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Ensino de história na educação básica : (re)significando valores sobre os povos indígenas do Espírito Santo

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Academic year: 2021

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INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA

WELINGTON BATISTA DOS ANJOS

ENSINO DE HISTÓRIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA: (RE)SIGNIFICANDO

VALORES SOBRE OS POVOS INDÍGENAS DO ESPÍRITO SANTO

Vitória 2018

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WELINGTON BATISTA DOS ANJOS

ENSINO DE HISTÓRIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA: (RE)SIGNIFICANDO

VALORES SOBRE OS POVOS INDÍGENAS DO ESPÍRITO SANTO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Matemática – Campus Vitória do Instituto Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção de título de Mestre em Educação em Ciências e Matemática.

Orientadora: Profa. Dra. Ligia Arantes Sad

Vitória 2018

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(Biblioteca Nilo Peçanha do Instituto Federal do Espírito Santo) A599e Anjos, Welington Batista dos.

Ensino de história na educação básica: (re)significando valores sobre os povos indígenas do Espírito Santo / Welington Batista dos Anjos. – 2018.

132 f. : il. ; 30 cm

Orientadora: Ligia Arantes Sad.

Dissertação (mestrado) – Instituto Federal do Espírito Santo, Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Matemática, Vitória, 2018.

1. História – Estudo e ensino. 2. Educação não formal. 3. Educação ambiental. 4. Indios I. Sad, Ligia Arantes. II. Instituto Federal do Espírito Santo. III. Título.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus em primeiro lugar pela oportunidade, saúde e capacidade intelectual para concluir mais esta etapa importante em minha vida.

À Veruska, esposa e companheira, que acreditou em mim desde o começo, me apresentando o EDUCIMAT, incentivando-me a estudar e insistindo para que eu não me acomodasse como professor.

Aos meus familiares, que apesar da distância, sempre contribuíram para minha formação humana e profissional.

À minha orientadora, Prof.ª Ligia Arantes Sad, que acreditou no projeto e me incentivou nessa caminhada, permitindo o desenvolvimento da pesquisa com apoio e tomada de decisões sempre de maneira democrática, respeitosa e com autonomia.

Aos professores Antônio Donizetti, Claudia Alessandra de Araújo Lorenzoni e Celeste Ciccarone, por aceitarem fazer parte da minha banca e por sugerirem mudanças que foram significativas para melhorar o trabalho e torná-lo mais científico.

Aos colegas do EDUCIMAT da turma 2015/2, formada por professores que atuam em outras disciplinas, fato que me ajudou a desconstruir a ideia do saber histórico fragmentado e isolado das outras áreas do conhecimento.

Aos amigos Paulo Passamai e Juliana Casotto por serem meus companheiros de trabalhos, pesquisas e publicações, por contribuírem para meu desenvolvimento intelectual e pelos momentos de descontração, alegria e solidariedade que vivemos nos espaços formais e não formais.

À Prefeitura Municipal de Vila Velha por me conceder a licença para o desenvolvimento da pesquisa.

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Aos estudantes da UMEF TI Ulisses Álvares que participaram da pesquisa, por toda disponibilidade, parceria e vontade.

Aos meus colegas e amigos professores, pedagoga, coordenadora do turno vespertino e às diretoras Cristina e Cirléia da UMEF TI Ulisses Álvares, por colaborarem e tornarem possível a realização da pesquisa com os estudantes.

Ao amigo Mauro Karaí, pelo apoio à pesquisa, por ser o nosso principal interlocutor e mediador na aldeia Guarani em Três Palmeiras e por tornar possível o encontro dos estudantes com uma comunidade indígena.

Ao Alessandro Poletto, por sua eficiência e disponibilidade.

À equipe gestora da EMEF Talma Sarmento de Miranda, por compreender a importância desse momento de formação intelectual e profissional, alterando e/ou flexibilizando meu horário de trabalho para que pudesse cumprir os créditos das disciplinas.

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

Autarquia criada pela Lei n° 11.892 de 29 de Dezembro de 2008 PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E

MATEMÁTICA RESUMO

A história dos povos indígenas do Brasil tem sido, ao longo dos anos, reproduzida e ensinada em muitas escolas sob uma perspectiva eurocêntrica e etnocêntrica. Essa visão do “índio” como “selvagem” e “não civilizado”, construída no passado pelos colonizadores europeus, interessados em dominar as populações nativas e suas terras, continua sendo usada no presente como estratégia para dificultar o acesso aos direitos indígenas, estabelecidos pela Constituição de 1988. O trabalho procurou desmitificar essas representações e significados, que os estudantes de uma unidade municipal de ensino fundamental, localizada em Vila Velha - Espírito Santo manifestaram sobre os indígenas quando iniciamos a pesquisa. Buscamos uma abordagem sociocultural, em consonância com os ensinamentos de Paulo Freire, para que os educandos pudessem construir novos significados a respeito desses povos. Para alcance dos objetivos utilizamos uma Sequência Didática aberta – implementada aos poucos, conforme a participação dos estudantes – e feita a partir dos três momentos pedagógicos, sugeridos por Delizoicov, sendo que no primeiro momento buscou-se problematizar a historicidade dos povos nativos do Brasil bem como os conhecimentos que os educandos já possuíam sobre eles. No segundo momento, a produção dos dados ocorreu durante as visitas em espaços de educação não formal utilizando a metodologia da aula de campo, que propõe uma relação entre os sujeitos e o ambiente, pautada na ação mediadora e dialógica. No terceiro momento pedagógico, efetuamos as análises de todos os dados produzidos nos momentos anteriores, retomando os temas que foram elencados na Problematização Inicial, onde constatamos que as aulas de campo desenvolvidas nos espaços não formais contribuíram para (re)significar os conhecimentos dos educandos sobre os indígenas do Espírito Santo, ressaltando sua importância na constituição da identidade capixaba.

Palavras-chave: Historicidade indígena no Espírito Santo. Aulas de campo. Espaços não formais. Educação Ambiental Crítica.

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

Autarquia criada pela Lei n° 11.892 de 29 de Dezembro de 2008 PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E

MATEMÁTICA ABSTRACT

The history of the indigenous peoples of Brazil has been reproduced and taught in many schools from a Eurocentric and ethnocentric perspective over the years. This view of the "Indian" as "savage" and "uncivilized", built in the past by European settlers interested in dominating native populations and their lands, continues to be used today as a strategy to hinder access to indigenous rights established by Constitution of 1988. The work sought to demystify these representations and meanings, which the students of a municipal elementary school unit, located in Vila Velha - Espírito Santo, expressed about the natives when we started the research. We sought a sociocultural approach, in line with the teachings of Paulo Freire, so that learners could construct new meanings about these peoples. In order to reach the objectives, we used an open Didactic Sequence - implemented gradually, according to the students' participation - and it was done from the three pedagogical moments, suggested by Delizoicov, being that in the first moment we tried to problematize the historicity of the native peoples of Brazil as well as the knowledge that the learners already had about them. In the second moment, the data production occurred during the visits in spaces of non-formal education using the methodology of the field class, which proposes a relationship between the subjects and the environment, based on the mediating and dialogical action. In the third pedagogical moment, we carried out the analyzes of all the data produced in the previous moments, returning to the themes that were listed in the Initial Problematization, where we verified that the field classes developed in non-formal spaces contributed to (re) the indigenous of the Holy Spirit, emphasizing its importance in the constitution of the identity of Espírito Santo. Key words: Indigenous historicity in Espírito Santo. Field lessons. Non-formal spaces.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Mapa da localização geográfica da Prainha. ... 62

Figuras 2 – Museus Casa da Memória e Homero Massena. ... 63

Figuras 3 – Museus Casa da Memória e Homero Massena. ... 63

Figura 4 – Aldeia Três Palmeiras. ... 64

Figura 5 – Entrada da aldeia Três Palmeiras. ... 65

Figuras 6 – Estudantes na Prainha – Vila Velha, Espírito Santo. ... 81

Figuras 7 – Estudantes na Prainha – Vila Velha, Espírito Santo. ... 81

Figuras 8 – Estudantes na Prainha – Vila Velha, Espírito Santo. ... 81

Figuras 9 – Estudantes na Prainha – Vila Velha, Espírito Santo. ... 81

Figuras 10 – Estudantes visitando a Gruta do Frei Pedro Palácios, Igreja do Rosário e os museus Casa da Memória e Homero Massena. ... 82

