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Paula Janay (UFBA)25 E-mail: paulajanay@gmail.com "No teatro da memória, as mulheres são sombras tênues".

(Michelle Perrot)

Introdução

Há um expressivo número de biografias e autobiografias de mulheres publicadas no mercado editorial contemporâneo26. Na literatura, narrar a si mesmo não é um fenômeno novo. Registros de relatos autobiográficos datam do século IV, com as Confissões, de Santo Agostinho (ANDERSON, 2001, p. 19), multiplicando-se a partir do fim do século 18, juntamente com o crescimento da burguesia e da popularização da escrita, mais notadamente com as Confissões, de Rousseau, um dos primeiros a se distanciar do modelo cristão de autobiografia e consolidar o modelo de autobiografia como a expressão da individualidade do Romantismo (ANDERSON, 2001, p. 43). Os primeiros registros autobiográficos eram de personalidades célebres, a maioria homens, que olhavam em retrospecto as suas vidas para avaliá-las e narrar as suas conquistas.

Apesar do crescimento de publicações de autobiografias escritas por mulheres, não podemos deixar de lado que há ainda historicamente uma defasagem desse gênero entre autores femininos e masculinos. O mundo público era destinado aos homens, e é este mundo que produzia os "homens célebres honrosos" interessados em registrar suas vidas através da palavra escrita, outra origem e símbolo de poder. Neste presente artigo, consideramos como parte do interesse por relatos de si a profusão de autobiografias e biografias publicadas nos últimos anos,observando com curiosidade a crescente publicação de autobiografias de mulheres, sujeitos historicamente subestimados pelo mercado editorial.

25

Mestranda do Programa de Pós Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Universidade Federal

da Bahia.

26 Em 2012, convidado a falar sobre a autobiografia nas "novas tecnologias", Philippe Lejeune afirma que com

a crescente popularização da internet, o número de autobiografias, diários e correspondências depositados na APA (Association pour l'autobiographie et le patrimoine autobiographique), organização que o pesquisador mantém na França para conservar este tipo de escrita, vêm crescendo ao longo do tempo, apesar da descrença no interesse por este tipo de publicação depositada depois da popularização da internet (LE JEUNE, 2013, p. 10).

Neste artigo, fizemos um breve mapeamento do fenômeno no mercado editorial brasileiro, em uma amostragem das autobiografias de brasileiras e de mulheres estrangeiras publicadas no Brasil. Analisamos com mais detalhamento a autobiografia Não sou uma dessas, da escritora e diretora Lena Dunham, mais conhecida por seu trabalho na série televisiva Girls. Sem pretensão de abarcar todo o fenômeno, relacionamos as publicações a uma crítica feminista interseccional que entende que, apesar do potencial das narrativas de si de grupos historicamente menosprezados, um debate de raça, classe e geopolítica é necessário quando se trata de anunciar que há uma profusão de vozes e imagens de mulheres participando do cânone autobiográfico atual. Antes de qualquer diagnóstico, precisamos analisar com cuidado quais são essas "vozes" que estão sendo publicadas na contemporaneidade.

A escrita das mulheres

A existência de narrativas autobiográficas está longe de ser novidade. Segundo Figueiredo (2013), a palavra "autobiografia" foi registrada pela primeira vez em 1779, em alemão, e em 1809, em francês. As memórias e autobiografias se tornaram comuns principalmente com a consolidação da burguesia no século 19, apesar de existirem registros já no século 18. A maioria das autobiografias publicadas eram feitas por homens, que narravam suas aventuras e grandes feitos (FONTES, 1998, p.391). Principalmente nas últimas décadas do século 19, houve crescimento do número de autobiografias lançadas por homens, envolvidos no poder político e econômico, que se consideravam a serviço da comunidade e com a tarefa de preservar a tradição e a história nacional através dos seus relatos (LOBO, 2015, p. 132).

Philippe Lejeune é um autor citado tanto por Figueiredo (2013), Perrot (2009) e Anderson (2001) em sua definição clássica de autobiografia: uma "narrativa retrospectiva que uma pessoa real faz de sua própria existência, quando focaliza sua história individual, em particular a história de sua personalidade" (LEJEUNE apud FIGUEIREDO, 2013, p. 26). Anderson (2001) afirma, no entanto, que nem mesmo Lejeune estava satisfeito com essa definição por não traçar diferenças entre a biografia e a ficção (ANDERSON, 2001, p. 2). Segundo Lejeune, alguma espécie de unidade ou conciliação com as instâncias do narrador, da autoria e do personagem deveria existir para que uma obra fosse classificada como autobiografia (LEJEUNE apud ANDERSON2001, p. 2).

