• Nenhum resultado encontrado

Anais do VIII Seminário Internacional e XVII Seminário Nacional Mulher e Literatura: transgressões, descentramentos, subversão

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Anais do VIII Seminário Internacional e XVII Seminário Nacional Mulher e Literatura: transgressões, descentramentos, subversão"

Copied!
635
0
0

Texto

(1)
(2)

ANAIS DO VIII SEMINÁRIO INTERNACIONAL E XVII SEMINÁRIO

NACIONAL MULHER E LITERATURA: TRANSGRESSÕES,

DESCENTRAMENTOS, SUBVERSÃO

Salvador

2018

(3)

Comissão Nacional

Cláudia de Lima Costa (UFSC) Constância Lima Duarte (UFMG) Ivia Iracema Duarte (UFBA) Izabel F. O. Brandão (UFAL) Lúcia Osana Zolin (UEM) Márcia de Almeida (UFJF)

Maria da Conceição C.de Medeiros G. Matos Flores (UnP) Ria Lemaire ( Université de Poitiers - França)

Rita Terezinha Schmidt (UFRGS) Rosana Cássia Kamita (UFSC)

Sandra Maria Pereira Sacramento (UESC) Sandra Regina Goulart Almeida (UFMG) Susana Borneo Funck (UFSC)

Comissão Organizadora Local

Alvanita Almeida Santos (ILUFBA) Márcio Ricardo Coelho Muniz (ILUFBA) Milena Britto de Queiroz (ILUFBA)

Nancy Rita Ferreira Vieira (ILUFBA) – Coordenadora do evento Risonete Batista de Souza (ILUFBA)

Rosa Borges dos Santos (ILUFBA)

S471 Seminário Internacional (8.: 2017: Salvador).

Anais do VIII Seminário Internacional e XVII Seminário Nacional Mulher e Literatura: transgressões, descentramentos, subversão, de 17 a 20 de setembro de 2017. – Salvador: UFBA, 2018.

633 p.

ISBN 978-85-8292-167-8

1. Mulheres na literatura - congresso. 2. Mulher e Literatura. I. Título. II. Seminário Nacional Mulher e Literatura: transgressões, descentramentos, subversão (17. : 2017, Salvador).

(4)

APRESENTAÇÃO

Nancy Rita Ferreira Vieira (UFBA)

8

DEPOIMENTO DE ESCRITORAS

Natália Borges Polesso

10

I- LITERATURA CONTEMPORÂNEA: DESCENTRAMENTOS,

VIOLÊNCIA E TRANSGRESSÕES

12

Kambili e Ifemelu – Representação, Voz e Identidade Feminina – Relações de Alteridade nos Romances Hibisco Roxo e Americanah de Chimamanda Ngozi Adichie

Ana Claudia Oliveira Neri Alves (UESPI) Algemira de Macedo Mendes (UESPI)

12

A Ficcionalidade do Pertencimento ou Como Viver Entre Mundos

Ana Cristina Dos Santos (UERJ)

19

Haunted by the Past: questions of identity and trauma in Edwidge Danticat’s The Dew Breaker

Carolina De Pinho Santoro Lopes (UERJ)

32

Outros Percursos da Escrita: “3 Poemas com o Auxílio do Google”, de Angélica Freitas

Eduarda Rocha Góis da Silva (UFAL) Susana Souto Silva (UFAL)

42

Tradição e Modernidade em Niketche, de Paulina Chiziane, e Desobediência, de Licínio Azevedo

Jéssica Fabrícia da Silva (UNICAMP)

55

A Escrita Feminina no Caribe Anglófono Pós-Colonial

Livia Maria Bastos Vivas (Universidade do Minho)

62

A Violência de Gênero no Romance As Parceiras

Maria Juliana de Jesus Santos (UFS)

74

“Eu Sofri um Acidente e o Bebê se Foi...”: Violência Doméstica em Hibisco roxo, de Chimamanda Ngozi Adichie

Mariana Antônia Santiago Carvalho (UFC) Edilene Ribeiro Batista (UFC)

85

Blogs e a Prática da Escrita de Autoria Feminina em Espaço Digital

Naiana Pereira de Freitas (UFBA)

92

Representação de Gênero nas Personagens Femininas em O Matador, de Patrícia Melo

Naira Suzane Soares Almeida (UESPI)

(5)

Escrita feminina de autobiografias na contemporaneidade: uma análise de Não sou uma dessas, de Lena Dunham

Paula Cristina Janay Alves Oliveira (UFBA)

115

São todas Marias: a violência contra a mulher em Desesterro, de Sheyla Smanioto

Paula Queiroz Dutra (UnB)

127

Tecendo o Entrelaçamento de Gênero e Raça: uma Reflexão sobre a Escrita de Conceição Evaristo

Tailane de Jesus Sousa (UFBA)

135

Diáspora e Hibridismo: o Retorno a uma Antígua Desconhecida em My Brother, de Jamaica Kincaid

Walter Cruz Caminha (UERJ) Leila Assumpção Harris (UERJ)

143

II - AUTORIA FEMININA, RESGATE E HISTÓRIA

155

Júlia Lopes de Almeida e Amélia Carolina de Freitas Bevilaqua: entre O Almanaque Brasileiro Garnier (1903-1914) e a Academia Brasileira de Letras

Ângela Maria Rodrigues Laguardia (CLEPUL - Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Faculdade Letras da Universidade de Lisboa)

155

Lutas do Coração de Inês Sabino: a Inserção Feminina na Teia Literária Brasileira

Antonia Rosane Pereira Lima (UEFS)

163

Jacinta Passos e Ingrid Jonker: Solidariedades Poética, Biográfica e Política

Beatriz Azevedo Silva

171

A Distopia de Mary Shelley em The Last Man: Impressões sobre Pioneirismo Feminino Distópico no Século XIX

Janile Pequeno Soares (UFPB)

182

Catherine Morland e os Papéis de Gênero em Jane Austen: uma Leitura Crítica de A Abadia De Northanger

Lailla Mendes Correia (UESB)

193

As Contribuições da Literatura Feminina para a (Re) Escrita da História da Bahia

Márcia Barreiros (UNEB)

200

Letra de Mulher: Transgressões, Exclusões e Reações em Mato Grosso

Marli Terezinha Walker (IFMT)

(6)

O Feminino e o Fantástico na Obra A Rainha Do Ignoto de Emília Freitas

Suellen Silva (UNIFESSPA)

221

III - SUBVERSÕES E RESISTÊNCIAS EM NARRATIVAS DE MULHERES

233

Feminismo e Representação em Nawal El Saadawi

Fernanda Nery (UFBA)

233

O Moderno e o Marginal: Clarice Lispector e Ana Cristina Cesar na Subversão do Modelo Tradicional de Mulher

Flavia Viana Pontes (Universidade Presbiteriana Mackenzie)

241

Anawe mulheres indígenas no Brasil: literatura de autoria/autonomia

Flaviane Gonçalves Borges (UFBA)

254

Madres en Lucha: a Representação do Conflito Armado Interno do Peru em Rosa Cuchillo (1997), de Oscar Colchado Lucio

Jirlaine Costa dos Santos (UFBA)

266

Narrar e Recontar: a Narrativa de Paulina Chiziane como Forma de Liberdade e Resistência

Márcia Costa (UEFS)

273

Discussões sobre Mobilidade e Subversão da Identidade em Recollections of my Life as a Woman, de Diane Di Prima

Maria Clara Santos (UnB)

279

Opressão e Resistência no Entre-Lugar no Conto The Arrangers Of Marriage

Raquel Nunes (UFAL)

289

IV - CORPO, DESEJO E EROTISMO NA ESCRITA DE MULHERES

312

A Ménagère e a Bacante: Corpo e Desejo em Júlia Lopes de Almeida

Gabriela Simonetti Trevisan (UNICAMP)

312

Espiral do Corpo: Autoficção como Resistência em Domingo de Revolución de Wendy Guerra

Marcella de Paula Carvalho (PUC-Rio)

321

Corpo de Mulher Negra: Infância e Maternidade Roubadas, em Conceição Evaristo e Cristiane Sobral

Mirian Cristina dos Santos (UFJF)

335

(Ac)cursed affections: lesbian existence in Nicole Dennis-Benn’s Here comes the Sun

Natália Affonso (UERJ)

(7)

A Mística do Desejo: a Poesia Mundanodivina de Adélia Prado

Paloma do Nascimento Oliveira (UFPB)

355

Filha, Mãe, Avó e Puta: a História de Uma Mulher

Renata de Melo Gomes (UESC)

366

Thank You, Barbie!: O Não-Lugar do Corpo Velho na Sociedade Contemporânea

Renata Cristina Sant’Ana (UFJF)