Figuras 11 – Estudantes visitando a Gruta do Frei Pedro Palácios, Igreja do Rosário e os museus Casa da Memória e Homero Massena. ... 82

Figuras 12 – Estudantes visitando a Gruta do Frei Pedro Palácios, Igreja do Rosário e os museus Casa da Memória e Homero Massena. ... 82

Figuras 13 – Estudantes visitando a Gruta do Frei Pedro Palácios, Igreja do Rosário e os museus Casa da Memória e Homero Massena. ... 82

Figuras 14 – Estudantes na aldeia Três Palmeiras – Aracruz, Espírito Santo. ... 85

Figuras 15 – Estudantes na aldeia Três Palmeiras – Aracruz, Espírito Santo. ... 85

Figuras 16 – Estudantes na aldeia Três Palmeiras – Aracruz, Espírito Santo. ... 85

Figuras 17 – Estudantes na aldeia Três Palmeiras – Aracruz, Espírito Santo. ... 85

Figuras 18 – Conhecendo o artesanato e a escola nova - Aracruz, Espírito Santo. ... 86

Figuras 19 – Conhecendo o artesanato e a escola nova - Aracruz, Espírito Santo. ... 86

Figuras 20 – Visitando a Igreja dos Reis Magos em Nova Almeida – Serra, Espírito Santo. ... 87

Figuras 21 – Visitando a Igreja dos Reis Magos em Nova Almeida – Serra, Espírito Santo. ... 87

Figuras 22 – Visitando a Igreja dos Reis Magos em Nova Almeida – Serra, Espírito Santo. ... 87

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Figuras 23 – Visitando a Igreja dos Reis Magos em Nova Almeida – Serra, Espírito Santo. ... 87

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráficos 1 – Perfil dos estudantes da UMEF TI Ulisses Álvares. ... 61

Gráficos 2 – Perfil dos estudantes da UMEF TI Ulisses Álvares. ... 61

Gráficos 3 – Perfil dos estudantes da UMEF TI Ulisses Álvares. ... 61

Gráficos 4 – Perfil dos estudantes da UMEF TI Ulisses Álvares. ... 61

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Cronograma de aplicação da sequência didática. ... 73

Quadro 2 – Questionário de percepção indígena. ... 75

Quadro 3 – Perguntas preparadas pelos estudantes. ... 84

Quadro 4 – Percepção dos estudantes sobre os indígenas obtidas no Questionário Diagnóstico. ... 91

Quadro 5 – Imagem escolhida pelos estudantes e suas justificativas. ... 92

Quadro 6 – Ambiente de moradia indígena e tipos de habitações. ... 93

Quadro 7 – Tipos de trabalho realizado pelos indígenas atuais. ... 93

Quadro 8 – Demonstrativo dos saberes dos educandos sobre os indígenas do ES. ... 94

Quadro 9 – Dados obtidos a partir dos desenhos feitos pelos educandos. ... 95 Quadro 10 – Representação dos indígenas antes e após a realização da SD. 107

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LISTA DE SIGLAS

AEE – Atendimento Educacional Especializado CTSA – Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente DVD – Disco Digital Versátil

EDUCIMAT – Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Matemática ES – Espírito Santo (Estado)

ESTUD - Estudante

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

IFES – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo IHGVV – Instituto Histórico e Geográfico de Vila Velha

MA – Meio Ambiente

ONGs – Organizações Não-Governamentais

PAEBES – Programa de Avaliação da Educação Básica do Espírito Santo PCN´s – Parâmetros Curriculares Nacionais

PMC – Prefeitura Municipal de Cariacica PMVV – Prefeitura Municipal de Vila Velha PPP – Projeto Político Pedagógico

PROEJA - Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica, na Modalidade de Jovens e Adultos

SD – Sequência Didática

TALE – Termo de Assentimento Livre e Esclarecido TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido TI – Tempo Integral

UC – Unidade de Conservação

UFES – Universidade Federal do Espírito Santo

UNESCO – Organização das Nações Unidas para Educação, Ciências e Cultura UMEF – Unidade Municipal de Ensino Fundamental

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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ... 15 1.1 PROBLEMA DA PESQUISA ... 20 1.2 OBJETIVOS DA PESQUISA ... 20 1.2.1 Objetivo Geral ... 20 1.2.2 Objetivos Específicos ... 20 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ... 22

2.1 O ENSINO DE HISTÓRIA: UMA ANÁLISE DA INVISIBILIDADE DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL ... 22

2.2 A PERSPECTIVA FREIRIANA: UMA PROPOSTA DE SUPERAÇÃO DA INVISIBILIDADE DOS INDÍGENAS NO ENSINO DE HISTÓRIA ... 27

2.3 VIGOTSKY: DESENVOLVIMENTO DAS FUNÇÕES PSICOLÓGICAS SUPERIORESE A AÇÃO MEDIADORA DOS SIGNOS ... 32

2.4 AS AULAS DE CAMPO E OS ESPAÇOS NÃO FORMAIS DE EDUCAÇÃO COMO ESTRATÉGIAS DE APRENDIZAGEM SOBRE OS POVOS INDÍGENAS DO ES ... 38

2.5 CONTRIBUIÇÕES DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICA: UMA PROPOSTA DE INCLUSÃO DOS SABERES E FAZERES DOS POVOS INDÍGENAS .... 43

2.5.1 As concepções socioambientais nas sociedades não indígenas ... 43

2.5.2 Os indígenas e a natureza: propostas para a construção de novos paradigmas ambientais ... 50 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ... 55 3.1 A PESQUISA ... 55 3.2 O LOCAL DA PESQUISA ... 57 3.3 SUJEITOS DA PESQUISA ... 58 3.4 CONTEXTO DA INVESTIGAÇÃO ... 58 3.4.1 Contexto da escola... 58

3.4.2 Perfil dos alunos participantes ... 60

3.4.3 Caracterização da Prainha Vila Velha-ES ... 62

3.4.4 Caracterização da aldeia Guarani Três Palmeiras ... 63

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4 (RE)SIGNIFICANDO OS POVOS INDÍGENAS DO ESPÍRITO SANTO:

DESENVOLVIMENTO A PARTIR DE UMA SEQUÊNCIA DIDÁTICA ... 72

4.1 CONSTRUÇÃO DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA ... 72

4.2 CARACTERIZAÇÃO DOS ENCONTROS E ATIVIDADES DA SD ... 73

5 ANÁLISE DOS DADOS ... 90

5.1 CONHECIMENTOS PRÉVIOS ... 90

5.2 A IMPORTÂNCIA DAS AULAS DE CAMPO EM ESPAÇOS FORMAIS E NÃO FORMAIS ... 97

5.3 CONSTRUÇÃO DE NOVOS VALORES E SIGNIFICADOS ... 106

6 O PRODUTO EDUCATIVO ... 110

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 111

REFERÊNCIAS ... 113

APÊNDICES ... 119

APÊNDICE A – Termo de Assentimento Livre Esclarecido ... 120

APÊNDICE B – Termo de Consentimento Livre Esclarecido ... 122

APÊNDICE C – Questionário Diagnóstico... 124

APÊNDICE D – Sequência Didática ... 127

ANEXOS ... 130

ANEXO A – Carta de Anuência para desenvolvimento da pesquisa na UMEF TI Ulisses Álvares ... 131

ANEXO B – Carta de Anuência para desenvolvimento da pesquisa na aldeia Três Palmeiras ... 132

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1 INTRODUÇÃO

Este projeto de pesquisa é fruto da contínua formação acadêmica do autor, da atuação como professor de História e também de suas raízes socioculturais. Graduado em História pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) – 2004, pós-graduado em Educação de Jovens e Adultos (PROEJA) pelo Instituto Federal do Espírito Santo (IFES) - 2007 e estudante do Programa de Mestrado Profissional em Educação, Ciências e Matemática (EDUCIMAT) do IFES, turma de 2015/2, atuo desde 1999 como professor de História, tendo lecionado em diversas escolas das redes Federal, Estadual, Privada e Municipal.

