no sistema inquisitório uma meio mais célere, eficiente e autoritário para os fins que desejava

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obter. Assim, inspirando-se nos ideais do direito romano imperial, valeu-se do princípio inquisitório e aprimorou seus procedimentos processuais á época e aos delitos que pretendia punir.

Com a instituição da Inquisição, o primeiro passo foi proibir a leitura do evangelho a qualquer pessoa, sob pena de morte. A igreja passou a controlar todas as formas de cultura e produção científica, sufocando qualquer manifestação de conhecimento, com o objetivo de fazer valer os dogmas da fé. Para Thums (2006), comportamento semelhante ao adotado pelos Talibãs no Afeganistão.

Considerava-se heresia tudo aquilo que ia de encontro com as tradições, dogmas, rituais, ensinamento dos sacramentos e crenças da igreja católica. Portanto, uma ameaça à implantação do catolicismo que deveria ser combatida.

A inquisição foi um terrível sistema concebido pela igreja católica para implantar o catolicismo no mundo ocidental, principalmente na Europa, e que perdurou por mais de seis séculos como fonte eficaz de controle social. (THUMS, 2006, p. 214).

Os crimes comuns, mesmo graves, como homicídio, roubo, escravidão, poderiam ser perdoados, na medida em que não apresentavam ameaça aos dogmas de Deus. Afinal, os seres verdadeiramente perigosos eram os hereges e opositores, que deveriam ter as penas mais graves, ficando sujeitos à pena de morte, ao banimento e ao confisco de bens, para engrossar os cofres da Igreja. Ressalta-se, que todos os condenados pela Inquisição tinham seus bens confiscados, isentando-se apenas aqueles que se arrependessem antes da sentença e os não relapsos e penitentes.

Os blasfemadores, videntes e adivinhos também eram objeto da inquisição, sendo classificados em comuns e hereges. As bruxas foram objeto de perseguição através de um espírito demoníaco de desvio sexual e luxúria, onde os sacerdotes tornaram-se assassinos e estupradores. (THUMS, 2006).

Ao contrário dos inquisitores romanos que buscavam a verdade real, a igreja trabalhava com verdades absolutas, baseando-se na instância suprema e dívida e proibindo qualquer pensamento contrário. A única verdade era aquela dita pelos sacerdotes. Seus

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procedimentos estavam previstos no Manual dos Inquisidores, uma espécie de código de processo penal.

Segundo Thums (2006,), antes de se dar início a qualquer processo, seja por acusação, denúncia ou investigação, havia um procedimento preliminar que se iniciava com os éditos de graça, anistias dadas pelos inquisidores a quem se apresentasse voluntariamente e confessasse suas culpas, arrependendo-se de sua heresia.

O arrependido, por sua vez, era excomungado e entregue as autoridades reais que aplicavam as sanções dispostas pelo rei, as quais consistiam geralmente no confisco de bens e queima na fogueira. A partir de então se iniciava o processo de perseguição contra aqueles hereges que não se apresentaram voluntariamente e negaram atos de heresia.

Nesse sentido, João Bernardo Gonzaga citado por Thums (2006, p. 218):

Negando sempre sua adesão intelectual à heresia, será submetido à tortura para que o inquisidor possa formar uma opinião sobre a realidade de adesão mental do acusado à verdadeira fé. Depois da tortura, se mantiver na posição inicial, será também obrigado a abjurar sob forte suspeita de heresia. Se, depois de torturado, confessar suas crenças heréticas, será obrigado a abjurar como herege formal ou apóstata (se retornar ao seio da igreja). Este receberá as penas mais pesadas.

Preliminarmente, também, os inquisidores realizavam sermões nas igrejas, para o qual eram convocados todos os párocos das localidades, onde ao final o inquisidor advertia que todos deveriam denunciar os inimigos da fé. Então, era concedido um prazo de 30 dias de indulgência para que depois começasse o período de delação e perdão. A delação premiada, portanto, surgiu no período da inquisição.

O processo em si tinha três formas de abertura:

a) Por acusação, forma menos usual e não recomendada, uma vez que não sendo comprovada a heresia poderia ser aplicada a lei de talião;

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c) Por investigação, considerada a forma mais perversa, em que se inicia uma perseguição devido a boatos de heresia.

Na acusação e na delação, o inquisidor interrogava o réu e sendo admitida a culpa este era preso, sendo novamente ouvido por diversas vezes na prisão, sob tortura, até que confessasse tudo que negava. O inquisidor, também, poderia reconhecer o herege por indícios externos, tais como, condutas consideradas contrárias à fé cristã, marcas no corpo que indicavam bruxaria e feitiçaria. Considerando, que a heresia verificada desta forma baseava-se apenas em critérios subjetivos do inquisidor, sob esse argumento várias mulheres eram condenadas a fogueira, mas antes estupradas pelos sacerdotes.

