• Nenhum resultado encontrado

Autismo: compreensão e tratamento a partir de diferentes abordagens teóricas

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Autismo: compreensão e tratamento a partir de diferentes abordagens teóricas"

Copied!
74
0
0

Texto

(1)

ANDRESSA RIGO DE QUEIROZ ZANINI

AUTISMO: COMPREENSÃO E TRATAMENTO A PARTIR DE DIFERENTES ABORDAGENS TEÓRICAS

IJUÍ 2019

(2)

AUTISMO: COMPREENSÃO E TRATAMENTO A PARTIR DE DIFERENTES ABORDAGENS TEÓRICAS

Monografia apresentada ao curso de Psicologia da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, como requisito parcial à obtenção de título de Bacharel em Psicologia.

Orientadora: Prof.ª Ma Amanda Schöffel Sehn

Ijuí, 2019

(3)

A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova a Monografia.

AUTISMO: COMPREENSÃO E TRATAMENTO A PARTIR DE DIFERENTES ABORDAGENS TEÓRICAS

Elaborada por

Andressa Rigo de Queiroz Zanini

Como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Psicologia Comissão Examinadora

_________________________________________ Prof.ª Ma Amanda Schöffel Sehn (Orientadora) – DHE∕UNIJUÍ

_________________________________________ Prof.ª Dr.ª Ângela Maria Schneider Drügg – DHE∕UNIJUÍ

(4)

Dedico esse trabalho ao Miguel, grande amor da minha vida e maior incentivador. Com você, para você e por você, sempre. Obrigada por me fazer acreditar.

(5)

que nenhuma injustiça seja cometida: - Aos meus pais, pela vida e persistência;

- Ao meu esposo Lucas, pelo estímulo e paciência; - À Elisiane Schonardie, pela confiança e amizade; - À Amanda Sehn, pela orientação e dedicação; - À Adriana Kuperstein, pela abertura de olhares;

- À todos os meus amigos que compreendem o meu momento e aos que estão passando pelo mesmo como a Viviane Carvalho;

- E, novamente, ao meu filho, que teve o poder de colorir a minha vida e de me transformar em uma guerreira.

Sem a participação de cada um de vocês, eu não seria quem sou hoje e nem quem poderei ser amanhã.

(6)

“Eu sonho com um dia em que poderemos crescer em uma sociedade madura, onde ninguém será ‘normal ou anormal’, apenas seres humanos aceitando todos os outros seres humanos — prontos para crescermos juntos.”

(7)

psicológica na tentativa de buscar explicações e formas de tratamento para sua sintomatologia. O presente estudo buscou compreender as concepções de tratamento para o TEA, a partir de diferentes perspectivas teóricas, a saber, a psicanálise, a neuropsicologia e a análise do comportamento. Foi realizada uma revisão sistemática da literatura, considerando artigos publicados em português, nos últimos 5 anos. O levantamento de dados foi realizado nas bases de dados BVS Brasil e Portal CAPES. Os resultados obtidos evidenciaram divergências e semelhanças entre os entendimentos acerca do autismo e do tratamento. Houve concordância entre as diferentes teorias sobre a importância da intervenção precoce e multidisciplinar. A possibilidade de um diálogo foi elencada, o que poderia trazer avanços nas terapias com maiores benefícios a todos os envolvidos, desde que respeitadas as diferenças epistemológicas entre as teorias.

Palavras-chave: Transtorno do Espectro Autista; Psicanálise; Neuropsicologia; Comportamental.

(8)

science to seek explanations and ways of treating its symptomatology. The present study aimed to understand the concepts for ASD and treatment, from different theoretical perspectives: psychoanalysis, neuropsychology and behavior analysis. A systematic literature review was conducted considering articles published in Portuguese in the last 5 years. The database used were BVS Brazil and Portal CAPES. The results showed divergences and similarities between the understandings about autism and treatment. The different theories agree about the importance of early intervention and multidisciplinary actions. The possibility of working together was pointed out, which could bring advances in therapies with greater benefits to all involved, provided that the epistemological differences between theories are respected.

Keywords: Autistic Spectrum Disorder; Psychoanalysis; Neuropsychology; Behavioral Analysis.

(9)

ABA Análise do Comportamento Aplicada AC Atenção Compartilhada

BST Treinamento de Habilidades Comportamentais CDC Centro de Controle de Doenças e Prevenção CDI Centro de Desenvolvimento Infantil

DCI+TATO Discriminação Condicional por Identidade com o Experimentador Tateando os Estímulos

DCAV Discriminação Condicional Auditivo-Visual e Tato com Novos Estímulo DGD Distúrbio Global do Desenvolvimento

DSM Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais FFOI Fascículo Fronto-Occipital Inferior

FLI Fascículo Longitudinal Inferior ICME Instrução Com Múltiplos Exemplares

IRDI Indicadores Clínicos de Risco ao Desenvolvimento Infantil M-CHAT Modified Checklist from Autism in Toodlers

MTS Matching-To-Sample

OMS Organização Mundial da Saúde

PICS Escala de Comunicação da Primeira Infância PREAUT Prevention d’Autisme

RMN Ressonância Magnética Nuclear

RRDS Reversões Repetidas de Discriminações Simples SFARI Simons Foundation Autism Research Initiative TDAH Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade

(10)
(11)

1. INTRODUÇÃO... 11

1.1. O QUE É O AUTISMO ... 12

1.2. BREVE HISTÓRIA DO AUTISMO NO MUNDO ... 16

2. MÉTODO ... 20

3. RESULTADOS ... 21

3.1. AUTISMO NA PERSPECTIVA PSICANALÍTICA ... 21

3.1.1. CONCEPÇÃO DE AUTISMO ... 21

3.1.2. TRATAMENTO E INTERVENÇÃO DA PSICANÁLISE ... 26

3.1.3. A CONDUÇÃO PSICANALÍTICA ... 28

3.2. AUTISMO NA PERSPECTIVA NEUROPSICOLÓGICA ... 37

3.2.1. CONCEPÇÃO DE AUTISMO ... 37

3.2.2. TRATAMENTO E INTERVENÇÃO DA NEUROPSICOLOGIA .... 41

3.2.3. A CONDUÇÃO NEUROPSICOLÓGICA ... 42

3.3. AUTISMO NA PERSPECTIVA COMPORTAMENTAL ... 46

3.3.1. CONCEPÇÃO DE AUTISMO ... 47

3.3.2. TRATAMENTO E INTERVENÇÃO DA COMPORTAMENTAL .. 52

3.3.3. A CONDUÇÃO COMPORTAMENTALISTA ... 52

4. DISCUSSÃO ... 58

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 64

(12)

1. INTRODUÇÃO

O autismo é um transtorno que sempre intrigou os pesquisadores e vem ganhando destaque devido às novas descobertas em relação à sua etiologia. Soma-se a isso, também tem havido um aumento no número de pacientes justificados pela inserção de sua sintomatologia no espectro, segundo os critérios diagnósticos do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM V). Essas questões refletem a importância de ponderar sobre as diferentes possibilidades de tratamento que podem ser oferecidas a esses pacientes e suas famílias, em especial na primeira infância, momento no qual estão abertas as “janelas de oportunidade”1 (TEIXEIRA, 2016, p. 472), concedendo as melhores chances de prognóstico.

Desse modo, o presente estudo buscou compreender as concepções de tratamento para o autismo, a partir de diferentes perspectivas teóricas, a saber, a psicanálise, a neuropsicologia e a análise do comportamento.

A justificativa para abordar esse delicado tema diante das diferentes descobertas científicas - que ocorrem rapidamente, alterando o que antes se pensava ser uma verdade absoluta, agora uma incerteza - é justamente o fato de ainda não terem sido decifrados e identificados os porquês desse espectro em toda sua magnitude. Apesar dos avanços, o número de pessoas diagnosticadas com sintomas autísticos tem aumentado. Seria essa realidade uma epidemia? Resultado de mutações genéticas, alterações ambientais, um reflexo da contemporaneidade? Ou apenas agora se está prestando mais atenção a essas manifestações? Para essas questões é necessário considerar diferentes hipóteses.

Com base no exposto, a seguir, será apresentando o entendimento sobre o que é o autismo, retomando também brevemente a história do conjunto de sintomas ao longo do tempo. Em seguida, serão apresentados os resultados acerca da conceituação de autismo e da concepção de tratamento a partir da psicanálise, da neuropsicologia e da análise do comportamento.