Durante o curso superior em História, ainda no segundo período, fiquei fascinado e envolvido com a disciplina de Antropologia, quando estudei alguns temas, entre os quais o “Etnocentrismo” e o “Europocentrismo”. Por meio dessas temáticas, pude entender o quanto as desigualdades sociais e econômicas existentes no Brasil e em vários países, tiveram como berço influente as ações de um determinado grupo de pessoas impulsionadas por fatores econômicos, religiosos e culturais. Esses colonizadores europeus, durante o encontro com diferentes povos, assumiram uma postura de dominador, impondo seus valores socioculturais, mesmo que essa relação tenha deixado suas marcas a partir das interações e dos conflitos com os povos que estavam sendo dominados.

Ao longo da minha trajetória acadêmica e profissional, sempre tive interesse pela temática relacionada aos povos indígenas do Brasil, e esta aproximação tornou-se ainda maior, quando passei a assumir minha identidade indígena de raiz materna, pertencente ao grupo dos Puri, que viveram no Espírito Santo e Minas Gerais, mas pouco se sabe sobre a situação atual de povos indígenas no ES, além dos Tupinikim e Guarani e suas aldeias.

No mestrado, várias disciplinas contribuíram para aumentar minha vontade de querer saber mais sobre os indígenas, entre elas o estudo sobre Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente (CTSA), que colaborou para despertar meu interesse para as questões socioambientais e socioculturais; a disciplina de História

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e Filosofia da Ciência, que me permitiu questionar a Ciência Positivista, valorizar os conhecimentos populares e a repensar minhas práticas enquanto professor de História. A disciplina de Histórias e Memórias foi muito importante para a pesquisa, nas aulas ocorreram debates e leituras que ampliaram meus conhecimentos sobre os referenciais teóricos e metodológicos que utilizei no trabalho sobre os indígenas.

A partir desses estudos, como pesquisador/educador me propus a desenvolver um trabalho que possa servir de referência, contendo indicações e sugestões para aqueles que desejarem conhecer e trabalhar educacionalmente, em nível de ensino básico, a história dos povos indígenas do Espírito Santo. Destacamos que esse é um modo de oferecer uma proposta que colabora com a efetivação da Lei n° 11.645/08, que alterou is artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e complementa a Lei n° 10.639/03, que instituiu a obrigatoriedade do estudo de história e cultura indígena nos estabelecimentos de educação básica. História esta, que ainda está invisibilizada nos livros e materiais didáticos adotados pelas escolas, mesmo tendo aumentado as produções sobre essa temática nos últimos anos, com materiais disponíveis em meios impressos e eletrônicos.

Como educador, sempre atuei em escolas públicas nas quais os estudantes em sua maioria são oriundos de famílias que vivem em situação de risco social, pois residem em bairros periféricos onde a violência, o tráfico de drogas, a desestruturação familiar, a precariedade nas políticas públicas fazem parte da rotina diária da maioria deles. Essa é uma realidade que está presente na Unidade Municipal de Ensino Fundamental (UMEF) Tempo Integral (TI) Ulisses Álvares, situada no bairro Ataíde, município de Vila Velha - ES, local onde a pesquisa foi realizada.

Atuante nesta realidade tenho buscado aproximar o contexto presente na vida dos educandos aos conteúdos relativos ao currículo oficial, destacando temas como desigualdades sociais, violência urbana, meio ambiente/sustentabilidade, cidadania participante, relações étnico-raciais, diversidade sexual. Para que as aulas se tornem menos teóricas e distantes do cotidiano dos educandos, uma das estratégias adotadas em minha prática pedagógica são aulas de campo, que de acordo com Silva e Campos (2015):

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[...] têm auferido um importante papel no ensino de Ciências de um modo geral. Suas contribuições podem ser consideradas fundamentais por representarem uma metodologia que favorece a leitura crítica de mundo, das mudanças na paisagem, das relações entre o ser humano e o ambiente (SILVA & CAMPOS, 2015, p. 17).

A partir de experiências acadêmicas e profissionais, compreendi que os educandos possuem muitos conhecimentos que foram constituídos no dia a dia, no convívio familiar, com amigos, na igreja, entre outros. Esses saberes variam de estudante para estudante, o que me desafiou a planejar aulas que possam favorecer a construção de valores e significados mais reais alusivos à interculturalidade brasileira. Assim sendo, busquei investigar a possibilidade de aulas de História em determinados espaços de educação não formais como museus, igrejas, comunidade indígena e praças. Segundo Freire e Campos (1991), o educador almeja uma pedagogia que mesmo sem renunciar às exigências formais, possa deixar fluir a espontaneidade, a afetividade, o interesse como impulsionadores de partida para o ensino e aprendizagem. Nesse caminho, as aprendizagens da vida que antecederam o tempo escolar e continuam a fluir são valiosas ao alcance de outros conhecimentos, pois podem ser impulsionadores em potencial. Como nos faz entender Freire e Campos (1991) a “leitura do mundo” precede a “leitura da palavra” (FREIRE & CAMPOS, 1991, p. 5).

Uma das pretensões da pesquisa é valorizar a complexidade cultural brasileira, por meio de uma abordagem intercultural, que busca destacar a participação dos indígenas na formação da identidade do capixaba, incluindo parte da história e memória dos povos indígenas do Espírito Santo (Tupinikim e Guarani), enfatizando as relações socioambientais que eles estabelecem no meio em que vivem, fazendo uma interface entre o modo de vida indígena e não indígena, evidenciando as possíveis contradições existentes.

Reescrever a história e memória dos indígenas no Espírito Santo é importante para que se abandonem certos estereótipos e imagens sobre esses povos. De acordo com Chassot:

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[...] tudo o que usualmente aprendemos – e, parece ser importante enfatizar, continuamos aprendendo em nossas escolas – é que os indígenas andam nus, eram preguiçosos e não conheciam Cristo, logo, era preciso fazê-los andar vestidos, ensiná-los a amar o trabalho e catequizá-los (CHASSOT 2004, p.98).

Trata-se de uma visão sobre os indígenas que tem sido ao longo dos anos reproduzida e ensinada nas escolas sob uma perspectiva eurocêntrica e etnocêntrica – que aqui referimos por tradicional. Nela se impõe ao indígena a condição de um ser selvagem que ainda não possui vestuário, que vive em florestas e que necessita ser “civilizado”.

Entretanto, defendemos que essa concepção educacional e política do indígena, que permite criar estereótipos tais como “índio é selvagem” e “índio é preguiçoso”, representa uma construção ideológica, que teve início no contexto da colonização europeia no Brasil, quando havia necessidade de dominar esses povos e utilizá-los como mão de obra a serviço dos portugueses e que ainda permanece nos dias atuais, como estratégia para impedir o reconhecimento de alguns direitos que foram conquistados, por meio da Constituição de 1988, entre os quais a “organização social, costumes, línguas, crenças e tradições e os direitos originários sobre a terra que tradicionalmente ocupam” (BRASIL, 1988, Art. 231).

A manutenção dessa concepção do indígena na atualidade tem contribuído para que a sociedade brasileira só reconheça como “índio”, os povos que ainda possuem traços “originais” ou “primitivos”, entretanto aqueles povos que vivem de modo articulado ao estilo de vida “moderno”, para maioria das pessoas, deixaram de ser “índio”, portanto, a eles não se aplicam os direitos constitucionais.

O efeito colateral dessa fixação que nossa mídia e nossos artistas mantêm com essa figura do índio “original”, “puro”, é que fica sendo permanentemente alimentada a impressão de que é só lá, na Amazônia, que vivem “índios de verdade”, como se os demais indígenas já tivessem perdido seus costumes, já não tivessem mais a mesma relação com a natureza que tinham seus ancestrais etc. E aí, quando eles reivindicam seus direitos, é como se estivessem “inventando” que são índios (PIMENTEL, 2012, p. 56)

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Para o desenvolvimento da pesquisa, partimos de uma análise crítica dos fatos históricos que levaram à construção de valores e imagens dos indígenas no Brasil, a partir do olhar do colonizador. Buscamos retratar o ensino de História no Brasil, seu pouco relacionamento a outros campos de conhecimento presentes no contexto educacional e a sua tendência de procurar justificar os sistemas políticos, culturais, econômicos e sociais hegemônicos em cada época. Para tal empreendimento, uma via de inspiração foi a perspectiva freiriana, na procura de (re)significar os valores que os educandos possuem sobre os indígenas.