Uma das peculiaridades da Inquisição frente ao sistema inquisitorial romano deu-se com relação à defesa. Instaurado o processo, se quando interrogado o réu não confessasse, era nomeado pelos inquisidores defensor ao herege, dentre aqueles cristãos fervorosos. Porém, seu nome, juntamente com o do delator, mantinha-se em segredo, sequer constando no processo, a fim de resguardá-los de eventuais vinganças ou perseguições futuras.

Caso o réu tivesse confessado a heresia não se admitia defensor, uma vez que a confissão tinha absoluta credibilidade, principalmente diante do depoimento de testemunhas. Saliente-se que durante o interrogatório não era permitida a presença do defensor.

O réu também podia recusar o seu inquisidor alegando inimizade, através de um recurso dirigido ao Papa. Nesse caso, o inquisidor tinha o prazo de 30 dias para manifestar-se e, dependendo da situação, corrigir eventual defeito no processo e retomar a instrução, tornando a apelação insubsistente, sem validade. Se ficasse concluído que não houve pelo inquisidor transgressão de nenhuma regra legal que justificasse a apelação, sendo apenas ela fruto do temor do réu da justiça, também era considerada inválida.

Como havia grande preocupação com relação ao tempo de duração do processo, durante o interrogatório o réu somente poderia ser submetido a uma única sessão de tortura, que não deveria ser interrompida. Porém, com o objetivo de burlar o sistema, os inquisidores não recomeçavam a tortura, mas davam continuidade a ela no dia seguinte, como se fosse uma única audiência que começou em um dia e se prolongou no tempo.

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Se durante o interrogatório o réu confessasse, a audiência continuava até que fosse extraída toda a verdade de sua boca. Era admitida, outrossim, tortura contra testemunha para que ela revelasse a verdade. Isso, porque a inquisição necessitava de duas testemunhas para fundamentar uma verdade.

Se, porventura, fosse descoberta a heresia de um réu falecido, dependendo da gravidade do delito, mesmo morto seus bens eram confiscados pela Inquisição e, em casos mais graves, seu cadáver era exumado e cremado ou o corpo transladado para fora do cemitério sagrado.

Outro procedimento bastante utilizado pela Santa Inquisição era o auto da fé, que tinha como principal objetivo causar impacto na população, pelo temor e veemência das sentenças. Consistia em um cerimonial público, compondo-se de um palco armado em praça pública, onde ficaram as autoridades, populares e condenados que deveriam ser submetidos à fogueira.

Quem iria ser queimado vivo, tinha sua imagem retratada na roupa, entre chamas, feita por um artista. Os doentes poderiam ser carregados em cadeiras, sendo que os que tentavam resistir eram amordaçados. Composto o cerimonial e presentes todos os condenados, iniciava-se o ritual de execução, onde eram lidas as iniciava-sentenças de cada preso, para que ao final fosiniciava-sem executadas.

Thums (2006, p. 223), demonstra sua indignação quanto ao procedimento:

Talvez represente uma das cenas mais deprimentes que a raça humana pode assistir, porque se trata da fase final de um procedimento judicial, que iniciou e termina com o mesmo inquisitor, sem defesa, e o pior, por crime que lesa majestade divina, ou seja, o réu é condenado por ter ideias diferentes.

A título de exemplo, nos autos da fé foram queimados vivos Joana D’Arc, dentre vários outros nomes de notável saber que foram contrários aos postulados da igreja. No Brasil, por influência da Inquisição européia, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, foi condenado uma das penas mais cruéis e infames que a inquisição impunha aos inimigos da igreja, sendo sua sentença fundamentada na ordem da “Rainha Nossa Senhora”.

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No século XVIIII, o sistema inquisitório começou a apresentar um quadro agonizante a partir do reconhecimento da dignidade da pessoa humana, como direito inerente à própria condição humana, fruto do surgimento do iluminismo, da renovação da cultura, do destaque aos princípios humanitários e do avanço das ciências. (THUMS, 2006).

Desse modo, instaurada uma nova concepção de direito, na qual deveria haver a prevalência da razão nos procedimentos, bem como o descontentamento com as formas essencialmente inquisitoriais, traduzidos durante o Iluminismo e a Revolução Francesa, fez com que se buscasse um novo modelo processual, inspirado em tais preceitos.

Logo, houve a tentativa gradual de adoção do sistema acusatório, uma vez que passou a ser o único modelo combatível com os fundamentos do Estado Democrático de Direito, preconizado pelo respeito aos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos.