1Apesar da plasticidade cerebral, existem janelas de oportunidade para a aprendizagem “de processos

emocionais, motores, sensoriais, cognitivos e de linguagem” (WHITMAN, 2015, p. 5297). Se após identificado o atraso no desenvolvimento, a intervenção ocorrer fora dessas janelas, a aquisição de novas habilidades torna-se muito mais difícil.

(13)

2. O QUE É O AUTISMO

Autismo é um transtorno global do desenvolvimento que se manifesta através de sintomas bem característicos e peculiares, os quais resultam em prejuízos que afetam principalmente as relações sociais do indivíduo (SCHWARTZMAN, 2015). A 5ª edição do DSM, guia de referência utilizado pela área da saúde mental para enquadrar os diversos diagnósticos psiquiátricos, classifica o Transtorno do Espectro Autista (TEA) como uma síndrome do neurodesenvolvimento, com déficits persistentes na área de comunicação e interação social, o que gera grandes dificuldades relacionais.

Os sintomas tornam-se na maioria das vezes evidentes entre o primeiro e o segundo ano de vida do bebê, podendo até serem observados anteriormente ao primeiro ano. Segundo o Manual de Orientação desenvolvido pela Sociedade Brasileira de Pediatria2 em abril de 2019, em casos menos graves o quadro se manifesta um pouco mais tarde e, até certo momento, a criança atinge os marcos de desenvolvimento, podendo ter menores prejuízos na área cognitiva, apesar de não estar livre de um possível quadro regressivo, o qual pode trazer perdas de habilidades já conquistadas. A identificação precoce dos primeiros sinais pode possibilitar uma intervenção antecipada e intensiva, oportunizando melhores condições de tratamento, devido à alta plasticidade cerebral presente nos primeiros anos de vida (MERCADANTE; TAMANAHA, 2014).

De acordo com dados levantados pelo Centro de Desenvolvimento Infantil (CDI) da Universidade de Harvard, em 11 cidades dos EUA, há uma prevalência de 1 menina para 4 meninos e uma estimativa de que 1 em cada 59 crianças de até 8 anos de idade possuem TEA (BAIO, 2018; IVO et al, 2019). No Brasil, o cenário é diferente, pois não há estudos sobre a prevalência do TEA, resultando na ausência de dados oficiais (CLÉTO, 2019). Segundo site oficial da Câmara dos Deputados3, foi sancionada a lei que incluirá dados sobre o autismo no Censo que será realizado em 2020. As informações sobre a população brasileira neuroatípica serão essenciais para saber quem são esses sujeitos e onde se localizam, a fim de que políticas públicas possam oferecer recursos de acordo com as reais necessidades desses cidadãos (CLÉTO, 2019). Até o momento, “é possível estimar que, aproximadamente, 1,5 a 2 milhões de brasileiros tenham TEA, o que aponta para a relevância do tema” (IVO, et al, 2019, p. 1).

Ainda, conforme descrito no DSM V, o sujeito com esse diagnóstico apresenta tendência a repetir padrões comportamentais, esses restritos a interesses, na maioria das vezes, específicos.

2

https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/Ped._Desenvolvimento_-_21775b-MO_-_Transtorno_do_Espectro_do_Autismo.pdf

(14)

Além de rigidez em relação à rotina, em alguns casos também há sofrimento se algo ocorre fora do esperado; e o sujeito pode ser hipo ou hipersensível a estímulos externos, o que explicaria alguns comportamentos estranhos como encantamento por luzes, extrema sensibilidade ao som, diferente percepção ao frio/calor, etc. A gravidade do transtorno é medida em níveis que vão do 1 até o 3, sendo que a necessidade de apoio define o grau no qual o sujeito se encontra momentaneamente, o que pode variar ao longo do desenvolvimento de acordo com o tratamento recebido. Diferentemente do DSM IV, o guia diagnóstico atual engloba no TEA o transtorno de Asperger, o transtorno autista, bem como o transtorno global do desenvolvimento sem outra especificação, o que amplia a definição do espectro e inclui os mais diversos sujeitos, que compartilham um conjunto de particularidades específicas.

A mudança de antigos transtornos para o espectro autístico é em função das constantes alterações e descobertas diagnósticas, as quais provavelmente, devido ao avanço científico, ainda irão passar por novas modificações. Todavia todos se aproximam no quesito de que obedecem aos dois grandes pilares diagnósticos: o desenvolvimento atípico da comunicação e da interação social e a presença de comportamentos inesperados (VIEIRA, 2018). Esses sintomas podem se manifestar das mais diferentes formas dentro desses critérios e, de acordo com Grandin e Panek (2015), “a disfunção social está no cerne do autismo, mais do que os comportamentos repetitivos” (p. 1832); atributo que une o autista que não realiza contato visual e prefere a solidão, com o outro que procura de todas as maneiras interagir com seus pares, porém não compreende as condutas sociais adequadas. Em um extremo do espectro podem ser encontrados sujeitos com graves incapacidades, já no extremo oposto “um Einstein ou um Steve Jobs” (GRANDIN; PANEK, 2015, p. 293).

O diagnóstico nosológico é realizado a partir da observação clínica, sendo importante o relato fiel dos cuidadores (no caso de crianças pequenas) sobre os marcos de desenvolvimento e atitudes que o paciente apresenta. Teixeira (2016) salienta que a classificação atual diagnóstica aponta que sejam contemplados cinco critérios – A, B, C, D e E -, itens que alertam sobre as seguintes características: “A) Prejuízo em comunicação e interação social em múltiplos contextos” (p. 389), “B) Padrão de comportamento repetitivo e restritivo de interesses ou atividades (...)” (p. 389), “C) Sintomas devem estar presentes no período de desenvolvimento inicial da criança” (p. 401), “D) Os sintomas provocam prejuízos significativos no funcionamento social, ocupacional, ou outras áreas importantes” (p. 401) e “E) Essas alterações não são mais bem explicadas por deficiência intelectual ou atraso global do desenvolvimento. A deficiência intelectual e os transtornos do espectro autista podem coexistir; para fazer o diagnóstico de comorbidade, a comunicação social deve ser abaixo do esperado para o nível de

(15)

desenvolvimento.” (p. 401). O autor ainda refere que quaisquer atrasos na área da comunicação verbal e corporal e no comportamento social devem passar por um olhar mais minucioso, pois podem significar um problema de desenvolvimento (TEIXEIRA, 2016).

As comorbidades associadas em alguns casos de autismo faz com que variados perfis – somados aos amplos critérios diagnósticos atuais –, se incluam no mesmo espectro, fato que pode gerar conflitos de diagnóstico (FERNADES; FICHMAN; BARROS, 2018). Garcia et al. (2016) salientam que comorbidades são encontradas em aproximadamente 20% dos autistas e, em maior número, são de ordem genética. Pesquisas realizadas na Suécia, com coorte populacional, mostraram que além da taxa de herdabilidade do autismo ser de 52,4% (Gaugler et al., 2014 apud Garcia, et al., 2016), os indivíduos portadores de síndromes genéticas “apresentavam sinais de TEA em uma frequência maior do que o esperado na população” (p. 167). Por conseguinte, outros dados apontam que 15% a 20% de casos de autismo apresentam algum fator genético conhecido, como por exemplo anormalidade cromossômica ou síndrome genética (GARCIA, et al., 2016, p. 167).

A análise integral da síndrome, contemplando o biológico, o psicológico e o social é essencial para a escolha das intervenções adequadas a cada caso devido a extrema abrangência do TEA. Uma perspectiva multidisciplinar amplia a eficácia do tratamento, bem como possibilita a “compreensão desse ser na relação consigo mesmo e com seu ambiente” (ASSUMPÇÃO JR; KUCZYNSKI, 2011, p. 52). A Organização Mundial da Saúde (OMS), em folha informativa atualizada em abril de 20174, salienta que, ao menos até o momento, não há cura e nem prevenção para o transtorno, que permanece ao longo da vida. Porém, as intervenções realizadas desde a primeira infância são fundamentais para estimular o desenvolvimento saudável e promover o bem-estar.

Grandin e Panek (2015) realizaram uma discussão sobre as alterações observadas no DSM V em relação à edição anterior, o que trouxe mudanças nos laudos clínicos de muitos neuroatípicos. Pessoas que possuíam o diagnóstico de autismo anteriormente, agora são realocadas em outra subcategoria: exemplificando, o antigo Asperger hoje está definido como autista de alto desempenho; o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) predominante excluía a possibilidade de TEA, agora pode ser um transtorno associado e não mais diferencial. Os autores argumentam que há uma grande rotatividade desses “rótulos” de tempos em tempos e questionam a existência de um diagnóstico “correto”, afinal, o que é definitivo em um transtorno cujo entendimento está em constante mudança?

