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Pontifícia Universidade Católica de Goiás Pró-reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa

Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Psicologia

Reflexões sobre a experiência de Acolhimento

Institucional Infantil

Bárbara Delourdes Rosa Rodrigues de Sousa

Goiânia – GO Março de 2010.

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Pontifícia Universidade Católica de Goiás Pró-reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa

Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Psicologia

Reflexões sobre a experiência de Acolhimento

Institucional Infantil

Bárbara Delourdes Rosa Rodrigues de Sousa

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Psicologia.

Orientador: Dr. Fábio Jesus Miranda

Goiânia – GO Março de 2010.

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Pontifícia Universidade Católica de Goiás Pró-reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa

Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Psicologia

Folha de Avaliação

Autor: Bárbara Delourdes Rosa Rodrigues de Sousa

Título: Reflexões sobre a experiência de Acolhimento Institucional Infantil Data de avaliação: 15 de março de 2010.

Banca Examinadora:

__________________________________________________________________ Prof. Dr. Fábio Jesus Miranda

Membro Presidente

__________________________________________________________________ Prof. Dra. Denise Teles Freire Campos

Membro Convidado Interno

Pontifícia Universidade Católica de Goiás

_________________________________________________________________ Prof. Dr. Rodolfo Petrelli

Membro Convidado Externo Universidade Federal de Goiás

_________________________________________________________________ Prof. Dr. Sebastião Benício da Costa Neto

Membro Convidado Suplente

Pontifícia Universidade Católica de Goiás

Goiânia – GO Março de 2010.

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Escutatória

Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória.

Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai se matricular.

Escutar é complicado e sutil. Diz o Alberto Caeiro que “não é bastante não ser cego

para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma”. Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas.

Aí a gente que não é cego abre os olhos. Diante de nós, fora da cabeça, nos campos e matas,

estão as árvores e as flores. Ver é colocar dentro da cabeça aquilo que existe fora.

O cego não vê porque as janelas dele estão fechadas. O que está fora não consegue entrar. A gente não é cego. As árvores e as flores entram. Mas - coitadinhas delas - entram e caem num mar de idéias. São misturadas nas palavras da filosofia que mora em nós. Perdem a sua simplicidade de existir. Ficam outras coisas. Então, o que vemos não são as árvores e as flores. Para se ver é preciso que a cabeça esteja vazia.

...

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço a Deus por ter provado Sua existência e Seu amor em todos os momentos da minha vida e, em especial, durante esta fase.

Tenho vários motivos para agradecer aos meus pais: por me ensinarem a me dedicar àquilo que desejo e posso realizar; por terem me dado condições suficientemente boas para a minha formação como pessoa e como profissional e, por serem, ainda hoje, suporte nos momentos de provação. Sou grata! Amo vocês!

Agradeço, em especial, ao meu esposo Adriano. Principalmente pelo apoio contínuo e incondicional, além do exemplo de mansidão, compreensão, paciência e humildade.

Preciso também agradecer sinceramente e principalmente, às crianças em situação de acolhimento institucional, que participaram da pesquisa. A elas devo grande parte da realização deste sonho!

Agradeço também o apoio e espaço dado para a realização desta pesquisa pelos atores envolvidos no processo de acolhimento institucional da cidade de Anápolis, Goiás. Ao juiz da Infância e Juventude de Anápolis, Dr. Carlos José Limongi Sterse, ao secretário de Desenvolvimento Social, o Sr. Francisco Ferreira Rosa, à diretora da instituição selecionada, Agueda Maria Zimmer e aos conselheiros tutelares de Anápolis – região Leste e Oeste, meus agradecimentos sinceros pela colaboração.

Tenho muita gratidão a todos os professores que estiveram envolvidos na execução deste trabalho, cada um de maneira diferente e especial: Dr. Sebastião Benício da Costa Neto, Dr. Pedro Humberto Faria Campos, Dra. Denise Teles Freire Campos e o Dr. Rodolfo Petrelli. A vocês devo profunda admiração!

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Finalmente, e não menos importante, meu sincero agradecimento ao meu orientador Dr. Fábio Jesus Miranda. Agradeço-o pela prontidão em me orientar e pelo respeito ao tema escolhido por mim. Agradeço-o por sua paciência e compreensão, por seus ensinamentos e pelo tempo de orientação, pois a partir destes fatores, pude crescer profissionalmente e pessoalmente.

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RESUMO

A prática de separar crianças e adolescentes do convívio familiar e colocá-las em uma instituição não é característica somente do momento histórico atual, mas ato presente desde o Brasil Colonial. Dentre várias temáticas que exploram a infância, poucos trazem como objeto de estudo os sentidos que as crianças que passam pelo acolhimento institucional atribuem a essa experiência. Percorrendo vários momentos históricos até a atual concepção moderna da infância brasileira, o presente estudo se propôs a identificar e analisar os sentidos relacionados ao processo de acolhimento institucional de crianças abrigadas em uma instituição de Anápolis, Goiás. Considerando que cada criança subjetiva de maneira singular suas experiências, escutar as crianças não somente como sujeitos de direitos, mas como sujeitos de desejos foi o desafio deste trabalho. A pesquisa realizada foi de cunho qualitativo, por meio de entrevistas analisadas com base no Método de Explicitação do Discurso Subjacente, utilizando como suporte teórico na análise dos resultados a teoria psicanalítica. Tal método mostrou-se adequado na coleta de dados, ao aproximar entrevistas presenciais semi-dirigidas ao contexto de conversas informais cotidianas, facilitando a interação entre participantes e pesquisador. Participaram da pesquisa dez crianças, de ambos os sexos, com idade entre sete e doze anos, que residiam em uma instituição filantrópica de acolhimento a crianças e adolescentes, em Anápolis, Goiás. Após a aplicação das entrevistas, transcrição dos depoimentos e análise dos resultados, pôde-se levantar as seguintes categorias: sentimentos ambivalentes e repetição da violência. Pôde-se perceber uma mistura de amor e ódio nos sentimentos das crianças, presentes tanto em processos de formação de novos vínculos, quanto em experiências de separação ou perda de um objeto de amor. A violência, em relação aos seus direitos e desejos, presente na história de vida destas crianças, repetiu-se em suas experiências de acolhimento institucional. Os resultados sugerem a necessidade de se escutar as crianças antes e após qualquer tomada de decisão por parte dos envolvidos no processo de proteção à infância, apontando práticas que efetivem direitos já legislados no Brasil.

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ABSTRACT

The practice of separating children and adolescents of the familiar conviviality and put them in an institution is not characteristic only of the current historical moment, but is a present act since Colonial Brazil. Among various topics that explore childhood, a few of them have as object of study the feelings that children who pass for the institucional shelter attribute to this experience. Going through various historical periods to the current modern conception of childhood in Brazil, this study propous to identify and analyze the meanings in the process of residential care of children sheltered in an Anapolis´ institution, Goiás. Assuming that each child uniquely subjective experiences, listening to children not only as subjects of rights, but as subjects of desire was the challenge of this work. The research was conducted using a qualitative approach through interviews wich were analyzed based on the Underlying Discourse Unveiling Method, using as theoretical support in the analysis of the results the psychoanalytic theory. This method was suitable for data collection, when approaching half-directed interviews to the context of daily informal colloquies, facilitating to the interaction between participants and researcher. The participants were ten children, of both sexes, aged between seven and twelve years old, living in a philanthropic institution of shelter, in Anápolis, Goiás. After the application of the interviews, transcription of the depositions and analysis of the results, could be raised the following categories: ambivalent feelings and perpetrating violence. A mixture of love and hatred in the children´s fellings could be perceived, present in processes of formation of new bonds, the experiences of separation or loss of a love object. The violence of rights and of desires, in the life story of these children, repeated in their experiences of institucional shelter. The results suggest the necessity to listen to the children before and after any decision by those involved in the process of child protection, pointing out the practices that enforce rights already legislated in Brazil.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Dados referentes a nome fictício, idade, tempo e motivo do encaminhamento ao acolhimento institucional das crianças participantes do estudo ... 81 Tabela 2 – Fases de execução da pesquisa ... 86