Todavia, para alguns autores como Lopes Jr. (2005) e Thums (2006), esse sistema processual nunca foi alcançado com suas características originárias novamente, ocorrendo apenas uma reforma do modelo inquisitório, com a criação de um órgão responsável pela persecução penal, chamado Ministério Público, com autonomia perante o judiciário e o reconhecimento de direitos e garantias ao réu durante o processo, tais como, o contraditório e a ampla defesa. Para Zilli (2003), entretanto, esse modelo com características tanto acusatórias quanto inquisitoriais formaram um novo sistema processual denominado de misto.

1.3 Sistema misto

Os ideais perpetrados pelos Iluministas e posteriormente pela Revolução Francesa em 1789 fizeram com que a partir do século XVIII houvesse uma valorização do homem como sujeito de direitos.

Com isso, o sistema inquisitorial, com suas características originárias, não mais se enquadrava ao Estado da época sendo necessária uma transformação radical na legislação processual, a fim de que o processo refletisse a realidade social, com o reconhecimento de direitos ao réu.

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Assim, buscando gradualmente a retomada do sistema acusatório, grande parte dos ordenamentos processuais após a extensão napoleônica veio a criar um sistema híbrido, que se convencionou denominar de misto por apresentar características tanto do sistema inquisitório quanto do acusatório.

Historicamente, destaca Lopes Jr. (2005), o primeiro ordenamento jurídico que adotou esse sistema misto foi o francês, no Code d’Instruction Criminalle de 1808, cindindo as fases de investigação e juízo. Sendo posteriormente difundido no mundo inteiro, usando como critério definidor de um ou outro sistema a separação das funções de acusação e julgamento.

Zilli (2003, p. 41-42) menciona as características principais deste sistema processual:

1) A jurisdição penal é exercida por tribunais, reconhecendo-se, em alguns casos, legítima participação popular; 2) A persecução penal é exercida, na maioria dos casos, por um órgão público; 3) O imputado é considerado um sujeito de direitos e sua posição jurídica, durante o processo, é a de um inocente até que venha a ser considerado culpado; 4) O procedimento traduz os interesses de perseguir e de impor a sanção penal ao agente, assegurando-lhe, outrossim, o respeito à sua liberdade. Via de regra, é iniciado uma investigação preliminar a cargo do Ministério Público ou do Juiz da instrução e cujo objetivo é a coleta de elementos necessários para o embasamento de uma acusação. Segue-se a ele um procedimento intermediário no qual julga-se a viabilidade da acusação e, finalmente, pelo procedimento principal que é ultimado com a prolação de uma sentença absolutória ou condenatória; 5) O tribunal pode ser composto por juízes leigos e profissionais ou por apenas juízes profissionais, adotando-se o sistema do livre convencimento; 6) as decisões são recorríveis.

Portanto, o sistema misto mesmo tendo presente um procedimento preliminar de investigação do Ministério Público, onde não é previsto o contraditório ou alguma defesa, ou seja, tipicamente inquisitorial, em seu procedimento prepondera características acusatórias como a separação das funções processuais de acusação, defesa e julgamento em órgãos distintos; sendo a persecução penal exercida por órgão público, com a presença do contraditório e da ampla defesa. Por isso, talvez seja mencionado por alguns doutrinadores como o sistema processual adotado pelo ordenamento pátrio, onde o procedimento penal apresenta também duas fases, uma de investigação efetuada pela autoridade policial e outra judicial, posta em prática pelo juiz criminal.

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Contudo, para os alguns doutrinadores, como Thums (2006) e Lopes Jr. (2005), esse sistema indica uma confusão entre a caracterização dos sistemas processuais, na medida em que nenhum dos dois sistemas anteriores, acusatório e inquisitório, guarda suas características originais em fase da evolução dos sistemas jurídicos.

Para os doutrinadores acima mencionados, o principal problema reside na ausência de um princípio informador, fundamental em qualquer sistema processual, pois não poderia existir um princípio misto, sem definição.

Considerando que os sistemas realmente puros são tipos históricos, sem correspondência com os atuais, a classificação de “sistema misto” não enfrenta o ponto nevrálgico da questão: a identificação do núcleo fundante. [...] Ainda que todos os sistemas sejam mistos, não existe um princípio fundante misto. O misto deve ser visto como algo que, ainda que mesclado, na essência é inquisitório ou acusatório, a partir do princípio que informa o núcleo. (LOPES JR. 2005, p. 164 e 168).

Lopes Jr. (2005), refere, ainda, que o sistema misto não passa de um sistema processual inquisitório reformado, sob o argumento de que a colheita de provas em uma investigação preliminar, sem a presença de contraditório ou defesa, mesmo que não deva ser usada como embasamento para uma condenação, na verdade está calcada em elementos inquisitivos, convertendo-se o processo em uma mera repetição da primeira fase. Para Luigi Ferrajoli (2002, p. 454), o sistema misto representa o “monstro, nascido da junção entre os processos acusatório e inquisitório”.