385

“Un Pasaje a Otra Dimensión”: Deslocamentos e Identidades em La Virgen Cabeza, de Gabriela Cabezón Cámara

Renata de Souza Spolidoro (UERJ) Ana Cristina dos Santos (UERJ)

398

Corpo e Erotismo na Poética Colasantiana: Questões de Gênero e Literatura

Tássia Tavares de Oliveira (UFCG)

406

V - REPRESENTAÇÕES FEMININAS NO TEATRO E NO CINEMA

418

María Antonia: Transgredir é morrer fisicamente, porém sobreviver na memória

Alen das Neves Silva Marcos Antônio Alexandre

418

Engravidei, pari cavalos e aprendi a voar sem asas: a representação da mulher negra no teatro brasileiro contemporâneo

Alessandra Aparecida Muniz Dornelas

434

Nivalda Costa: “Para Rasgar um Silêncio” (Escrita Subversiva e Práticas de Resistência)

Débora de Souza (UFBA) Rosa Borges dos Santos (UFBA)

442

Leituras de um Feminino Subversivo na Dramaturgia Baiana dos Anos Setenta

Isabela Araújo Calmon (UFBA)

454

Será que Ela Volta? Uma Breve Análise sobre a Representação do Feminino e do Materno nas Obras Cinematográficas Laranja Mecânica (1971) e Que Horas Ela Volta? (2015)

Louise Emilie Nascimento Marques Pinto (UESC) Renata de Melo Gomes (UESC)

465

Hitchquotes

Luiz Souza (UFBA)

479

(8)

Vozes Femininas na Dramaturgia Baiana sob Censura: Cleise Mendes, Jurema Penna e Nivalda Costa

Rosa Borges dos Santos (UFBA)

498

VI - REPRESENTAÇÕES FEMININAS

511

A Metamorfose de Flora: Mito e História em Na Praia, de Ian Mcewan

Ana Claudia Aymoré Martins (UFAL)

511

(Des)Afetos na Poética de (Re)Existências de Rita Santana e Sónia Sultuane

Ana Rita Santiago (UFRB)

519

Rachel e Dôra: Semelhanças e/ou Dessemelhanças entre Criadora e Criatura

Andréa Andrade Oliveira Prado (UESB) Adriana Maria de Abreu Barbosa (UESB)

532

A Construção de Bertoleza de O Cortiço a partir das Interseccionalidades de Raça, Gênero e Classe

Gabriela de Sousa Costa (UFC)

544

As Manifestações do Fluxo de Consciência em A Paixão Segundo G.H. de Clarice Lispector

José Rosa dos Santos Júnior (UFBA)

568

Narrador e personagem: um breve estudo sobre a voz da mulher no texto literário

Juliana Ribeiro Carvalho (UFSE)

577

Representações Femininas em A Muralha de Dinah Queiroz

Mônica Cardoso Silva (UESPI)

Algemira De Macedo Mendes (UESPI)

587

O Vertiginoso Pulsar da Vida: Verão dos Infiéis (1968), de Dinah Silveira de Queiroz, uma História de seu Tempo

Sarah Pinto Holanda (UFC)

596

Representação da Mulher Reprimida no Conto “Senhor Diretor” de Lygia Fagundes Telles

Thaíla Moura Cabral (UEFS)

607

Gregório de Matos e Soror Juana Inés de La Cruz: o perfeito inverso barroco

(9)

O VIII Seminário Internacional XVII Seminário Nacional Mulher e Literatura: Transgressões, Descentramentos, Subversão, realizado entre os dias 17 a 20 de setembro de 2017, no Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia, congregou pesquisadoras (es) de diversas universidades brasileiras e estrangeiras, escritoras locais, nacionais e estrangeiras, professoras (es), participantes de diversos países, estudantes de graduação e de pós-graduação. A forte presença de inscritos enfatizou a ampliação do interesse por este campo de investigação e revela, para além do crescimento inconteste, a legitimação dos estudos temáticos na área da crítica feminista, dos estudos acerca da mulher e da literatura, iniciados, no Brasil, há 32 anos, por um conjunto de pesquisadoras, dentre as quais destaco Zahidé Lupinacci Muzart (in memoriam), Suzana Bornéo Funck, Rita Terezinha Schmidt, Constância Lima Duarte, Nádia Battella Gotlib, Heloísa Buarque de Hollanda.

O formato do seminário adotado para o XVII encontro nacional (VIII internacional) seguiu o viés adotado pelos eventos anteriores, qual seja, a de divulgação das pesquisas realizadas nas universidades brasileiras e estrangeiras pelas (os) integrantes do GT da ANPOLL - A mulher na literatura, acrescido da participação de comunicadores, conferencistas, convidados especiais, ouvintes, docentes, estudantes de graduação e de pós-graduação de mais de dezenove estados brasileiros.

É com muita satisfação, portanto, que resgatamos a tradição de publicar os Anais do Seminário Mulher e Literatura, com a presença de mais de 50 comunicações apresentadas no evento. A abrangência da participação revela a diversidade de interesses em torno da mulher e da literatura. Infelizmente nem todos os participantes atenderam ao nosso chamado de envio dos textos ou puderam enviá-los no prazo estipulado para publicação.

O presente livro traz os anais do seminário organizados em torno das confluências temáticas estabelecidas pelos nexos Transgressões, Descentramentos, Subversão e tem por intenção divulgar trabalhos relacionados à literatura de autoria feminina, pesquisas na área de Teorias e Críticas Feministas, dos Estudos de Gênero, de Resgate, de Representação de Gênero na Literatura e Outras Linguagens, permitindo a expansão de visões e perspectivas norteadoras dessa área de estudos, bem como contribuir para a ampliação do referencial teórico e a disseminação do pensamento crítico construído..

Salienta-se aqui o nosso especial agradecimento às pesquisadoras estrangeiras e de outras instituições brasileiras que acolheram aos nossos convites e tiveram presença honrosa e

(10)

Lívia Natália, Luciany Aparecida Alves, Manuela Lunati, Natália Borges Polesso, Rita Santana, as quais agradecemos imensamente.

Registramos aqui nosso especial agradecimento a todas (os) aqueles que contribuíram para a realização deste evento, em especial, ao Instituto de Letras, através de sua diretora, Profa. Dra. Risonete Batista de Souza; à dedicação entusiasta dos colegas: Alvanita Almeida Santos, Milena Britto, Rosa Borges dos Santos, Márcio Ricardo Muniz, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Literatura e Cultura; à monitora Bianca Rios, pela digitação e organização do material, aos funcionários e alunos da graduação e da pós-graduação pelo apoio. À Flávia Goulart Rosa, diretora da EDUFBA, pelo apoio e publicação de todo o material gráfico.

Agradecemos ainda o apoio da CAPES, do CNPQ, da FAPEX, que contribuíram para que o evento pudesse ser concretizado, bem como à UNEB, na pessoa do Prof. Dr. Paulo César Garcia; à UCSal, na pessoa da Profa. Dra. Liliane Vasconcelos; à SECULT-Ba, na coordenadora de Literatura, Karina Rabinovitz. Aos professores Luciany Aparecida Alves (UNEB), Jecilma Alves Lima (IFBA) e Luís Souza (UFBA) agradecemos pelo oferecimento dos minicursos durante o evento.

Que os textos aqui reunidos venham a contribuir para o acesso às pesquisas realizadas no âmbito dos estudos feministas, de gênero, da escrita das mulheres e/ou de suas representações, em particular na literatura, mas também no cinema e no teatro, possibilitando o diálogo profícuo, a reflexão interdisciplinar e o desenvolvimento de discussões de ordem acadêmica – e porque não – política de um novo olhar acerca da produção das mulheres.

Nancy Rita Ferreira Vieira

Coordenadora do VIII Seminário Internacional XVII Seminário Nacional Mulher e Literatura: Transgressões, Descentramentos, Subversão

(11)

Natalia Borges Polesso

Por ocasião do Seminário Mulher e Literatura, realizado em setembro de 2017, na UFBA, e a convite de Milena Britto, compartilhei uma mesa de debate com Luciany Aparecida, Manuela Lunati e Ana Luisa Amaral, a mediação foi de Mônica Menezes. Eu estava em Salvador para dar uma oficina de escrita na FUNCEB. A ponte até a universidade foi feita pela querida Karina Rabinovich, que coordenou o projeto que, para além de trabalho, me fez conhecer pessoas incríveis. Era uma tarde quente, tocada a ar condicionado. Meu corpo ainda não conhecia o calor do nordeste, era a primeira vez que eu pisava ali, o que foi muito emocionante. Me disseram que nem estava quente nada, mas para mim estava.