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LISTA DE SIGLAS

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

FEBEM – Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor FUNABEM – Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor MEDS – Método de Explicitação do Discurso Subjacente PNBM – Política Nacional do Bem-Estar Social

PNFC – Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente à Convivência Familiar e Comunitária

OMS – Organização Mundial da Saúde ONU – Organização das Nações Unidas

SAC – Rede de Serviço de Atenção Continuada

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ... 12

INTRODUÇÃO ... . 15

Capítulo I – CONSIDERAÇÕES SOBRE A INFÂNCIA BRASILEIRA E O ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL... 18

1.1. Concepções de Infância ... 18

1.2. A Assistência à Infância no Brasil até a formulação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ... 25

1.3. A Medida Acolhimento Institucional após a formulação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ... 35

Capítulo II – MODELOS DE INTERVENÇÕES E PESQUISAS SOBRE O ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL... 40

Capítulo III – A PSICANÁLISE E A EXPERIÊNCIA DE SEPARAÇÃO ... 61

Capítulo IV – METODOLOGIA ... 80

4.1. Seleção da Amostra... 80

4.1.1. Participantes... 82

4.2. Instrumentos ... 84

4.3. Procedimentos ... 84

Capítulo V – RESULTADOS E DISCUSSÃO... 88

5.1. Das Entrevistas ... 88 5.1.1. Adaílson... 88 5.1.2. Débora... 91 5.1.3. Guilherme... 94 5.1.4. Marcos... 97 5.1.5. Paula... 99 5.1.6. Patrícia... 101 5.1.7. Pedro ... 104 5.1.8. Renata ... 106 5.1.9. Rubens ... 108 5.1.10. Vitor ... 109 5.2. Das Categorias ... 111 5.2.1. Sentimentos Ambivalentes ... 111 5.2.2. Repetição da Violência ... 114 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 119 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 125 ANEXOS... 132

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APRESENTAÇÃO

“Estar à escuta das crianças. Não é observá-las como um objeto de pesquisa,

nem procurar educá-las, mas respeitar, amar nelas essa geração nova que elas trazem. Sabemos sempre até que ponto

estamos à escuta sem fingir, sem interferir, sem perturbar as ondas?”

Françoise Dolto

Juntamente com o trabalho realizado por mim no Conselho Tutelar dos Direitos e Deveres da Criança e do Adolescente de Anápolis desde 2007, surgira já no início questionamentos em relação aos procedimentos freqüentemente executados com as crianças que passavam por situações classificadas como de risco.

O serviço de psicologia dedicava-se a muitas situações diferentes daquelas que os conselheiros tutelares lidavam cotidianamente. À psicologia eram encaminhados com mais freqüência casos de crianças indisciplinadas, crianças com dificuldades de aprendizagem, ou com transtornos de humor, entre outras queixas. Surgiu então a indagação de como estariam as crianças atendidas e colocadas nas instituições de acolhimento, aquelas crianças que confrontadas por dados de realidade, supostamente, passavam por experiências que as colocavam em situação de risco de vida.

A partir de observações e questionamentos aos profissionais envolvidos com os atendimentos à rede da criança e do adolescente da cidade, pôde-se perceber a lacuna existente em tais serviços. Tais crianças não podem falar de seus sentimentos e desejos, muito menos participar do processo de tomada de decisão em relação ao seu futuro. Não falam, logo não são escutadas. A prática realizada não se deve ao fato de que não existam procedimentos previstos em políticas publicas em favor da infância neste sentido, visto que

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o Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente à Convivência Familiar e Comunitária – PNFC – (Brasil, 2006) coloca como necessária e importante a escuta da criança ou do adolescente, parte mais interessada na tomada de decisões, porém tais premissas não seriam aplicadas. O PNFC preconiza que, para que haja o afastamento de uma criança ou de um adolescente de sua família, é necessário que haja recomendação técnica, de uma equipe interdisciplinar, e este estudo diagnóstico deve ser realizado após a oitiva de todas as pessoas envolvidas, especialmente a criança ou adolescente em questão. Considerando que a nova Lei Nacional de Adoção, lei de nº 12.010, de 03 de agosto de 2009 foi aplicada a partir do dia 03 de novembro de 2009 e que tais premissas mais uma vez são ressaltadas, agora é o momento de se enfatizar esta lacuna nos serviços existentes e frisar a importância da existência deles na vida das crianças.

Questionar uma ordem posta, uma lógica vigente, costumes, hábitos e valores reconhecidos socialmente não são tarefas simples. No entanto, é neste sentido que mudanças paradigmáticas acontecem. Ao falar de políticas públicas voltadas para a proteção infantil faz-se necessário este questionamento constante e profundo. Muito se modificou. O advento do Estatuto da Criança e do Adolescente é um exemplo de mudanças. No entanto, há muito a se modificar para que se efetive éticas que garantam o direito da dignidade humana às crianças que se encontram acolhidas institucionalmente.

Neste estudo apresenta-se um caminho por diferentes concepções de infância, juntamente com uma leitura daquilo que deveria ser prestado à infância brasileira como direitos primordiais da criança, enxergada como ser em pleno desenvolvimento. Este capítulo fora elaborado com o objetivo de preparar o terreno para o estudo da situação de acolhimento institucional propriamente dita. Neste tema perpassa-se uma ou várias concepções de infância, assim como está inter-relacionado a vários outros tipos de

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(des)cuidados anteriores, motivos de várias crianças serem encaminhadas a instituições de acolhimento. A segunda e a terceira seção deste capítulo foram destinadas a situar o leitor de como esta medida de proteção se constituiu da maneira que é hoje, desde o seu surgimento no Brasil. Desta maneira, discute-se como o acolhimento institucional constituía-se antes da formulação do Estatuto da Criança e do Adolescente, e após sua formulação, o que mudara nesta prática.

No segundo capítulo exponho os vários tipos de pesquisas existentes até então e alguns dos resultados publicados na área de proteção à infância e à adolescência, mais especificamente no que diz respeito ao acolhimento institucional infantil.

O terceiro capítulo, com uma base teórica psicanalítica principalmente, trata acerca de como se dá no indivíduo a experiência de separação e perda no geral e, a experiência de afastamento do convívio familiar, mais especificamente. Com este, buscou-se dizer a respeito das contribuições que a psicanálise traz ao trabalho com crianças que vivenciam situações de acolhimento institucional, em virtude de possibilitar espaço e momento de escuta.

A partir do quarto capítulo exponho a pesquisa propriamente dita: um capítulo para a metodologia e outro para os resultados e para a discussão dos resultados. Em seguida, faço as considerações finais, finalizando com as referências bibliográficas. Em anexo coloco o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e as entrevistas na íntegra.

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INTRODUÇÃO

Grande parte da produção científica disponível em relação à infância dedica-se a dizer algo a respeito de crianças. Poucos são os estudos que se dedicam a pensar aquilo que as próprias crianças falam a respeito de um determinado assunto. Geralmente, os discursos são produzidos sobre as imagens que os adultos têm da realidade infantil, ignorando o resgate dos sentidos que as próprias crianças constroem sobre suas experiências (Abreu & Martinez, 1997).