Segundo Linda Anderson (2001), apesar das disputas e da falta de consenso sobre a implicação da vida do autor em sua obra na ficção, a autobiografia vem sendo reconhecida

assuntos como autoria, expressão da identidade, e a dicotomia entre verdade e ficção (ANDERSON, 2001, p. 1). Em se tratando do recorte apresentado nesse artigo, acompanhamos Anderson quando ela defende que a discussão ao redor das autobiografias não deveria ser simplesmente uma busca por uma definição de qual gênero ela se encaixaria, aspecto que toma muito espaço na discussão sobre o tema, mas no esforço necessário para legitimar escritos autobiográficos de alguns autores em detrimento de outros (ANDERSON, 2001, p. 9).

As narrativas testemunhais sempre estiveram à margem do cânone literário, na dualidade entre ser ou não literatura. Por serem marginalizadas da cultura hegemônica, a escrita de mulheres e, principalmente, a escrita testemunhal de mulheres sofrem um duplo golpe em sua legitimidade. Para Fontes (1998), o gênero autobiográfico, por se basear em relatos pessoais, pressiona um deslocamento do sistema literário que desestabiliza o cânone porque as autoras femininas "ousam" sair dos ambientes privados para o domínio da linguagem pública. Segundo a autora, a narrativa testemunhal ou autobiográfica feminina está atrelada historicamente ao apartamento das mulheres da vida pública. Quando relegadas ao isolamento da casa e apartadas dos assuntos públicos e dos gêneros comumente escritos por homens, as mulheres se dedicaram a narrar as suas subjetividades (FONTES, 1998, p.398).

A historiadora Michelle Perrot se dedicou ao estudo do que ela chamou de "excluídos da história", dando atenção aos relatos da vida cotidiana dos operários, dos prisioneiros e das mulheres da classe trabalhadora. Perrot (2009) afirma que, para além das razões históricas que apagam os rastros femininos ao longo dos anos, como a ausência da vida pública, a troca de sobrenome em razão do casamento, a destruição de documentos pessoais de mulheres anônimas em detrimento de seus companheiros ou familiares famosos27 e a linguagem que silencia o feminino ao transformar o plural em "eles", há ainda a autocensura que queima, literalmente, muito da história pessoal de mulheres.

"Convencidas de sua insignificância, muitas mulheres, estendendo ao seu passado o sentimento de pudor que havia lhes sido ensinado, destruíam - e destroem - seus papéis pessoais ao final de suas vidas28" (PERROT, 2009, p. 14).

À ausência das mulheres nos relatos públicos e documentos formais contrapõe-se a presença e a autoria de relatos no ambiente privado (PERROT, 1989, p. 11). Ao falar das autobiografias como fontes históricas das vidas das mulheres, juntamente com as correspondências pessoais e os diários íntimos, Perrot afirma que a abundância desses escritos

27 A autora cita como exemplos a manutenção das cartas de Tocqueville para o seu amigo Gustave de Beaumont e

a destruição das cartas escritas por ele para suas esposas (PERROT, 2009, p. 15).

28

Tradução nossa para:"Convencidas de su insignificancia, muchas mujeres, extendiendo a su pasado el sentimiento de pudor que se les había inculcado, destruían -y destruyen- sus papeles personales al final de sus vidas".

feitos por mulheres está relacionada à função da escrita em suas vidas: "uma escrita privada, íntima inclusive, ligada à família, praticada à noite, no silêncio do seu quarto, para responder ao correio, manter o diário e, em casos mais excepcionais, contar a própria vida29" (PERROT, 2009, p. 21). A autora não considera que a autobiografia, a correspondência e o diário como gêneros intrinsecamente femininos, mas reconhece que são gêneros que se abrem às mulheres por seu caráter privado.