Por fim, desde sua “criação”, o sistema misto oscila entre características inquisitórias, na fase pré-processual, e acusatórias, durante o desenrolar da ação penal, variando seus elementos conforme o poder político e o grau de democracia de determinado Estado.

1.4 O Sistema Processual Brasileiro: uma análise acerca da Constituição Federal de 1988, frente à legislação infraconstitucional.

Da análise dos sistemas processuais, através de sua origem, evolução histórica, características e definições, pode-se constatar que o processo penal sempre foi um reflexo do direito penal e do poder político existente à época.

(26)

Por isso, Estados autoritários, de direito penal máximo, empregaram o sistema inquisitorial, a vista de concentrar todos os poderes processuais nas mãos do julgador e, assim, obter um controle repressivo sobre os indivíduos. Ao passo que, Estados de origem democrática, de direito penal mínimo, adotaram o sistema acusatório, visando o respeito aos direitos e às garantias fundamentais dos cidadãos frente ao poder de punir do Estado jurisdição.

Assim, considerando a estrutura democrática do Estado brasileiro, diante dos princípios exarados pela Constituição Federal de 1988, predominantemente garantista dos direitos fundamentais dos indivíduos, há de se concluir que no Brasil é adotado o sistema processual penal acusatório.

Porém, a questão é um tanto controversa, sendo alvo de divergências por parte dos doutrinadores do direito, por dois motivos:

1º) quanto ao status constitucional do sistema acusatório, uma vez que lei fundamental apenas instituiu um sistemas de garantias, mas não fez referência ao princípio acusatório, como por exemplo, as Constituições de Portugal e Espanha;

2º) o confronto existente entre a Carta Magna, essencialmente garantista, e a legislação infraconstitucional, no caso, o Código de Processo Penal (CPP), vigente desde 1941, com traços inquisitoriais ainda presentes.

Diante disso, alguns autores baseados na Constituição Federal afirmam que o sistema processual adotado pelo Estado brasileiro é o acusatório, diante da supremacia da lei fundamental ante a lei ordinária. Outros, porém, valendo-se do CPP, afirmam a presença de um sistema inquisitorial reformado. Ao passo que alguns, baseando-se nos dois sistemas normativos aduzem a existência de um sistema misto, com traços tanto inquisitoriais quanto acusatórios.

Na verdade, em que pese a Constituição Federal não fazer referência ao sistema processual acusatório, ela introduziu no ordenamento pátrio uma série de garantias processuais, tais como: o de somente ser processado mediante o devido processo legal; perante juiz natural; com o dever de atuar com independência e imparcialidade; a presunção

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de inocência; o princípio do in dubio pro reo, onde havendo dúvida acerca da culpabilidade do agente, deve ser declarada a sua absolvição; a duração razoável do processo; o dever de motivação das decisões judiciais, que mesmo baseadas na intima convicção devem estar respaldadas juridicamente; a proibição de provas ilícitas ou ilegítimas; a publicidade; o contraditório e a ampla defesa, sendo resguardado o direito de defesa técnica; e principalmente, a divisão das funções de acusação e julgamento em órgãos distintos. Essas características jamais estariam presentes em um sistema processual inquisitório.

Desse modo, mesmo que ausente expressamente na CF/88 a referência ao modelo acusatório, está explícito o sistema de garantias, que na verdade é o fundamento jurídico do princípio acusatório. Portanto, a divergência quanto ao status constitucional acusatório não merece guarida diante das garantias exaradas na Constituição.

Thums (2006, p. 300) refere-se ao garantismo processual:

O garantismo é um modelo de direito, construído a partir da concepção de submissão de todos à lei constitucional. [...] Assim, todos os poderes ficam submetidos à vontade da lei, que tem a tarefa de transformar os direitos fundamentais em direito constitucional interno. É nesse passo que o garantismo representa um limite ao poder estatal soberano, porque nascido no âmbito dos direitos fundamentais.

O mencionado autor alega, ainda, que o garantismo processual corresponde a um modelo de direito penal mínimo, que baseado em um ideal de racionalidade jurídica e certeza processual, busca a condenação daqueles cuja culpa tenha sido plenamente comprovada, diversamente do direito penal máximo, que objetiva a condenação a qualquer custo. Nessa linha, Thums (2006, p. 243) assevera que “a preocupação em definir as características do sistema acusatório perde importância na medida em que se desenvolve o estudo do sistema de garantias, que é informado pelo princípio acusatório”.

Ferrajoli (2002), expoente do garantismo e crítico dos sistemas jurídicos, afirma que o conjunto de garantias penais restaria incompleto se não fosse as correspondentes garantias processuais, como a presunção de inocência, direito ao contraditório, a separação entre acusação e juízo, o direito à ampla defesa e carga probatória para formar o convencimento. Todas estão presentes no sistema processual brasileiro.