(16)

A proposta de “pensar o cérebro autista de outro modo” (p. 1899), o biológico, e com uma visão que alcance não apenas o que há de atípico no indivíduo em termos de desenvolvimento, contudo também vise estimular seus pontos fortes, pode ser uma conduta determinante para um futuro mais otimista. Voltar o olhar para um sintoma específico e não mais sob um conjunto de sintomas é a maneira personalizada que poderá trazer otimização nos resultados terapêuticos (GRANDIN; PANEK, 2015).

Schwartzman (2011) relata que devido às suas peculiaridades e particularidades, o autismo é um distúrbio do desenvolvimento que atrai a atenção de muitos pesquisadores. As controvérsias diante das diferentes hipóteses sobre suas origens ao longo da história somado ao entendimento de pesquisadores acerca de uma possível “epidemia de autismo”, ressaltam a importância de compreender esse fenômeno em profundidade e, para tal, torna-se fundamental o conhecimento da história do autismo, tema a ser tratado no próximo capítulo.

(17)

3. BREVE HISTÓRIA DO AUTISMO NO MUNDO

O resgate do contexto histórico do autismo é fator essencial para que se possa entender o transtorno na atualidade e, consequentemente, fornecer subsídios para compreendê-lo a longo prazo, somado ao advento dos avanços científicos. Para que esse retorno às raízes do TEA possa ser bem-sucedido, é preciso entender qual foi o instante em que o mesmo foi percebido e levado em consideração a ponto de ser significante o suficiente para ser estudado. Desde o início da vida, os sintomas autísticos começam a se revelar, principalmente na forma de atrasos significativos nos marcos de desenvolvimento. Portanto, em um primeiro momento, faz-se importante considerar o conceito de infância ao longo do tempo até o momento em que a criança ocupou um lugar de relevância na família e na sociedade (TEIXEIRA, 2015).

Ao final do século XVIII, a criança passa a ser vista com maior cuidado, não mais apenas como um adulto em miniatura, mas como aquela digna de estudos científicos para uma melhor compreensão de suas características. Anteriormente à chegada desse momento histórico, Ariès (1975 ∕ 2017) aponta que a infância, segundo escritos da Idade Média, seria uma fase vivenciada do nascimento até a idade de sete anos e o “enfant (criança), que quer dizer não falante” (p. 573), assim o era devido à estar no período em que seus dentes nasciam e eram substituídos, fato que dificultaria a sua comunicação verbal. A arte medieval então, parecia desconhecer ou não dar lugar para as crianças na sociedade da época, sendo retratadas em obras artísticas tais como os adultos, todavia em escala reduzida, apresentando as mesmas fisionomias e expressões faciais. A infância contemplava um tempo que em breve seria superado e até mesmo esquecido. O elevado índice de mortalidade infantil na antiguidade explica a possibilidade dessa falta de afeto dirigida às crianças, pois “era considerado uma perda eventual” (ARIÈS, 1975 ∕ 2017, p. 1054) e o apego aos filhos menores parecia ser desaconselhável. A partir do século XIV ao XVIII, “as idades da vida” – idade dos brinquedos, da escola, do amor ou dos esportes da corte, da guerra e, por fim, dos homens estudiosos da lei ou das ciências – eram retratadas em obras de arte que permaneceram nesse intervalo de tempo quase inalteradas, podendo revelar desse modo que:

As idades da vida não correspondiam apenas a etapas biológicas, mas a funções sociais; sabemos que havia homens da lei muito jovens, mas, consoante a imagem popular, o estudo era uma ocupação dos velhos (ARIÈS, 2017, p. 667).

A escola começa a ocupar papel fundamental no início do século XIX, quando finalmente o aluno passou a ser inserido na classe respectiva à sua idade cronológica, o que adequava o aprendizado às suas capacidades – ou, em termos atuais, ao seu nível de desenvolvimento. Entretanto, nem todos passavam pelo colégio, sendo que quem era

(18)

introduzido na vida escolar tinha sua infância prolongada, ao contrário de quem não estudava e que cedo compartilhava das atividades da vida adulta – trabalho militar, mão de obra barata na indústria têxtil, por exemplo (ARIÈS, 2017).

Assim que o olhar se voltou à criança, os comportamentos infantis começaram a passar por observações e logo os psiquiatras constataram a existência de “demências precoces e precocíssimas” (p. 20). Entre esse grupo, comportamentos atípicos estavam presentes em algumas dessas crianças, as mesmas que se diferenciavam das que possuíam apenas deficiência mental (ROSENBERG, 2011).

Na França, em meados do início do século XX, ocorreram descrições sobre crianças que eram denominadas de enfants fadas, a “criança fada”, que de acordo com o folclore europeu “seria aquela que foi trocada por uma fada” (p. 20). A lenda referia que crianças – no caso, meninos – que de repente ignorassem a mãe, não fossem afetivas, apresentassem agressividade, entre outros sintomas peculiares. Na realidade eram assim por serem seres colocados no lugar do filho, idênticos fisicamente à criança raptada e substituída pela criatura mitológica, porém com personalidade distinta (ROSENBERG, 2011, p. 20):

Dois critérios parecem, então, se destacar no relato dessas crianças descritas nos contos de fada: a) Mudança repentina, geralmente no segundo ano de vida do bebê,

que se prolonga na regressão; b) Fenômeno curioso de explosões verbais, vistas

em uma criança sem linguagem e que, repentinamente, sob o efeito de uma grande emoção, pronuncia várias palavras ou uma frase estruturada e, em seguida, volta ao silêncio absoluto que até então mantinha (ROSENBERG, 2011, p. 20).

As características dessas crianças lendárias de comportamento atípico combinam com a sintomática observada atualmente em bebês e crianças pequenas com autismo. Essas crianças apresentavam alteração repentina de comportamento, por exemplo: os gestos de abanar a mão para dar tchau, extinguindo por completo após um tempo; balbucios e algumas palavras, logo após regredindo para um estágio evolutivo no qual não emite sons com intencionalidade. O quadro poderia piorar para uma situação em que a criança não interagiria de maneira alguma com o meio de forma intencional, entre outros prejuízos no desenvolvimento. (ROSENBERG, 2011).

Eugen Bleurer, em 1911, utilizou a palavra autismo – do grego “áutos” que significa “de si mesmo” – para retratar o alheamento do indivíduo com a realidade. O médico definia sintomas autísticos como parte dos sinais esquizofrênicos e chamava essas especificidades de “barreira” autística que resultava “na criação de um mundo próprio, fechado, inacessível, impenetrável” (CAVALCANTI; ROCHA, 2007, p. 41-42).

Cientificamente, o Autismo Infantil Precoce ou Síndrome de Kanner é mencionado pela primeira vez em 1943, pelo médico que emprestou o nome para o conjunto de sintomas. O

(19)

psiquiatra acompanhou onze crianças que tinham em comum características diversas, descrevendo as manifestações autísticas que compunham a síndrome: grande dificuldade de relacionamento social, distúrbios de linguagem (com pobre intenção comunicativa) e tendência a manter uma rotina mais rígida (BOSA; CALLIAS, 2000).

Grandin e Panek (2015) acreditam que a primeira hipótese de Kanner sobre o autismo provinha de uma explicação biológica, pois a observação aos pais das crianças pesquisadas trazia comentários que aproximavam as condutas dos filhos às dos genitores, levantando a ideia de hereditariedade. Aparente falta de afeto, interesse limitado por outras pessoas, grande preocupação com “abstrações de natureza científica, literária ou artística” (p. 139) uniam as gerações. Entretanto, em 1949 outro artigo do médico mostrou seu olhar voltado para os aspectos psicológicos e juntamente para a crítica às atitudes dos pais “que se descongelaram apenas o suficiente para gerar um filho” (p. 139).

O termo “mãe geladeira” surgiu juntamente à teoria de Kanner e se popularizou com Bettelheim, após publicação de seu livro em 1967, A fortaleza vazia. Apesar de ambos apostarem no autismo como tendo um princípio orgânico, Bettelheim mencionava que era algo latente e a criação inapropriada era o que ativava os sintomas, portanto o indivíduo teria a predisposição a desenvolver as características autísticas, dependendo de como seus tutores – principalmente àquele responsável pela maternagem – agissem com o bebê, cujas respostas estariam de acordo com as ações parentais (GRANDIN; PANEK, 2015).