No momento de lançamento de Minha História das Mulheres, a autora diagnostica a falta de autobiografias escritas por mulheres e diz que o gênero comercialmente é uma atividade pouco feminina. Ela justifica essa ausência com o fato de que olhar de forma introspectiva para a própria vida para fazer um balanço da própria existência é mais comum em personagens públicos (PERROT, 2009, p. 21). George Sand, pseudônimo de Amandine Aurore Lucile Dupin, é um marco entre as autobiografias publicadas por mulheres. Escrita entre 1847 e 1854 é tida por Perrot como inovadora pois relata a história da sua família em três gerações, juntamente com a história de sua vida, com o entendimento de que toda individualidade é um produto do tempo e das transformações pelas quais passaram a sua própria ambiência familiar (PERROT, 2009, p. 14). O cenário iria mudar de figura assim que mais mulheres entrassem na esfera pública e nos espaços de poder, com o desenrolar do século 20. No entanto, continua a seleção de que tipos de escritas autobiográficas de mulheres são preservados: mulheres com acesso à educação, ou, pelo menos, alfabetizadas (PERROT, 2009, p. 23).

A passagem da profusão da escrita "única" de homens para a profusão de narrativas autobiográficas de mulheres é resultado de uma gradual transformação dos espaços ocupados pelas mulheres na sociedade. Harris (2015) diferencia o conceito tradicional de biografia de "práticas autobiográficas contemporâneas", especialmente produzidas por mulheres. Usando os conceitos de Philippe LeJeune e George Gusdorf ela considera a autobiografia tradicional como um "gênero literário associado à narrativa ocidental de caráter retrospectivo, focalizando o indivíduo, em geral masculino e europeu, que tem autoridade e autorização para representar- se" (HARRIS, 2015, p. 332). Ela enquadra as práticas autobiográficas femininas como de uma capacidade de autorepresentação conquistada por indivíduos historicamente marginalizados.

Figueiredo (2013) faz, em seu livro Mulheres ao Espelho: Autobiografia, ficção e autoficção, uma compilação de seus estudos sobre como diferentes gerações de mulheres, da década de 1970 até os dias atuais, se põe em cena em seus textos. Destacadas exceções históricas e constantemente ligadas às esferas de poder, o argumento principal sobre a escrita

autobiográfica feminina, para Figueiredo (2013), seja ela explicitamente ficcional ou não, é de que as escritoras francesas que publicaram sobre suas vidas nas décadas de 1970 e 1980 possibilitaram o surgimento de novas gerações que ousaram mais, sobretudo em relação à escrita sobre o próprio corpo e a própria sexualidade (FIGUEIREDO, 2013, p. 84).

A entrada das mulheres no espaço público e a presença delas entre o rol de autores que publicavam autobiografias não significou uma mudança de seu status no cânone, segundo Anderson(2001). A autora afirma que a dualidade de tratamento entre as autobiografias escritas por mulheres e homens é denunciada pela crítica feminista desde, mais notadamente, a década de 1980: "um cânone que, como nós já vimos, dá centralidade aos textos ‘confessionais’ de Santo Agostinho e Rousseau" (ANDERSON, 2001, p. 86). A autora defende que o problema do reconhecimento não é causado pela ausência de obras (ANDERSON, 2001, p. 86).

Na contemporaneidade, quando temos gêneros como autoficção e romances autobiográficos amplamente escritos por homens e por mulheres, Figueiredo (2013) observa uma dualidade na crítica sobre esse tipo de escrita, especificamente quando a autoria é feminina. Quando algo que é tomado como aspecto da sociedade atual, como as escritas de si, é realizado por mulheres escritoras, o status muda de figura. "Por isso, a crítica masculina francesa tem demonstrado, com certa frequência, menosprezo pelo gênero, como se atualmente fosse domínio do feminino" (FIGUEIREDO, 2013, P. 72).

Em contrapartida, em parte da crítica literária feminista, práticas autobiográficas de mulheres têm sido apresentadas como uma potência de transformação e desestabilização do cânone (HARRIS, 2015). Faz parte do movimento feminista como um todo, em seu trabalho nas ciências e na produção do conhecimento, entender que a teoria é suspeita de reproduzir as condições de desigualdade opressoras, vinculadas a uma divisão do trabalho que opõe hierarquicamente homens e mulheres (RICHARD, 1996, p. 733) e, consequentemente, é necessária uma produção artística e de conhecimento que tente equilibrar essa desigualdade. As autobiografias entrariam, nesse processo, como uma ferramenta para que as mulheres possam se transformar em sujeitos de suas próprias histórias.