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Ressalta-se que no ordenamento processual pátrio estão claramente divididas as funções de acusação e julgamento, uma vez que o Estado criou um órgão distinto e autônomo, organizado e estruturado por lei, em quadro de carreira, com atribuição exclusiva de promover a ação penal pública (art. 129, I, CF/88), qual seja, o Ministério Público. Estando assim o Juiz proibido de assumir o papel de acusador, desencadeando ou vindo a provocar sua própria jurisdição (princípio da inércia da jurisdição), principal característica do sistema acusatório.

Quanto à premissa referente à incongruência entre a Carta Magna e a legislação infraconstitucional do Código de Processo Penal, de fato pode ser encontrada alguns traços divergentes, uma vez que CPP entrou em vigência em 1941, em pleno autoritarismo.

Inspirado na legislação processual italiana da década de 1930, em pleno regime fascista, o CPP foi elaborado em bases autoritárias, que deixaram evidentes na época a adoção de um sistema processual inquisitorial.

Contudo, com a ascensão do Estado Democrático de Direito e da Constituição garantista de 1988, muitos de seus dispositivos tiveram que ser revogados ou alterados, a fim de se aplicarem ao novo sistema processual imposto pela Carta Magna, garantindo maiores direitos ao acusado durante a ação penal.

Afinal, como afirma Eugênio Pacelli de Oliveira (2010, p. 8):

[...] a nova ordem passou a exigir que o processo não fosse mais conduzido, prioritariamente, como mero veículo de aplicação da lei penal, mas, além e mais que isso, que se transformasse em um instrumento de garantia do individuo frente ao Estado.

Entretanto, alguns dos dispositivos ainda vigentes causam divergência entre os doutrinadores quanto ao status acusatório do sistema, principalmente quanto aos poderes probatórios concedidos ao juiz antes mesmo do início da instrução. Assim sendo, necessário fazer alusão ao art. 156 do CPP, modificado pela Lei 11.690/08, que não deixou de escoar influxos inquisitórios em seu texto:

Art. 156: A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo porém facultado ao juiz de ofício:

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I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;

II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir duvida sobre ponto relevante.

Tal artigo concede, portanto, a qualidade do juiz tutelar a investigação e a produção de provas durante a ação penal, mesmo após ter sua redação alterada, sendo objeto de críticas por vários doutrinadores, tais como Oliveira (2010, p. 11):

O conhecimento judicial acerca do material probatório deve ser reservado à fase de prolação da sentença, quando se estará no exercício de função tipicamente jurisdicional. Antes, a coleta do material probatório, ou de convencimento, deve interessar àquele responsável pelo ajuizamento ou não da ação penal, jamais aquele que a julgará. Violação patente – e recente – do sistema acusatório.

Oliveira (2010) afirma que falta aos legisladores e aos aplicadores do direito uma leitura constitucional do processo penal, a fim de dirimir descalabros como esses e garantir a afirmação do princípio do juiz natural e da imparcialidade.

Lopes Jr. (2005, p.42) tem a mesma posição:

Por tudo isso, o Código de Processo Penal não pode mais ser lido de forma desvinculada do texto constitucional. É o Código de Processo que deve ser lido à luz da Constituição, e não o contrário, como querem alguns paleopositivistas, que restringem a eficácia garantista da Constituição para fazer com que esta entre na sistemática autoritária superada do nosso CPP.

Todavia, outros dispositivos caracterizadamente inquisitórios como a mutatio libelli, prevista no art. 384 do CPP, que concedia a possibilidade do Juiz modificar o teor da acusação diante das provas produzidas nos autos, foi alterada pela Lei 11.719/08, fazendo com que apenas o Ministério Público, titular da ação penal, possa editar a denúncia em caso de constatação de fato diverso ao imputado.

Outrossim, o artigo 400 do CPP, referente ao interrogatório do réu, que antigamente era alvo de severas críticas por ser o primeiro ato da instrução, foi alterado, tornando-se o último ato a ser realizado, a fim de que seja usado pelo réu como meio de defesa, após presenciar a produção de todas as provas geradas pelas partes. Além do mais, hodiernamente,

(30)

o silêncio ou o não comparecimento do acusado ao interrogatório, não poderá advir quaisquer prejuízos a ele, exatamente por disposição da norma constitucional (art. 5º, LXIII, CF/88).

Nesse sentido, Ferrajoli citado por Thums (2006, p. 272) afirma:

No modelo garantista de processo acusatório, informado pela presunção de inocência, o interrogatório é o principal meio de defesa e tem a única função de conferir materialmente vida ao contraditório e permitir ao imputado refutar a acusação ou aduzir argumentos para justiçar-se.

A confissão, por sua vez, não justifica mais a condenação se não corroborada pela prova dos autos, conforme retratado nos arts. 197 e 200 do CPP.