Esse posicionamento pode ser compreendido pelo momento histórico no qual o especialista era contemporâneo, que coincidia com a chegada da visão psicanalítica sobre o tema nos Estados Unidos. Após algumas décadas, Kanner queixou-se dizendo que havia sido mal interpretado e que sua hipótese inicial e primordial era a biológica. Os autores seguem seu pensamento ao concluir:

Na verdade, Kanner inverteu causa e efeito. A criança não se comportava de modo psiquicamente isolado ou fisicamente destrutivo porque os pais eram emocionalmente distantes. Em vez disso, os pais eram emocionalmente distantes porque a criança se comportava de um modo psiquicamente isolado ou fisicamente destrutivo (GRANDIN; PANEK, 2015, p. 161).

No mesmo momento histórico, em 1944, Hans Asperger descreveu um quadro que foi denominado inicialmente como “psicopatia autística”. O nome não foi bem recebido devido ao imaginário popular acerca dessa estrutura psíquica, logo esse conjunto de sintomas passou a ser apresentado como Síndrome de Asperger e, mais tarde, reconhecido dessa forma no DSM IV (GRANDIN; PANEK, 2015, p. 285). Essas crianças acompanhadas pelo médico, eram chamadas de “professorezinhos” devido à capacidade de falar por horas sobre seus assuntos

(20)

preferidos e, apesar de manifestarem diversos comprometimentos – principalmente na socialização –, geralmente possuíam inteligência normal ou acima da média correspondendo “a um quadro de alta funcionalidade” (ASSUMPÇÃO JR; KUCZYNSKI, 2015, p. 47).

As principais posições psicológicas a respeito das causas e razões do transtorno do espectro autista, segundo revisão de Bosa e Callias (2000), são as teorias psicanalíticas, as afetivas, Teoria da Mente, Coerência Central e Neuropsicologia. Tais embasamentos adicionam fundamentação teórica aos processos interventivos existentes para tratar o TEA. O presente estudo tem como foco as abordagens que oferecem possíveis intervenções e tratamentos aos quais esse público têm acesso, privilegiando aquelas que possuem validade científica, dados consistentes e que são utilizadas amplamente em território brasileiro: a Psicanálise, a Neuropsicologia e a Análise do Comportamento.

(21)

4. MÉTODO

Trata-se de uma revisão sistemática da literatura, que teve como objetivo compreender as concepções de tratamento para o autismo, a partir de diferentes perspectivas teóricas, a saber, a psicanálise, a neuropsicologia e a análise do comportamento. Para cada teoria a ser investigada foram definidas as estratégias de busca e estabelecidos os critérios de inclusão e exclusão para posterior análise qualitativa dos artigos (SAMPAIO; MANCINI, 2007).

As buscas foram realizadas em outubro de 2019, considerando os últimos cinco anos de produção na área, que compreende o período de 2015 a 2019 – exceto para a neuropsicologia, cujo intervalo não foi delimitado, devido à carência de artigos no idioma português. O levantamento de dados foi realizado nas bases de dados BVS Brasil e Portal CAPES, com as seguintes palavras-chave:

1) para a psicanálise: “Psicanálise” AND “Autismo”; “Psicanálise” AND “Autismo” AND

“Tratamento” “Psicanálise” AND “Autismo” AND “Intervenção”;

2) para a neuropsicologia: “Neuropsicologia” AND “Autismo”, “Neuropsicologia” AND

“Autismo” AND “Tratamento” e “Neuropsicologia” AND “Autismo” AND “Intervenção”; 3) para análise do comportamento: “Comportamental” AND “Autismo”, “Comportamental” AND “Autismo” AND “Tratamento” e “Comportamental” AND “Autismo” AND “Intervenção”. Salienta-se que o termo Comportamental possui muitas variantes, como Behaviorismo, Análise do Comportamento, Comportamentalismo e afins, porém, após testes de sensibilidade das palavras que seriam utilizadas como descritores, o conceito que mais abrangeu resultados foi o termo `comportamental´.

Os critérios de inclusão foram estudos que contemplem os últimos cinco anos, com exceção da neuropsicologia, cujos textos estivessem disponíveis na íntegra e no idioma português. Os artigos deveriam pertencer a área da psicologia e conter possibilidades de intervenção ou manejo relacionadas ao autismo na infância. Foram excluídos aqueles que não atendiam aos seguintes critérios: não tratar diretamente sobre a terapêutica no transtorno do espectro autista, fornecer dados fora do âmbito psicológico, propor tratamento para adultos e/ou idosos, e estudos publicados em periódicos com a classificação Qualis Capes menores do que B35 – para manter o padrão de qualidade do material a ser revisado.

(22)

A seguir, será apresentada a compreensão de autismo e os resultados do levantamento de estudos relacionados à cada abordagem teórica específica: psicanálise, neuropsicologia e análise do comportamento, respectivamente.

5. RESULTADOS

6. AUTISMO NA PERSPECTIVA PSICANALÍTICA

A psicanálise é uma das abordagens pioneiras na investigação do autismo. Por exemplo, no ano de 1930, a psicanalista infantil Melanie Klein publicou um artigo em que descreve um caso clínico de um paciente de quatro anos de idade, fazendo referência ao autismo infantil, que mais tarde foi descrito por Kanner (Barros, 2011, p. 29). O envolvimento da teoria com o TEA se dá desde muito antes do mesmo participar do DSM – terceira edição – em 1980, momento em que o transtorno foi formalizado como um diagnóstico (GRANDIN; PANEK, 2015).

Jerusalinsky (2012) ressalta o desafio de psicanalisar o paciente autista, cuja primeira impossibilidade do mesmo é não demandar, invertendo o papel do analista que sai de sua passividade em busca de uma brecha para conectar-se. Acompanhar essa criança em sua auto-exclusão a fim de tentar resgatá-la e propiciar alguma melhora terapêutica é a maneira possível de, talvez, obter a cura6.

Os subcapítulos a seguir irão apresentar a compreensão da psicanálise acerca do autismo, os diferentes entendimentos dentro dessa perspectiva teórica e os tratamentos clínicos possíveis à um paciente com essas características.

6.1. CONCEPÇÃO DE AUTISMO

A teoria psicanalítica compreende que o sujeito se constitui a partir de sua relação com o Outro primordial. Antes de seu nascimento, o bebê existe no discurso de seus pais e o mesmo é antecipado: imaginam uma futura profissão para o bebê, suas características físicas, como cor dos olhos e dos cabelos, as semelhanças com os familiares, enfim, diversas possibilidades. Tem-se uma expectativa em razão de já existir um filho idealizado – psiquicamente – na sua mãe e pai muito antes de sua concepção ocorrer e, quando finalmente a criança tão desejada nasce, todas essas informações interiores guardadas há tempos são externadas (JERUSALINSKY, 2012).

O bebê, segundo Bernardino (2006), está em processo de construção de sua identidade, descobrindo o seu lugar e significado no mundo. Até esse momento ser definido, o lugar

6 Jerusalinsky (2012) aponta que a cura é possível nos casos de autismo não associados à outra condição

genética, sendo maiores as chances em intervenções precoces. Todavia, refere que assim como qualquer intervenção terapêutica, há uma proporção de casos que não respondem ao tratamento.

(23)

preparado pelo grande Outro é aquele ao qual lhe resta ocupar, correspondendo assim, a demanda inicial de seus pais. A única maneira de encontrar seu próprio sentido é através dos significantes7 emprestados pelos seus genitores.

O recém-nascido chega ao mundo como um organismo biológico, e é sem dúvida um indivíduo, mas não, ainda, um sujeito de desejo. Diferente dos outros animais, o homem não consegue se virar sozinho na primeira fase da vida, dependendo de outra pessoa para atender as suas necessidades, alguém que também possui a responsabilidade de introduzir essa criança na linguagem, no mundo simbólico. Essa primeira pessoa que cuida do bebê é denominada Outro primordial, “um indivíduo de carne e osso, o qual realiza a função materna” (MEXKO; GALHARDI, 2014, p. 131). Uma das incumbências que a mãe – ou quem faz sua função – possui é apresentar e antecipar ao filho, através da linguagem, os significados que são essenciais para sua sobrevivência: “dizem-lhe o que sente, o que vai fazer, o que deve pensar do mundo” (BERNARDINO, 2006, p. 25), ambiente que para o neonato ainda não significa coisa alguma. Outra função está no olhar que troca com seu bebê, olhar que enlaça, investido de libido, e o toma como algo que ele ainda não é. Inicia-se assim o processo de constituição da imagem corporal do sujeito, possível somente pelo fato de que a pequena criança passa a se enxergar através do contato visual estabelecido com o responsável pela função materna – agora, também, com a função de espelho (WINNICOTT, 2000). Além do olhar, esse Outro tem a função de porta-voz da criança não falante, e com o uso do manhês, forma carinhosa e especial que “indica o interesse do Outro cuidador” pelo lactente, “sustentado pela mãe na posição de interlocutor e de ouvinte, implica que ela suponha um sujeito no bebê” (MEXKO; GALHARDI, 2014, p. 132).