As poucas informações sobre esses povos nativos do Espírito Santo nos materiais didáticos disponíveis na escola representaram um desafio para a pesquisa. Ao mesmo tempo, fizemos uma breve análise do livro didático utilizado pela unidade de ensino1, com o intuito de verificar como é tratada a temática envolvendo as populações indígenas do Brasil e se havia qualquer informação sobre os indígenas de nosso Estado. Os dados obtidos a partir dessas análises nos ajudaram a levantar questões relevantes sobre esses povos, presentes nos textos e nas imagens dos livros, entre elas: existência de generalizações e preconceitos, invisibilidade de alguns grupos, construção de estereótipos, legitimidade dos grupos dominantes.

Os dados da pesquisa foram obtidos em diferentes espaços: formal e não formal. O espaço de educação formal escolhido para a pesquisa foi a UMEF TI: Ulisses Álvares, localizada no bairro Ataíde em Vila Velha Espírito Santo, onde foram realizados momentos de debates e pesquisa sobre os povos indígenas do Brasil e do Espírito Santo. Na ocasião, foram iniciadas investigações sobre os indígenas que povoaram o Brasil e o Espírito Santo, e os grupos que ainda vivem no município de Aracruz, Tupinikim e Guarani, para verificar quais representações e significados os alunos que cursavam em 2016 o 8° ano do ensino fundamental manifestavam sobre esses povos. Já as aulas desenvolvidas em espaços de educação não formal, ocorreram em dois espaços: a Prainha em Vila Velha, escolhida devido a sua

1

Em 2016, o livro didático do 6° ao 9° ano, adotado pela escola Ulisses Álvares e por toda rede municipal de ensino de Vila Velha - ES, pertencia à coleção “Vontade de Aprender História” da editora FTD.

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importância histórica e a aldeia Três Palmeiras, situada no município de Aracruz, local eleito por ser uma comunidade indígena Guarani.

1.1 PROBLEMA DA PESQUISA

A pesquisa foi desenvolvida na UMEF TI Ulisses Álvares, com os educandos que em 2016 estavam no 8°do ensino fundamental e, em 2017 com mesmo grupo, que passaram a cursar o 9° ano. Por meio do trabalho, buscamos identificar quais as representações dos indígenas pelos estudantes e, a partir dessa identificação desenvolver aulas em espaços formais e não formais, com o intuito de possibilitar a construção de novos valores e significados sobre esses povos. Para isso, o trabalho propõe responder algumas questões que permeiam o debate sobre a temática indígena, especificamente a dos povos indígenas do Espírito Santo, entre elas: Que valores e significados os estudantes possuem sobre os indígenas? Como as aulas de História podem contribuir para ampliar os conhecimentos dos estudantes sobre os indígenas do Espírito Santo? Como os indígenas e não indígenas se posicionam em relação ao ambiente em que vivem?

1.2 OBJETIVOS DA PESQUISA

1.2.1 Objetivo Geral

Para buscar responder às questões da pesquisa temos como objetivo geral: Analisar como o estudo a respeito dos indígenas pode contribuir para que os estudantes do ensino fundamental construam valores e significados, não estereotipados, sobre esses povos que vivem no estado do Espírito Santo.

1.2.2 Objetivos Específicos

A fim de atingir esse objetivo geral, a pesquisa fixou os seguintes objetivos específicos de modo a subsidiar as ações investigativas:

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a) Identificar significados e representações que os educandos possuem sobre os grupos indígenas do Espírito Santo.

b) Buscar as contribuições de uma SD que destaque a importância da presença indígena na cultura capixaba, a historicidade desses povos e a maneira como se relacionam com e meio ambiente.

c) Avaliar a importância das aulas de campo em espaços não formais alusivos aos povos indígenas do Espírito Santo.

d) Elaborar um material de apoio pedagógico interdisciplinar, voltado para o trabalho dos professores, com propostas de atividades relacionadas à alimentação dos Guarani de Aracruz - ES.

(24)

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 O ENSINO DE HISTÓRIA: UMA ANÁLISE DA INVISIBILIDADE DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL

Ao analisarmos a trajetória da educação escolar e do ensino de História no Brasil, podemos perceber o quanto ocorreram mudanças fundamentais nos currículos que acompanharam as diferentes concepções educacionais no país ao longo dos séculos. Essas transformações sempre estiveram de acordo com o contexto de cada época dando ênfase a alguns conteúdos que reafirmavam valores e significados de determinados grupos e justificavam modelos políticos e socioeconômicos que eram dominantes em cada época. Para Santomé (1995) as instituições acadêmicas e suas produções intelectuais tendem a evidenciar traços da cultura elitista.

A única cultura que as instituições acadêmicas costumam rotular como tal é a construída a partir das classes e grupos sociais com poder – e com sua aprovação. Dessa forma, o idioma e a norma linguística que a escola exige é a dos grupos sociais dominantes, a literatura daqueles autores e autoras que esses mesmos grupos valorizam, a geografia e a história dos vencedores, a matemática necessária para proteger suas empresas e negócios (SANTOMÉ, 1995, p. 162).

A introdução da História como disciplina no Brasil pode ser datada a partir do século XIX, quando iniciaram as atividades no Colégio D. Pedro II na Corte da cidade do Rio de Janeiro. Nesse período, de acordo com Bittencourt (2005), a principal função da disciplina era de “criar uma identidade nacional”.

A escola elementar, denominada de primária ou “primeiras letras”, após o Brasil se tornar um Estado independente e monárquico, era lugar destinado a ensinar a “ler, escrever e contar”. Os professores das escolas elementares deveriam, segundo os planos de estudos propostos em 1827, utilizar para o ensino da leitura, entre outros textos, “a Constituição do Império do Brasil”. O ensino de História associava-se a lições de leitura, para que se aprendesse a ler utilizando temas que incitassem a imaginação dos meninos e fortificassem o senso moral por meio de deveres para com a Pátria e seus governantes (BITTENCOURT, 2005, p. 61).

A discussão sobre o ensino de História também é feita pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) que apontam dois grandes momentos relacionados à disciplina, sendo o primeiro iniciado no século XIX, quando ocorreu a introdução da

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História enquanto componente curricular, instituída logo após a Independência do Brasil. Nesse primeiro momento a História do Brasil tinha como principal objetivo reafirmar/justificar o regime monárquico que estava em vigor na época. A preocupação da disciplina, de acordo com os PCN era a de “criar uma ‘genealogia da nação’ elaborando, assim uma ‘história nacional’, baseada em uma matriz europeia e a partir de pressupostos eurocêntricos”. (PCN, 1998, p. 19).

Entre as décadas de 1930 a 1940, segundo os PCN, ocorreu o segundo momento no ensino de História. Nessa nova fase, os interesses dos governantes estavam orientados por uma política “nacionalista e desenvolvimentista” (PCN, 1998, p. 19). A criação do Ministério da Educação e Saúde Pública e a Reforma de Francisco Campos foram medidas adotadas no governo de Getúlio Vargas para fortalecer o poder central do Estado e o controle sobre o ensino.

As orientações para o ensino de História nesse contexto passaram a ser no sentido de integrar a História Geral e a do Brasil em uma única área, História da Civilização. Porém, a História do Brasil era vista como uma continuidade da História da Europa Ocidental, valorizando os fatos que marcaram o desenvolvimento da Europa, incluindo a História do Brasil somente a partir do século XV, período do “descobrimento”, desconsiderando os povos que aqui já viviam e que foram de grande importância na constituição da identidade do brasileiro.