No evento, participei como ouvinte das mesas de debate que tinham por foco trabalhos de mulheres lésbicas e me deixou muito contente ver meu Amora ser debatido por ali. Outra agradável surpresa foi ver entrar naquela mesma sala Cidinha da Silva, com quem eu já conversava pelas redes. Ela, muito séria, perguntou se eu sabia que ela era ela e eu respondi que sim. Depois ela fez algumas críticas a repercussão do meu trabalho, dizendo que aquilo ela já havia feito e que possivelmente não estariam olhando direito para seu trabalho. Concordei. De volta ao sul, li muito da produção de Cidinha – ela mesma gentilmente me cedeu seus livros – e entendi as críticas. Desde então, tenho trabalhado cada vez mais para a visibilidade de escritoras. É claro que nosso contato não ficou apenas na literatura e na academia, dividimos também passeios e um jantar, e me alegra muito dizer que isso nos aproximou.

Mas antes disso tudo, na mesa de debate mesmo, fomos perguntadas como era escrever naquele momento nos nossos países e fora dele. Chegamos a conclusão de que escrever era necessário, como escrever seria outra preocupação, mais pessoal, mais atravessada por questões íntimas. Assim, ouvi atentamente quando Manuela Lunati começou a falar sobre suas personagens mulheres, em cenários impossíveis, destruídos pela guerra, suas personagens que estavam também destruídas por guerras pessoais. Nunca estive dentro de uma catedral desmoronada, a não ser pela ficção da autora. Suas descrições me levaram ao

(12)

um conto de Ruth Ducaso, seu alter ego literário. O desconforto com a leitura foi imediato. A posição que narradora-mãe tomou para narrar a tortura infligida a um filho-bobo foi algo que me ensinou muito sobre deslocamento. Me ensinou a pensar em como podemos tomar distância para escrever sobre questões que nos tiram do nosso lugar seguro. Para Antônio passou a fazer parte de minhas oficinas: narrador distante, eu digo. Distante de quem?, Ruth perguntaria. Ainda não respondi sua pergunta, Ruth. Quando a voz ritmada de Ana Luisa perfilou o verbo, fui lançada a imagens poderosas sobre o fogo e sobre o imo. E pensei que era necessário também cuidar dos encontros lexicais para que as imagens nos surpreendessem, para que existisse o arrebatamento. Era simples e poderosa, a voz. O fazer, disse ela, naquele sotaque estalado e pesado sobre a língua, era diário. Escrever é rito e exercício, porém, completar a escrita não era uma necessidade. Lembrei com ela, a importância do exercício, do escrever não por sua completude de apresentar ideias, mas pelo prazer estético da criação. Quando li um trecho de um dos meus contos, fiquei atenta ao respirar das pessoas, ao que poderiam ali pensar sobre a menina que pensava estar doente, que pensava ter “machorra”. E ouvi o riso e a empatia em suspiros ternos da plateia. Foi uma tarde muito agradável. De compartilhamentos e aprendizagem. Me arrependo apenas de ter esquecido de dar logo um exemplar de Amora para Ana Luisa. Quando fui buscá-lo na sessão de autógrafos, já não mais havia. Me sinto um pouco incompleta por ter ficado com vergonha e não ter oferecido o livro. Paciência. Com as outras compartilhei leituras e mais. Compartilhei praia, cadeiras, planos de projetos, compartilhei copos e arrumadinhos com pimenta e coentro, compartilhei caruru vegetariano, porque sou alérgica a camarão, e isso na Bahia parece ser algo a se dar atenção mesmo, fui a igreja do senhor do Bonfim, de branco, numa sexta-feira. E comprei uma fitinha rosa, que, agora, no final de março, ainda está aqui, ralinha no meu braço. Esperando romper na hora certa de cumprir seu papel.

Para mim, este Mulher e Literatura foi muito especial, e digo isso porque os encontros que tive, com mulheres pesquisadoras, me fizeram entender melhor a rede imensa que formamos. Agradeço imenso a experiência e espero voltar logo.

(13)

KAMBILI E IFEMELU – REPRESENTAÇÃO, VOZ E IDENTIDADE FEMININA – RELAÇÕES DE ALTERIDADE NOS ROMANCES HIBISCO ROXO E

AMERICANAH DE CHIMAMANDA NGOZI ADICHIE

Ana Claudia Oliveira Neri Alves (UESPI) anaclaudianeri2@gmail.com Drª. Algemira de Macedo Mendes (UESPI)

ajemacedo@ig.com.br A romancista, Chimamanda Ngozi Adichie, nasceu em 15 de setembro de 1977 em Enugu, Nigéria e foi a quinta de seis filhos. Ela cresceu em Nsukka, na antiga casa do popular escritor nigeriano Chinua Achebe. O pai de Adichie é professor aposentado de estatística e Vice-Chanceler Adjunto e sua mãe a primeira secretária executiva na Universidade da Nigéria em Nsukka. Adichie estudou medicina e farmácia na mesma universidade, mas deixou a Nigéria com a idade de dezenove anos para estudar comunicação na Universidade Drexel, na Filadélfia, EUA. Ela prosseguiu seus estudos na Eastern Connecticut State University, se formou summa cum laude e adicionou um mestrado em Escrita Criativa na Johns Hopkins University, em Baltimore.

Seu primeiro romance, Hibisco Roxo, foi lançado em 2003, selecionado para o Orange Fiction Prize em 2004 e premiado com o Commonwealth Writers 'Prize na categoria Melhor Romance de Estreia em 2005. Além disso, o segundo romance de Adichie, Meio Sol Amarelo (2006) e sua coletânea de contos, No seu Pescoço (2009), receberam numerosos prêmios e nomeações. Em 2005/6 Adichie recebeu a bolsa Hodder na universidade de Princeton, e lhe foi concedido adicionalmente à bolsa MacArthur. Na Universidade de Harvard, ela recebeu uma outra bolsa em 2011/12, onde também terminou seu terceiro romance “Americanah”

PARTICIPANTES: ANA CLAUDIA OLIVEIRA NERI ALVES; ALGEMIRA DE MACEDO

MENDES; ANA CRISTINA DOS SANTOS; CAROLINA DE PINHO SANTORO LOPES; EDUARDA ROCHA GÓIS DA SILVA; SUSANA SOUTO SILVA; JÉSSICA FABRÍCIA DA SILVA; LIVIA VIVAS; MARIA JULIANA DE JESUS SANTOS; MARIANA ANTÔNIA SANTIAGO CARVALHO; NAIANA PEREIRA DE FREITAS; NAIRA SUZANE SOARES ALMEIDA; PAULA JANAY; PAULA QUEIROZ DUTRA; TAILANE DE JESUS SOUSA; WALTER CRUZ CAMINHA.

(14)

(2013). Atualmente, Adichie ministra e participa de oficinas de escrita criativa na Nigéria quando não está lecionando nos EUA.

Chimamanda Ngozi Adichie é uma das mais notórias escritoras africanas da atualidade. Suas obras literárias lidam com temas prementes como racismo, gênero, família e outras relações, a diferença entre gerações, imigração, religião, violência, opressão e corrupção política, mas é a inclusão de suas memórias como uma criança nigeriana e a sua experiência pessoal como um imigrante nos EUA que fazem suas histórias tão realistas e verossímeis. Adichie é uma das inúmeras escritoras que dá voz as mulheres em suas obras, as experiências delas em convulsões políticas, imigração ou disputas familiares estão sendo retratadas e os sujeitos que dividem com elas essas vivencias estão sendo representados na sua ficção.

A maioria das personagens nas obras de Adichie encontra-se em lugares de desconforto e deslocamento e têm de encontrar uma maneira de escapar de suas mazelas. Cada uma das suas narrativas retrata personagens femininas que são diferentes a sua própria maneira, que estão situadas em um lugar ou tempo diferentes e são, portanto, retratadas em sua diversidade e não devem ser resumidas a um estereótipo de mulher pós-colonial.

Adichie revela seu talento na narração de enredos próximos do leitor internacional, ou seja, narrativas nas quais as personagens vivem dramas individuais e coletivos dentro e fora de seus respectivos países; de fato, o deslocamento de suas protagonistas a contextos geográficos urbanos distantes da África é recorrente na obra de Adichie.

O romance Hibisco Roxo é narrado por Kambili Achike, uma jovem nigeriana de classe alta que sente na vida familiar as consequências da substituição dos costumes e tradição do seu povo por aqueles impostos pelos colonizadores e pela introdução da religião cristã no país. Eugene Achike, pai de Kambile, é um homem extremamente severo que coloca os dogmas da religião cristã acima de qualquer perspectiva humana tornando a convivência familiar insuportável.