O conceito de pulsão é importante para que possa ser entendido o que é o autismo para a psicanálise. Segundo Freud (1915∕1996), pulsão é aquilo que está na fronteira entre o físico e o psíquico, tendo a função de representar mentalmente os estímulos originados no corpo, fenômeno esse que contemplaria três tempos. O primeiro tempo foi nomeado de ativo, configurando o momento em que o bebê busca o seio materno para se satisfazer – não apenas a necessidade de alimento, mas o aconchego, o prazer encontrado naquele objeto. O tempo reflexivo é o seguinte, fase na qual o bebê toma uma parte de si próprio para obter o gozo – atende seu desejo de sugar ao chupar o dedo, este na posição objetal. O último tempo é conhecido como passivo, compreendido como a etapa em que o bebê se assujeita como objeto

7Lacan (1998) apropriou-se do conceito de significante criado por Saussure, modificando seu significado para a

psicanálise. Na teoria lacaniana, o significante representa algo que vai muito além do sentido, conectando-se com outros significantes e construindo, a partir dessa cadeia, um lugar para o sujeito.

(24)

de desejo do Outro. Falhas em algum momento desse circuito pulsional é um importante sinal, de acordo com Laznik (2004), de que o sujeito possa se tornar um futuro autista:

Observemos aqui simplesmente que, nos primeiros encontros com crianças que apresentam uma síndrome autística primária, constatamos no plano clínico que este terceiro tempo do circuito pulsional está ausente. O movimento se fazendo somente de um vai-e-vem entre um ir em direção à comida, e um vir em direção à uma parte do próprio corpo ou em direção à um objeto tendo uma função de pedaço de corpo (LAZNIK, 2004, p. 30).

Quais as razões para que ocorra a interrupção desse processo importante para a estruturação do sujeito? Aqui duas hipóteses são possíveis: a criança desinteressada em buscar ativamente o Outro – provocar uma brincadeira prazerosa para o Outro primordial, o que traria satisfação para ambos – ou a falta de retorno daquele responsável a exercer a função materna. O enlace saudável entre os pais e essa criança ainda poderá ocorrer, com a intervenção de um psicanalista, todavia será algo mais trabalhoso se for posteriormente ao período sensível – etapa na qual o sujeito se apropria da linguagem. A intervenção psicanalítica age com a finalidade de prevenir a organização do TEA, entretanto a “não-instauração das estruturas psíquicas lesa rapidamente o órgão que as suporta” (p. 22), o que nos leva à déficits cognitivos cuja instalação pode se dar de maneira definitiva, configurando-se como uma deficiência (LAZNIK, 2004).

As origens do transtorno, para Laznik (2004), podem ser variadas, porém é fato que não dão entrada para o estabelecimento do olhar e para a instalação do circuito pulsional no sujeito. A autora diferencia autismo de psicose nesse exato ponto: o primeiro falha e não consegue entrar no terceiro tempo pulsional, enquanto a estrutura psicótica possui os tempos pulsionais instaurados, contudo a alienação do bebê com o Outro ultrapassa os limites do gozo, dificultando o processo de separação exercido pela função paterna8 – no caso forcluída, rejeitada nessa relação.

Conforme introduzido outrora, nem sempre a psicanálise diferenciou o transtorno do espectro autista de outras estruturas psíquicas. Retomando a história da psicanálise no autismo, um dos pioneiros a buscar uma resposta para as causas dessa condição foi Bettelheim, que, contemporâneo a Kanner, disseminou e popularizou a ideia da “mãe geladeira”, apresentada anteriormente. Na visão do teórico, mesmo sendo oriundos de um fator biológico, os sintomas autísticos só poderiam ser despertados pela rejeição materna, sentimento que seria interpretado pelo filho como a própria reação do mundo diante dele, um ambiente não acolhedor que resultava em sua atitude de desesperança (BETTELHEIM, 1987). Tal como o autor, outros

8 Responsável pela função simbólica em separar mãe-bebê, nem sempre exercida pelo pai biológico. Após a

entrada da função paterna na estruturação psíquica do sujeito, o mesmo poderá ter condições de interagir socialmente.

(25)

psicanalistas apostavam na pré-disposição orgânica da criança que pode “começar um autismo” (p. 57), caso não dispusesse de uma maternagem ideal; há a sugestão de uma falha nesse início de vida do bebê que faria com que ele se excluísse da relação com o Outro, ficando à parte do mundo externo (LAZNIK, 2015).

A psicanálise, ao final do século XIX, através de Maudsley, classificou essas crianças que fugiam ao comportamento esperado como prováveis portadoras de alguma forma de psicose infantil, pensamento compartilhado pelos teóricos psicanalíticos em um primeiro momento (WING, 1997). Margareth Mahler (1897 ∕1985) era uma psiquiatra que também tinha formação em pediatria e psicanálise, tecendo relevantes pesquisas sobre o desenvolvimento da criança, em particular, sobre as psicoses infantis (RIBEIRO; CAROPRESO, 2018). A autora denomina como estádio de autismo normal9 o período compreendido entre o nascimento e o primeiro mês de vida, fase indiferenciada na qual o bebê não distingue sua realidade interna do mundo externo, nem mesmo sua própria existência dos objetos que o circundam. A fase simbiótica vem a seguir com a percepção infantil de que seus instintos de sobrevivência são atendidos por um agente externo a si, ao contrário de suas necessidades, descobertas como exigências que são geradas internamente. Próximo aos cinco meses inicia-se a fase de separação-individuação que é caracterizada por quatro subfases: a diferenciação, o período de exploração, a reaproximação e a constância objetal - subfase na qual o sujeito adquire a comunicação verbal, o senso de realidade e a capacidade de fantasiar (MAHLER, 1965 ∕1982).

Mahler (1966 ∕1982) aponta o período de dezoito meses a três anos da criança como um ponto crítico para a conquista da “constância objetal emocional” (p. 129) do indivíduo. Caso essa etapa, na qual a criança passa a exibir seu desejo de imitar, refletir, cobiçar o que seus pares possuem, não se construa:

Entre os psicanalistas em geral, admite-se a hipótese de que, a não ser que a criança atravesse com sucesso a fase simbiótica e a primeira subfase de separação-individuação, chamada diferenciação, instalar-se-á a psicose (...) (MAHLER, 1974 ∕1982, p. 129).

O autismo patológico para a psicanalista faria parte de um subgrupo das psicoses infantis, estando no outro extremo em relação à psicose com características simbióticas. Suas hipóteses para tal afirmação poderiam ser compreendidas na seguinte frase: “enquanto no autismo primário há um triste mundo gelado entre o sujeito e o objeto humano, na psicose de

9 Mahler (1973 ∕ 1982) alega que a fase autística vivenciada no momento inicial da vida do sujeito possui a

importante função de manter o equilíbrio homeostático do bebê, recém-saído do ambiente intrauterino, em processo de adaptação às condições do ambiente pós-parto.

(26)

tipo simbiótico, ao contrário, há fusão, dissolução e falta de diferenciação entre o self e o não-self” (MAHLER, 1963 ∕1982, p. 15).

Semelhante à posição de Mahler (1974 ∕1982), Tustin (1981) reconhecia que toda criança passaria por uma fase autista durante seu desenvolvimento e a diferença entre o autismo que seria normal do patológico era uma questão de grau. Para a autora, concordando com outros psicanalistas, uma traumática experiência de separação com a mãe levaria ao desenrolar de emoções desconectadas e, por fim, ao autismo patológico (BOSA; CALLIAS, 2000).

O transtorno visto como psicose é um assunto que causa muita discordância entre os próprios psicanalistas de diferentes filiações teóricas. Melanie Klein, uma das pioneiras a trabalhar com a psicose infantil, no ano de 1930 – como já descrito – diagnosticou uma criança pequena com esquizofrenia, descrição esta que, de acordo com os critérios em uso, apontaria para um quadro de autismo (KUPFER, 2000). Mais adiante, Klein (1965) reconheceu que as crianças autistas apresentavam características distintas daquelas compreendidas como psicóticas. Para a autora, a explicação desses sintomas se originava na inibição do desenvolvimento cuja ocorrência se dava devido ao constante enfrentamento entre a pulsão de vida e a de morte, sendo que essas defesas desproporcionais do Ego, produziriam o quadro autista. O desmantelamento da instância egóica, no qual a criança se concentra apenas em um fragmento de objeto e não no todo – por exemplo, brinca de girar rodas dos carrinhos e não reproduz a função tradicional da brincadeira –, faz com que o distúrbio seja uma proteção contra essa destruição do Ego (MELTZER; et al, 1975). Lacan (1964 ∕1996), a partir de seu Seminário 11, assinala a oposição da psicose para com o autismo, pois: a primeira se encontraria alienada ao Outro no discurso, recusando a etapa de separação e, o segundo, estaria situado em um ponto aquém da fase alienante, com a recusa de entrar nesse campo discursivo, permanecendo na borda.