Segundo Sousa (2001), a relação adulto-criança caracteriza-se principalmente por submissão e autoridade. O que se percebe é que os adultos, independente do tipo de vínculo que tenha com a criança, ignoram o que elas sentem, pensam, achando-se aptos a dizer a elas o que e como fazer. Grande parte das crianças acolhidas institucionalmente são vítimas desta autoridade adulta e vivenciam um cotidiano de desrespeito e exclusão de suas próprias histórias.

Desta maneira, a submissão da criança à autoridade do adulto reproduz socialmente as diversas formas de relações de dominação.

A criança é um ser socialmente rejeitado. Não desempenha senão um papel marginal nas relações sociais; é cuidadosamente afastada das reuniões de adultos e, quando, às vezes, é tolerada, não se admite que se intrometa nos negócios de „gente grande‟. Participa muito pouco das tomadas de decisões familiares, escolares e sociais, inclusive daquelas que lhe dizem respeito num alto grau (Charlot, 1986, p.111).

O adulto exerce constantemente esta autoridade nas relações que estabelece com a criança, sob o argumento de que esta é socialmente dependente do adulto. Charlot (1986) ainda complementa que a obediência e o respeito seriam as primeiras virtudes esperadas a um infante. Sendo assim, a criança, em nossa sociedade, é marginalizada tanto economicamente quanto política e socialmente.

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Historicamente, a criança vem sendo desvalorizada. Há que se ressaltar que não somente desvalorizada, mas principalmente ignorada e não escutada. Dos Santos (1999) coloca que para que a noção de cidadania se junte à concepção moderna de infância faz-se necessário que se rompa algumas significações culturais:

Mesmo sendo a noção de desenvolvimento infantil ainda considerada como um processo para se alcançar o estágio de adulto, as significações culturais da infância precisarão romper com valorização da criança pelo seu vir-a-ser e da maturidade como símbolo da perfeição e da capacidade (p. 8).

Caso assumissem papéis mais ativos perante a sociedade, as crianças talvez contribuíssem com aspectos antes não percebidos.

Dentre as várias temáticas dos trabalhos voltados para a infância como objeto de estudo, pouco se sabe a respeito dos sentidos das crianças que passam pela experiência de acolhimento institucional em relação à tal situação. Os sentidos de tais experiências não podem continuar a serem construídos por outros que não sejam aqueles que passam por tais experiências. O desafio deste trabalho foi o de dar o espaço das crianças que vivenciam experiências de acolhimento institucional não serem somente sujeitos de direitos, mas também que estas crianças sejam sujeitos de desejos.

Desta maneira, não somente ouvir, mas escutar o que as crianças tinham a dizer a respeito de terem sido retiradas de suas famílias impulsionou a execução desta pesquisa. O intuito não era chegar a uma conclusão fechada e uniformizada para todas as crianças. Pelo contrário, considerando que cada sujeito subjetiva de maneira individual e singular suas experiências, pretendeu-se expor quais são estes sentidos, mesmo que diferentes e contraditórios.

O objetivo geral foi identificar e analisar os sentidos relacionados ao processo de acolhimento institucional de crianças abrigadas em uma instituição de Anápolis, Goiás. Especificamente, o presente trabalho se propôs a dar voz às crianças acolhidas, visto que

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os estudos existentes em relação ao acolhimento institucional não levam em conta suas subjetividades, mas somente o que os adultos ou adolescentes pensam a respeito desta situação; verificar os fatores determinantes, na perspectiva das crianças, que influenciam a retirada de crianças de suas famílias e questionar o papel dos profissionais que estão em contato com tais crianças, no sentido de refletir sobre a função da escuta da criança para a tomada de decisões pertinentes à medida de proteção em questão.

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Capítulo I

CONSIDERAÇÕES SOBRE A INFÂNCIA BRASILEIRA E O ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL

Discorrer sobre o termo Infância implica em se considerar várias dimensões: aspectos históricos, aspectos políticos e sociais, epistemologias diferentes, teorias e técnicas diversas, paradigmas e contextos variados. Sendo assim, de onde e de como se vê dependem a conceituação de Infância, logo, a partir de vários olhares e lugares, diferentes infâncias podem surgir. Torna-se necessário desde então considerar de onde se fala da criança, isto porque as representações da Infância sempre influenciaram na maneira de cuidado a estas, logicamente interferindo também nas formas de abandono e acolhimento institucional.

1.1. Concepções de Infância

A palavra Infância provém originalmente do latim infans, que significa aquele que não pode falar. A idéia rousseauniana, ao distinguir as fases da Infância e da Adolescência e lançar base para as concepções modernas destas divisões, usou o termo Infância para se referir às duas primeiras fases da vida: a fase de bebê, quando ainda não pode falar e a fase de iniciação da fala (Dos Santos, 1996).

Há quem diga que o conceito de infância seja recente. Desde os primeiros registros históricos a presença de crianças é relatada, no entanto, para Ariès (1981) até por volta do século XII, provavelmente, não havia espaço para a infância nesse mundo, sendo que o sentimento da infância nasceria apenas por volta dos séculos XVI e XVII.

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Na sociedade medieval, que tomamos como ponto de partida, o sentimento da infância não existia – o que não quer dizer que as crianças fossem negligenciadas, abandonadas ou desprezadas. O sentimento da infância não significa o mesmo que afeição pelas crianças: corresponde à consciência da particularidade infantil, essa particularidade que distingue essencialmente a criança do adulto, mesmo jovem. Essa consciência não existia. Por essa razão, assim que a criança tinha condições de viver sem a solicitude constante de sua mãe ou de sua ama, ela ingressava na sociedade dos adultos e não se distinguia mais destes (Ariés, 1981, p. 156).

Dos Santos (1996) coloca várias opiniões contrárias a de Ariès (1981). A leitura que Dos Santos (1996) faz, dirige-se à idéia de que provavelmente o que não existia era a concepção moderna de infância, mas já existiam outros tipos de concepções, presentes desde o século VIII. A contribuição de Ariés trata-se de que até então conceitos como de infância e adolescência eram considerados invariáveis através dos tempos.

O que se pode efetivamente dizer é que até no século XVII estava presente na sociedade da época a noção de que a criança era algo sem valia, de pouca relevância. Na maioria das famílias a criança representava um grande sacrifício, sendo abandonada em muitos casos. A partir deste século, o sentimento em relação à infância começou a sofrer mudanças (Ariès, 1981). No entanto, mesmo percebidas diferentemente, muitas crianças ainda foram vítimas de abandono nos séculos seguintes, até os dias de hoje (Cavalcante & Jorge, 2008).

É sabido que durante a Idade Média, em virtude do alto índice de mortalidade infantil, existia um desapego à vida das crianças (Ariés, 1981; Priore, 2004). Ramos (2004) ao relatar a história trágico-marítima das crianças nas embarcações portuguesas, denuncia vários tratamentos desrespeitosos à vida infantil. Abusos sexuais freqüentes, os trabalhos mais pesados e perigosos entregues a crianças, condições de vida piores do que dos demais, crianças “esquecidas” nos barcos durante os naufrágios são alguns dos exemplos que o autor coloca que obrigavam as crianças a abandonarem o universo infantil e assumissem a realidade imposta por adultos.

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Segundo Dos Santos (1996), a infância é uma categoria histórica, um consenso entre historiadores e pesquisadores das ciências sociais. Sabe-se que uma sociedade denuncia sua concepção de infância através do seu discurso, de suas atitudes, de seus comportamentos, revelando sua visão sobre as particularidades infantis. Observa-se tal questão quando explora-se a história da infância brasileira, percebendo-se como a criança era cuidada em cada momento.