Kambili lamenta não poder assumir uma identidade mais próxima dos padrões ancestrais de sua cultura, como fazem seus primos Amaka, Obiora e Chima, que não foram obrigados a romper abruptamente os laços com as crenças e valores tradicionais da comunidade. Ela também sofre não poder manter qualquer relação com seu avô paterno, Papa Nnukwu, que é considerado um reservatório da ancestralidade local pela comunidade, mas é rejeitado pelo próprio filho.

Para Kambili, seu pai, porém, representa algo repulsivo, no entanto respeitável. Eugene é um símbolo do individualismo, seu mundo inteiro gira em torno de auto-afirmação,

(15)

poder e sucesso material. Ele deseja ser a definição perfeita de um homem bem-sucedido por mérito prórpio. E ele usa isso para intimidar sua família: “Eu não tive um pai que me mandasse para as melhores escolas (ADICHIE, 2011, p. 49).

Dessa forma, Kambili representa a nação africana que se sente desconectada de suas tradições culturais pela imposição de uma concepção de mundo estrangeira, ao mesmo tempo em que se percebe preparada para assumir a própria independência. Nessa concepção, o pai representa o colonizador, e a comunidade aculturada, que impõe sobre ela sua cultura. Criticando os colonizadores e a oligarquia nativa que assumiu seu lugar, Ifeoma, a tia liberal de Kambili afirma:

[...] há muita gente que acha que nós não somos capazes de governar a nós mesmos, já que fracassamos nas poucas vezes que experimentamos, como se todos os outros que atualmente governam a si mesmos, tivessem sucesso quando tentaram da primeira vez. É como dizer a uma criança que está engatinhando e que está tentando andar, mas cai de bunda, para ficar no chão para sempre. Como se todos os adultos que estão caminhando não tivessem um dia engatinhado (Adichie, 2011, p. 301)

Há uma transformação na concepção do Estado nigeriano. No período pós-independência britânica, o país instaura um regime ditatorial, que limitou direitos e impôs deveres contrários aos costumes ancestrais africanos.

A condição feminina em Purple Hibiscus mostra (1) a íntima relação entre o patriarcalismo e os mecanismos da colonização europeia e sua sucessora formada pela burguesia nacional que detém o poder no país independente; (2) a opressão feminina é realizada abertamente e, portanto, naturalizada e justificada, sem nenhuma necessidade de explicações ou qualquer manifestação de problemas éticos; (3) a liberdade física feminina que pode ser uma camuflagem para esconder uma profunda opressão e carência da liberdade verdadeira; (4) os obstáculos profundos que as mulheres nas comunidades pós-coloniais e nas minorias nos países desenvolvidos ainda encontram para conquistar a igualdade, a autonomia e a agência, apesar de sua participação nas lutas anticoloniais ou pela igualdade de gênero; (5) a reação feminina, às vezes extrema, a qual, devido à semelhança à opressão do colonizador, torna-se ambígua, efêmera e inconclusa. (BONNICI, 2006, p.23)

Kambili é uma garota de 15 anos que mora com sua família na Nigéria, ela vive na fronteira entre a tradição e os sistemas culturais impostos pelos colonizadores, ora reafirmando ora rejeitando os valores patriarcais. A alteridade proporcionada pelo convívio com a família da sua tia Ifeoma, irmã de Eugene, trará para Kambili uma nova visão de si e do ser mulher através de uma perspectiva diversa daquela vivenciada junto a sua mãe, Beatrice.

(16)

deste outro que lhe define e lhe impõe uma distância ou uma aproximação e certamente oportuniza uma transformação.

A literatura mistura valores locais com desejos e ansiedades globais para assinalar o que Bhabha (2007) chama de ‘espaços intersticiais’, locais nos quais as práticas pré-coloniais não se separam da modernidade colonial, mas são mediadas através de troca mútua. Assim, examinar literaturas coloniais e pós-coloniais é experimentar camadas de práticas inter-relacionadas porque seus textos reconstituem culturas que são em si sobrepostas de uma forma complexa.

Ifemelu, a protagonisa e narradora de parte do romance Americanah (2013), é uma nigeriana de família classe média que vai estudar nos Estados Unidos após uma sequência de greves nas universidades de seu país. Em diferentes cidades norte-americanas, começa a lidar cotidianamente com elogios travestidos de piedade ou culpa, com preconceitos mal disfarçados e com os gatilhos de ódio que mesmo as relações mais íntimas podem disparar quando não apenas sua cor, mas particularmente sua origem africana se tornam marcações de poder.

Por toda a narrativa de Americanah, Ifemelu problematiza as diferenças entre os Estados Unidos e a Nigéria, principalmente no tocante às questões raciais e sociais, pois apesar de ter estar em uma posição privilegiada em relação a mulheres africanas, uma vez que já havia cursado geologia em uma universidade na Nigéria, não se viu livre de preconceito nos Estados Unidos. No blog no qual ela relata sua experiência de imigrante nigeriana nos Estados Unidos, a protagonista escreve:

Querido negro Não-americano, quando você escolhe vir para os Estados Unidos, vira negro. Pare de argumentar. Pare de dizer que é jamaicano ou ganense. A América não liga. E daí se você não era negro no seu país? Está nos Estados Unidos agora. Nós todos temos nosso momento de iniciação na Sociedade dos Ex-Crioulos. O meu foi na faculdade, quando me pediram para dar uma visão negra de algo, só que eu não tinha ideia do que aquilo significava. Então, simplesmente inventei. (…) Se estiver falando com uma pessoa que não for negra sobre alguma coisa racista que aconteceu com você, tome cuidado para não ser amargo. Não reclame. Diga que perdoou. Se for possível, conte a história de um jeito engraçado. E, principalmente, não demonstre raiva. Os negros não devem ter raiva do racismo. Se tiverem, ninguém vai sentir pena deles. (ADICHIE, 2013, p. 239)

A narrativa se desenvolve em um espaço narrativo fragmentado, o enredo não é linear e percorre a Nigéria, os Estados Unidos e a Inglaterra na trajetória da americanah. Além de Ifemelu, a maioria dos personagens faz parte de um contexto acadêmico e/ou politizado em constante debate intelectual burguês sobre os tópicos raciais e étnicos, seja nos Estados Unidos ou na Europa.

(17)

O texto busca representar a inferioridade imagética da mulher negra africana em solo norte-americano e discute os elementos que formam as identidades tidas como hegemônicas que ainda são impostas às mulheres das ex-colônias. Ifemelu enfrenta inúmeros desafios, principalmente, por sua condição de imigrante, mulher e negra: “Eu sou de um país onde raça não é um problema; eu não pensava em mim mesma como negra e só me tornei negra quando vim para os Estados Unidos.” (ADICHIE, 2014, p. 315)

No início de sua história, Ifemelu é retratada como uma mulher rara que não esconde que é bastante segura em seu próprio senso de atração e valor. Mas Adichie habilmente mostra como o racismo trabalha para minar o seu senso de confiança com toda a apatia das observações e olhares cotidianos sobre seu cabelo e o que as pessoas consideram como sua projeção de africanidade, de migração ao longo de linhas de gênero: como monstruosa a situação pode ser para os negros e pardos que viajam para os EUA ou Europa.

Dada sua personalidade forte, seu senso crítico e sua ‘língua afiada’, Ifemelu começa um blog intitulado: “Recteenth ou Observações Diversas sobre Negros Americanos (Antigamente Conhecidos como crioulos) Feitas por uma Negra Não Americana” (ADICHIE, 2014, p. 07) – no qual faz relatos e observações acerca das questões raciais, principalmente sobre o apagamento da cultura africana junto à comunidade negra americana e a invisibilidade social da mulher negra. Através das postagens no blog, Ifemelu pode liberar seu lado mais polêmico e fazer valer suas opiniões e sua voz:

Ao descrever as mulheres negras que você admira, sempre use a palavra FORTE, porque nos Estudos Unidos, é isso que as mulheres negras devem ser. Se você for mulher, por favor, não fale o que pensa como está costumada a fazer em seu país. Porque nos Estados Unidos, mulheres negras de personalidade forte dão MEDO. (AICHIE, 2013, p.240)

Ifemelu torna um olhar questionador sobre colegas imigrantes nigerianos também, que conversam nostalgicamente em fóruns on-line sobre uma pátria que eles realmente conhecem mais. Estes nigerianos economizam para viagens de volta para casa durante as férias, quando eles enchem suas famílias com sapatos e relógios comprados nos Estados Unidos na esperança de fazer seus parentes parecerem um pouco mais americanos. Em uma das postagens do seu blog, direcionada aos negros imigrantes como ela, Ifemelu dispara:

Querido Negro Não Americano, quando você escolhe vir para os Estados Unidos, vira negro. [...] você é negro, baby. Essa é a questão de se tornar negro: você tem que se mostrar ofendido quando palavras como “farofeiro” e “tiziu” são usadas de

(18)

brincadeira, mesmo que não tenha ideia do que está sendo dito. (ADICHIE, 2014, p. 239)

Ainda mais triste, Ifemelu vê em nigerianos que vivem nos EUA, como ela, um excesso de vontade de abraçar os padrões do seu novo país, especialmente em matéria de raça e etnia. Quando a tia de Ifemelu, Uju, que acaba de receber papéis para exercer a medicina nos Estados Unidos, diz que precisa desfazer as tranças e alisar seu cabelo por causa das suas entrevistas de trabalho para que os empregadores americanos a vejam como mais profissional, Ifemelu pergunta se não há médicos com cabelo trançado nos EUA. Uju rebate: "Você está em um país que não é o seu próprio. Você faz o que tem que fazer se você quiser ter sucesso” (ADICHIE, 2014, p. 69).