Com relação à presença da fase pré-processual do inquérito policial, em que não há direito ao contraditório ou à ampla defesa, Oliveira (2010, p. 13) argumenta que tal procedimento não serve de embasamento para que alguns autores afirmem que o sistema processual brasileiro é misto:

No que se refere à fase investigativa, convém lembrar que a definição de um sistema processual há de limitar-se ao exame do processo, isto é, da atuação do juiz no curso do processo. E porque, decididamente, inquérito não é processo, misto não será o sistema processual, ao menos sob tal fundamentação.

O autor menciona, também, que o inquérito tem como objetivo a colheita de informações sobre a prática do delito para uso exclusivo do Ministério Público, não sendo aceitas condenações com base em provas produzidas unicamente na fase de investigação. Além do mais, não é porque o inquérito policial acompanha a denúncia e segue anexado na ação penal, que se pode concluir que viola a imparcialidade do julgador ou o devido processo legal.

Portanto, embora o Código de Processo Penal tenha sido redigido originalmente com base no sistema inquisitorial, diante de tantas alterações dispositivas, pode-se dizer que o sistema processual brasileiro após a Constituição Federal de 1988 é acusatório. Isso porque limitada a iniciativa probatória do juiz (art. 156) ao esclarecimento das dúvidas essencialmente necessárias ao julgamento da lide, depois de produzidas as provas pelos sujeitos processuais, o processo penal brasileiro nada tem haver com o sistema inquisitório.

(31)

Ressalta-se que todo dispositivo da legislação infraconstitucional deve ser lido à luz da Constituição Federal (principalmente o art. 156 do CPP) que é a lei fundamental do Estado e deve prevalecer sobre qualquer lei ordinária. Assim, considerando que a Carta Magna de 1988 instituiu o Estado Democrático Direito e o sistema de garantias processuais, através dos princípios constitucionais, não há dúvida quanto ao sistema processual brasileiro se tratar de um sistema acusatório.

Superada esta questão, a partir de então se passará a analisar o papel do juiz na produção da prova testemunhal, diante de um sistema acusatório-garantista.

(32)

2 OS LIMITES DO PODER JUDICIAL DE VALORAÇÃO DA PROVA TESTEMUNHAL

O processo penal, como instrumento do Estado para efetivação do direito material e aplicação da pena, tem como principal objetivo a reconstrução dos fatos delituosos investigados no processo, buscando uma maior coincidência possível com a realidade histórica, para que se possa chegar à verdade dos acontecimentos e assim dar uma resposta à sociedade através da sentença. Cumpre-se, desse modo, o compromisso irrenunciável da atividade estatal jurisdicional.

A busca da verdade, ao longo da história, se deu por diversos métodos e formas, muitas vezes utilizados de maneira cruel e indiscriminada, como, por exemplo, nas ordálias, em que, na Idade Média, o suposto autor do fato era submetido a ferro e brasa para provar sua inocência em provas de superação física. Todavia, a partir do século XVIII, com a incorporação dos ideais iluministas aos ordenamentos jurídicos, foi introduzida a racionalidade nos meios de obtenção da prova e da busca da verdade processual.

Na verdade, toda a questão relativa aos métodos de prova utilizados no processo penal tem haver com a espécie do modelo processual adotado pelo Estado, no que se refere à definição das funções de acusação e julgamento, bem como da fixação e da distribuição dos ônus processuais às partes.

Assim, os Estados que adotaram o sistema processual inquisitorial, garantindo amplos poderes probatórios ao juiz, inclusive o de acusação, basearam-se na busca da verdade real, da reprodução plena do fato, justificando para isso, inclusive, o uso de atrocidades, como a tortura, pois se acreditava que a relevância das questões penais era suficiente para permitir uma busca mais ampla e intensa da realidade dos fatos.

Todavia, os Estados Democráticos de Direito, aplicadores do sistema processual acusatório, fundaram-se na busca formalizada da verdade, baseando-se na verossimilhança das alegações das partes trazidas ao processo, uma vez que neste modelo processual o juiz tem uma conduta passiva na gestão da prova, a fim de assegurar a imparcialidade no julgamento.

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Logo, considerando que o sistema processual brasileiro, a partir da vigência da Constituição Federal de 1988, aproximou-se muito mais de um modelo de feição acusatória do que inquisitorial, embora o CPP ainda garanta alguns poderes instrutórios ao juiz, pode-se considerar imperante o princípio da verdade processual nesse sistema.

De modo que, partindo dessa premissa, neste capítulo será analisado como se deve dar a valoração da prova judicial, principalmente a testemunhal, em um sistema de características acusatório-garantista como o brasileiro.