Através de sua experiência, Jerusalinsky (2012) acredita que o transtorno não se encaixa nas três estruturas psíquicas conhecidas – neurose, psicose e perversão –, para ele o mais adequado é compreender o autismo em uma quarta estruturação. A psicose é o resultado de um processo de forclusão, ou seja, a função paterna – responsável por barrar o sujeito, o defendendo das demandas maternas e libertando-o para o mundo externo – não foi instaurada, fato que alienou o sujeito ao Outro primordial. Já no autismo ocorreria a exclusão, na qual não há e nem ocorreu a possibilidade da inscrição do sujeito:

(...) Se bem é verdade que é difícil sustentar a proposição de que “o autista se exclui”, precisamente porque o se implicaria um sujeito num caso em que fica evidente sua ausência, sustentar essa proposição vai na direção de um primeiro movimento numa tentativa de cura: supor um sujeito precisamente aí onde não há tal. É por essas razões

(27)

que a psicanálise, embora de modo polêmico, tem incorporado o autismo como uma quarta estrutura, a estrutura da exclusão (JERUSALINSKY, 2012, p. 65).

O autor discorre também sobre a existência de diferentes “tipos” de autismo, apontando essas distinções como extremamente relevantes para a terapêutica. Existiriam os autismos comórbidos a outra patologia orgânica, os secundários “a problemas específicos (constitucionais) de linguagem” e aqueles frutos de quebras no processo constitutivo do sujeito, ocorridas principalmente no primeiro ano de vida (JERUSALINSKY, 2012, p. 66). Através desse pensamento, a psicanálise não descarta a cura para alguns casos, observando certos pontos: o quanto e de que forma as causas do autismo incidem no processo das identificações primárias; as probabilidades de manejo ou extinção dessa incidência; a predisposição da família para insistir por longo tempo na recuperação do laço que se perdeu; o tratamento se dá por tentativa e erro, pois inicialmente as causas são hipóteses. O mais importante, a não aceitação da incurabilidade é determinante, evitando com que ocorra a desistência da melhora antes mesmo da tentativa, fazendo com que não se exija tudo que a criança poderia realizar (JERUSALINSKY, 2012).

As possibilidades de tratamento a seguir respeitam a visão de que é necessário trabalhar, ou até mesmo criar, o vínculo entre os pais e o filho autista. Todos os envolvidos, de acordo com a teoria, devem participar da terapêutica para que se obtenha sucesso, sendo a subjetividade de cada personagem levada em consideração para um resultado à longo prazo.

6.3. TRATAMENTO E INTERVENÇÃO DA PSICANÁLISE

Ao ser realizada a pesquisa nas bases de dados BVS Brasil e Periódicos CAPES na data de 27 de outubro de 2019. Cabe destacar que, em psicanálise, a compreensão acerca do tratamento e da intervenção junto ao TEA é diferente das outras perspectivas teóricas abordadas no presente estudo. Por isso, os termos “psicanálise” AND “autismo” foram acrescentados como descritores.

Na base BVS Brasil os descritores: 1) “Psicanálise” AND “Autismo” ofereceram o total de 9 resultados – 8 artigos e 1 Tese –, 2) “Psicanálise” AND “Autismo” AND “Tratamento” resultaram em 4 artigos e 3) “Psicanálise” AND “Autismo” AND “Intervenção” não forneceram dados. A busca no Periódicos CAPES, com os mesmos descritores, resultou respectivamente: 1) 34 artigos publicados, 2) 21 publicações e 3) 11 artigos científicos. Dessa soma de 79 estudos, 43 eram dados repetidos, restando o número de 36; após a leitura dos resumos foram selecionados 16 estudos que continham relatos e propostas de tratamento pelo viés psicanalítico. Ocorreu a posteriori a inclusão de 1 artigo encontrado a partir dos descritores

(28)

utilizados para a realização da pesquisa em comportamental, finalizando 17 estudos para serem apresentados.

As intervenções realizadas e os resultados a curto e ∕ou longo prazo são os itens escolhidos para serem aprofundados neste estudo. Para princípio de análise das intervenções, uma questão importante à psicanálise deve ser citada, a da negativa de um psicodiagnóstico precoce fechado. O psicodiagnóstico do transtorno na criança é, para a área de conhecimento, um ponto no qual suas diversas filiações entram em consenso:

Em relação ao psicodiagnóstico na infância como uma nomeação idealista e moralista que encobre essa condição não definida da estruturação psíquica, o que se tem é seu efeito nocivo sobre a condição subjetiva da criança: um diagnóstico, modalidade de signo generalizada de segregar um sujeito em categorias descritivas e classificatórias, encobre toda a possibilidade de enfrentamento singular ante um impasse subjetivo, seus movimentos ante a angústia constitutiva (SOUZA, 2016, p. 604).

Souza (2016) ainda esclarece que a posição de recusa ao diagnóstico fechado em tenra infância não vem como forma de negar o sofrimento do indivíduo. O trabalho terapêutico irá, conforme as angústias se manifestem, nomear as vivências do pequeno paciente ao longo de sua constituição subjetiva, evitando possíveis danos em sua psique. Assim que o sofrimento desse paciente é nomeado através do processo transferencial, a maneira com a qual será direcionado seu tratamento tomará forma.

As escolhas instrumentais no tratamento serão trabalhadas com o paciente variando, também, de acordo com o olhar de cada filiação teórica psicanalítica sobre a síndrome autística. Souza (2016), em seu estudo de caso, reitera a importância da compreensão acerca da constituição psíquica do autista. Teóricos se dividem entre pensar o autista como um organismo biológico – não um sujeito do desejo – que permanece sem a inscrição na linguagem, fora de qualquer estrutura clínica – neurose, psicose ou perversão. Outros sustentam a explicação de que o TEA estaria incluído na estruturação psicótica, sendo esse o caminho possível para o sujeito. Entretanto, a autora junto a outros psicanalistas, crê que há uma “estrutura subjetiva no autismo, de sujeito de desejo diferente da psicose” (p. 602), sendo o olhar predominante na contemporaneidade.

Outra questão é o autismo como possibilidade, pois é tratado como uma “escolha subjetiva”, um caminho em “vias de estruturação” assim como a neurose, a psicose e a perversão, no qual a falha ocorre em algum ponto nesse processo de constituição psíquica. Mais do que a intervenção, a predileção psicanalítica se dá na prevenção do transtorno, distinguindo a ciência do inconsciente dos demais campos científicos (SOUZA, 2016).

(29)

6.4. A CONDUÇÃO PSICANALÍTICA

Dentre os estudos acessados, identificou-se que o manejo de um paciente em vias de autismo pode ocorrer de diferentes formas. ParaSouza (2016):

Não se trata de garantir ao pequeno ser alcançar esse ou aquele ponto de articulação criando um percurso “saudável e esperado”, mas de cifrar o que lhe mantém nesse percurso e que tem o tom de seu impasse. (SOUZA, 2016, p. 611).

A autora discorre em seu artigo sobre a relevância das informações passadas pelos pais para o analista responsável por uma criança com “possibilidade de fechamento estrutural como sujeito autista” (SOUZA, 2016, p. 615). Em seu estudo de caso, um paciente recebido por volta de três anos de idade com a queixa de fala ecolálica sem intenção comunicativa, foi descrito pelos familiares como “um bebê apavorado”, que gritava no berço – informação tomada como um apelo não interpretado como demanda por esse Outro, tornando-o sofrido e incapaz de se constituir psiquicamente. Seu eco, a repetição insistente, funcionaria como sua tentativa de demandar o Outro, naquele momento inicial de sua vida. O sintoma, portanto, seria a sua maneira particular de comunicar-se com o mundo, atando os nós10, evitando a paralisação ante sua angústia (SOUZA, 2016).