A realidade é que o cabelo alisado está vinculado historicamente e atualmente a um sistema de dominação racial que é incutida nas pessoas negras, e especialmente nas mulheres negras de que não somos aceitas como somos porque não somos belas. (HOOKS, 2005, p.8)

A perplexidade diante do cabelo das mulheres negras desempenha um grande papel neste romance. Hall (2003, p. 83) comenta que “as comunidades migrantes trazem as marcas da diáspora, da ‘hibridização’ e da différance em sua própria constituição”. Este é um exemplo inerente à globalização, pois Hall (2003, p. 59) afirma que “a globalização é um processo homogeneizante, (...), estruturado em dominância, mas não pode controlar ou saturar tudo dentro de sua órbita”.

Independentemente da maneira como escolhemos individualmente usar o cabelo, é evidente que o grau em que sofremos a opressão e a exploração racistas e sexistas afeta o grau em que nos sentimos capazes tanto de auto-amor quanto de afirmar uma presença autônoma que seja aceitável e agradável para nós mesmas. As preferências individuais (estejam ou não enraizadas na autonegação) não podem escamotear a realidade em que nossa obsessão coletiva com alisar o cabelo negro reflete psicologicamente como opressão e impacto da colonização racista. (HOOKS, 2005, p.05)

Adichie denuncia as tensões sociais transindividuais que afetam, na contemporaneidade, o negro nos EUA, nativo ou imigrante, e de modo especial, a mulher diaspórica. Para Bell Hooks (2005), “O salão de beleza era um espaço de aumento da consciência, um espaço em que as mulheres negras compartilhavam contos, lamúrias, atribulações, fofocas – um lugar onde se poderia ser acolhida e renovar o espírito.” Quando Ifemelu vai ao salão de tranças em Trenton ela faz uma pequena reflexão sobre esse espaço comunal de mulheres africanas:

(19)

Elas olharam para Ifemelu, querendo que concordasse, aprovasse. Era o que esperavam naquele espaço compartilhado de africanidade delas, mas Ifemelu não disse nada e virou a página do livro. Tinha certeza de que iam falar mal dela depois que fosse embora. Aquela menina nigeriana se acha muito importante por causa de Princeton. Iam rir de desprezo, mas apenas de leve, por que ela ainda era uma irmã africana, apesar de ter perdido brevemente o rumo. (ADICHIE, 2014, p.114)

Percebemos a representação do poder feminino em novas rupturas e intervenções pelas quais a mulher negra, encontra sua identidade e ousa propagar sua voz e tomar seu lugar autônomo no mundo contemporâneo.

Em Americanah, constatamos os resíduos da herança colonial agora oriundos da globalização e do neoimperialismo americano e da tentativa de supressão do multiculturalismo. Concomitantemente, em personagens como Ifemelu, percebemos a forte representação do poder feminino em novas rupturas e intervenções pelas quais a mulher negra diaspórica ousa propagar sua voz e tomar seu lugar autônomo no mundo contemporâneo.

A autora usa o debate sobre a alteridade como um caminho para compreender as questões sociais e culturais africanas contemporâneas. A partir das relações pessoais e sociais vividas pelas personagens, Chimamanda busca desconstruir estereótipos sobre os sujeitos africanos e, dessa forma, construir uma nova identidade para esses sujeitos perante os olhos do mundo.

Referências

ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Hibisco Roxo. Trad.: Julia Romeu. São Paulo: Companhia Das Letras, 2011 [2003].

_______________. Americanah. São Paulo: Companhia Das Letras, 2014 [2013].

BONNICI, Thomas .O pós-colonialismo e a literatura: estratégias de leitura. 2. ed. Maringá: Eduem, 2012.

BHABHA, Homi. K. O local da cultura. Trad: Myriam Ávila, Eliana Lourenço de Lima Reis, Gláucia Renate Gonçalves. 4.ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007.

HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Organização Liv Sovik; Tradução Adelaine La Guardia Resende...let all. Belo Horizonte: Editora UFMG; Brasilia: Representação da UNESCO no Brasil, 2003.

HOOKS, Bell. Alisando nosso cabelo. in Revista Gazeta de Cuba – Unión de escritores y Artista de Cuba, janeiro-fevereiro de 2005. Tradução do espanhol: Lia Maria dos Santos. <http://www.criola.org.br/mais/bell%20hooks%20-%20Alisando%20nosso%20cabelo.pdf> acessado em: 29/07/2016

(20)

A FICCIONALIDADE DO PERTENCIMENTO OU COMO VIVER ENTRE MUNDOS

Dra Ana Cristina dos Santos (UERJ/UVA) E-mail: anacrissuerj@gmail.com Estar no mundo, hoje, é conviver com os diversos deslocamentos territoriais em forma de movimentos migratórios, diásporas, exílios, turismo e também com todas as implicações que esses deslocamentos acarretam no sujeito e na própria sociedade. Não que esses movimentos sejam uma característica específica do momento atual, eles são parte intrínseca da história do Ocidente, pois não podemos pensar as suas sociedades sem os diversos deslocamentos que as formaram. Contudo, na contemporaneidade, existe uma intensificação desses deslocamentos provocados por diversos motivos que vão desde a maior facilidade em viajar e em trabalhar ou estudar no exterior até a saída de um grande número de pessoas provocada pelas guerras civis. Em todo esse vaivém, temos a sensação de que as distâncias diminuíram entre um lugar e outro e de que as fronteiras entre os países se diluíram. Sentimento intensificado pelos meios de transportes que nos permitem chegar mais rápido aos lugares. Esses deslocamentos territoriais contribuem para que, na concepção de Castells (1999), pensemos a sociedade atual em termos de territorializações e reterritorializações, mobilidades urbanas, de não lugares intercambiáveis, de cidades globais que privilegiam o que se move, se desloca e flui1. Ao considerarmos esse cenário, percebemos que não é casual o fato de o cenário literário e a crítica contemporânea privilegiarem, também, as narrativas que mapeiam as diversas formas de deslocamento e que colocam em evidência os sujeitos em trânsito.

Dentro dessa perspectiva, um dos temas mais marcantes no cenário literário latino-americano contemporâneo é a estrangeiridade, seja como autoria ou como tema. Como autoria está marcada por um grupo de escritores desterritorializados que escrevem e publicam suas obras fora de seus países de origem e, muitas vezes, na língua do país de chegada2. Seus textos se situam no tempo presente, no espaço urbano das cidades cosmopolitas e retratam sujeitos moventes e desenraizados (como eles próprios) que manifestam o viver entre dois

1 O teórico Néstor García Canclini (2009, p. 4-5) não está de acordo de que a sociedade atual deve ser vista como em constante movimento. Afirma que essa exaltação do nomadismo como uma ideologia da época contemporânea ocorre pelo crescimento do turismo e de outros tipos de viajes. Para ele, essa ideia de sociedade em movimento é insustentável, já que a maioria das pessoas não migra, não é bilíngue e continua valorizando o seu lugar geográfico e a sua língua nativa, enfim, são sedentárias e não nômades. Contudo, penso que a facilidade em locomover-se entre cidades e países, nos dias de hoje, é o que contribui para essa impressão. 2 À guisa de exemplificação podemos citar os escritores Anna Kazumi Stahl; Nela Rio e Sergio Kokis.

(21)

mundos: o do país de origem e o do país de chegada. A estrangeiridade vivida por esses autores permite o vínculo não só com a língua do país de chegada, mas também com paisagens culturais e memórias identitárias diferentes das que possuíam no país de origem.