Para isso, primeiramente, será desmitificada a verdade real buscada no processo penal desde os primórdios da inquisição, para que depois sejam analisados os limites traçados pelos princípios constitucionais e, por fim, como se deve dar a valoração da prova testemunhal, observando-se os poderes instrutórios concedidos ao juiz pelo Código de Processo Penal (art. 156) frente aos princípios processuais estabelecidos pela Constituição Federal de 1988.

2.1 A verdade processual x o mito da verdade material: considerações críticas a partir do garantismo penal

O que é a verdade? Essa é uma pergunta que a humanidade sempre buscou resposta, mas ainda não encontrou conceito definitivo e apto para desfazer a nuvem de mistério que a ronda. Para tanto, verdade vem do latim veritate, com sentido de exatidão, realidade, conformidade com o real.

William James citado por Marco Antônio de Barros (2002), aduz que a verdade significa um acordo com a realidade. Assim sendo, as ideias verdadeiras são aquelas que podemos assimilar, validar, corroborar e verificar. Ao passo que as falsas são as quais isso não é possível.

Barros aduz que a verdade é fruto da inteligência humana (2002, p. 17):

Com base nisso pode-se afirmar que verdade e falsidade são concomitantes, pois uma e outra são primeiramente propriedades dos juízos, de modo que não existiria nenhuma verdade ou falsidade se não existissem as mentes. Logo, a verdade é atributo de um juízo, não de uma prova.

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Assim, a verdade é fruto da percepção do homem sobre determinado fato, diante da assimilação individual sobre o impacto que ele lhe causou, de modo que cada um pensa, reflete, tira suas conclusões e gera a verdade de tal modo que julga ser real. Por isso que cada pessoa pode ter a sua verdade. No entanto, não poderão existir duas verdades circundando o mesmo fato. O que pode haver é mais de um conhecimento parcial da verdade porque cada um a conhece a sua maneira.

No ramo do direito, o processo penal tem como objetivo a descoberta da verdade acerca do fato delituoso submetido sob judice, para que assim se possa dar a resposta justa do Estado a quem, de fato, veio a praticar a infração penal. Desse modo, a descoberta da verdade é o sentido e a finalidade do processo.

Para Barros (2002), é necessário que seja descoberta a verdade para que a lei possa ser aplicada corretamente, a fim de produzir justiça. Pois, para que a justiça seja efetivamente produzida, é mister que o juiz se convença de que a verdade foi desvendada mediante a reconstituição formal dos fatos.

Nesse sentido, aduz ainda o autor (2002, p. 23):

Direito e verdade complementam-se na medida em que o primeiro estabelece as regras ou as formas legais de verificação da infração penal entre as quais encontram-se aquelas que visam esclarecer a segunda. Assim sendo, pode-se dizer que a verdade é um elemento fundamental que o direito persegue e visa atingir.

Na Antiguidade, porém, a busca pela verdade foi responsável por uma série de injustiças e atrocidades, uma vez que no processo penal, todo ato ou procedimento era justificado na busca da verdade real, inclusive o uso de tortura. Por isso que a confissão era tão valorizada, porque ninguém melhor do que o acusado poderia reconstruir a realidade sobre o fato ocorrido.

O princípio da verdade real teve sua origem durante a Inquisição, no século XIII, em plena atividade do sistema processual inquisitório, sendo usada para justiçar os atos abusivos do Estado, desvios das autoridades públicas e principalmente a ampla iniciativa probatória reservada ao juiz penal, na mesma lógica que os fins justificavam os meios.

(35)

Pregava-se que o processo penal, por ser de natureza pública, no qual o Estado realiza seu poder- dever de punição após cometimento de uma infração penal, não pode contentar-se com as provas alegadas pelas partes, como ocorre no processo civil, mas sim deve buscar as melhores provas, através de uma atividade ativa do juiz penal, a fim de que a verdade seja encontrada.

Barros (2002, p. 29) explica esse principio:

Levando-se em conta todos esses elementos é possível definir a “verdade material” como sendo a reprodução plena de um fato, cujo resultado é obra da inteligência. Mas de que forma se dá essa reprodução? Por meio da busca das melhores provas em matéria penal, não sendo caso de contentar-se com as provas fornecidas, senão quando as melhores que se possam ter em concreto, e por fim, quando a lógica das coisas não autoriza crer que devam existir outras ainda melhores.

A verdade real visava introduzir no processo o retrato que mais se aproximava da realidade. Pretendia-se com isso reproduzir o fato sob judice, sem artifício, presunção ou ficção, a fim de que o juiz passasse a conhecer a verdade como ela é.

Argumentava-se que tendo o Estado reservado para si o poder-dever de aplicar as sanções penais, incumbia aos órgãos estatais à obrigação de investigar sobre o fato corrido para que assim pudesse exercitar com absoluta isenção e correção o jus puniendi.