O manejo com a família nos casos com autismo também é discutido por Malerba (2017), em sua monografia, cujo foco principal é a busca da eficácia na terapêutica psicanalítica em sujeitos autistas. A autora destaca que a família desses pacientes se mostrara fundamental para a obtenção de um quadro evolutivo. O medo de não saber como agir com o filho autista, as angústias e a culpa foram interpretados como um obstáculo maior para a obtenção de vínculos parentais. O trabalho terapêutico incentivando os pais a voltar o olhar para os filhos, pode alcançar desfechos considerados positivos.

As mudanças, em três grandes áreas do desenvolvimento, conquistadas através da psicoterapia aplicada a sujeitos autistas também foi discutida pela autora. A primeira área diz respeito ao aumento da capacidade de simbolização e o surgimento do jogo simbólico:

A análise dos casos estudados mostra que a capacidade de representar, possibilitando o deslocamento das fantasias infantis para novos objetos, favorece a abertura do sujeito para o mundo externo, contribuindo para o desenvolvimento social, cognitivo e emocional da criança (MALERBA, 2017, p. 38-39).

10 Nós borromeus: essa lógica refere-se à teoria dos nós, na qual Lacan (1972-73/1982) explica que os nós

borromeus são da ordem do Real e têm a função de enlaçar os registros psíquicos do sujeito. A importância desses nós é tamanha que a amarração operada por eles é o que sustentaria o complexo de Édipo e o ponto no qual a análise se torna possível.

(30)

A segunda área implica no desenvolvimento da comunicação que foi observado nesses pacientes em processo terapêutico e, a terceira área contempla os ganhos na qualidade da percepção do mundo externo, das ações e interesses desses indivíduos. Malerba (2017) ressalta que o setting terapêutico expandido, a interpretação das estereotipias como sintoma e forma de comunicação e criatividade para adequar as técnicas e resgatar a criança de seu mundo particular foram as principais estratégias de trabalho utilizadas para o progresso no processo de análise. A terapêutica evoluindo conforme a gradual abertura do sujeito, flexibilidade de mudar as técnicas conforme necessário e os pais sendo escutados e envolvidos no tratamento, foram contribuições que levaram a indicativos clínicos mais favoráveis.

A preocupação terapêutica com a família, na maioria dos estudos, se mostrou fundamental para os avanços desenvolvimentais do paciente. Hoogstraten, Souza e Moraes (2017) consideraram em sua pesquisa sobre detecção precoce do TEA as interações mãe-bebê com o uso do manhês, entendido como precursor da linguagem e facilitador da comunicação do afeto. O estudo mostrou que pais de bebês “que se tornaram autistas fazem uma superestimulação na tentativa de chamar a atenção de seu bebê” (p. 2). A não efetivação dos circuitos pulsionais, a falta do manhês, a ausência da troca de olhares do bebê demandando a mãe – nos casos mais graves, são sintomas que identificam precocemente a possibilidade de um caminho autista.

Os autores ainda apontam em seu estudo sobre a importância da detecção precoce do autismo. Os Indicadores Clínicos de Risco ao Desenvolvimento Infantil (IRDI) e os sinais PREAUT11, juntamente com entrevistas semiestruturadas, foram utilizados para identificar risco psíquico em crianças de nove meses de idade. A detecção em tenra infância pode, de acordo com o estudo, prevenir alterações estruturais que constituem um risco para o desenvolvimento do sujeito. O manejo sugerido neste estudo era o encaminhamento para uma intervenção precoce para os sujeitos com sinais autísticos, entretanto, devido à falta de adesão

11 Sinais PREAUT: referem-se aos sinais de alerta sobre os sintomas autísticos, estes retirados do teor de

observações de vídeos familiares de crianças diagnosticadas com TEA aos três anos de idade. O objetivo desses sinais é:

(...) avaliar o fechamento do circuito pulsional, com base na observação da capacidade do bebê de se engajar espontaneamente em interações sincronizadas e prazerosas com sua mãe. Para tal, são avaliados dois sinais a partir da relação intersubjetiva da díade mãe-bebê, são eles: Sinal comunicativo 1 (S1): O bebê procura “se fazer” olhar por sua mãe (ou substituto) na ausência de qualquer solicitação dela; e Sinal comunicativo 2 (S2): o bebê procura suscitar a troca jubilatória com sua mãe (ou com seu substituto) na ausência de qualquer solicitação dela.” (HOOGSTRATEN; SOUZA; MORAES, 2017, p. 4).

(31)

parental e à conscientização sobre a necessidade desse tratamento, não houve crianças detectadas na pesquisa que passaram pelo tratamento.

A utilização da escrita como meio eficaz de contato do autista com o mundo externo também foi um recurso utilizado com os pacientes, conforme descrito por Bialer (2015, 2016), em dois artigos. Ao analisar as produções de autistas escritores, como as do indiano Tito Rajarshi Mukhopadhyay, Bialer (2016) identificou que, inicialmente, esses pacientes não haviam atingido os requisitos mínimos para a alfabetização. Entretanto, devido ao empenho e a não aceitação materna de que seus filhos eram incapazes, ocorreu o investimento das mães para acontecer as mudanças necessárias em suas habilidades cognitivas. O resultado culmina no ganho comunicativo e na abertura desses sujeitos para o contato com o outro, fora a escrita de livros, nos quais esses sujeitos compartilham o que sentiam nos momentos de reclusão antes de ingressarem na linguagem. A autora menciona que a utilização da escrita, para esses sujeitos, agiu como uma via intermediária aos seus tratamentos elaborativos. A importante ferramenta da linguagem tornou possível que um indivíduo com suspeita de retardamento cognitivo, deixasse a identidade de “debilidade mental para ser visto como um escritor” (BIALER, 2016, p. 409).

De forma semelhante, Merlleti (2018) refere sobre a necessária participação dos pais no tratamento clínico de seu filho autista, com a finalidade de promover uma restituição narcísica12 para que haja um (re) investimento libidinal nesse filho e a elaboração de suas angústias. As figuras parentais são responsáveis por educar a criança ao transmitir as “marcas simbólicas de humanização do pequeno ser, sustentadas por um desejo, pela filiação e pelo pertencimento a uma dada cultura” (p. 147). O estudo ainda enfatiza o sofrimento trazido pelos pais e a importância de escutá-los. A autora também ressaltou a função do analista no tratamento com crianças autistas, com destaque para as dificuldades de se trabalhar com um sujeito que não atribui ao psicanalista o lugar de suposto saber, não lhe demandando coisa alguma, sendo uma “torção na direção do tratamento” (MERLLETI, 2018, p. 146), a saída praticável. Críticas sobre o diagnóstico precoce, bem como a função do sintoma também são enfatizadas nesse estudo.

A importância da função educativa dos pais de crianças autistas foi destacada pelo médico Pierre Delion, em entrevista com Kupfer e Voltolini (2017). Pais que deixam de saber como educar aquela criança atípica, precisam ser fortalecidos para aumentar nelas o seu investimento. Outra particularidade apontada pelo médico é a terapêutica que contempla três

12 Fase narcisista: “há um investimento permanente do sujeito sobre si mesmo, o que contribui, de forma notável,

(32)

funções, a fórica, a semafórica e a metafórica13, cujo objetivo é esclarecer os sintomas que trazem sofrimento psíquico para o paciente a todos os envolvidos que almejam a melhora dessa criança, facilitando o entendimento e estreitando os laços entre pais e filhos.

Os estudos apresentados acima, indicam a relevância do tratamento ser estendido para além do paciente, pelo fato das angústias junto ao transtorno serem compartilhadas no meio familiar e, em alguns casos, diretamente relacionadas ao vínculo pais-filho. Fora o fato que sem a adesão dos genitores ao processo terapêutico precoce, pouco pode ser feito ao sujeito que ainda virá a ser, demonstrando a pertinência de considerar todo o contexto dessa criança.

Dando continuidade aos resultados encontrados, a seguir, serão expostos os estudos que focam prioritariamente no manejo clínico da criança (e adolescente). Pontos relevantes são destacados nas observações dos procedimentos escolhidos ao longo da condução do paciente em vias de autismo.

Os distúrbios da oralidade no autismo foram salientados por Dias (2016), com a apresentação de casos clínicos ligados ao tema. K e S são os dois meninos analisados: o primeiro, criança de 4 anos de idade, institucionalizado após o nascimento e possuidor de uma compulsão alimentar excessiva que o fazia comer inclusive as próprias fezes em momentos de inquietação intensa; o segundo, menino “devorado” pela mãe que desautorizava a figura paterna completamente, comia o que não era comestível como pedaços de azulejo, lambia as mãos sujas e o sabonete do banheiro do consultório. Uma criança institucionalizada e outra que demandava um espaço na sua relação com a mãe, ambas possuíam funções orais atípicas. A boca, nesses casos, segundo a autora, não conseguiria exercer as funções da linguagem oral e da escrita. Esses sujeitos apresentavam sintomas melancólicos, pois estariam retirando libido dos objetos ingeridos, incorporando-os, regredindo ao nível oral canibalesco.