Assim, no país de chegada esses escritores criam novos mecanismos de identificação que não coincidem com os já existentes. De tal forma que precisam romper com os vínculos sempre existentes entre a língua e a cultura do indivíduo e o seu lugar de origem. Agora, eles as utilizam em outro espaço, fora do território de origem, onde elas entram em contato com outras relações linguísticas e culturais próprias do país de chegada. Com isso, necessitam estabelecer novas relações entre língua, identidade e pertencimento que desestabilizam as já existentes. Como consequência, em suas narrativas manifestam essas novas relações linguísticas e culturais, externando o viver entre duas línguas e duas culturas e, como tal, ressignificam os conceitos de cultura e identidade nacionais e, por conseguinte, o próprio espaço da literatura nacional. A teórica Zilá Bernd (2010, p. 16) nomeia a essas narrativas de transnacionais e acrescenta que há nelas um jogo identitário móvel e múltiplo, já que seus autores aceitam o heterogêneo e recusam as “definições identitárias fechadas e circunscritas a um só quadro de referências”.

Já como tema, a estrangeiridade aparece tanto em narrativas de escritores que vivem fora do país de origem quanto nos que nunca deixaram o país natal. São obras que retratam as experiências de viagens, migrações e exílio de suas personagens que, por circularem por diversos territórios, não se reconhecem mais no espaço em que ocupam e problematizam o sentimento de pertença: são personagens traduzidas que pertencem tanto aos espaços de lá como aos de cá. Essas obras exprimem a crise do sujeito contemporâneo que, em constante trânsito e em contato com o outro, precisa negociar e renegociar constantemente os seus processos de identificações. Por ser assim, a estrangeiridade como tema está diretamente relacionada com a transformação da subjetividade, pois, como nos explica Ianni (2003, p. 14) o deslocar-se “desvenda alteridades, recria identidades e descortina pluralidades”.

Essa relação entre o deslocamento e asconstantes negociações culturais e identitárias dos sujeitos em trânsito é tema presente, especificamente, nas narrativas de escritoras contemporâneas que, por escolha ou por questões políticas, migraram e passaram a viver em outros países. Os encontros e os desencontros entre a cultura do país de partida e a do país de chegada transformam essas escritoras em sujeitos descentrados, possuidores de identidades móveis, híbridas e traduzidas. A partir da experiência do deslocamento, elas problematizam a questão do pertencimento e da subjetividade pessoal e nacional em suas obras e criam

(22)

constante de desenraizamento, como é o caso da escritora objeto de nosso trabalho, Patricia Cerda.

A autora é chilena de nascimento e viveu no Chile até 1986, quando foi fazer doutorado em História na Universidade de Berlim, na Alemanha, e passou a viver nesse país, entre as cidades de Berlim e Munique. Constantemente visita o país natal (segundo entrevistas vem ao Chile, pelo menos, duas vezes ao ano). Em 2013, com o motivo de completar 25 anos vivendo na Alemanha, publicou o seu primeiro livro de contos intitulado Entre mundos, que, nas palavras da própria autora, trata de “Una destilación de los pensamientos que fueron naciendo en el extranjero… cómo me ves y cómo te veo y de las experiencias de la mitad de una vida fuera de mi país. Escritos en algún lugar lejano, desde del centro de mí misma” (CERDA, 2012, Orelha do livro. Grifo da autora) 3.

Sob essa perspectiva de viver metade de sua vida fora do país de origem, Patricia Cerda, com a obra Entre mundos (2013), apresenta o deslocamento e as questões identitárias como um princípio produtivo - fonte e motivo - dos contos. Tal fato possibilita tanto a análise e a discussão das relações de pertencimento, quanto à problematização do “viver em trânsito” das personagens e suas ambiguidades culturais que acarretam, com base nas experiências do deslocamento, negociações identitárias plurais. Dessa forma, os contos de Cerda nos permite refletir sobre as novas relações com o espaço que resultam das experiências femininas de deslocamentos e reterritorialização e suas consequências para a (re)construção identitária do sujeito feminino.

A obra está composta por sete contos. Os espaços da narrativa são as cidades cosmopolitas de Santiago de Chile e as de Berlim e Munique (as mesmas pelas quais circulam a autora). As personagens, de várias nacionalidades, são sujeitos migrantes pelos espaços urbanos das duas cidades alemãs ou apenas em trânsito por Santiago. Há quatro características comuns em todos os contos que os une em torno do tema do deslocamento: o protagonismo feminino; a presença do cosmopolita pobre4; a ditadura chilena como pano de fundo e a formação de uma comunidade cosmopolita no país de chegada.

A primeira característica que destaco é o protagonismo feminino. As personagens femininas são as que têm voz nas narrativas5. É por meio de suas ações que as narrativas acontecem. São elas que se deslocam para outros países, muitas vezes sozinhas, e

3 Em 2016, a autora publicou o romance histórico Mestiza. 4 Conforme conceito difundido por Silviano Santiago (2016).

5 Segundo Dalcastagnè (2010, p. 52), o protagonismo feminino nos contos ou romances, isto é, a posição de narradoras está relacionada ao sexo do autor da obra: “Os dados demonstram que a possibilidade de criação de uma personagem feminina está estritamente ligada ao sexo do autor do livro. Quando são isoladas as obras escritas por mulheres, há uma ampliação significativa da presença de personagens do sexo feminino”.

(23)

protagonizam a formação de novos vínculos sociais no e pelo movimento espacial. São elas, também, as responsáveis por mudar os seus próprios destinos ou o das pessoas que circulam em volta delas:

Camila había descubierto de pronto algo nuevo y posible y Mariluz la secundaba con entusiasmo. También ella estaba sola. Camila y Mariluz pertenecían a una generación de mujeres chilenas que tuvo tiempo hasta sus treinta años para contraer matrimonio. Una generación de mujeres que se entregaban vírgenes a sus maridos; si habían elegido mal, no les quedaba más alternativa que conformarse. Una generación para quienes la viudez significaba necesariamente el inicio de la soledad. […] Así fue como Camila subió al avión que la llevaría a Atenas. (CERDA, 2013, p. 45-6. “Sócrates en el bolso de mano”) 6

As personagens masculinas, quando presentes na obra, ocupam espaço secundário ou são apenas mencionadas, muitas vezes não têm nem voz na narrativa. A escolha pelas personagens femininas desterritorializadas nas obras da autora não me parece aleatória, mas em consonância com uma das características da escrita de autoria feminina contemporânea. Se seguimos as reflexões da crítica feminista Spivak (1996 apud ALMEIDA, 2010, p. 13) sobre o caráter gendrado das diásporas contemporâneas e a feminização dos movimentos globais, vemos que os deslocamentos atuais nas cidades cosmopolitas se distinguem dos anteriores justamente pela presença da mulher que é o elemento diferenciador desse deslocamento. Se antes as mulheres migravam para acompanhar seus maridos, agora, elas empreendem processos migratórios autônomos por motivos laborais ou econômicos. Hoje, as mulheres ganham destaque nesses movimentos migratórios pelos papéis sociais desempenhados e pelas participações, cada vez mais pujantes, no mercado de trabalho. Dessa forma, a produção literária de autoria feminina contemporânea acompanha essa feminização dos fluxos migratórios e retrata personagens femininas diaspóricas, que vivem em processos de desterritorialização e reterritorialização (muitas vezes como as próprias autoras), em que o entre-lugar e o hibridismo cultural são marcas predominantes.

Heloísa Buarque de Hollanda (2005, p. 17), em seu artigo “Os estudos de gênero e a mágica da globalização”, também aponta a mulher contemporânea como sujeito participativo da sociedade globalizada e multicultural. Como Spivak, a teórica discute como o contexto da contemporaneidade influencia o conceito de feminino, possibilitando que nele se insiram novos elementos políticos, culturais e geopolíticas. Hollanda assegura, também, que a intervenção da mulher nas sociedades contemporâneas gera novos significados para os contatos culturais que, por sua vez, redirecionam a análise do sujeito feminino e de seus lugares de enunciação. Por tais motivos, cada vez mais as personagens das narrativas

6

(24)

produzidas pelas escritoras nessas sociedades, e aí incluímos Patricia Cerda, são sujeitos femininos diaspóricos em deslocamentos externos e internos. Consequentemente, estão em constante estado de renegociação identitária, pois são identidades culturais "em transição... que retiram seus recursos, ao mesmo tempo; de diferentes tradições culturais; e que são o produto desses complicados cruzamentos e misturas culturais que são cada vez mais comuns num mundo globalizado" (HALL, 2005, p. 88. Grifo do autor).