Entre os paradigmas que mais influenciam as políticas públicas infantis destacam-se o modelo mecanicista, no qual um robozinho deve destacam-ser monitorado por forças externas e o modelo organicista/individualista, segundo o qual a criança é comparada a uma plantinha que cresce e se desenvolve por motivo de forças internas. Já o modelo histórico-cultural concebe a criança como ser eminentemente social, sendo que seu desenvolvimento se dá nas e pelas relações interpessoais. Ao se pensar em políticas públicas, tal modelo é essencial, visto que as relações sociais, segundo este modelo, constituem o sujeito (Brasil, 2002).

Juridicamente, no Brasil, a partir da elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, as crianças são consideradas como “sujeito de direitos”, sendo que a palavra sujeito traduz a noção de que são

Indivíduos autônomos e íntegros, dotados de personalidade e vontade próprios que, na sua relação com o adulto, não podem ser tratados como seres passivos, subalternos ou meros “objetos”, devendo participar das decisões que lhes dizem respeito, sendo ouvidos e considerados em conformidade com suas capacidades e grau de desenvolvimento (Brasil, 2006, p. 28).

A partir do momento que passaram a ter direitos, as crianças devem ser beneficiadas de cuidados necessários ao seu pleno desenvolvimento, obrigações estas da família, da sociedade e do Estado (Brasil, 2006; Brasil, 2009). Fica claro que o interesse atual pela infância não se assemelha muito com a infância de momentos históricos anteriores. Todavia, Cavalcante e Jorge (2008) salientam que esse novo olhar não tem sido

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suficiente para assegurar o direito básico da convivência familiar, alvo da compreensão aqui proposta.

Não é novidade dizer que dos adultos dependem os principais cuidados a um indivíduo que esteja em suas primeiras fases de vida. Tais cuidados incluem proteção, zelo, alimentação, higienização, moradia e a partir destes cuidados, necessidades cognitivas, emocionais, físicas e sociais serão conquistadas e supridas na criança. Exclui-se desta consideração qualquer sugestão ideal àquilo que deve Exclui-ser administrado a cada criança. A escolha de prioridades de cuidados deve ser respeitada segundo um determinado contexto.

Alguns direitos são previstos nos artigos 4º e 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente à criança brasileira: direito à vida, à saúde, à alimentação, à cultura, ao lazer, ao esporte, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, a ser atendida com prioridade, direito de viver a salvo de negligências, discriminação, exploração, opressão e violência (Brasil, 2009; Deslandes, Assis, Gomes, Njaine & Constantino, 2005).

O cuidado prestado à infância brasileira, por parte tanto da família, quanto da sociedade como um todo, incluindo deste lado as três esferas do governo, a iniciativa privada e as instituições sociais, muitas vezes é permeado por atos que ferem tais direitos. Desta maneira, várias situações de descuidos são evidenciadas na realidade da infância brasileira atual, tais como: crianças vítimas de maus-tratos físicos, crianças abusadas sexualmente por algum familiar, crianças negligenciadas, crianças vítimas de exploração sexual, trabalho infantil, crianças vitimadas emocionalmente, crianças em situação de rua, abandono familiar, crianças acolhidas institucionalmente durante anos e abandonadas na instituição, entre outras.

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A tolerância aos maus-tratos à infância é bastante variável conforme a cultura que se avalie, num determinado momento histórico. Assim, algumas práticas aplicadas contra crianças que são consideradas como manifestações de violências em determinadas culturas podem tratar-se de atos corriqueiros em outra cultura diferente (Marmelsztjen, 2006). A partir desta consideração, as definições de maus-tratos e de violência doméstica são relativas a vários fatores e suscitam várias discussões quanto à conceituação destes termos. Portanto, a violência doméstica contra crianças e adolescentes representa todo ato ou omissão praticado por pais, parentes ou responsáveis contra crianças e∕ou adolescentes que – sendo capaz de causar dano físico, sexual e∕ou psicológico à vítima – implica, de um lado, uma transgressão do poder∕dever de proteção do adulto e, de outro, uma coisificação da infância, isto é, uma negação do direito que crianças e adolescentes têm de ser tratados como sujeitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento (Guerra, 2001, p. 32).

A família, também detentora do dever de cuidado e proteção em relação a criança, além do Estado e da sociedade, não raro, é o lugar onde seus membros podem encontrar desassossego e conflitos. Muitas vezes, por motivos econômicos, sociais e culturais (Moreira, 2007). A violência doméstica acaba sendo, muitas vezes, uma das formas encontradas de se relacionar em família. De acordo com Silva (2002), três entre dez crianças, com idade de zero a doze anos, sofrem algum tipo de maus-tratos dentro da própria casa, por parte dos pais, padrastos ou parentes.

Na fala de crianças vítimas de violência doméstica, é possível encontrar indícios de temor, medo, insegurança, humilhação e baixa-estima. Da Costa (2004) relata ainda que o medo da morte faz-se presente nos sentidos elaborados por crianças que passam por experiências de violência intrafamiliar. Tais sentimentos aparecem por estarem submetidas a um processo de apropriação e dominação do destino, do discernimento, da decisão livre e da pessoa do outro. Assim, tais crianças revelam seus sentimentos de insegurança, visto que daqueles que elas esperam a proteção, elas recebem agressão.

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A violência implicaria, diretamente, segundo Guerra (2001), uma transgressão do poder e do dever de proteção do adulto em relação à criança e, indiretamente, uma coisificação da infância. As principais formas de violência praticadas contra crianças evidenciam-se em comportamentos de violência física, violência sexual, violência psicológica e negligência (Guerra, 2001; Marmelsztejn, 2006).

A violência quando do tipo física, muitas vezes nomeada também como abuso físico, envolve a intenção de machucar, punir e provocar dor física na criança. Sendo assim, constitui-se como violência física toda ação feita conscientemente por pais ou responsáveis pela criança que causa algum dano físico nesta criança. Nesta modalidade inclui-se qualquer dano, desde um tapa até torturas, como queimar uma criança, chutá-la, quebrar seus ossos, entre outros atos até mais danosos à vida da criança. Muitos pais, ainda hoje, não percebem que este tipo de agressão, a violência física, independe da sua intensidade. Qualquer agressão física, mesmo uma palmada, é uma violência (Deslandes et al., 2005).

A violência psicológica, conforme Guerra (2001), é constatada quando uma criança é depreciada constantemente por um adulto, interferindo em sua auto-aceitação e causando-lhe grande sofrimento mental. Esta violência acontece através de gestos ou de agressões verbais, a fim de colocar medo, ou rejeitar e humilhar, ou cercear a liberdade isolando uma criança ou um adolescente do convívio social e familiar. Este tipo de violência é o tipo de violência mais comum nas relações familiares (Deslandes et al., 2005).

Segundo Guerra (2001), a negligência se evidencia em atos de omissão em prover necessidades físicas e emocionais a crianças ou adolescentes. Há que se levar em consideração o fato de que esta falha em prover satisfação a tais necessidades não incluem cuidados além da condição de vida familiar. Além da família, o governo e a sociedade

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também são responsáveis por disponibilizarem cuidados a crianças e adolescentes, podendo existir atos de negligência por parte deles também. Deslandes et al. (2005) salientam que para que se reconheça e confirme que um determinado ato constitui-se como negligência deve-se avaliar se, por parte de quem executa tal ato, não há o interesse em prestar os cuidados básicos necessários a uma criança ou adolescente, a fim de que cresça com saúde e segurança; e também se os comportamentos negligentes são freqüentes e continuados, excluindo então desta categoria de violência atitudes esporádicas.