Nesse período predominava a tese da “democracia racial”, na qual defendiam que a formação do povo brasileiro se deu a partir da miscigenação entre os brancos, indígenas e negros sem, no entanto apontar as contradições e as especificidades de cada grupo.

Legitimando o discurso da “democracia racial”, o ensino de História representava o africano como pacífico diante do trabalho escravo e como elemento peculiar para a formação de uma cultura brasileira; estudava os povos indígenas de modo simplificado, na visão romântica do “bom selvagem”, sem diferenças culturais entre as culturas desses povos, mencionando a escravização apenas antes da chegada dos africanos e não informando de suas resistências à dominação europeia. E projetava os portugueses como aqueles que descobriram e ocuparam um território vazio, silenciando sobre as ações de extermínio dos povos que aqui viviam (PCN, 1998, p. 22-23).

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A manutenção do discurso de “democracia racial”, presente no ensino de História até a década de 1980, mas que continua sendo reproduzida até os dias atuais em muitas escolas, permite a invisibilidade de grupos como os indígenas e ao mesmo tempo reforça a dominação europeia sobre esses povos. No entanto, quando observamos os livros didáticos de História, o que vemos são conteúdos e narrativas que reforçam o preconceito e o racismo, para Santomé (1995),

As atitudes de racismo e discriminação costumam ser dissimuladas também recorrendo a descrições dominadas de estereótipos e pelo silenciamento de acontecimentos históricos, socioeconômicos e culturais. Uma mostra da política de racismo e discriminação que atravessa a maioria dos livros didáticos são as descrições e qualificativos com os quais se nomeiam as invasões coloniais como atos de descobrimento, aventuras humanas, feitos heróicos, desejos de civilizar seres primitivos ou bárbaros, de fazê-los participar da verdadeira religião, etc. (SANTOMÉ, 1995, P. 164).

Sobre o livro didático, Circe Maria Fernandes Bittencourt (2005) analisa a grande ênfase dada aos feitos dos portugueses durante o Período Colonial e os discursos presentes nos textos, que de acordo com a autora, continuam mantendo uma visão estereotipada sobre os grupos étnicos. Em se tratando dos indígenas a autora destaca que,

As populações indígenas surgem nos livros didáticos nos capítulos iniciais, quando da chegada dos europeus e para justificar a importação de mão de obra escrava africana. [...] Os índios, mesmo em obras mais críticas, são apresentados em seus aspectos gerais, com análises mais estruturais empenhadas em rebater as teorias raciais que buscam culpá-los pela herança deixada ao povo brasileiro, a saber, a “índole avessa ao trabalho produtivo” (BITTENCOURT, 2009, p. 305).

Santos e Deorce (2016) discorrem sobre o livro didático e o seu papel enquanto “veículo disseminador do modelo eurocêntrico de vida”, que promovem a exclusão de grupos sociais, gerando preconceitos e discriminação em relação aos grupos que “não se enquadram nesse modelo” (SANTOS & DEORCE, 2016, p. 95).

Como podemos observar, a História do Brasil, durante muito tempo, foi ensinada nas escolas de modo “eurocêntrico” e “etnocêntrico”. Os europeus que aqui chegaram a partir dos séculos XV e XVI, tornaram-se os grupos dominantes e estenderam seus controles sobre as terras e os povos que já viviam no país muito

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antes da colonização. Kreutz (1999) critica esse processo de colonização europeia que desconsidera a participação dos outros grupos na construção da identidade nacional. De acordo com o autor, durante os “[...] encontros com os povos e culturas predominou a racionalidade ocidental eurocêntrica” (KREUTZ, 1999, p. 83).

No contato do colonizador, aparece nitidamente a compreensão do processo identitário como algo monolítico e homogêneo, algo acabado, suscetível de ser transmitido. E essa concepção aistórica, metafísica, levou-o a uma incapacidade tlevou-otal de diállevou-oglevou-o clevou-om as culturas diferentes da sua. Entre os missionários, também era consensual que o modo de ser indígena não se ajustava aos padrões da sociedade lusa e hispano-colonial. A função da redução e da escola deveria ser a de transformar o modo de ser indígena, ajustando-o aos princípios euro-cristãos (KREUTZ, 1999, p. 83).

O modelo educacional adotado a partir dos jesuítas reconhecia a cultura europeia como superior e, ao mesmo tempo, procuravam conhecer povos indígenas e seus hábitos culturais, para depois modificá-los. Para Souza (2012),

Durante quase cinco séculos, os saberes e fazeres dos povos originários ficaram desconhecidos, silenciados, recusados, suprimidos e desdenhados pelos poderes instituídos dentro da nação, e as escolas serviam de instrumento para justificar o extermínio físico (genocídio) e cultural (etnocídio) dos aborígenes. Os ameríndios foram tratados como animais e administrados como incapazes, quase todos perdendo o acesso à exuberância de seus territórios e às suas fontes tradicionais de sustento. Tudo em benefício do projeto de civilização estampado em nosso estandarte nacional: da “ordem” branca (eurorreferenciada) e do “progresso” capitalista, urbano e burguês (SOUZA, 2012, p. 18)

Essa exclusão dos “saberes e fazeres dos povos originários” do Brasil citada por Souza (2012), contribuiu para tornar a cultura europeia hegemônica e para invisibilidade dos povos que foram dominados.

A imposição de conhecimentos que enfatizam apenas a cultura dominante cria oportunidades para a hegemonia de um determinado grupo, acentuando desigualdades sociais, preconceitos e valorização de uma classe com privilégios, ao mesmo tempo, os demais grupos tornam-se excluídos devido à sua etnia2 e/ou condição socioeconômica. Medeiros (2012) afirma que:

2 Utilizamos o termo etnia defino por Kreutz (1999), como sendo “[...] um dos elementos constitutivos

da dinâmica social” e “[...] de práticas sociais”. Para Kreutz (1999), “[...] o étnico é elemento de diferenciação social, influi na percepção e na organização da vida social. Ele não se dá no abstrato.

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A invisibilidade dos povos indígenas na história do Brasil está ligada a uma questão que perpassa a história que se produz e se ensina no país: o eurocentrismo. A história do Brasil é constituída, majoritariamente, como reflexo dos acontecimentos do Velho Mundo, ignorando o passado do continente anterior a 1.500, centrando-se primeiro nos personagens europeus e depois em seus descendentes (MEDEIROS, 2012, p.52).

De acordo com Medeiros (2012), os materiais didáticos contribuem para criar estereótipos sobre os indígenas, porque apresentam de modo superficial a história desses povos. Para a autora,

[...] A participação dos povos indígenas na história do Brasil é narrada quase que exclusivamente no período colonial, em que aparecem fragmentos de sua atuação [...] sua presença acontece de modo descontínuo. Eles vêm e vão, aparecendo apenas nos momentos em que se integram a trama central da história. Quando o Brasil deixa de ser colônia, os índios deixam de existir [...] A falta de estudos sobre os indígenas nos séculos XIX e XX reflete-se na escola, períodos em que, de fato, eles não aparecem por lá. Essa invisibilidade na história do Brasil Imperial e Republicano também contribui para uma visão fossilizada dos índios, pretéritos ou extintos (MEDEIROS, 2012, p. 54).

Apesar da existência de novas concepções no ensino de História, que questionam esse modelo eurocêntrico e “tradicional”, podemos afirmar que ainda permanecem nas escolas práticas que contribuem para que os educandos mantenham uma visão sobre os indígenas, tal como eles eram nos séculos XV e XVI. Isso ocorre porque a maioria dos materiais didáticos utilizados aborda a temática generalizando os indígenas e não evidenciando a realidade atual de alguns povos que vivem próximos aos grandes centros urbanos. Para Medeiros (2012),

[...] A contemporaneidade dos povos indígenas já vem sendo incorporada aos livros didáticos, porém, em geral, ela reforça estereótipos, pois eles geralmente são índios da Amazônia ou do Xingu e aparecem pintados, adornados e seminus, fazendo com que os que transitam no meio urbano, por exemplo, não sejam identificados como tais e sejam vistos como “aculturados” (MEDEIROS, 2012, p. 53).