A busca da verdade real justificava-se também no interesse público, uma vez que este exigia que a condenação só fosse imposta como providência jurisdicional justa e apresentasse uma solução adequada ao pedido do autor.

O Código de Processo Penal brasileiro originalmente baseava-se no princípio da verdade real para obtenção das provas processuais, uma vez que delegava, e ainda delega, poderes instrutórios ao juiz, que mesmo após o encerramento da fase instrutória, pode diligenciar provas com o objetivo de sanar qualquer nulidade ou suprir falta que prejudique o esclarecimento da verdade (art. 502 do CPP).

(36)

Assim, durante décadas prevaleceu o entendimento de que o processo penal só iria atingir a justiça quando a sentença fosse procedida da aplicação do princípio da verdade material, valendo-se o juiz de ampla liberdade para diligenciar a sua busca.

Entretanto, com a criação dos Estados Democráticos de Direito e com a ascensão do principio acusatório no sistema processual penal, a ideia de uma verdade material passou a representar um simbolismo inatingível, mais próximo de um idealismo utópico, mas não cientifico.

Barros (2002) afirma que o termo verdade material, substancial ou real melhor se acomoda ao aspecto filosófico da verdade, uma vez que a reconstituição absoluta do fato, em detalhes e minúcias indissociáveis, é rara no âmbito do processo penal.

Thums (2006, p.189) argumenta que tal verdade é impossível de ser alcançada:

O homem é incapaz de reconstruir um fato histórico, porque o tempo encarregou-se de extingui-lo no exato instante em que se tornou passado, ou seja, o instante que não é mais presente. Portanto, não pode existir uma verdade sobre um fato que está no passado, por mais que a doutrina dominante insista em denominar a solução judicial sobre um caso de “reconstrução da verdade”. Qualquer estudo sobre a verdade concluirá que ela não pode ser alcançada.

Lopes Jr. (2005) argumenta que a verdade real não passa de um mito justificado pelo procedimento inquisitorial no interesse público, uma vez que a verdade real é inalcançável pelo homem. Para o autor, deve-se considerar que o processo penal tem a função de através da prova fazer a reconstrução de um fato histórico e que a reconstrução é sempre imperfeita.

O crime é história, passado, e sua reconstituição depende exclusivamente de quem narra. Assim, sendo que cada pessoa ao analisar um fato cria sua própria verdade, a sua análise do passado não será perfeita, tendo em vista que a memória perde-se no tempo. Afinal, o juiz nunca conseguirá alcançar a verdade porque as limitações humanas o impedem. Ninguém pode chegar à verdade mediante simples processo dedutivo de cognição.

O processo deve construir uma verdade judicial, que produzirá uma certeza do tipo jurídica, que pode ou não corresponder à verdade histórica, mas cuja pretensão é de

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estabilização das situações conflituosas, que passada em julgado a decisão final, incidirá os efeitos da coisa julgada, com todas as consequências legais e constitucionais.

Thums (2006), afirma que o processo penal ao invés de se utilizar da verdade, deve utilizar o conceito de verossimilhança das provas, através de um juízo de probabilidade. Isto é, o juiz deve procurar chegar o mais perto da verdade através de uma cognição razoável. Aduz que por maior que seja a quantidade de provas obtidas, nunca se chegará a um juízo de certeza sobre o fato, apenas de probabilidade.

O processo, portanto, deve trabalhar com verdades processuais baseadas em probabilidades e não em verdade absolutas, pois as provas podem conferir um grau de segurança, mas não a certeza de se ter encontrado a verdade.

A verdade formal ou processual permite que o juiz seja mais condescendente na apuração dos fatos, sem ter que obedecer com rigorosa observância a exigência de diligenciar ex officio com o objetivo de descobrir a verdade real. Esse princípio firma-se na ideia de que a reprodução jurídica do fato exaure-se nas provas e manifestações das partes, sendo quase que inexistente a iniciativa do juiz na produção da prova.

Assim, o juiz deve contentar-se com as provas produzidas pelas partes, sem necessidade de despender-se a buscar melhores provas para provar o alegado. Para Ferrajoli (2002), a verdade processual será sempre uma verdade aproximativa em relação ao ideal, uma verdade formal ante a impossibilidade de alcançar a verdade material.

Embora o Código de Processo Penal, como acima mencionado, tenha regido seus dispositivos na busca da verdade real, ao conceder poderes instrutórios ao juiz, o advento da Constituição Federal de 1988 e a instituição do sistema de garantias, fez com que ao menos houvesse redirecionamento do modelo construído pelo CPP para bases acusatórias.

Isso não quer dizer que o Juiz não deva buscar a verdade, mas deve fazê-la dentre os limites traçados pela Constituição, respeitando os direitos do acusado, como a presunção de inocência, o devido processo legal, etc., submetendo a colheita das provas ao crivo do contraditório e da ampla defesa.

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