Outra realidade de algumas crianças vitimadas é representada por suas vivências na rua. Para muitas crianças vítimas de violência doméstica a rua coloca-se como uma alternativa, como um lugar de sobrevivência, como um lugar de passagem, como possibilidade de ganhos financeiros, como esconderijo, como espaço de formação de vínculos, etc. Em busca de garantir meios de sobrevivência, que são direitos previstos, muitas crianças e adolescentes percebem na rua um local de satisfação de necessidades básicas ou não (Moreira, 2007).

Diante destas situações de vulnerabilidade que muitas crianças passam, algumas delas são levadas para instituições de acolhimento, encaminhadas pelo Conselho Tutelar ou pelo Juizado da Infância e da Juventude. No presente trabalho, o foco recai sobre tais crianças, aquelas que não são concebidas como sujeitos de direitos e que em suas histórias de vida carregam algum tipo de descuido aos seus direitos , seja ele qual for. De acordo com Marmelsztejn (2006), segundo o olhar social e institucional, a criança que está em situação de acolhimento institucional é aquela “criança que não tem”. Seus direitos acabam sendo negligenciados ou feridos antes e após ser acolhida institucionalmente.

É fato que a criança institucionalizada passou por vivências de violência e/ou abandono antes de chegar ao abrigo. Some-se a isso o fato de, após ser acolhida, muitas vezes defrontar-se com o olhar institucional e social que a qualifica por aquilo que ela não tem: é uma criança sem família, sem lar, sem possibilidades, sem passado (uma vez que deve esquecê-lo por ser demasiadamente sofrido) e sem

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futuro. E às vezes também até sem um presente, já que o abrigo em geral não se vê como uma boa alternativa para a criança crescer e se desenvolver. O tratamento lá dispensado costuma ser massificado, sem a possibilidade de acolher o que há de mais singular e próprio da criança. ... O abrigo pode ser considerado, nessa perspectiva, um “não-lugar”, um hiato entre uma história preexistente, da qual não se quer lembrar, e um futuro incerto, marcado pela desesperança relativa a não se pode ter um lugar no mundo (Marmelsztejn, 2006, p. 18).

1.2. A Assistência à Infância no Brasil até a formulação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

No Brasil, a assistência à infância abandonada passou por diferentes fases: primeiramente, a fase caritativa, até meados do século XIX, quando as crianças eram cuidadas segundo os costumes da época e independente de seus desejos e tinha como marca principal seu conteúdo paternalista, o sentimento de fraternidade humana e a caridade; posteriormente, junto com uma ideologia higienista e os avanços técnico-científicos veio a fase filantrópica, perdurando até meados do século XX, a fase do Estado do Bem-Estar do Menor e, finalmente, a atual fase consubstanciada na Doutrina de Proteção Integral (Marcílio, 1998; Rocha & Ferreira, 2003).

A experiência de colocar crianças consideradas em situação de vulnerabilidade social, familiar e econômica em abrigos não é uma prática exclusiva do momento histórico atual. Já na Idade Média, crianças abandonadas eram assistidas em hospitais da Europa (Priore, 2004). Segundo estudos existentes até então, é no Brasil Colônia que se inicia a institucionalização de crianças no Brasil (Leite, 1991; Priore, 1991; Marcílio, 1998; Santos, 2007).

De acordo com Priore (1991), durante a colonização portuguesa, os jesuítas estavam incumbidos da função de catequizar e evangelizar as crianças indígenas. Este foi caracterizado como o primeiro trabalho realizado com crianças e adolescentes no Brasil.

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Por volta de 1558, começaram a surgir as “Casas dos Muchachos”, onde os jesuítas colocavam os indiozinhos filhos de gentios e os órfãos de pai português e mãe brasileira, a fim de alfabetizá-los e ensinar-lhes os bons costumes do reino (Priore, 1991; Dos Santos, 2004).

Sob a influência da Igreja e do sistema de assistência a crianças abandonadas presente na Europa, em virtude do crescimento dos enjeitados no Brasil colonial, começou-se a se pensar em sistemas de recolhimentos dos ditos “expostos”. Surgiram as Rodas dos Expostos (Dos Santos, 2004).

A Roda consistia em um dispositivo cilíndrico, giratório de madeira, com uma parte para fora e outra parte para dentro da casa, no qual as crianças eram deixadas sem identificar quem as abandonavam (Marcílio, 1998; Dos Santos, 2004).

Como fora dito, a fase caritativa de assistência à infância desvalida vigorara do período colonial até meados do século XIX. Além das Rodas dos Expostos, os desvalidos também eram assistidos em casas de famílias, em virtude da caridade pregada pela religião e também por proporcionarem mão-de-obra gratuita. No entanto, depois de instaladas as Rodas no Brasil e serem reconhecidas pelas sociedades, a maior parte das crianças enjeitadas eram depositadas nas Rodas (Marcílio, 1998).

A Roda dos Expostos destinava-se ao acolhimento de bebês abandonados. Eram criados até os três anos de idade por amas-de-leite mercenárias. Após esta idade, voltavam para a Casa dos Expostos, que tentava meios de colocar tais crianças em casas de famílias (Marcílio, 1998).

Com o objetivo de salvar a vida de bebês abandonados, afastando-os da perigosa camada envolvida com a prostituição e a vadiagem, a instituição da Roda apresentava significados contraditórios. Além deste objetivo, a Roda também era usada como ameaça

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para as crianças obedecerem aos pais, estimulando o abandono e a irresponsabilidade dos pais. Onde existiu, ela fora bastante discutida e questionada (Leite, 1991).

Mesmo reconhecendo seu objetivo de salvar a vida de bebês e crianças, Borrione e Chaves (2004) ressaltam que a prática de constantes mudanças domiciliares impediam o estabelecimento de um vínculo afetivo sadio com uma pessoa. Enfatizam que tais práticas, traçadas de acordo com a disponibilidade ou com as necessidades sociais, preocupavam-se com o desenvolvimento futuro das crianças, sem que estas soubessem. As autoras citam que muitos expostos fugiam das instituições em revolta a essas situações.

Ligadas diretamente às Santas Casas de Misericórdia, as Rodas do Brasil funcionaram precariamente desde o período colonial, disseminou-se no Brasil Império, mantendo-se durante a República e foi extinta somente na década de 1950. Sempre com pouca verba e em situações insalubres. Gradativamente perderam sua autonomia e passaram a depender financeiramente dos governos (Marcílio, 1998).

Algo bastante peculiar à história da infância goiana nos séculos XVIII e XIX foi em relação às situações de abandono de crianças. Diferente do restante do Brasil, Goiás não teve a instalação da Roda dos Expostos. Comparado com outras regiões, Goiás apresentava um baixo índice de abandono infantil. Isto se explicaria pelo costume das famílias de “dar para criar” e também pela cultura indígena em cuidar bem das crianças (Valdez, 2003).

Na fase filantrópica da assistência à infância desvalida, em virtude das grandes transformações sociais que o país passava, as políticas públicas voltadas para a infância também sofreram profundas mudanças. Junto com a abolição da escravatura, a queda da monarquia, a imigração abundante, a industrialização crescente, aumento da pobreza e os avanços científicos, nasceu a “questão do menor”, exigindo políticas públicas renovadas (Marcílio, 1998).

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Nesta época, os médicos higienistas atacaram em várias frentes, em prol da defesa da infância: combate à mortalidade infantil, cuidados corporais, estudos, educação de mães, entre outras. No final do século XIX, os juristas também passaram a se preocupar com esta infância abandonada. Nestes novos movimentos, somente as Rodas não respondiam à demanda e às novas exigências. Para os filantropos, o extermínio da Roda era uma questão social, humanitária e científica (Marcílio, 1998).