Cabe ressaltar que nos últimos anos tem crescido o interesse em se desenvolver trabalhos e pesquisas sobre os povos indígenas da atualidade. Essas produções são feitas tanto nas academias quanto pelos próprios indígenas que estão ocupando

Manifesta-se nos símbolos, nas representações e nas valorações de grupos. O étnico concorre para que a concreção histórica se efetive de uma forma específica” (KREUTZ, 1999, p. 80).

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espaços na sociedade e desenvolvendo textos, filmes, sites e livros que apresentam suas próprias maneiras de enxergar o mundo.

Outro avanço importante foi a criação da Lei 11.645/2008, que torna obrigatória a introdução do ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena nos currículos da educação brasileira. A Lei representou mais uma grande conquista dos grupos que foram invisibilizados por muitos séculos em nossa história. Para Medeiros (2012) a inclusão do tema nas instituições de ensino “[...] é o resultado de um amplo movimento de luta dos povos originários – juntamente com outras entidades, como ONGs, universidades, igrejas – por seus direitos [...]” (MEDEIROS, 2012, p. 49).

Contudo, após analisarmos a história dos indígenas do Brasil e tentativas de invisibilizá-los, acreditamos que grande parte da visão que os educandos têm sobre os indígenas, são consequências: a) da imposição de conhecimentos produzidos pela classe dominante, partindo de uma visão eurocêntrica e etnocêntrica; b) da invisibilidade dos povos dominados, que quando aparecem nos materiais didáticos de História, são retratados de maneira superficial, generalizada e com exclusão de seus saberes e fazeres; c) do ensino de História que durante muito tempo esteve vinculado a um sistema educacional a serviço das elites dominantes.

2.2 A PERSPECTIVA FREIRIANA: UMA PROPOSTA DE SUPERAÇÃO DA INVISIBILIDADE DOS INDÍGENAS NO ENSINO DE HISTÓRIA

Nas obras de Paulo Freire encontramos aportes teóricos para superar a visão construída sobre os indígenas ao longo dos séculos que se seguiram a partir da colonização europeia.

No livro “Educação como prática da liberdade”, Freire (2005) faz uma análise histórica do Brasil, apontando os diversos fatores que contribuíram para construir no país uma classe dominante – que teve início com os europeus colonizadores e atualmente é representada por aristocratas, banqueiros, empresários – e uma classe de dominados, constituída por indígenas, negros, assalariados, desempregados,

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ribeirinhos, quilombolas. Discorre também, sobre a falta de liberdade democrática desses “oprimidos”, e conclui que apenas uma educação dialógica, contribuirá para que esses grupos dominados consigam atuar como cidadãos críticos e capazes de intervir na sociedade.

Para Freire (2005), a liberdade é um das marcas fundamentais para que o homem possa exercer aquilo que lhe é próprio de sua espécie, a integração. Essa integração que é o contrário de acomodação faz com que o homem amplie sua relação com a realidade, podendo a partir daí aprender, criar, recriar e tomar decisões. Freire entende que no processo de integração, o homem é capaz de ajustar-se à realidade e ainda criar possibilidade de mudá-la, dinâmica na qual o homem deixa de ser um objeto e torna-se um sujeito. De acordo com Freire,

Os contatos, por outro lado, modo de ser próprio da esfera animal, implicam, ao contrário das relações, em respostas singulares, reflexas e não reflexivas e culturalmente inconsequentes. Deles resulta a acomodação, não a integração. Portanto, o animal é essencialmente um ser da acomodação e do ajustamento, o homem o é da integração (FREIRE, 2005, p. 51).

Ao analisarmos a história das populações indígenas, por meio da perspectiva freiriana, percebemos quais as estratégias foram utilizadas pelas elites para dominar e invisibilizar esses povos. Uma delas ocorreu durante o processo de colonização, quando os europeus desconsideraram muito dos conhecimentos e experiências das populações que foram subjugadas. A escravização de alguns grupos e a imposição cultural dos dominantes, fez com que esses dominados fossem perdendo suas liberdades e se tornassem sujeitos acomodados, sem direito a integração. Sobre nossa História colonial e imperial Freire resume da seguinte maneira,

Em verdade, o que caracterizou, desde o início, a nossa formação, foi, sem dúvida, o poder exacerbado. Foi a robustez do poder em torno do que se foi criando um quase gosto masoquista de ficar sob ele a que correspondia outro, o de ser o todo-poderoso. Poder exacerbado que foi se associando sempre submissão. Submissão de que decorria, em consequência, ajustamento, acomodação e não integração (FREIRE, 2005, p. 82).

No livro “Pedagogia do Oprimido” (2005), Freire aprofunda a discussão entre dominantes e dominados, criticando o sistema educacional brasileiro, que segundo

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ele, contribui para tornar os indivíduos sem integração, sem liberdade e “oprimido”. Denominando-a de “educação bancária”, na qual “a educação se torna um ato de depositar” conteúdos, sem permitir que os educandos tenham uma visão crítica, que questionem a realidade. Para Freire,

Não é de estranhar, pois, que nesta visão “bancária” da educação, os homens sejam vistos como seres da adaptação, do ajustamento. Quanto mais exercitem os educandos no arquivamento dos depósitos que lhes são feitos, tanto menos desenvolverão em si a consciência crítica de que resultaria a sua inserção no mundo, como transformadores dele. Como sujeitos (FREIRE, 2005, p. 68).

A dinâmica da educação bancária cria uma realidade na qual o oprimido, torna-se um objeto que não tem força para agir, para atuar e transformar a realidade. Seu conhecimento sobre o mundo fica limitado ao conhecimento do educador, que impõe o que sabe, sem consentir que seus educandos participem de maneira ativa no processo de construção do conhecimento. De acordo com Freire, “[...] só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros [...].” (FREIRE, 2005, p. 67).

A concepção de educação bancária freiriana, reforça a ideia de que ao longo dos séculos o ensino de História contribuiu para silenciar e promover a hegemonia dos grupos que detém o poder no Brasil, pois “sendo dimensão da ‘cultura do silêncio’, a ‘educação’ ‘bancária’ mantém e estimula a contradição”. (FREIRE, 2005, p. 67). Dessa maneira, podemos entender porque determinados grupos sociais, não aparecem nos livros de história como heróis, verdadeiros povos originários do Brasil, como sujeitos que contribuíram e contribuem para o desenvolvimento do país e como pessoas que ainda existem e lutam para preservar suas terras e sua cultura.

Essa invisibilidade, explicada em parte pela imposição da história dos dominados por meio de uma “educação bancária”, é reforçada em Freire (2005), quando ele aborda a questão na qual para os opressores, uma educação dialógica e crítica, torna-se uma ameaça para os seus projetos de dominadores. Essa concepção de educação torna os indivíduos objetos, sem identidade própria e sem vontade de mudar realidade. Para Freire,

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Esta é uma concepção que, implicando uma prática, somente pode interessar aos opressores, que estarão tão mais em paz, quanto mais adequados estejam os homens ao mundo. E tão mais preocupados, quanto mais questionando o mundo estejam os homens (FREIRE, 2005, p. 73).

Por outro lado, a educação “libertadora” defendida por Freire questiona essa concepção “bancária”, pois pretende instrumentalizar os sujeitos para que eles possam intervir criticamente na realidade, rompendo com a relação entre dominado/oprimido, professor/aluno, colonizador/colonizado. Essa educação “libertadora” e “problematizadora” têm como um dos princípios a “dialogicidade”, que contribui para superar “os esquemas verticais característicos da educação bancária” (FREIRE, 2005, p. 79).

A problematização da realidade, proposta por Freire, nos permitiu questionar o ensino da História dos povos indígenas do Espírito Santo, na medida em que este tema só aparece, nos livros didáticos, durante o período colonial para reafirmar o domínio dos europeus sobre a colônia e a capitania doada pela Coroa Portuguesa ao donatário Vasco Fernandes Coutinho e, depois quando os missionários jesuítas conseguem “civilizá-los” por meio da catequização. No entanto, nesses materiais didáticos encontramos poucas informações sobre como era a vida dos indígenas antes da chegada dos portugueses, a atitude dos colonizadores de não reconhecerem esses povos como seres humanos pertencentes a essa terra, o desprezo pela cultura e estilo de vida e o que ocorreu com os indígenas nos séculos que se seguiram.