A autora relata que as intervenções psicanalíticas resinificaram a função patológica que apresentava essa parte do corpo nas crianças:

A fala não se consolida nesses casos, a boca não porta essa possibilidade de comunicação com o outro, estabelecendo-se no lugar de fenda, buraco que engloba tudo evidenciando que a oralidade se desenha por outro percurso, se estaciona. O espaço analítico permitiu que outros desdobramentos fossem possíveis. Assim construímos, tecemos outras possibilidades para essas bocas, possibilidades que incluam um modo de falar de seus desejos com todas as singularidades que um desejo comporta (DIAS, 2016, p. 564-565).

13 Função fórica: função de acolhimento do sujeito e sua família, a qual demanda pelo mesmo; Função

semafórica: função de receber os sinais inúmeros dessas crianças autistas e psicóticas; Função metafórica: função de descobrir os sentidos de toda sintomatologia do quadro na transferência terapêutica (KUPFER; VOLTOLINI, 2017).

(33)

Concordando com a importância da escrita apresentada por Bialer (2015, 2016), Bernardino (2015) aponta sobre a utilização da escrita como ferramenta terapêutica da clínica psicanalítica e trata do aprendizado como importante forma do sujeito ser capaz de “sair de seu autismo” (p. 516). O manejo está focado no sujeito não verbal que ao perceber ter conquistado um meio de comunicação possível, o desafio então, é o de sustentar essa transferência.

Nessa direção, é possível questionar como uma criança que estaria fora do discurso conseguiria escrever? Bernardino (2015), sustentada em Lacan (1973∕2003), aponta a existência da linguagem vindo antes da fala e propõe a hipótese de que:

(...) a experiência de aprendizagem da escrita pode ser uma nova oportunidade de estabelecer um encontro com o campo simbólico, com o Outro, um encontro propiciado através de uma figura de mediação estranha à família (o professor, o acompanhante terapêutico), ou mesmo um encontro direto, como muitas vezes ocorre com a criança que aprende sozinha a escrever, fato relatado em muitos desses casos de autismo com altas habilidades (BERNARDINO, 2015, p. 509).

A educação terapêutica uniria os benefícios do aprendizado formal à possibilidade de constituição do sujeito, agora como meios de se comunicar. Bernardino (2015) ressalta a alteração no posicionamento do paciente não-verbal que descobre a escrita: o sujeito antes apático e retraído demonstra posição de euforia e contentamento. Fato que inaugura a reciprocidade no relacionamento terapêutico. A escrita, segundo a autora, seria uma suplente de algo não vivido na criança autista e que fez com que falhasse seu circuito pulsional.

A utilização de um duplo para fins terapêuticos em autistas é descrita por Araújo, Furtado e Santos (2015), mesmo que não se configure como uma intervenção. Os autores relatam sobre essa possibilidade, ressaltando a experiência positiva de Donna Williams14, escritora autista que criou duplos para si mesma na infância. O duplo serviria como ferramenta para que o autista não necessitasse fazer uma enunciação demandando suas necessidades, por exemplo, utilizar dos braços de uma outra pessoa para que a mesma lhe alcance algum objeto. Uma possibilidade do indivíduo sair de sua solidão, sendo um alguém que responderia às demandas do Outro, um recurso que oferece “consistência a um eu ideal” (ARAÚJO; FURTADO; SANTOS, 2015, p. 367). A via terapêutica é aventada:

Utilizar-se do que o sujeito autista traz como seu interesse e ampliar as possibilidades presentes nos elementos importantes para ele (facilitando, assim, o processo de “invenção” de outros modos de subjetivação), além de proporcionar abordagens pedagogicamente mais promissoras no tocante à aprendizagem de conteúdos curriculares ou não, de modo que proporcionem o desenvolvimento de habilidades, entre elas a utilização do duplo, ainda que inicialmente, é uma das indicações coerentes com o referencial adotado (ARAÚJO; FURTADO; SANTOS, 2015, p. 369).

(34)

A importância da análise do brincar infantil como ferramenta para avaliar as habilidades psicoafetivas e cognitivas da criança com TEA foi ressaltada por Vendruscolo e Souza (2015). Através do olhar de diferentes especialidades, como terapia ocupacional, psicologia e fonoaudiologia, as autoras analisaram vídeos de bebês durante o brincar. As conclusões apontadas por este estudo – focado na interação no brincar entre adultos e crianças – indicaram que pacientes com risco de desenvolver atrasos cognitivos possuíam limitações em sua criatividade e dificuldades psicoafetivas, o que poderia ser percebido a curto ou médio prazo – no processo de escolarização (VENDRUSCOLO; SOUZA, 2015).

O brincar também foi apresentado como recurso terapêutico por Lucero e Vorcaro (2015). As autoras discorrem sobre o uso de objetos no tratamento psicanalítico de crianças autistas e defendem a importância da relação que o autista faz com os objetos para detecção de psicopatologias precoces graves. O brincar seria uma conexão entre a fantasia infantil – a qual objetos fazem a função de apoio para sua existência – e a sua realidade. As autoras comentam que na clínica psicanalítica “o uso de objetos concretos impõe-se como condição para a circulação da cadeia significante” (p. 310) e que o brincar é de extrema importância. É retomada a ideia lacaniana de que junto à percepção dos objetos está o auto-erotismo, o que é notado em autistas que se apegam a objetos como se estes fossem partes de seus corpos – objeto autístico (LUCERO; VORCARO, 2015). Tustin é citada como psicanalista que credita a necessidade dos objetos na terapêutica do autismo, pois vê o autista como alguém que se concentra “nos objetos para evitar o susto do mundo externo, tudo aquilo que é ‘não-eu’” (p. 313). O objeto, sendo então experimentado como uma parte da criança, tem a função patológica de anular o mundo externo, se diferenciando do objeto transicional que é compreendido como algo de fora (LUCERO; VORCARO, 2015). A compreensão teórica dos autores sobre o objeto autista como ferramenta para a comunicação com os outros trouxe contribuições fundamentais, sendo também importante para a formação de um corpo nesse paciente. Para as autoras, a retirada desse objeto seria desaconselhada, pois é visto como um meio de conectar o autista ao Outro da linguagem e a um tratamento defensivo – objeto utilizado como fuga de um meio que o aterroriza – produzido pelo próprio sujeito.

A musicalização também foi descrita como recurso utilizado no processo terapêutico no caso do autismo. Lima e Lerner (2016) salientam que a voz materna é irresistível para o bebê, deixando um traço psíquico no qual poderá ser desenvolvida a linguagem. Seria também, como um jogo de esconde-esconde, o fort-da, pois sem o som, haveria um encobrimento, com o som, o retorno, trazendo o gozo à brincadeira. A utilização da música como recurso terapêutico é

Referências

Documentos relacionados

[1] 17 pessoas morreram após a queda de um avião na República Democrática do Congo. [3] Nenhuma vítima sobreviveu. [2] Segundo uma porta-voz da ONU, o avião, de

Os candidatos reclassificados deverão cumprir os mesmos procedimentos estabelecidos nos subitens 5.1.1, 5.1.1.1, e 5.1.2 deste Edital, no período de 15 e 16 de junho de 2021,

ADR = Acordo europeu relativo ao transporte internacional de produtos perigosos por estrada CAS = Serviço de resumos de substâncias químicas (divisão da American Chemical Society) CLP

“O aumento da eficiência e o plano de produção fizeram com que a disponibilidade das células de fabricação aumentasse, diminuindo o impacto de problemas quando do

É primeiramente no plano clínico que a noção de inconscien- te começa a se impor, antes que as dificuldades conceituais envolvi- das na sua formulação comecem a ser

DATA: 17/out PERÍODO: MATUTINO ( ) VESPERTINO ( X ) NOTURNO ( ) LOCAL: Bloco XXIB - sala 11. Horário Nº Trabalho Título do trabalho

Pela sociedade do nosso tempo: para que as pessoas não se deixem vencer pela tentação do ateísmo, do consumismo e do hedonismo, mas se esforcem por construir a vida de

No panorama internauta são vários os softwares à disposição do utilizador que servem para converter ficheiros PDF em flipbooks, que nada mais são que livros ou publicações