Marcílio (1998) coloca que “sofrendo o ataque da medicina higiênica e de novos projetos de institucionalização da infância abandonada e delinqüente, a Roda acabou por se tornar um paradigma negativo e arcaico de institucionalização.” (p. 201).

No entanto, a cultura de institucionalização não se findou, ela somente mudou em suas práticas. A partir daí foram surgindo: os Asilos de Órfãos Desvalidos, os estabelecimentos totais de reclusão, as Colônias agrícolas, as Colônias industriais, os institutos de internamento e recuperação de jovens infratores, etc (Marcílio, 1998).

A maior ênfase sobre as crianças ocorreu após 1850, quando o Estado imperial se estabelecia. No entanto somente a partir de 1870, com a proposta da Lei do Ventre Livre, que a problemática da educação, proteção e amparo das crianças ganhou maior espaço (Abreu & Martinez, 1997).

Esta legislação, ao declarar livres os descendentes de escravas nascidos a partir de sua promulgação e dando a opção de entregar tais crianças aos oito anos ao Estado em troca de indenização ou usar esta mão-de-obra até os 21 anos, trouxe resultados contraditórios à tal discussão. Ou se estimulava o regime escravista, visto que a maioria dos senhores usavam esta mão-de obra até os 21 anos da criança, ou estas crianças eram desvalorizadas como mercadoria, sendo abandonadas na rua e posteriormente abrigadas. Entretanto, a partir desta legislação possibilitou-se discutir sobre várias questões da criança. Mais do que isto, ela nasce como um problema social (Abreu & Martinez, 1997).

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Nesta época, em virtude das famílias pobres serem consideradas criadoras de criminosidade, começou-se a fundar escolas públicas, asilos, creches, escolas industriais e agrícolas profissionalizantes e uma legislação de correção própria para os menores (Abreu & Martinez, 1997).

Enfim, o século XIX, época de acontecimentos econômicos, políticos e sociais muito importantes no país, como o advento da era industrial capitalista, a revolução científica e a emancipação política do país, foi marcado por novos rumos e interesses. A criança deixou de ser responsabilidade da família e da Igreja e tornou-se competência também do Estado. Junto com a noção de construir a nação brasileira ideal, salvando-a do atraso e da ignorância, a criança simbolizava, neste momento histórico, a esperança e o futuro da nação (Rizzini, 1997).

Assim, por um lado, caso a criança fosse educada ou, se necessário fosse, retirada da sociedade e reeducada, certamente no futuro seria útil à sociedade. Cabia ao Estado então cuidar daquelas crianças que tinham famílias que não eram capazes de criarem seus filhos. Já por outro lado, contrária à imagem de esperança representada pela infância, a criança também representava ameaça, na medida em que devia ser afastada do caminho da criminalidade, das ruas, da perversão (Rizzini, 1997).

Após a Proclamação da República, em 1889, as temáticas em relação à infância mudaram um pouco de foco. Iniciou-se a época repressiva. Surgiram dispositivos legais de correção para os vadios e o internamento dos menores vagabundos (Abreu & Martinez, 1997).

Martinez (1997) coloca que já no fim do século XIX, diferenciou-se as infâncias em crianças pobres (as necessitadas); crianças órfãs e abandonadas (sem responsáveis); crianças perigosas (que cometeram delitos penais) e crianças ingênuas (filhos de mães

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escravas). Para assistir a estes, diferentes soluções eram dadas, respectivamente: ensino primário; asilos; escolas correcionais e colônias agrícolas.

O novo século foi marcado por crueldades incalculáveis aplicadas a crianças e jovens. Passeti (2000) coloca que os problemas que nasceram junto à dureza da vida social vigente resultaram na necessidade de novas prioridades no atendimento social. Assim, a fase de filantropia privada foi ultrapassada para uma fase na qual o Estado assumiu as questões da infância como problemas sociais dignos de políticas sociais e legislações específicas.

Durante o século XIX, o termo menor era utilizado mais freqüentemente na legislação penal para designar todos aqueles que ainda não tinham completado 21 anos. Na língua corrente usava-se o termo infância fazendo referência à fase de vida anterior da maioridade. Já no início do século XX, o termo menor passa a ser utilizado corriqueiramente com uma conotação diferente da utilizada até então. A forma de categorizar a infância transformou-se. A palavra menor tornou-se uma categoria jurídica e social, para nomear a infância pobre-abandonada e delinqüente, devido a ausência de recursos morais e materiais (Rizzini, 1997).

Os ´menores´, sobre os quais incidia a necessidade de assistir e proteger, passaram a ser alvo de minuciosa investigação para que se chegasse a uma classificação de “seu caso”, a partir da qual seria definido o tipo de tutela mais indicado. Procurava-se escrutinar a sua história, abordando sua filiação, naturalidade, residência, precedentes, estado físico e mental, herança, relações familiares, ocupação, educação, saúde e moralidade. A partir daí chegava-se a uma classificação da criança ou jovem, procurando-se detectar seu `grau de perversão`: se abandonado ou delinqüente, se vicioso, se portador de má índole ou más tendências, se vagabundo, pervertido, libertino (“ou em perigo de o ser...”). (Rizzini, 1997, p. 223).

Observa-se que na República, as diferentes categorizações da infância foram alvo de preocupação por parte dos educadores. O “menor”, pertencente às “classes perigosas” deveria ser especialmente controlado através da educação elementar e profissionalizante,

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oferecidas pelo Estado (Martinez, 1997; Marcílio, 1998). Até a virada do século, as crianças que cometiam algum ato recriminado socialmente eram levadas para delegacias e prisões comuns (Dos Santos, 2004).

Com o objetivo de pesquisar a instituição de auxílio e proteção à infância abandonada do século XIX em Salvador, Bahia, Borrione e Chaves (2004) colocam que, ao observar-se as denominações utilizadas para se referir às crianças, pode-se dizer que houve uma progressiva mudança na compreensão da infância abandonada.

Primeiramente, concebia-se parcialmente a infância como uma fase particular do desenvolvimento, referindo-se às crianças como expostos e expostas e, com menor freqüência, a meninos e meninas, crianças e rapazes. Neste período da história (fim do século XIX), ainda predominava uma idéia negativa em relação ao abandono, sendo que predominantemente somente a sobrevivência, a saúde e a salvação das almas eram focos de atenção à infância (Borrione & Chaves, 2004).

Exemplo desta mudança de compreensão da infância, em contrapartida, nas primeiras décadas do século XX, a criança já era vista como ser em início da criação, a qual deveria ser salva e protegida da sua situação de miserabilidade e abandono. Com o advento desta nova visão de infância: a criança como projeto de futuro, iniciou-se a estruturação de programas educativos e de formação profissional (Borrione & Chaves, 2004).

Já no séc. XX, na década de 1920, começou-se a levantar a bandeira de democratização da escola pública e da difusão do ensino às crianças e jovens. O Estado começou a assumir a proteção de crianças e adolescentes, o que até então partia de iniciativas privadas. Surgiram então vários órgãos de assistência às crianças como asilos, educandários, penitenciárias e reformatórios para menores (Abreu & Martinez, 1997).

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Em 1923 foi criado o primeiro Juizado de Menores no Brasil, no Rio de Janeiro. Em 1927, foi aprovado o Código de Menores, uma legislação acerca da proteção e assistência aos menores, que acabou sendo reformulado posteriormente em 1979 (Dos Santos, 2004).