A História contada dessa maneira em muitos livros didáticos reforça a concepção “bancária”, enquanto os questionamentos feitos sobre as lacunas deixadas por esses materiais que não incluem uma discussão verdadeira dos indígenas estão de acordo com a concepção freiriana de educação “libertadora” e “problematizadora”. Para Freire (2005),

Para a prática “bancária”, o fundamental é, no máximo, amenizar esta situação, mantendo, porém, as consciências imersas nela. Para a educação problematizadora, enquanto um quefazer humanista e libertador, o importante está em que os homens submetidos à dominação lutem por sua emancipação.

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Por isto é que esta educação, em que educadores e educandos se fazem sujeitos do processo, superando o intelectualismo alienante, superando o autoritarismo do educador “bancário”, supera também a falsa consciência do mundo (FREIRE, 2005, p. 86).

A ação dominadora dos europeus contribuiu não apenas para promover um genocídio das populações nativas do Brasil, mas sua influência também foi marcante na afirmação dos valores eurocêntricos sobre os povos dominados, refletindo inclusive nas produções dos materiais didáticos, voltados para o ensino de História que estão disponíveis nas escolas que reafirmam estes valores, desprezando os povos que foram dominados e silenciados ao longo dos séculos que se seguiram após a conquista do Brasil. A falta de diálogo com esses povos e a sua invisibilidade nos materiais didáticos, contribuíram e contribuem para aumentar a dominação e a discriminação dessas minorias. De acordo com Santos e Deorce (2016),

[...] A dialogicidade, o saber falar e saber ouvir são atitudes que sustentam propostas de transformação social. Se aos grupos minoritários não forem dadas condições de falarem e de serem ouvidos, não haverá diálogo; antes se criará terreno fértil para a imposição de valores, a invasão cultural e dominação (SANTOS & DEORCE, 2016, p. 96).

Na obra “Educação e Mudança” Freire chama a atenção para o nosso compromisso de educador, no qual “[...] não pode ser um ato passivo, mas práxis – ação e reflexão sobre a realidade [...]” (FREIRE, 2005, p. 21). O autor também destaca que esse compromisso do educador com a mudança deve ser humanista e ao mesmo tempo com fundamentação científica, buscando sempre superar a visão ingênua substituindo-a por uma visão crítica da realidade. É justamente, por meio da visão crítica, segundo Freire (2005), que os homens conseguem perceber que a realidade pode ser mudada.

A pouca visibilidade dos povos indígenas nos materiais didáticos, contribui para a manutenção da visão ingênua sobre esses povos, favorecendo a criação de estereótipos, valores e significados que muitas vezes estão distante da realidade de alguns povos indígenas, principalmente daqueles grupos que vivem próximos a centros urbanos. Ao mesmo tempo, essa falta de conhecimento sobre esses povos, não favorece ao comprometimento da sociedade pelas causas indígenas, como as

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lutas por preservação das comunidades remanescentes, o reconhecimento da herança cultural e garantia dos direitos constitucionais.

No Espírito Santo, os Tupinikim e os Guarani, são povos indígenas que sofreram com a dominação europeia e até hoje lutam por reconhecimento e direitos no município de Aracruz. Freire afirma que nosso compromisso enquanto educador/pesquisador é o de evidenciar a realidade, buscando a superação dessa visão ingênua. Para Freire (2005), o “[...] homem é consciente e, na medida em que conhece, tende a se comprometer com a própria realidade” (FREIRE, 2005, p. 39). Somente o conhecimento real sobre indígenas, na perspectiva freiriana, poderá colaborar para que os educadores e educandos superem essa visão ingênua e, ao mesmo tempo, se comprometam com a valorização e o reconhecimento dos direitos desses povos.

Nessa perspectiva, a pesquisa sobre os indígenas do Espírito Santo têm como compromisso a valorização e o reconhecimento das contribuições socioculturais e socioambientais desses povos, para que possam ser trabalhadas por educadores de maneira crítica e dialógica.

2.3 VIGOTSKY: DESENVOLVIMENTO DAS FUNÇÕES PSICOLÓGICAS SUPERIORESE A AÇÃO MEDIADORA DOS SIGNOS

Em Vigotsky encontramos os aportes teóricos para entender como ocorre o desenvolvimento da mente e a ação mediadora dos signos. Dessa forma, buscamos por meio da psicologia vigotskiana, obter explicações para o processo de invisibilidade e construção de estereótipos a respeito dos indígenas, apresentados pelos educandos quando iniciamos a pesquisa.

Na obra “A Formação Social da Mente” Vigotsky (2007) analisa os fundamentos importantes de sua psicologia, na qual descreve como ocorre o processo de desenvolvimento das funções psicológicas superiores nos seres humanos a partir da introdução dos signos e por meio da ação mediada. Para Vigotsky, a mediação e o

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convívio social, são aspectos fundamentais para o desenvolvimento humano. E defende que esse desenvolvimento começa desde a infância, quando as crianças ainda não aprenderam a falar. Porém, para o autor, o momento em que elas começam a falar representa um dos primeiros passos de interação social e ruptura entre os humanos e os demais animais. Segundo Vigotsky,

[...] o momento de maior significado no curso do desenvolvimento intelectual, que dá origem às formas puramente humanas de inteligência prática e abstrata, acontece quando a fala e a atividade prática, então duas linhas completamente independente de desenvolvimento, convergem (VIGOTSKY, 2007, p. 11-12).

Até a fase pré-verbal, de acordo com Vigotsky (2007) as crianças já possuem capacidades de utilizarem instrumentos para resolverem seus problemas, mas ainda não seria possível diferenciá-las de outros animais como os macacos antropóides, que também apresentam capacidades semelhantes. De acordo com o autor, “[...] assim que a fala e o uso de signos são incorporados a qualquer ação [...]”, inicia-se “[...] o uso de instrumentos especificamente humano [...]” (VIGOTSKY, 2007, p. 12).

Para Vigotsky, o desenvolvimento da fala permite que a criança comece a controlar o ambiente, antes mesmo de gerir seu próprio comportamento. Dessa forma, a criança introduz “[...] novas relações com o ambiente, além de uma nova organização do próprio comportamento” (VIGOTSKY, 2007, p. 12). Essa relação estabelecida entre a fala, o ambiente e o comportamento da criança, segundo o autor, produz o intelecto e constitui a base do trabalho produtivo, que Vigotsky defende como “a forma especificamente humana do uso de instrumentos” (VIGOTSKY, 2007, p. 12).

A partir da integração entre o uso de instrumentos e da fala, as crianças adquirem o intelecto e passam a se diferenciarem dos outros animais. Esse intelecto é definido por Vigotsky como sendo as funções psicológicas superiores e as ações das crianças anteriores à fala como sendo as funções psicológicas inferiores. Entretanto, para Vigotsky as funções psicológicas inferiores possuem características genéticas, estruturais e funcionais diferentes das funções psicológicas superiores, sendo que

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na primeira os seres humanos agem de modo instintivo e na segunda suas ações são mediadas.

A autora Susana Inês Molon (2009) analisa como se dá o processo de formação das estruturas superiores, de acordo com obra de Vigotsky. Para a autora, só é possível entender a estruturação dos sistemas psicológicos, encontrados na tese vigotskyana pelo papel da mediação, “O fato central de nossa psicologia é o fato da ação mediada” (VYGOTSKY, 1996, p, 188 apud, MOLON, 2009, p. 146). É por meio da mediação que se dá toda a abordagem sócio-histórica, que representa o principal arcabouço teórico-metodológico de Vigotsky.