A autobiografia tem agora o potencial de ser o texto dos oprimidos e dos deslocados, forjando um direito de falar tanto individualmente quanto para o coletivo. As pessoas que são minorias de poder – mulheres, negros, classe trabalhadora - começaram a inserir-se na cultura através da autobiografia, através da afirmação de uma "voz pessoal" que fala além de si mesma6 (SWINDELLS apud ANDERSON, 2001, p. 104)

Apesar de afirmar a potencialidade da autobiografia com a politização do sujeito, Anderson (2001) argumenta que este tipo de autobiografia não "resolve o problema da diferença" (ANDERSON, 2001, p. 104). A autora afirma que autoproclamar-se como representante de um gênero ou grupo político ou social específico é sempre problemático. No

momento em que uma representatividade através de uma autobiografia escrita por uma mulher é assumida, é possível, sim, que haja uma identificação. Ao mesmo tempo, sentir-se representado em questões de gênero pode ocultar diferenças em questões como classe e raça (ANDERSON, 2001, p. 104).

Um fenômeno editorial

Para discorrer sobre o que consideramos um fenômeno editorial na publicação de autobiografias de mulheres, vamos fazer um breve apanhado das recentes publicações de autobiografias no Brasil, tanto de autoras brasileiras quanto de autoras estrangeiras traduzidas. Dentro das limitações deste trabalho, pretendemos também citar recentes publicações de autobiografias de mulheres que tiveram destaque na imprensa internacional. Os números recentes tanto de publicação quanto de venda de autobiografias de mulheres no Brasil apontam dois grandes sucessos editoriais. O mais novo é o lançamento de Rita Lee, uma autobiografia, publicada em 2016, vendeu mais de 43 mil exemplares30 no primeiro ano. Somente em 2017, já vendeu mais de 41 mil exemplares, estando em maio deste ano em primeiro lugar na lista de mais vendidos na categoria não-ficção. Este exemplo, configura a autobiografia em que uma personalidade reconhecida por seu trabalho olha em retrospecto para a sua trajetória e se engaja no trabalho de contá-la ao público.

O fenômeno de vendas de 2015 foi o livro Muito mais que 5inco minutos, da youtuber e atriz Kéfera Buchmann, de 24 anos. Um fenômeno em sua área de atuação, com um canal com mais de 10 milhões de inscritos, a atriz e vlogger está em sétimo lugar entre os maiores canais brasileiros. Em 2016, vendeu mais de 104 mil exemplares, repetindo os bons números de 2015, ano de lançamento, quando o livro vendeu mais 197 mil exemplares. O livro é uma autobiografia centrada no seu trabalho na internet, relacionamentos, moda e histórias de humor, característico do trabalho da atriz. Outra youtuber ao se aventurar no domínio da autobiografia foi Julia Tolezano, de 25 anos, mais conhecida como Jout Jout, com o livro Tá todo mundo mal, que ficou no 11º lugar entre os mais vendidos.

Na literatura de língua inglesa, temos uma profusão recente de autobiografias como A Poderosa Chefona (2013), de Tina Fey, Yes Please (2014), de Amy Poehler, #GirlBoss (2014),

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Tradução nossa para: Autobiography now has the potential to be the text of the oppressed and the culturally displaced, forging a right to speak both for and beyond the individual. People in a position of powerlessness – women, black people, working-class people – have more than begun to insert themselves into the culture via autobiography, via the assertion of a ‘personal’ voice, which speaks beyond itself.

de Sophia Amoruso, O ano em que eu disse sim (2015), de Shonda Rhimes, A garota da banda (2015), de Kim Gordon. Lançados nos Estados Unidos, a tradução e publicação desses livros em editoras nacionais mostram o alcance midiático e os efeitos da globalização na proliferação dessas narrativas. Em sua maioria, são autoras que conquistaram sucesso em suas áreas de atuação profissional, e que desenvolvem seus livros em um tom que mistura autobiografia e autoajuda, com conselhos direcionados para mulheres que gostariam de conquistar o sucesso profissional em uma sociedade que apresenta oportunidades desiguais para mulheres.

Por conta das limitações do trabalho, vamos concentrar a nossa análise da autobiografia Não sou uma dessas: uma garota conta tudo o que "aprendeu", de Lena Dunham, lançada no Brasil em 2014. Os direitos autorais de publicação do livro chegaram aos 3,7 milhões de dólares quando foram comprados em 2012. Nesse momento, matérias na imprensa questionaram se as memórias de uma jovem diretora valiam o montante31. Para compreender a autobiografia de Lena Dunham, é necessário lançar o olhar para a sua trajetória enquanto roteirista de televisão e diretora de cinema. O contexto de lançamento de sua autobiografia está interligado ao sucesso de crítica e de público sua série Girls, seriado criado quando Dunham tinha apenas 26 anos. A artista era frequentemente anunciada como "a voz de sua geração"32, uma referência a uma fala cômica de sua personagem e alter-ego Hannah Horvath.