Este Código teve como principal fim introduzir a Doutrina da Situação Irregular do menor. Ainda predominava a concepção da infância e adolescência como delinqüentes ou menores abandonados. Prorrogaram-se ainda mais a prática de assistência asilar e de segregação de crianças e adolescentes. Moreira (2007) ressalta o predomínio, até nesse momento histórico, de políticas que privilegiavam práticas excludentes, repressivas e assistencialistas.

Com o Código de Menores, o Estado respondia com internação à situação de abandono infantil, aplicando medidas corretivas a qualquer comportamento delinqüente cometido. “Os abandonados estavam na mira do Estado.” (Passeti, 2000, p. 355).

No pós-1937, na trajetória de reconstrução do Estado, novas repercussões foram dadas à legislação da infância. Com a idealização da harmonia entre capital e trabalho geridos pelo Estado, a política estatal voltou-se para a assistência à maternidade, às crianças e jovens. Enfatizou-se também a assistência social (Abreu & Martinez, 1997).

Na década de 1950, a chamada questão do menor foi ampliada. O processo de modernização e industrialização, o crescimento das cidades, a concentração de renda e o aumento das desigualdades e da pobreza refletiram grandes impactos na população de crianças e adolescentes: elevada taxa de mortalidade infantil, queda da expectativa de vida, trabalho infantil, evasão escolar, número grande de crianças nas ruas. A eficácia das políticas existentes até então começaram a ser questionadas (Dos Santos, 2004).

Em virtude do agravamento da situação das crianças e adolescentes brasileiros Dos Santos (2004) coloca que a questão menor se transformou em caso de polícia. A década de

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60 foi marcada pela busca do Estado em diluir os problemas sociais através da violência. Em 1964 surgiram a FUNABEM, Fundação Nacional de Bem-Estar Social, com função normativa de formular e instalar nos estados a PNBM, Política Nacional do Bem-Estar Social, e as FEBEM‟s, as fundações estaduais responsáveis pela execução da política nacional.

Nas décadas de 1960 e 1970, o autoritarismo e a exclusão marcaram as políticas de infância no Brasil. No entanto, com a abertura democrática de 1980, começou-se a pensar mais sobre os direitos da criança e do adolescente e dos deveres do Estado em relação a estes (Abreu & Martinez, 1997).

O interesse científico, nos primeiros anos da década de 1980, também desdobrou-se em questionar e estudar a utilização do termo “menor”. Tal termo caracterizava o indivíduo objeto de ações políticas e religiosas, sem oportunidade de desejos e de vontades (Gontijo & Medeiros, 2007).

Em 1988, a redemocratização do país fora contemplada pela nova Constituição Federal. Ao enfatizar os direitos humanos e a descentralização administrativa e política, segundo Rocha e Pereira (2004), a Constituição Federal de 1988 inovou na proteção à criança e ao adolescente ao adotar a Doutrina da Proteção Integral, abandonando a Doutrina da Situação Irregular. Aquela destinava-se apenas aos menores de 18 anos que estavam em situação de abandono e delinqüência. A nova doutrina veio para contemplar toda a infância e dar a ela o status de prioridade absoluta.

A Constituição Federal de 1988 abordou acerca do fim da estigmatização vinda da relação pobreza-delinqüência, abrindo caminho para discussões férteis. Mas é apenas em julho de 1990 que o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Federal n. 8069 foi aprovado. A criança é então considerada em sua plenitude (Passeti, 2000).

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O termo “menor” é abandonado e as unidades da FEBEM foram substituídas por programas descentralizados, em casas alugadas em vários locais espalhados, onde eram colocados meninos e meninas de rua que necessitavam de adoção, orientação, escola ou trabalho. A internação de menores continua, salvo as recomendações do ECA em aplicar esta medida somente em situações que não existir outra solução (Passeti, 2000).

Com a reforma proposta pelo ECA, surgiu um novo vínculo entre o Estado e as organizações não-governamentais, um novo tipo de assistência à infância brasileira. O Estado passa a orientar e supervisionar as ações em âmbito nacional, mas reduz sua atuação efetiva no atendimento, fazendo com que organizações não-governamentais aparecessem em grande quantidade. Há o início de uma política facilitadora e de isenções tributárias a empresas que invistam em organizações não-governamentais. Estas organizações ficam responsáveis pelo atendimento de carentes, abandonados e vítimas de violências ou negligências em geral (Passeti, 2000).

A partir do ECA, o Conselho Tutelar é criado, sendo este um órgão autônomo e permanente, não-jurisdicional, com a função de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, sendo que seus membros conselheiros devem ser escolhidos e fiscalizados pela sociedade (Passeti, 2000).

São nas sociedades modernas que a noção de igualdade entre os indivíduos surge. No entanto, a categoria de cidadania é entendida como histórica, socialmente variável e dinâmica. Desta maneira, por mais que somente recentemente que a noção de cidadania tenha se juntado à concepção de Infância e Adolescência, isto veio sendo construído por um longo tempo, com várias contribuições e opiniões, até sua atual estruturação (Dos Santos, 1999).

Dentre vários defensores da mudança de status da criança perante a sociedade, já na segunda metade do século XIX um movimento civil internacional é responsável no

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processo de universalização dos direitos da criança. Entre tais defensores encontram-se a sueca Ellen Key, uma das pioneiras a escrever sobre os direitos da criança - o de escolher seus próprios pais; o pediatra polonês Janusz Korczak, defendendo a participação democrática das crianças nas tomadas de decisões; e a inglesa Eglantyne Jebb, contribuindo com o princípio da universalidade do direito das crianças e com suas lutas em favor do movimento internacional de advocacia dos direitos das crianças (Dos Santos, 1999).

Percebe-se então, conforme Dos Santos (1999) coloca, que o movimento existente no Brasil em prol da infância evoluiu de uma concepção de criança-objeto para a de sujeito de direitos e de um enfoque assistencial para o político.

1.3. A Medida Acolhimento Institucional após a formulação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

No que diz respeito à legislação, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) representou uma reviravolta. Não surgiu destinado aos “menores”, mas a todas as crianças e adolescentes da nação brasileira, sem distinção, com direitos básicos garantidos. As crianças passam de objetos a Sujeitos de Direitos (Marcílio, 1998; Dos Santos, 2004).

Considerando-se esta reviravolta, segundo o ECA:

A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade (Brasil, 2009, p. 14). Ressalta-se a contribuição do ECA em relação ao que preconiza a respeito da situação de acolhimento institucional de crianças e adolescentes, em virtude desta ser o principal foco desta pesquisa. Até então, a institucionalização de crianças sustentava as

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práticas das políticas públicas destinadas à infância e adolescência. Instaura-se uma política de desinstitucionalização, sendo que o abrigo passa a ser indicado somente em casos excepcionais (Dos Santos, 2004; Gontijo & Medeiros, 2007).

Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família, e excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes (Brasil, 2009, p. 19).

Recentemente, no dia 03 de agosto de 2009, foi aprovada a Lei 12.010/2009, conhecida como a Nova Lei de Adoção, passando a vigorar 90 dias após a data de sua publicação. Nesta, várias alterações foram feitas tanto no texto do Estatuto da Criança e do Adolescente, quanto na prática em relação ao que era realizado pelas políticas de proteção à infância e adolescência. Uma das mudanças é a substituição da palavra abrigo pela expressão acolhimento institucional.

O acolhimento institucional é a sétima medida de proteção prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente que deve ser aplicada, sempre que os direitos da criança e do adolescente forem ameaçados ou violados. Segundo a legislação, a medida de proteção de acolhimento institucional deve objetivar ao fim a reintegração ou reinserção familiar, sendo que os vínculos familiares e comunitários devem ser cultivados até que tais situações não ocorrem (Brasil, 2009).