Para Molon (2009) a tese desenvolvida por Vigotsky de mediação semiótica contribui para transformar a “consciência” em objeto de estudo da psicologia, que antes se preocupava apenas com o “comportamento” humano. De acordo com a autora, o “ser consciente” e “o indivíduo humano” só existem como tal pelas mediações semióticas, dessa forma Vigotsky defendeu que o ser humano “[...] se constitui nas relações sociais em um determinado contexto social, econômico, político, ambiental e cultural” (MOLON, 2009, p.147). Por meio da mediação semiótica a criança inicia o processo de formação das estruturas superiores, formando o intelecto. Segundo Molon (2009), as funções psicológicas superiores,

[...] Caracterizam-se por serem operações indiretas, que necessitam da presença de um signo mediador, sendo a linguagem o principal sistema sino. Todas as funções psicológicas superiores originam-se das relações reais entre indivíduos humanos, com isso não são inventadas, nem aparecem de forma repentina e não são funções a priori, ou seja, não existe independentemente das experiências. São funções que apresentam uma natureza histórica e, como são de origem sociocultural, são mediadas (MOLON, 2009, p.149).

Para Vigotsky, a capacidade que os homens possuem para interagirem por meio da mediação, faz com que ocorra a transformação do ser biológico para o ser humano. Entretanto, as informações e o conhecimento só podem ser absorvidos de maneira intermediada, direta ou indiretamente por pessoas e objetos. De acordo com Molon (2009),

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A mediação semiótica como pressuposto da relação Eu-Outro, como condição sinequa non da constituição do ser humano, permite a explicação dos processos de apropriação e objetivação; assim como das relações constitutivas das funções psicológicas superiores a partir da superação das funções psicológicas inferiores, além de potencializar as conexões e relações interfuncionais que acontecem na consciência e que conferem as diferenças entre os sujeitos (MOLON, 2009, p. 147).

A teoria psicológica de Vigotsky apresenta ainda dois aspectos importantes para o desenvolvimento das estruturas superiores: a linguagem e a percepção, que de acordo com o autor, já se encontram ligados “[...] mesmo nos estágios mais precoces do desenvolvimento [...]” (VIGOTSKY, 2007, p. 23). A linguagem representa um dos principais sistemas de signos mediadores do desenvolvimento das funções psicológicas superiores, que têm como origem as relações humanas. A percepção por sua vez, faz com que os seres humanos sejam capazes de entender os significados dos objetos e do ambiente em que vive. Para Vigotsky,

Um aspecto especial da percepção humana – que surge em idade muito precoce – é a percepção de objetos reais. Isso é algo que não encontra correlato análogo na percepção animal. Por esse termo eu entendo que o mundo não é visto simplesmente em cor e forma, mas também como um mundo com sentido e significado. Não vemos simplesmente algo redondo e preto com dois ponteiros; vemos um relógio e podemos distinguir um ponteiro do outro (VIGOTSKY, 2007, p. 24).

Conforme comenta ainda esse autor, a linguagem e percepção humana se desenvolvem de acordo com o meio no qual os indivíduos estão inseridos, ou seja, os significados dos objetos e das palavras só fazem sentido para uma determinada pessoa, a partir dos valores e signos estabelecidos pela sociedade na qual nasceu ou foi criada. Nesse sentido, o desenvolvimento da linguagem e da percepção ocorre por meio da aprendizagem.

A autora Marta Kohl de Oliveira (2010), afirma que as teorias de Vigotsky enfatizam o desenvolvimento e os “processos de aprendizagem” (OLIVEIRA, 2010, p. 58). O processo de aprendizagem, de acordo com Vigotsky, está relacionado ao desenvolvimento humano desde o seu nascimento. Para Oliveira (2010), o autor defende que é o aprendizado que faz com que os indivíduos adquiram hábitos culturais da sociedade em que vivem. De acordo com Oliveira,

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Podemos pensar, por exemplo, num indivíduo que vive num grupo cultural isolado que não dispõe de um sistema de escrita. Se continuar isolado nesse meio cultural que desconhece a escrita, esse indivíduo jamais será alfabetizado. Isto é, só o processo de aprendizado da leitura e da escrita (desencadeado num determinado ambiente sociocultural onde isso seja possível) é que poderia despertar os processos de desenvolvimento internos do indivíduo que permitiam a aquisição da leitura e da escrita. Confirmando o mesmo fenômeno, podemos supor que esse indivíduo, por alguma razão, deixasse seu grupo de origem e passasse a viver num ambiente letrado, poderia ser submetido a um processo de alfabetização e seu desenvolvimento seria alterado (OLIVEIRA, 2010, p. 58-59).

No exemplo dado pela autora sobre o processo de aprendizagem que influencia no desenvolvimento dos indivíduos, podemos perceber o quanto nossa linguagem, pensamento e modo de agir são influenciados pela sociedade em que vivemos. Quando relacionamos o estudo dos povos indígenas do Espírito Santo com os fundamentos da teoria de Vigotsky de desenvolvimento e aprendizagem mediada, conseguimos obter algumas respostas sobre as imagens preconceituosas e excludentes que muitos de nossos educandos ainda possuem sobre esses povos3. Reforçando o que já foi abordado anteriormente, acreditamos que essa percepção equivocada ocorre porque em nossa sociedade ainda se preserva elementos que valorizam a cultura “ocidental”, marginalizando os grupos de origem indígena e/ou afrodescendente.

Concordamos que os signos exercem grandes influências no desenvolvimento das estruturas psicológicas superiores. É por meio dos signos, que conseguimos analisar os significados das palavras, objetos, valores estabelecidos por determinada sociedade, desenvolvimento de percepções, estratégias usadas para preservar histórias e memórias. Segundo Vigotsky, a utilização dos signos pelos seres humanos abre caminhos para que se estabeleça “[...] uma estrutura específica de comportamento que se destaca do desenvolvimento biológico e cria novas formas de processos psicológicos enraizados na cultura” (VIGOTSKY, 2007, p. 34).

A produção e reprodução dos signos como instrumentos, monumentos, linguagem são feitos de acordo com o contexto social, logo a formação das estruturas superiores, o intelecto, de uma criança ou mesmo de um adulto é influenciado pelos

3

Apresentaremos no Capítulo 4, os dados sobre as percepções dos estudantes a respeito dos indígenas do Espírito Santo.

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signos nos quais estão tendo contato direto ou indireto. Eles determinam como os indivíduos enxergam o mundo, quais os valores e hábitos culturais que possuem.

A valorização apenas dos elementos culturais de origem europeia como a religião cristã, pode ser percebida por meio dos monumentos que são considerados históricos em nosso Estado, como as igrejas jesuíticas, os personagens religiosos, as leis que têm como princípio os mandamentos bíblicos, os feriados religiosos e as romarias. A presença de estátuas homenageando personagens da História da colonização do Espírito Santo, as ruas e bairros que receberam nomes que remetem aos colonizadores e aos santos católicos, também representam esses signos e, ao mesmo tempo, reforçam a memória dos colonizadores. Sobre os signos e a memória Vigotsky afirma que,

A verdadeira essência da memória humana está no fato de os seres humanos serem capazes de lembrar ativamente com a ajuda dos signos. Poder-se-ia dizer que a característica básica do comportamento humano em geral é que os próprios homens influenciam sua relação com o ambiente e, através desse ambiente, pessoalmente modificam seu comportamento, colocando-o sob seu controle. Tem sido dito que a verdadeira essência da civilização consiste na construção propositada de monumentos para não esquecer fatos históricos [...] (VIGOTSKY, 2007, p. 50).

Esses monumentos foram construídos para lembrar a História da colonização europeia no Espírito Santo, dando visibilidade e voz apenas aos personagens ligados à Coroa Portuguesa e, ao mesmo tempo excluindo o papel dos indígenas no processo de construção da identidade regional. Quando visitamos a Prainha de Vila Velha4, não encontramos nenhuma referência aos povos que habitavam a região anteriormente à chegada dos portugueses. Essa realidade se reflete até mesmo nos museus que existem na Prainha, onde prevalece uma visão que privilegia os dominadores e coloca os dominados como grupos violentos, selvagens e responsáveis por “atrasar” o progresso da capitania.

Partindo da perspectiva vigotskyana de construção do intelecto, por meio dos signos, analisamos a seguir, como alguns autores defendem a metodologia da aula de

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A Prainha de Vila Velha representa um importante local para a História do Espírito Santo, por ser oficialmente reconhecida como o lugar onde ocorreu o encontro entre os colonizadores portugueses e os indígenas, em meados do século XVI.

Referências

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