Figueiredo (2013) traz Madeleine Ouellette-Michalska para afirmar que a autoficção feminina em sua maioria é de caráter profanatório pois as autoras costumam fazer um balanço de "tudo o que atomiza, despejando perdas e traições, feridas e frustrações" (FIGUEIREDO, 2013, p. 72). Para a autora, a obra pode ser considerada de autoficção sempre que a narrativa indiciar qualquer tipo de inspiração em fatos da vida do autor (FIGUEIREDO, 2013, p. 66).

Segundo esta autora, a linguagem da autoficção feminina é frequentemente de extrema crueza. É assim também definido o primeiro filme produzido por Lena Dunham, Tiny Furnuture, em que o cotidiano de uma jovem privilegiada de Nova York é contado sem nenhuma mistificação idealizadora, em que aventuras sexuais e relacionamentos são narrados muitas vezes para demonstrar a confusão da personagem e causar aversão do público. No caso de Lena Dunham, a inspiração a fatos ocorridos em sua vida é uma das apostas mais frequentes em sua ficção, tanto em seus filmes quanto na série Girls. A autobiografia, precoce para alguns críticos, viria confirmar esse aspecto do trabalho da artista.

31 Ver discussão em:

http://www.huffingtonpost.com/jason-pinter/lena-dunham-book-advance_b_1954689.html.

Acesso em 09 de maio de 2017.

32 A série recebeu muitas críticas positivas de grandes veículos de imprensa norte-americanos, como The New York

Times e New Yorker. Ver em: http://www.newyorker.com/culture/richard-brody/girls-talk. Acesso em 6 de maio de 2017.

O posicionamento feminista de Lena Dunham é um dos temas de seu livro e uma das facetas de sua figura pública. Após o sucesso da série, também tida como feminista, a autora lançou, juntamente com sua colega de produção de Girls, Jenni Konner, uma newsletter declaradamente feminista33. Não sou uma dessas: uma garota conta tudo o que aprendeu está em diálogo com a literatura historicamente direcionada para mulheres. No trecho em que ela discorre sobre a autora que seria uma das inspirações para a escrita da autobiografia, Dunham cita Helen Gurley Brown, personalidade controversa no meio feminista estadunidense, chefe de reportagem da revista Cosmopolitan, conhecida por ditar regras e padrões sobre ser mulher, principalmente seus conselhos para padrões de comportamento e consumo. A capa e o título, que remete a arquétipos femininos de virtude, jogam ironicamente com os livros de boas maneiras escritos tradicionalmente para mulheres. Podemos dizer que este livro está filiado a este tipo de literatura, mesmo que o faça por um uso irônico de suas marcas. Lena Dunham pontua essa contradição na introdução: "Apesar de suas teorias dementes, que não se encaixam nem um pouco na minha criação fervorosamente feminista, aprecio a forma como Helen compartilha sua história cheia de constrangimentos" (DUNHAM, 2014, p. 16).

Um dos temas mais presentes no livro é a relação entre o trabalho criativo de mulheres e o ambiente masculino machista e com desigualdade de oportunidades entre os gêneros. O tema das autobiografias de mulheres e a importância dada à vida das mulheres na sociedade contemporânea faz parte do posicionamento feminista de Lena Dunham.

Não há nada mais corajoso para mim do que uma pessoa anunciar que sua história merece ser contada, sobretudo se essa pessoa é uma mulher. Por mais que tenhamos trabalhado muito e por mais longe que tenhamos chegado, ainda existem muitas forças que conspiram para dizer às mulheres que nossas preocupações são fúteis, que nossas opiniões não são relevantes, que não dispomos do grau de seriedade necessário para que nossas histórias tenham importância. Que a escrita pessoal feminina não passa de um exercício de vaidade e que nós deveríamos apreciar esse novo mundo para mulheres, sentar e calar a boca (DUNHAM, 2014, p. 17).

O próprio fazer autobiográfico é um tema de seu trabalho. Ao falar sobre um antigo relacionamento, primeiramente Lena Dunham o descreve como mais um dos seus episódios sexuais vergonhosos e vexatórios da sua experiência sexual. Em seguida, ela questiona a sua