Essas reflexões possibilitam a análise dos contos de Patricia Cerda sob os efeitos dos fenômenos da contemporaneidade que se entrelaçam com um mundo global e multicultural: a desterritorialização e reterritorialização, os espaços de movências, o entre-lugar e o desenraizamento. As personagens dos contos não se restringem mais aos espaços privados e intimistas, muitas vezes atribuídos às mulheres como o “seu espaço”. Elas se inserem nesse novo contexto sociocultural. Com essa mudança, a autora cria personagens que habitam espaços de movência em um processo de desenraizamento (tais como os que ela própria habita), e que, por tal motivo, problematizam a questão de viver em outro país:

Me presento, soy Carla Moreno, chilena. Trabajo desde hace veinte años en la sección de literatura latinoamericana en esta biblioteca. El ombligo del mundo de los intelectuales latinoamericanos en Alemania. Soy la encargada de las nuevas adquisiciones. Hoy no ha llegado ningún correo de América Latina por lo que tengo tiempo para repasar. Es además el momento propicio para hacerlo: hace exactamente veinticinco años que llegué a este país. Veinticinco años hacen también la mitad de mi vida. Voy a repasar y destilar, a dejar solo lo más importante, aquello que ha marcado de una u otra manera mi camino aquí. (CERDA, 2013, p. 157. “Desde el templo”)

Como segunda característica dos contos, noto que há uma divisão bem marcada com relação aos motivos do trânsito das personagens: se são personagens hispano-americanas vão à Alemanha em busca de melhores condições de vida e muitas vezes estão de maneira ilegal no país; se são alemãs e vão ao Chile, estão em turismo ou vão trabalhar apenas um período para logo depois voltar ao país. Contudo, as personagens alemãs são representadas como pessoas cultas e com situação financeira superior a dos chilenos com os quais se relacionam, como nos contos “Solidariedad con Chile”; “Testigos del tiempo o yo no me mando sola” e “Miércoles de justicia”. Os contos, infelizmente, naturalizam a visão estereotipada de europeus e hispano-americanos e, por fim, acabam por naturalizar, também, essa diferença de representação entre os alemães e os chilenos.

Essa divisão entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento, nos remete à categoria analítica do cosmopolita pobre, como nomeia Silviano Santiago (2016), em que os latino-americanos e africanos migram para fugir da pobreza em seus países e buscam

(25)

melhores oportunidades de vida no mundo de abundância das “metrópoles mais endinheiradas do mundo ocidental” (2016, p. 15). Nos contos, muitos desses migrantes trabalham em atividades que os alemães não desejam fazer, tais como as atividades do lar e serviços de limpeza e, em sua maioria, transgridem as leis de migração, pois estão ilegalmente no país. Nos contos “Cosmopolitismo”, “Pasajeros” y “Desde el tiemplo” o cosmopolitismo do pobre é leitmotiv da narrativa. No conto “Cosmopolita”, a peruana Pamina busca um emprego de empregada doméstica, na tentativa de conseguir sua independência financeira, voltar para seu país e comprar uma casa lá:

Caí en casa de Evelina por un aviso que leí por casualidad en el periódico de Schwabing [..] Se buscaba una mujer para la limpieza y el cuidado de los niños pequeños […] El pago por hora estaba bastante bien. Llamé de inmediato al número indicado para presentarme como una persona apta para el puesto […] Menos mal que no me preguntó si tenía a mis papeles al día, porque no los tenía. Los peruanos necesitamos visa para vivir en Alemania y yo no tenía como conseguirla. Mi situación legal era así: vivía en Munich sin permiso de residencia pero solía andar con un pasaporte prestado en el que decía clarito que tenía visa indefinida. (CERDA, 2013, p. 131e 133)

O terceiro ponto que destaco como característica comum nos contos é a presença, como pano de fundo, da ditadura chilena. Os personagens chilenos que saem do país, ainda que seja apenas para estudar na Alemanha, o fazem, também, na tentativa de se afastar do regime totalitário chileno. O exílio e o autoexílio também são nos contos os motivos que levam as personagens a abandonar a terra natal. Essa constatação mostra como ainda é difícil encontrarmos narrativas chilenas contemporâneas que não roçam no tema da ditadura, sejam como elemento principal ou como tema transversal. As personagens chilenas que chegam à Alemanha, o fazem em busca de melhores condições de vida, tanto financeiramente quanto de liberdade política. Os contos, assim, tratam de dois tipos de migração: a socioeconômica e a sociopolítica, nas quais as personagens fogem da ditadura chilena e, no país de chegada, se unem a outros chilenos (ou hispano-americanos) para lutar pela democracia de seu país, como no conto “Desde el templo”, no qual a protagonista, Carla Moreno, vê a possibilidade de estudar na Alemanha como uma forma de fugir do regime ditatorial chileno e “respirar” democracia: “Llegar del Chile de Pinochet a Berlín occidental fue como saltarme varios escalones en la evolución del homo sapiens en matéria de libertad y justicia” (CERDA, 2013, p. 159. Grifo da autora).

A ditadura chilena como pano de fundo também está presente nos contos cujas personagens são alemãs em turismo no Chile, como em “Solidariedad con Chile”. No conto, a

(26)

cidade de Santiago pela primeira vez, trinta anos depois da última vez que o viu, na tentativa de reencontrá-lo. Enquanto observa como telespectadora a cidade chilena pela janela de um restaurante giratório, rememora os encontros com Marcelo, o chileno exilado; sua participação nos movimentos pela liberdade política do Chile e o que aprendeu com os exilados sobre a cultura chilena e; sobre o sentimento de pertença a uma cidade e a um país:

Cuando pidió la cuenta, tenía en frente el mismo panorama que la había saludado a su llegada. Otra vez había aparecido el Mapocho dividiendo el norte y el sur de la ciudad: la alta densidad de edificios caros de un lado y la mazamorra de viviendas al otro. El restaurant había dado una vuelta de 360 grados. Sintió que Santiago le había dado a su manera la bienvenida. ¡Cómo hablaba Marcelo de esa ciudad! Recordó la expresión de sus rostro cuando cantaba con la guitarra: “yo pisaré las

calles novamente…”. Ella nunca sintió algo así ni por Dachau ni por Munich.

(CERDA, 2013, p. 29)

A última característica presente em todos os contos é a que chamo de “formação de uma comunidade cosmopolita no país de chegada”: as personagens dos contos estão sempre em meio a outros estrangeiros como elas. As personagens chilenas se relacionam nos contos com outras personagens estrangeiras, formando uma comunidade à parte da sociedade local, na qual vivem, como no título da obra, entre mundos, ou seja, entre as duas ou mais culturas. As personagens são mexicanas, peruanas, russas, palestinas e as da comunidade local são apenas mencionadas nos contos ou não possuem protagonismo. Essa comunidade cosmopolita forma um grupo em que as personagens estão tangenciadas pelas relações de movência provenientes dos processos de desterritorialização e reterritorialização. Esses processos geram nas personagens uma nova formação identitário-cultural que se caracteriza por ser hifenizada, traduzida, própria dos indivíduos que, como a autora, cruzaram as fronteiras territoriais, linguísticas e culturais: “Normalmente nos encontramos después del trabajo en Alfredo’s Bar en el puerto. Son momentos en que escribimos nuevos capítulos de un texto implícito que se titula: Nosotras en Alemania” (CERDA, 2013, p. 89. “Pasajeros”).

As histórias narradas apresentam situações nas quais as personagens chilenas se unem a outras hispano-americanas ou estrangeiras como elas, tanto no que tange às relações de amizade quanto às amorosas. Por meio dos amigos hispano-americanos ou estrangeiros, as personagens constituem grupos de pertencimento com os quais apreendem a nova cultura e com isso, se inserem na comunidade do país de chegada. O conto “Pasajeros” aborda essa questão e esclarece o motivo pelo qual a narradora chilena e duas outras mulheres (mexicana e venezuelana, respectivamente) criaram laços de amizade:

(27)

- Todavía no me han dicho de dónde se conocen.

- Digámoslo así, - dije yo – es que tenemos una biografía parecida y la vida nos ha

juntado por eso.

-¿Cómo así?

-Venimos de otro continente, vivimos aquí y hemos tenido experiencias parecidas con la gente de aquí.

Además hablamos el mismo idioma, - agregó Rosalía y prosiguió con otra pregunta. (CERDA, 2013, p. 91. Grifo meu.)

Essas quatro características une os contos em torno à temática da estrangeiridade e dos deslocamentos. Contudo, nossa análise, devido às limitações desse trabalho, centra-se em um conto específico da obra, “Pasajeros”. Nesse conto, a autora acrescenta mais uma característica dos relatos de deslocamentos de autoria feminina: a genealogia. Para Almeida (2004), a genealogia é a palavra-chave que define a literatura de autoria feminina da metade do século XX até os dias atuais. A teórica acrescenta que os textos genealógicos apresentam as relações das protagonistas femininas com mulheres de sua ascendência feminina que foram determinantes em suas vidas e biografias, tais como mães, avós ou bisavós. Acrescenta, ainda, que essas narrativas possuem uma narradora autodiegética que, “... num procedimento memorialístico, resgata ou estabelece uma relação especular com outra, relação esta, fundamental para um afirmativo e importante desenvolvimento identitário” (ALMEIDA, 2004, s/p).