O ECA, com suas novas reformulações, define em seu artigo 92º os seguintes princípios a serem seguidos pelas entidades que desenvolvem programas de acolhimento institucional (Brasil, 2009, pp.66-67):

I – preservação dos vínculos familiares e promoção da reintegração familiar;

II – integração em família substituta, quando esgotados os recursos de manutenção na família natural ou extensa;

III – atendimento personalizado e em pequenos grupos;

IV – desenvolvimento de atividades em regime de co-educação; V – não-desmembramento de grupos de irmãos;

VI –evitar, sempre que possível, a transferência para outras entidades de crianças e adolescentes abrigados;

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VII – participação na vida da comunidade local; VIII – preparação gradativa para o desligamento;

IX – participação de pessoas da comunidade no processo educativo.

É inegável que o ECA rompeu com concepções e práticas indevidas em relação à infância brasileira, não somente àquelas nomeadas como pobres, abandonadas ou delinqüentes. Com o ECA, à criança é dado um status de prioridade absoluta. No entanto, influenciados por vários fatores, o acolhimento de crianças em abrigos ainda é um dos caminhos que as famílias brasileiras e o Estado encontram para garantir a sobrevivência destes indivíduos, apontando para uma cultura da prática da institucionalização (Orionte, 2004; Gontijo & Medeiros, 2007; Janczura, 2008; Azôr & Vectore, 2008).

Percebe-se também, que a situação de acolhimento institucional de crianças raramente se faz temporariamente. Por vários motivos, tais crianças permanecem ali por muito tempo. O uso desta medida tem-se configurado como uma política pública que põe em risco a aplicabilidade dos princípios legais do Estatuto da Criança e do Adolescente, não garantindo, por exemplo, o direito à convivência familiar e comunitária. Sendo assim, acaba a não servir para a proteção efetiva das crianças e dos adolescentes (Janczura, 2008). Em 2002, em uma pesquisa coordenada por Silva (2003), realizou-se um levantamento nacional dos abrigos para crianças e adolescentes da rede de serviço de ação continuada (SAC). Nesta, pôde-se encontrar cerca de 20 mil crianças e adolescentes vivendo em 589 abrigos pesquisados em todo o Brasil. Entre os principais motivos do abrigamento das crianças e dos adolescentes pesquisados estão a carência de recursos materiais da família (24,1%); o abandono pelos pais ou responsáveis (18,8%); a violência doméstica (11,6%); a dependência química de pais ou responsáveis (11,3%); a vivência de rua (7,0%); a orfandade (5,2%); a prisão dos pais ou responsáveis (3,5%) e o abuso sexual praticado pelos pais ou responsáveis (3,3%) (Silva, 2004).

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Contrariamente ao que o ECA dispõe no artigo 23, pode-se perceber que a pesquisa referida revelou que o motivo de mais da metade dos encaminhamentos de crianças e adolescentes a entidades de acolhimento institucional foram a pobreza familiar. Segundo o ECA,

A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo de suspensão do poder familiar. Parágrafo único: Não existindo outro motivo que por si só autorize a decretação da medida, a criança ou o adolescente será mantido em sua família de origem, a qual deverá, obrigatoriamente, ser incluída em programas oficiais de auxílio (Brasil, 2009, p. 21).

Silva (2004), ainda, revela outros dados que contradizem ao que é legislado no ECA. Em relação ao tempo de permanência no abrigo, os dados encontrados demonstram que mais da metade das crianças e dos adolescentes pesquisados (52,6%) viviam nas instituições há mais de dois anos, sendo que, dentre elas, 32,9% estavam nos abrigos por um período entre dois e cinco anos; 13,3%, entre seis e 10 anos; e 6,4%, por um período superior a 10 anos. No entanto, o ECA define o abrigo como uma medida de caráter provisório.

Segundo Silva e Mello (2004), o acolhimento institucional acaba substituindo outras medidas preventivas, isto porque as que existem são ineficientes ou não chegam de fato a existir. Em virtude disto, a privação da convivência familiar continua acontecendo por causas que poderiam ser solucionadas com projetos voltados à promoção integral da família, evitando assim o ato de abrigar.

Um importante marco para o planejamento de efetivação das propostas previstas no ECA surgiu em 2006, com a construção do Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente à Convivência Familiar e Comunitária. Tal plano surgiu com o intuito de dar prioridade ao direito de convivência familiar e comunitária que até então foi violado com muita freqüência. O PNFC marcou o

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enfrentamento à cultura de institucionalização de crianças e adolescentes no Brasil (Valente, 2008).

A partir deste, vários projetos têm surgido a fim de que se cumpra a garantia deste direito a todas as crianças e adolescentes. Algumas experiências científicas serão relatadas no capítulo seguinte. A Lei Nacional de Adoção, lei 12.010, de 03 de agosto de 2009, propôs várias reformulações que tentam minimizar com esta prática cultural de institucionalização de crianças. Algumas destas reformulações ou acréscimos são: substituição da palavra abrigo pela expressão “acolhimento institucional”; substituição da expressão “pátrio poder” por “poder familiar”; o dever dos dirigentes das entidades de acolhimento institucional em remeter à autoridade judiciária um relatório acerca da situação da criança a cada seis meses; inserção dos programas de acolhimento familiar como um tipo de medida de proteção; o dever da entidade responsável pelo programa de acolhimento institucional de encaminhar imediatamente após o acolhimento da criança ou do adolescente um plano individual de atendimento que vise a reintegração familiar à autoridade judiciária; este plano individual deve ser elaborado por uma equipe técnica do respectivo programa e deve ser considerada a opinião da criança e dos pais ou responsáveis; para que uma criança ou adolescente seja abrigado tornou-se necessário uma autorização judiciária, através do preenchimento de uma Guia de Acolhimento (Brasil, 2009).

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Capítulo II

MODELOS DE INTERVENÇÕES E PESQUISAS SOBRE O ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL

Vários estudos, ao longo dos anos, têm sido realizados em relação à situação de acolhimento institucional de crianças em vulnerabilidade social. O que se percebe é que tais estudos apresentam diferentes opiniões sobre o papel desta medida de proteção na vida da criança.

Um ramo dos estudos científicos dedicados à institucionalização de crianças e adolescentes é voltado para a compreensão histórica e social do ato de colocar crianças e adolescentes abandonados em abrigos, desde o surgimento desta prática até os dias atuais, passando pela discussão das diferentes concepções de infância vigente em cada época e dos fatores envolvidos no uso desta medida. (Priore, 1991; Leite, 1991; Dos Santos, 1996; Abreu & Martinez, 1997; Martinez, 1997; Rizzini,1997; Marcílio, 1998; Dos Santos, 1999; Silva, 2003; Valdez, 2003; Borrione & Chaves, 2004; Priore, 2004; Dos Santos, 2004; Ramos, 2004).

Alguns outros autores, além de debruçarem-se sobre a história da infância abandonada brasileira, dedicaram-se também em dar alternativas e soluções aplicadas aos problemas relacionados ao acolhimento institucional. Enfim, relatam e sistematizam políticas públicas efetivas de proteção à infância, que garantam realmente o direito à convivência familiar e comunitária (Tostes, 2005; Camargo, 2007; Bento, 2008; Cavalcante & Jorge, 2008; Pereira, 2008; Valente, 2008). Vários estudos têm sido realizados nos últimos anos no sentido de buscar alternativas ao acolhimento institucional. Não significa ainda uma tentativa de extinção dos abrigos, mas sim propostas de oferecer

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