No conto, o uso da genealogia mostra a preocupação da narradora autodiegética em conhecer sua origem, "esse lugar de onde veio", em uma tentativa de afiliação individual, de pertencimento ao território “outro”, mas que também é seu, em que se encontra, a Alemanha. De maneira, que nos parece óbvio que nas narrativas de deslocamento, principalmente naquelas em que as personagens buscam a sua origem, o tema da genealogia esteja presente. No conto, a narradora recorre à historia familiar, a migração de seus antepassados, para entender, por meio de uma história que não compartilhou, o sentimento de não pertencer. De modo que a necessidade da descoberta de uma identidade própria é também o tema central nessas narrativas. Voltar ao passado, por meio da história de seus antepassados, é encontrar a si mesma.

Acrescido ao tema da genealogia, encontramos, no conto, o gênero textual diário íntimo, forma discursiva marcadamente reconhecida como pertencente à escrita feminina. De forma que o conto entrelaça essa particularidade “concebida” como da escrita feminina para também refletir sobre o desenraizamento e o pertencimento. A narrativa apresenta duas histórias entrelaçadas e contadas por narradoras diferentes. A primeira é contada por uma narradora autodiegética, Paula Steineberga, chilena, da cidade de Valdivia que migrou para a

(28)

cidade de Hamburgo, na Alemanha, na época contemporânea. A segunda é narrada por uma mulher sem nome que escreve, em forma de diário, o percurso inverso ao de Paula, da Alemanha para o Chile, especificamente, da cidade de Hamburgo para Valdivia, em um barco, no século XIX. As narrativas apresentam uma relação especular em relação às personagens e seus percursos. Ambas vão à procura de uma vida melhor no país de chegada.

No conto as histórias são graficamente diferenciadas. A narração em forma de diário vem em itálico e se intercala com a história narrada pela personagem Paula. Por meio dessas duas histórias, é possível criar (ou a inventar?) um pertencimento para a personagem Paula por meio de sua genealogia, pois logo no início da narrativa, ela indica que o percurso que faz a narradora-diarista foi o mesmo que fizeram os seus antepassados. Tal observação sobre o seu passado, permite entrelaçar sua história com a da narradora-diarista do século XIX:

Me llamo Paula Steineberga. Mi nombre procede de ese rincón del mundo, el que no crecí. Soy chilena. Mis antepasados se fueron a colonizar el sur de Chile hace

ciento y treinta y cinco años. En ese tiempo la travesía de Hamburgo a Valdivia, mi tierra natal, duraba – según las condiciones climáticas – entre noventa y ciento y tantos días en un barco ínfimo. Hace trece años, demoré sólo un día a llegar aquí

desde Valdivia, contando las tres horas que tuve que esperar en Santiago. (CERDA, 2013, p. 83. “Pasajeros”. Grifo meu.)

Ao mesmo tempo em que a narradora do século XX se questiona sobre o seu pertencimento àquele lugar, a mulher do século XIX se questiona sobre o seu futuro na Alemanha, nesse lugar novo e tão distante da sua terra natal. E, como num jogo de espelhos, a narrativa de Paula, a chilena, se espelha na narrativa da diarista alemã. São somente em duas partes do conto em que há a “intromissão” da voz da narradora-diarista: uma no início da narrativa e outra no final, fechando a narrativa. Enquanto a narradora Paula tenta entender por que ela e muitas outras mulheres deixaram o país natal e foram viver na Alemanha; a narradora-diarista relata a travessia marítima, as náuseas e a esperança de uma nova vida no Chile; ou seja, as dificuldades, mas muito mais a esperança de uma vida melhor no país de chegada. Em uma relação especular são esses mesmos sentimentos que a narradora Paula transmite em sua narrativa ao entrelaçar também a sua história com a da migrante peruana ilegal, Norma, que atende como paciente em seu consultório e que acaba tendo um visto permanente de residência na Alemanha com o nascimento de sua filha com um alemão.

A história das duas narrativas principais e a inserção da história da migrante peruana exemplificam a feminização da diáspora que analisávamos como uma das características presentes nos contos de Patricia Cerda: na contemporaneidade há uma autonomia na migração feminina. A narradora-diarista do século XIX migra para o Chile, mas está acompanhada de

(29)

seu marido e de seus sogros. Não viaja sozinha; enquanto a personagem Paula e a peruana ilegal migram sozinhas para a Alemanha. Contudo em todas as histórias narradas há ainda um componente comum: a realização do sonho individual ou familiar de migrar para ter uma vida economicamente melhor. A narradora-diarista do século XIX deixa essa situação bem clara ao escrever em seu diário: “Fue muy tranquilizante hablar con él porque nos aseguró que todo lo que dice en nuestros folletos sobre ese país es cierto. Que es tierra muy fértil, muy buena para trabajarla y que hay mucha necesidad de artesanos allí” (CERDA, 2013, p. 84. Grifo a autora). A mesma perspectiva que tem a migrante peruana: “Norma me contó también porque se lo pregunté – que había migrado a Alemania con la esperanza de juntar dinero” (CERDA, 2013, p. 93). Já a narradora autodiegética do século XX, Paula, esclarece que o fato de estar e viver na Alemanha tem relação, principalmente, com o peso do sonho de toda uma geração de migrantes de voltar à terra de origem:

Me vine a estudiar psicología [en Alemania] porque así lo quisieron mis padres, y ellos lo quisieron así, porque lo mismo hubieron esperado de ellos mis abuelos, y mis tatarabuelos de mis abuelos, lo mismo que mis tátara tátara abuelos de mis tátara abuelos, etc. Cumplí el sueño de muchas generaciones al venirme a esta ciudad, al estudiar aquí, al casarme aquí, con un alemán de aquí. (CERDA, 2013, p. 85).

No início do conto ainda não sabemos o que motivou a personagem a se questionar sobre os motivos de seu desenraizamento. Apenas sabemos que há uma inquietude provocada por “algo” que uma senhora alemã e octogenária lhe conta no batizado da filha de Norma e que, a partir dessas palavras, começa a pensar em suas raízes:

Crucé solo algunas palabras con ella y al hacerlo, se me vino algo encima que no logro descifrar. Fueron dos o tres frases densas, sonoras, luminosos, aunque estrictamente hablando sólo se refirieron a hechos anecdóticos. Como no me gusta meterme a la cama sin haber descifrado a los enigmas del día, escribo esas líneas a ver si eso ayuda. (CERDA, 2013, p. 84)

Somente no final da narrativa, a narradora autodiegética esclarece o motivo de sua inquietude. Em uma “conversa” despreocupada com a senhora octogenária, vislumbra a possibilidade de encontrar as raízes da família alemã perdida quando essa migrou há 135 anos para a cidade de Valdívia, no Chile. É a possibilidade de encontrar suas origens:

Cuando mencioné la palabra Chile, me comentó que una vez había escuchado decir a su abuelo que una rama de su familia se había ido a colonizar el sur de ese país. Fue casi un comentario a pasar […]. Pensé en comentarle que teníamos el mismo apellido. Steineberga, Steneiberger ambos suenan igual, solo se escriben diferente, tal vez porque un funcionario del registro civil chileno se tomó una libertad

Referências

Documentos relacionados

Quando questionadas sobre a ocorrência de dores ou desconforto nos pés re- lacionado ao uso dos calçados de salto, as entrevistadas forneceram dados que re- velaram diversas

casos a previsão de vendas não acontece como o planejado e para suportar estas variações, são projetados níveis de política de estoques, que de certa forma oneram a empresa

I - de segunda à sábado, autorizado o funcionamento somente no período compreendido entre às 05h00m e às 22h00m (horário oficial de Mato Grosso); II - aos domingos, autorizado

Um exemplo prático do Balanced Scorecard encontra-se em Lima (1999), aplicado à indústria de comunicação em Santa Catarina, onde o autor aborda as quatro diferentes perspectivas

Crisóstomo (2001) apresenta elementos que devem ser considerados em relação a esta decisão. Ao adquirir soluções externas, usualmente, a equipe da empresa ainda tem um árduo

As espécies Caesalpinia echinata e Caesalpinia leiostachya apresentaram bom índice de crescimento na região de Brasília que podem ser recomendadas para a arborização da cidade

“Em cumprimento do estabelecido n.º 1 do artigo F-4/2.º - Atribuição de subsídios, do Capítulo II, Título IV, do Código Regulamentar do Município de Bragança -

A Noesis detém vários escritórios em diversas localizações, nomeadamente, em Portugal (Lisboa, Porto, Coimbra, Proença-a-Nova), Brasil, Irlanda, Holanda e EUA, para além da